Francisco Teixeira: O
estranho mundo da economia
Os manuais de introdução à economia pouco ou quase nada
diferem entre si. A forma de exposição nem sempre segue um padrão rígido. No
entanto, o conteúdo é sempre o mesmo. Com efeito, partem da suposição de que os
recursos são escassos, para daí defenderem ideia de que o mercado é a forma
mais eficiente para administrar o uso dos bens e serviços. Mas de onde surge a
ideia de que o mercado é o meio mais eficiente para a alocação e distribuição
dos recursos? – De Adam Smith. Com efeito, este pensador, considerado por
muitos como o pai da Economia, pressupõe que o homem é um ser da troca. Logo
nas primeiras páginas do seu livro, A riqueza das nações, ele define o
homem como um ente dotado de uma inclinação natural para a troca; é inerente à
sua natureza intercambiar uma coisa por outra. Para emprestar maiores razões ao
seu conceito de homem, Adam Smith não hesita em recorrer a ilustrações
esdrúxulas, como o fato de que “ninguém jamais viu um cachorro fazer uma troca
justa e deliberada de um osso por outro, com um segundo cachorro. Ninguém jamais viu um animal dando a entender a
outro, através de gestos ou gritos naturais: isto é meu, isto é teu, estou
disposto a trocar isto por aquilo” (SMITH.1985.p.49).
Ora, se o homem é um ser da troca, é natural que ele só
possa realizar-se plenamente em uma sociedade de mercado. Afinal, para Adam
Smith, a troca é o meio pelo qual cada indivíduo obtém o mesário para viver. O
homem, diz ele, “a todo momento necessita da ajuda e cooperação de grandes
multidões, e sua vida inteira mal seria suficiente para conquistar a amizade de
algumas pessoas. O homem
(…) tem necessidade quase constante da ajuda dos semelhantes, e é inútil
esperar esta ajuda simplesmente da benevolência alheia. Ele terá maior
probabilidade de obter o que quer, se conseguir interessar a seu favor a
autoestima dos outros, mostrando-lhes que é vantajoso para eles fazer-lhe ou
dar-lhe aquilo de que ele precisa. É isto o que faz toda pessoa que propõe um
negócio a outra. Dê-me aquilo que eu quero, e você terá isto aqui, que você
quer – esse é o significado de qualquer oferta desse tipo; e é dessa forma que
obtemos uns dos outros a grande maioria dos serviços de que necessitamos. Não é
da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso
jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse.
Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas à sua autoestima, e nunca lhes falamos
das nossas próprias necessidades, mas das vantagens que advirão para eles”
(SMITH. 1985.p.50).
A troca é, portanto, o meio pelo qual os homens
satisfazem suas necessidades. Procedem dessa forma porque o mercado é, por
excelência, uma instituição natural. Por isso, qualquer intervenção voltada
para regulamentar essa instituição é considera uma ameaça à liberdade dos
indivíduos de decidirem como e onde devem aplicar seus capitais. Daí a defesa
incondicional de Adam Smith da liberdade de mercado para o desenvolvimento das
nações. Para ele, nenhuma regulamentação comercial poderá aumentar a quantidade
de mão-de-obra em qualquer sociedade além daquilo que o capital, isto é, o
livre mercado, tem condições de manter. Tal regulamentação, diz ele, “poderá
apenas desviar parte desse capital para uma direção para a qual, de outra
forma, não teria sido canalizada; outrossim, de maneira alguma há certeza de
que essa direção artificial possa trazer mais vantagens à sociedade do que
aquela que tornaria caso as coisas caminhassem espontaneamente”
(SMITH.1985.p.378). Afinal, para o autor de A riqueza das nações, “cada indivíduo
(…) tem muito melhores condições do que qualquer estadista ou legislador de
julgar por si mesmo qual o tipo de atividade nacional na qual pode empregar seu
capital, e cujo produto tenha probabilidade de alcançar o valor máximo. O
Estadista que tentasse orientar pessoas particulares sobre como devem empregar
seu capital não somente se sobrecarregaria com uma preocupação altamente desnecessária,
mas também assumiria uma autoridade que seguramente não pode ser confiada a
alguma assembleia ou conselho, e que, em lugar algum, seria tão perigosa como
nas mãos de uma pessoa com insensatez e presunção suficiente para imaginar
capaz de exercer tal autoridade” (SMITH, 1985, p. 380).
A liberdade de mercado é condição necessária não só
para o crescimento das nações, como também para o desenvolvimento do mercado
mundial. Para citar David Ricardo, “num sistema comercial perfeitamente livre,
cada país naturalmente dedica seu capital e seu trabalho à atividade que lhe
seja mais benéfica. Essa busca de vantagem individual está admiravelmente
associada ao bem universal do conjunto dos países. Estimulando a dedicação ao
trabalho, recompensando a engenhosidade e propiciando o uso mais eficaz das
potencialidades proporcionadas pela natureza, distribui-se o trabalho de modo
mais eficiente e mais econômico, enquanto, pelo aumento geral do volume de
produtos difunde-se o benefício de modo geral e unem-se a sociedade universal
de todas as nações do mundo civilizado por laços comuns de interesse e de
intercâmbio” (RICARDO.1985. p.104).
