As
estratégias motoras dos bebês enquanto aprendem a dar os primeiros passos
Os
primeiros passos de um bebê são um marco significativo em sua vida. O mundo
ganha novos caminhos a serem explorados e novos itens passam a estar ao seu
alcance. Nesse processo, o desenvolvimento do andar bípede e das atividades
motoras levam à aquisição de habilidades essenciais à vida diária: a
estabilização corporal, orientação e a manipulação e preensão de objetos.
Para
entender como os bebês adquirem essas habilidades, um estudo realizado na
Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP investigou as estratégias de
alcance e preensão utilizadas pelos bebês durante a obtenção e o
desenvolvimento do andar bípede independente.
A
pesquisa, conduzida por Laísla Camila da Silva e orientada pelo professor
Luciano Basso, procurou entender de que forma as crianças escolhem pegar um
item enquanto enfrentam o desafio de manter o equilíbrio.
Por
meio de testes que colocaram os bebês em diferentes condições, posições e
desafios, a pesquisa verificou que eles são capazes de se adaptar e apresentam
diferentes estratégias conforme as condições do ambiente. Em situações
estáveis, como a posição sentada, os bebês sentem-se mais confortáveis em
utilizar os dedos para manipular objetos. Porém, ao se manterem de pé, a
necessidade de equilibrar o corpo estimula os bebês a usar a palma da mão para
pegar os itens. Como a postura e o deslocamento são atividades complexas para
eles, o uso da palma aumenta as chances de sucesso.
• A relação entre locomoção e manipulação
na infância
De
acordo com Laísla Camila, a movimentação em bipedia é um desafio para os bebês
“pois requer a manutenção da postura ereta e do equilíbrio dinâmico em uma base
de apoio em constante modificação”. O estudo aponta que o desenvolvimento do
andar bípede leva à construção de uma nova e dinâmica relação entre o corpo, o
ambiente e as tarefas que o bebê enfrenta. Existe uma interdependência entre
esses elementos, que se tornam mais complexos com a aquisição da locomoção.
Quando
os bebês transitam do engatinhar para o andar, eles deixam de ser observadores
passivos e começam a interagir ativamente com o ambiente. Ao ganharem
autonomia, a forma como eles percebem e exploram o mundo se modifica,
acelerando o desenvolvimento tanto de habilidades motoras quanto sociais.
Além
disso, com as mãos livres, eles podem interagir de formas mais variadas com os
objetos ao seu redor, e as ações manipulativas de alcance e preensão tornam-se
mais desenvolvidas. A pesquisadora explica que “o alcance é o movimento do
braço em direção a um objeto, enquanto a preensão é definida como a união
temporária entre a mão e um objeto”. Inicialmente, as preensões envolvem força
com a palma da mão, mas com o tempo, ficam mais precisas com o uso dos dedos.
Esse processo requer uma adaptação constante dos bebês, que escolhem diferentes
estratégias para coordenar os movimentos e lidar com as exigências da tarefa,
levando em conta o ambiente e a situação.
• Coleta de dados e desafios para os bebês
Após
aprovada pela Secretaria de Educação, a pesquisa contou com a participação de
dez bebês de três escolas diferentes, que iniciaram os testes por volta de 1
ano de idade. Para garantir a eficiência do experimento, a pesquisadora
acompanhou os bebês em suas atividades escolares por algum tempo, permitindo
que eles se acostumassem com a sua presença.
A
tarefa proposta aos bebês consistia em alcançar e pegar um cubo de 2
centímetros, posicionado à frente deles em um suporte. Para observar as
diferentes estratégias de preensão escolhidas pelos bebês, eles foram colocados
em várias situações.
