sábado, 10 de maio de 2025

As estratégias motoras dos bebês enquanto aprendem a dar os primeiros passos

Os primeiros passos de um bebê são um marco significativo em sua vida. O mundo ganha novos caminhos a serem explorados e novos itens passam a estar ao seu alcance. Nesse processo, o desenvolvimento do andar bípede e das atividades motoras levam à aquisição de habilidades essenciais à vida diária: a estabilização corporal, orientação e a manipulação e preensão de objetos.

Para entender como os bebês adquirem essas habilidades, um estudo realizado na Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP investigou as estratégias de alcance e preensão utilizadas pelos bebês durante a obtenção e o desenvolvimento do andar bípede independente.

A pesquisa, conduzida por Laísla Camila da Silva e orientada pelo professor Luciano Basso, procurou entender de que forma as crianças escolhem pegar um item enquanto enfrentam o desafio de manter o equilíbrio.

Por meio de testes que colocaram os bebês em diferentes condições, posições e desafios, a pesquisa verificou que eles são capazes de se adaptar e apresentam diferentes estratégias conforme as condições do ambiente. Em situações estáveis, como a posição sentada, os bebês sentem-se mais confortáveis em utilizar os dedos para manipular objetos. Porém, ao se manterem de pé, a necessidade de equilibrar o corpo estimula os bebês a usar a palma da mão para pegar os itens. Como a postura e o deslocamento são atividades complexas para eles, o uso da palma aumenta as chances de sucesso.

•        A relação entre locomoção e manipulação na infância

De acordo com Laísla Camila, a movimentação em bipedia é um desafio para os bebês “pois requer a manutenção da postura ereta e do equilíbrio dinâmico em uma base de apoio em constante modificação”. O estudo aponta que o desenvolvimento do andar bípede leva à construção de uma nova e dinâmica relação entre o corpo, o ambiente e as tarefas que o bebê enfrenta. Existe uma interdependência entre esses elementos, que se tornam mais complexos com a aquisição da locomoção.

Quando os bebês transitam do engatinhar para o andar, eles deixam de ser observadores passivos e começam a interagir ativamente com o ambiente. Ao ganharem autonomia, a forma como eles percebem e exploram o mundo se modifica, acelerando o desenvolvimento tanto de habilidades motoras quanto sociais.

Além disso, com as mãos livres, eles podem interagir de formas mais variadas com os objetos ao seu redor, e as ações manipulativas de alcance e preensão tornam-se mais desenvolvidas. A pesquisadora explica que “o alcance é o movimento do braço em direção a um objeto, enquanto a preensão é definida como a união temporária entre a mão e um objeto”. Inicialmente, as preensões envolvem força com a palma da mão, mas com o tempo, ficam mais precisas com o uso dos dedos. Esse processo requer uma adaptação constante dos bebês, que escolhem diferentes estratégias para coordenar os movimentos e lidar com as exigências da tarefa, levando em conta o ambiente e a situação.

•        Coleta de dados e desafios para os bebês

Após aprovada pela Secretaria de Educação, a pesquisa contou com a participação de dez bebês de três escolas diferentes, que iniciaram os testes por volta de 1 ano de idade. Para garantir a eficiência do experimento, a pesquisadora acompanhou os bebês em suas atividades escolares por algum tempo, permitindo que eles se acostumassem com a sua presença.

A tarefa proposta aos bebês consistia em alcançar e pegar um cubo de 2 centímetros, posicionado à frente deles em um suporte. Para observar as diferentes estratégias de preensão escolhidas pelos bebês, eles foram colocados em várias situações.

Foram escolhidos os bebês que ainda não se mantinham em pé e nem andavam, para observar o início da aquisição dessa habilidade. As tarefas começaram com os bebês sentados em duas situações diferentes: com apoio de tronco, em uma cadeira de alimentação;  e sobre um tapete de EVA, sem apoio de tronco. Quando o bebê começou a realizar suas primeiras tentativas de se manter em pé, a pesquisadora o avançou para o próximo passo:  avaliação em pé e parado sem apoio; e em pé e parado com apoio de tronco no baby jump. Por fim, quando o bebê apresentou três passos consecutivos independentes e sem quedas, foi testada a condição de deslocamento: a locomoção bípede independente sem apoio; e a locomoção bípede independente com apoio de tronco no baby jump.

Em todas as condições, os bebês receberam acompanhamento constante para garantir sua segurança, sendo amparados em caso de desequilíbrio, queda iminente ou solicitação de ajuda. Cada bebê realizou três tentativas em cada condição, totalizando 18 tentativas ao longo do experimento. Ao apreender o cubo, eles foram incentivados a colocar o objeto dentro de uma caixa acrílica oferecida pela pesquisadora.

A terceira condição, relacionada ao deslocamento, foi a mais importante para o estudo. Ela possibilitou analisar como os bebês escolhiam as estratégias para alcançar e apreender o cubo enquanto se moviam e tentavam manter o equilíbrio. Nessa tarefa, os bebês precisavam andar uma distância de 1 metro para chegar ao cubo. Caso não conseguissem, o percurso era gradativamente diminuído, mantendo o requisito de realizar pelo menos três passos consecutivos.

As coletas de dados foram finalizadas quando os bebês voltavam a apresentar os padrões de alcance e preensão observados antes do início do andar bípede independente, ou quando mostravam melhorias significativas na locomoção, como a redução da largura entre as pernas ou o abaixamento dos braços ao caminhar.

•        Capacidade de adaptação

Ao final dos testes e da análise dos resultados, foi possível compreender melhor as ações manuais dos bebês e como elas se desenvolvem durante a aquisição de uma habilidade tão importante quanto o andar. Inicialmente, notou-se que os bebês não utilizaram as duas mãos simultaneamente nas tarefas propostas, mantendo uma predominância de aproximadamente 97% das ações unimanuais durante todo o período analisado, mesmo após o início do andar bípede.

No entanto, surgiram diferenças significativas nas possíveis estratégias com apenas uma das mãos. Os bebês, quando sentados, preferiram utilizar mais a precisão dos dedos, enquanto nas situações de maior instabilidade postural optaram pela estratégia unimanual palmar. Além disso, quando os bebês mantinham os braços elevados para se equilibrar, a palma da mão se mostrou o método predominante nas atividades propostas.

Esses achados comprovam que os bebês possuem uma grande capacidade de adaptação diante dos desafios diários, evidenciando a conexão entre o raciocínio e a atividade motora. Com a necessidade de manter a postura ereta e a complexidade do andar bípede independente, os bebês priorizam ações manuais que garantam estabilidade, mesmo que sejam pouco refinadas e menos adaptadas às características do objeto.

A pesquisadora afirma que “o controle postural e as estratégias manuais se desenvolvem de maneira assincrônica”, ressaltando que a integração dessas habilidades é gradual. Durante os testes, os bebês na posição bípede, parada ou em deslocamento, precisavam ajustar seu equilíbrio constantemente. Por isso, apesar do cubo utilizado no experimento ser leve e pequeno, o uso da estratégia unimanual palmar não reflete a incapacidade dos bebês em reconhecer as características do objeto, mas sim o impacto da manutenção da postura ereta.

O estudo concluiu que as estratégias manuais se modificam para atender às demandas posturais e aos desafios das atividades cotidianas dos bebês, principalmente durante a fase inicial da aquisição do andar bípede independente. A estratégia unimanual digital e a postura mais relaxada dos braços são mais comuns quando os bebês estão sentados ou em pé com apoio, sendo, justamente, condições de maior estabilidade corporal.

 

Fonte: Jornal da USP

 

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