Isso ainda não é tudo. A tese da liberdade de mercado,
tão ardorosamente defendida por esses dois gigantes da Economia Política Clássica
burguesa, assenta-se no pressuposto de que o valor dos bens e serviços é
determinado pelo quantum de trabalho necessário à sua produção. Sendo
assim, o lucro só poderá ser explicado como uma parte do trabalho realizado
pelos trabalhadores, apropriado gratuitamente pelos donos dos meios de
produção. Quanto a isto, Adam Smith não deixa dúvidas. A partir do momento em
que a sociedade se divide em classes, cujos interesses são divergentes, diz
ele, “o patrimônio ou capital [que] se acumulou nas mãos de pessoas
particulares”, alguns desses particulares, continua ele, “empregarão esse
capital para contratar pessoas laboriosas, fornecendo-lhes matérias-primas e
subsistência a fim de auferir lucro com a venda do trabalho dessas pessoas ou
com aquilo que este trabalho acrescenta ao valor desses materiais. Ao trocar-se
o produto acabado por dinheiro ou por trabalho, ou por outros bens, além do que
pode ser suficiente para pagar o preço dos materiais e os salários dos
trabalhadores, deverá resultar algo para pagar os lucros do empresário, pelo
seu trabalho e pelo risco que ele assume ao empreender esse negócio. Nesse
caso, o valor que os trabalhadores acrescentam aos materiais desdobra-se, pois,
em duas partes ou componentes, sendo que a primeira paga os salários dos
trabalhadores, e a outra, os lucros do empresário, por todo o capital e os
salários que ele adianta no negócio” (SMITH. 1985.p.77-78).
Não sem razão, Adam Smith entende que os salários
dependem “do contrato normalmente feito entre as duas partes, cujos interesses,
aliás, de forma alguma são os mesmos. Os trabalhadores desejam ganhar o máximo
possível, os patrões pagar o mínimo possível. Os primeiros procuram associar-se
entre si para levantar os salários do trabalho, os patrões fazem o mesmo para
baixá-los. Não é difícil prever qual das duas partes, normalmente, leva
vantagem na disputa e no poder de forçar a outra a concordar com as suas
próprias cláusulas. Os patrões, por serem menos numerosos, podem associar-se
com maior facilidade; além disso, a lei autoriza ou pelo menos não os proíbe,
ao passo que para os trabalhadores ela proíbe. Não há leis do Parlamento que
proíbam os patrões de combinar uma redução dos salários; muitas são, porém, as
leis do Parlamento que proíbem associações para aumentar os salários. Em todas
essas disputas, o empresário tem capacidade para aguentar por muito mais tempo.
Um proprietário rural, um agricultor ou um comerciante, mesmo sem empregar um
trabalhador sequer, conseguiriam geralmente viver um ano ou dois com o
patrimônio que já puderam acumular. Ao contrário, muitos trabalhadores não
conseguiriam subsistir uma semana, poucos conseguiriam subsistir um mês e
dificilmente algum conseguiria subsistir um ano, sem emprego. A longo prazo, o
trabalhador pode ser tão necessário ao seu patrão, quanto este o é para o
trabalhador; porém esta necessidade não é tão imediata” (SMITH. 1985.p. 92-93).
David Ricardo não pensa diferente. Seu grande mérito
foi ter demonstrado que o valor do produto se divide em duas partes: o lucro e
o salário, que variam inversamente, de sorte que os salários só podem aumentar
se houver uma redução dos lucros; estes, por sua vez, só podem aumentar com uma
queda dos salários. Não por acaso, ele foi acusado de ser comunista, de pregar
a discórdia entre as classes sociais. De uma perspectiva histórica, a economia
política clássica coincide com o período em que a luta de classes ainda não
estava plenamente desenvolvida. Tudo isso muda quando as burguesias francesa e
inglesa assumem o poder político. “A partir de então, a luta de classes
assumiu, teórica e praticamente, formas cada vez mais acentuadas e ameaçadoras.
Ela fez soar o sino fúnebre da economia científica burguesa. Não se tratava
mais de saber se este ou aquele teorema era verdadeiro, mas se, para o capital,
ele era útil ou prejudicial, cômodo ou incômodo, se contrariava ou não as
ordens policiais. O lugar da investigação desinteressada foi ocupado pelos
espadachins a soldo, e a má consciência e as más intenções da apologética
substituíram a investigação científica imparcial” (MARX (a). 2017.p.86).
Desde então, a economia sofre um processo de limpeza
para varrer de seu campo de análise tudo que cheira a luta de classes. A ideia
de que o valor é determinado pela quantidade de trabalho dá lugar à concepção
de que o valor de um bem depende do grau de sua utilidade. Com isso, a teoria
do valor-utilidade desloca o trabalho como único fator de produção da riqueza
por uma concepção em que o valor é, agora, determinado pela conjugação de três
fatores distintos: trabalho, terra e capital.
