Advogados pagam aluguéis, atacam STF e
discutem até luta armada com foragidos do 8 de Janeiro
O advogado Claudio Luis Caivano é acusado de
desempenhar um papel central no apoio a brasileiros condenados pela tentativa
de golpe de estado em 8 de janeiro de 2023 e que estão foragidos da Justiça.
Uma denúncia protocolada em março deste ano
na Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB, e no Ministério Público Federal, o
MPF, e na Polícia Federal aponta que Caivano integraria uma estrutura que
oferece suporte jurídico, financeiro e logístico a fugitivos que se
estabeleceram fora do país, sobretudo na Argentina.
A documentação, que reúne mais de 100 páginas
de evidências, incluindo vídeos, capturas de tela de redes sociais e
transcrições de transmissões ao vivo, foi elaborada pelo comunicador Victor
Panchorra. Até o momento, no entanto, apenas o MPF respondeu às denúncias,
pedindo arquivamento do caso. Procurados pelo Intercept, OAB e Polícia Federal
não se manifestaram sobre o assunto.
Já o MPF alegou, na decisão que arquivou a
denúncia, que as provas apresentadas não configuram crimes graves, mas sim o
exercício da liberdade de expressão. Para o procurador da República Marcus
Marcelus Gonzaga Goulart, o material também não comprovou incitação concreta a
crimes nem favorecimento material aos fugitivos, dizendo que encontros entre
advogados e clientes foragidos são compatíveis com a atividade da advocacia.
Um dos vídeos apresentados por Panchorra e
minimizados pelo MPF, de setembro de 2023, é do agricultor paranaense Daniel
Luciano Bressan, denunciado pela Procuradoria-Geral da República, a PGR, por
incitação ao crime, associação criminosa armada, abolição violenta do Estado
Democrático de Direito, tentativa de golpe de estado e dano qualificado contra
o patrimônio.
A denúncia foi integralmente aceita pelo
plenário do STF, mas Bressan não apresentou defesa prévia nem compareceu à
audiência de instrução. Ele é considerado foragido e tem um mandado de prisão
em aberto.
No conteúdo, que foi transmitido ao vivo pelo
Instagram, Bressan menciona Caivano e as advogadas Taniéli Telles de Camargo
Padoan e Marta Elaine Cesar Padovani, além da Associação de Familiares e
Vítimas do 8 de Janeiro, a Asfav, como financiadores de foragidos na Argentina.
“O Caivano está fazendo um trabalho muito
bonito captando fundo para aluguéis de algumas pessoas que aqui estão. O
Caivano fez umas oito ou dez lives e ajudou parece que cinco ou seis patriotas.
Inclusive, eu conheço as pessoas ajudadas por ele”, afirmou o foragido, durante
a live.
A transmissão foi veiculada pelo perfil no
Instagram do grupo Congresso Conservador Brasileiro da Argentina, o CCB, um
movimento que se diz dedicado a defender os “presos políticos” do Brasil.
Procurado para se manifestar sobre o
pagamento de aluguéis a foragidos na Argentina, Caivano mencionou a decisão de
arquivamento do MPF e, em referência ao vídeo de Bressan, disse que “fontes não
são absoluta expressão da verdade”.
Nas redes sociais, dezenas de postagens
públicas feitas por Caivano e pelas advogadas revelam o apoio aos foragidos,
como uma publicação de Taniéli Telles celebrando parceria com a deputada
argentina María Cecilia Ibáñez para oferecer, nas palavras dela, “todo apoio
aos perseguidos políticos brasileiros”, em vídeo gravado em Buenos Aires.
Em março, o Intercept Brasil revelou a
atuação de uma organização chefiada por Telles que atua na arrecadação de
dinheiro para os familiares de autointitulados “refugiados”, o Instituto Gritos
de Liberdade, sediado em Jaraguá do Sul, em Santa Catarina.
Nas redes sociais e em seus dados de cadastro
na Receita Federal, a ONG mostra dedicação aos bolsonaristas supostamente
“refugiados e exilados” e faz diversas publicações sobre os foragidos na
Argentina.
Ana Caroline Sibut Stern, advogada da
organização, negou que o Instituto Gritos de Liberdade faça qualquer tipo de
repasses diretos a foragidos. “Temos uma contabilidade de todo o valor que o
instituto arrecada e repassa, isso é bem transparente. Se for objeto de
investigação da Polícia Federal, disponibilizamos tudo”, declarou.
• Advogada
festeja PIX para foragido
A denúncia apresentada por Panchorra à OAB,
ao MPF e à PF também relaciona o nome de Caivano, Telles, Padovani e Stern a
transmissões ao vivo promovidas por influenciadores bolsonaristas condenados
por participação nos ataques de janeiro.
Uma das lives, que foi ao ar em maio de 2024,
foi transmitida pelo canal do youtuber e ex-BBB Adriano Luiz Ramos de Castro,
conhecido como Didi Red Pill. Apesar de haver um mandado de prisão em aberto
contra si, ele participa do bate-papo junto com Caivano e de Stern.
Durante a transmissão, Didi afirma ter fugido
do Brasil para evitar a prisão. Ao longo da live, os participantes divulgam uma
chave PIX para arrecadar fundos destinados à manutenção de Didi no exterior. Em
determinado momento, Stern agradece uma doação feita ao canal do foragido
fazendo um gesto de coração com as mãos.