Foram
escolhidos os bebês que ainda não se mantinham em pé e nem andavam, para
observar o início da aquisição dessa habilidade. As tarefas começaram com os
bebês sentados em duas situações diferentes: com apoio de tronco, em uma
cadeira de alimentação; e sobre um
tapete de EVA, sem apoio de tronco. Quando o bebê começou a realizar suas
primeiras tentativas de se manter em pé, a pesquisadora o avançou para o
próximo passo: avaliação em pé e parado
sem apoio; e em pé e parado com apoio de tronco no baby jump. Por fim, quando o
bebê apresentou três passos consecutivos independentes e sem quedas, foi
testada a condição de deslocamento: a locomoção bípede independente sem apoio;
e a locomoção bípede independente com apoio de tronco no baby jump.
Em
todas as condições, os bebês receberam acompanhamento constante para garantir
sua segurança, sendo amparados em caso de desequilíbrio, queda iminente ou
solicitação de ajuda. Cada bebê realizou três tentativas em cada condição,
totalizando 18 tentativas ao longo do experimento. Ao apreender o cubo, eles
foram incentivados a colocar o objeto dentro de uma caixa acrílica oferecida
pela pesquisadora.
A
terceira condição, relacionada ao deslocamento, foi a mais importante para o
estudo. Ela possibilitou analisar como os bebês escolhiam as estratégias para
alcançar e apreender o cubo enquanto se moviam e tentavam manter o equilíbrio.
Nessa tarefa, os bebês precisavam andar uma distância de 1 metro para chegar ao
cubo. Caso não conseguissem, o percurso era gradativamente diminuído, mantendo
o requisito de realizar pelo menos três passos consecutivos.
As
coletas de dados foram finalizadas quando os bebês voltavam a apresentar os
padrões de alcance e preensão observados antes do início do andar bípede
independente, ou quando mostravam melhorias significativas na locomoção, como a
redução da largura entre as pernas ou o abaixamento dos braços ao caminhar.
• Capacidade de adaptação
Ao
final dos testes e da análise dos resultados, foi possível compreender melhor
as ações manuais dos bebês e como elas se desenvolvem durante a aquisição de
uma habilidade tão importante quanto o andar. Inicialmente, notou-se que os
bebês não utilizaram as duas mãos simultaneamente nas tarefas propostas,
mantendo uma predominância de aproximadamente 97% das ações unimanuais durante
todo o período analisado, mesmo após o início do andar bípede.
No
entanto, surgiram diferenças significativas nas possíveis estratégias com
apenas uma das mãos. Os bebês, quando sentados, preferiram utilizar mais a
precisão dos dedos, enquanto nas situações de maior instabilidade postural
optaram pela estratégia unimanual palmar. Além disso, quando os bebês mantinham
os braços elevados para se equilibrar, a palma da mão se mostrou o método
predominante nas atividades propostas.
Esses
achados comprovam que os bebês possuem uma grande capacidade de adaptação
diante dos desafios diários, evidenciando a conexão entre o raciocínio e a
atividade motora. Com a necessidade de manter a postura ereta e a complexidade
do andar bípede independente, os bebês priorizam ações manuais que garantam
estabilidade, mesmo que sejam pouco refinadas e menos adaptadas às
características do objeto.
A
pesquisadora afirma que “o controle postural e as estratégias manuais se
desenvolvem de maneira assincrônica”, ressaltando que a integração dessas
habilidades é gradual. Durante os testes, os bebês na posição bípede, parada ou
em deslocamento, precisavam ajustar seu equilíbrio constantemente. Por isso,
apesar do cubo utilizado no experimento ser leve e pequeno, o uso da estratégia
unimanual palmar não reflete a incapacidade dos bebês em reconhecer as
características do objeto, mas sim o impacto da manutenção da postura ereta.
O
estudo concluiu que as estratégias manuais se modificam para atender às
demandas posturais e aos desafios das atividades cotidianas dos bebês,
principalmente durante a fase inicial da aquisição do andar bípede
independente. A estratégia unimanual digital e a postura mais relaxada dos
braços são mais comuns quando os bebês estão sentados ou em pé com apoio,
sendo, justamente, condições de maior estabilidade corporal.
Fonte:
Jornal da USP

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