Em outra passagem da mesma live, Stern afirma
que os Acordos de Não Persecução Penal, os ANPP propostos por MPF e STF a
alguns dos golpistas estão, na verdade, dentro de um esquema de “forçação” e
que as prisões preventivas por descumprimento de medidas cautelares são usadas
como “ferramenta de sofrimento” para que os réus assinem os acordos.
Caivano, então, corrobora a acusação e leva
ainda mais longe a teoria de que os acordos são uma “arapuca” do STF,
comparando a métodos de coação, coerção e tortura – sem apresentar nenhuma
prova.
• Caivano
debate até luta armada
Em outra transmissão, realizada em agosto de
2023, Caivano debate com três foragidos — o empresário paulista Fabrício de
Moura Gomes e os catarinenses Gilberto Ackermann e Angelo Sotero de Lima, todos
condenados a 17 anos de prisão por crimes como associação criminosa armada e
abolição violenta do Estado Democrático de Direito — a possibilidade de uma
reação armada contra o Supremo Tribunal Federal.
Na live, o advogado diz considerar
insuficiente o número de Colecionadores, Atiradores e Caçadores, os CACs, para
dar início a uma tomada de poder no Brasil e trata a luta armada como uma opção
diante do que define como “tirania”.
“Como é que a gente desfaz uma injustiça do
tamanho da que vocês passaram?”, pergunta Caivano aos foragidos. “Ela só
acontece pela política, ou então por uma revolução. Agora, como que a gente vai
fazer uma revolução no Brasil se somente um milhão de pessoas no Brasil tem
armas?”, afirma o advogado.
“Tem gente que vai dizer assim, não, você faz
revolução só com 100 mil armados. 100 mil armados? Nós temos um litoral de
8.800 quilômetros”, reflete Caivano. “Como é que você vai colocar um milhão de
pessoas espalhadas em todos os estados para tomarem todas as sedes de
governo?”, questiona.
Em seu perfil no Instagram, Caivano faz
questão de exibir o seu próprio certificado de CAC. Questionado sobre o teor
das afirmações sobre luta armada no Brasil, o advogado não respondeu.
• ‘Nordestino
burro’
O histórico de Caivano ainda inclui episódios
anteriores à atuação em defesa dos envolvidos no 8 de Janeiro. Em 2020, o site
Metrópoles revelou que ele foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça, o
STJ, por injúria racial e ameaças a um zelador de um prédio em São Paulo.
De acordo com o processo, o advogado chamou a
vítima de “nordestino burro” e “cabeça chata”. A pena de 1 ano e 2 meses foi
convertida em serviços comunitários.
A condenação não foi impedimento para Caivano
ampliar sua presença em redes sociais e estreitar vínculos com políticos. Foi
nessa época que ele abriu seu canal no YouTube, que hoje tem 80 mil inscritos e
é dedicado a críticas ao Supremo Tribunal Federal e à defesa dos réus do 8 de
Janeiro, chamados por ele de “presos políticos”.
Logo no dia 10 de janeiro de 2023, dois dias
após o ataque em Brasília, Caivano participou de uma transmissão ao vivo dentro
da Academia da Polícia Federal, ao lado do senador Marcos do Val, do PL do
Espírito Santo, em que sugeriu que presos gravassem vídeos relatando supostas
torturas. Desde então, ele já publicou dois livros sobre o 8 de Janeiro.
• ‘Celebraremos
sua queda’
Taniéli Telles é outra advogada que não se
constrange em fazer demonstrações públicas de teor golpista. Em publicação ao
lado do blogueiro Allan dos Santos, foragido da Justiça brasileira, ela diz que
celebrará a queda de Alexandre de Moraes, ministro do STF.
Já o advogado Hélio Garcia Ortiz Junior,
também citado na denúncia apresentada à OAB e ao MPF, usa seu perfil
profissional no Instagram para promover uma campanha internacional contra as
condenações do STF, em parceria com Telles. Em publicação comemorativa, ele
escreve que os dois estariam “entre os três advogados mais influentes do
Brasil”.
Em junho de 2024, Caivano, Taniéli Telles e
Hélio Ortiz participaram de um evento nos Estados Unidos promovido pelo
Congresso Conservador Brasileiro, o CCB-USA, que também contou com a presença
de Allan dos Santos.
A denúncia que documentou a conduta dos
advogados pede uma apuração sobre diversos pontos, como a suposta associação
criminosa para financiar a fuga de condenados, a incitação à violência e ao
descumprimento de decisões judiciais e o uso de redes sociais por foragidos que
estão legalmente proibidos de fazê-lo.
Procurada pelo Intercept, a vice-presidente
do Instituto Gritos de Liberdade, Marta Padovani, afirmou que a organização
atua exclusivamente no apoio a familiares de presos e monitorados
eletronicamente.
“A declaração de Daniel Luciano Bressan foi
interpretada de forma equivocada. Talvez expressasse uma expectativa pessoal,
mas não corresponde à realidade”, escreveu em nota.
Questionados formalmente sobre o apoio
material e a prestação de consultoria jurídica foragidos da Justiça, a Asfav
afirmou que “não realiza ajuda financeira a pessoas refugiadas em outros países
ou com mandados de prisão, pois não somos idiotas”. Taniéli Telles e Hélio
Ortiz Júnior, também citados na denúncia, não responderam às tentativas de
contato. O espaço segue aberto para manifestações.
Fonte: Por Paulo Motoryn e Thalys Alcântara,
em The Intercept

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