É o desterro das classes sociais do mundo da economia,
que passa, doravante, a ser habitado por indivíduos que agem de acordo com suas
escolhas, as quais se fazem sob o imperativo de dois mestres soberanos: o
prazer e a dor, como diria Jeremy Benthan. Doravante, é o indivíduo, e não mais
as classes sociais, que passa a ser considerado como unidade básica da análise
econômica. Contudo, há que se recordar que tal unidade não toma o indivíduo de
carne e osso como método de análise, mas, sim, um suposto homo economicus, como
representação das duas instituições básicas da microeconomia: o consumidor e do
produtor. Esse é o mundo que espera pelo estudante de economia. Um universo
onde não existe luta de classes; nem conflitos, porque não há empregados e
patrões; é um mundo, portanto, no qual não há sindicatos; e não existem
sindicatos porque é o trabalhador que decide quanto está disposto a abrir mão
de seu lazer em troca de mais trabalho; é um mundo perfeito, tão perfeito que
só existe na cabeça do economista.
Esse mundo criado pela economia não é mero diletantismo
intelectual. Ele tem uma função. Serve para julgar quão distante ou próxima ele
está da realidade concreta, da realidade habitada por indivíduos de carne e
osso. Para realizar esse julgamento, a economia assume a hipótese de que os
recursos são escassos. Se os recursos são escassos, impõe-se, necessariamente,
uma escolha ente duas ou mais alternativas sobre como eles devem ser
administrados. A decisão entre as várias alternativas cabe ao mercado,
considerado, não só a melhor instituição, mas a única capaz de alocar e
distribuir, da forma mais eficiente possível, os recursos da sociedade. É daí
que partem os manuais de Introdução à economia, cuja preocupação é ensinar como
se devem administrar os recursos da sociedade, de modo mais eficiente. Para
tanto, tais manuais, em geral, partem da representação gráfica de uma curva de
possibilidade de produção, que coloca a sociedade sob o dilema de o que
produzir: se mais alimentos ou mais armas, por exemplo. Em seguida, os manuais
apresentam o fluxo circular da renda, para mostrar que a economia depende de um
fluxo de trocas, onde, de um lado, estão as famílias e, de outro, as firmas.
Tudo se passa como se as empresas não tivessem donos, pois no universo das
famílias estão os donos dos fatores de produção, que vivem da venda de seus
serviços para firmas imaginárias, que produzem bens e serviços para os donos
dos meios de produção (trabalho, capital e terra), isto é, para as famílias.
Nem uma palavra sobre como os possuidores da terra adquiriam suas propriedades,
nem como os donos do capital formaram seu patrimônio. Partindo daí, os manuais
investigam como cada fator de produção (terra, trabalho e capital) participa da
produção da riqueza e como cada um deles é remunerado. Tome-se como exemplo a
oferta de trabalho, isto é, a quantidade de trabalho que cada trabalhador está
disposto a oferecer ao mercado. Para demonstrar como se determina a oferta de
trabalho, Krugman e Wells, inicialmente, perguntam “como as pessoas decidem
quanto trabalho?”, para, em seguida, afirmarem que, na prática, “a maioria das
pessoas tem um controle limitado sobre os seus horários de trabalho: ou se
aceita um emprego que implica trabalhar um número estabelecido de horas por semana
ou não se tem emprego nenhum. Para
entender a lógica da oferta de trabalho, contudo, convém deixar o realismo de
lado por um instante e imaginar um indivíduo que possa escolher trabalhar
tantas horas quanto queira”. (KRUGMAN & WELLS. 2011, p. 458).
Vê-se, assim, que Krugman e Wells não sentem nenhum
constrangimento ao pedir ao leitor para esquecer como as coisas acontecem na
vida real: “Como eles determinam quanto de trabalho os trabalhadores estão
dispostos a oferecer ao mercado? Concedendo-lhes a palavra, começam sua
investigação perguntando “por que um indivíduo (…) não trabalharia tantas horas
quanto possível? Porque os trabalhadores são seres humanos também e têm outros
usos para seu tempo. Uma hora gasta no trabalho é uma hora que não é gasta em
outras atividades presumivelmente mais prazerosas. Assim, a decisão sobre
quanto trabalho ofertar envolve uma decisão sobre a alocação do tempo: quantas
horas dedicar a diferentes atividades” (KRUGMAN & WELLS. 2011, p 458). Em
seguida, detalham melhor como age o trabalhador ao ofertar mais ou menos
trabalho ao mercado. Valendo-se de os Princípios de economia de Alfred
Marshall, explicam que “trabalhando, as pessoas obtêm uma renda que podem usar
para comprar bens. Quanto mais horas um indivíduo trabalha, mais bens ele pode
comprar. Mas esse aumento do poder de compra ocorre às custas de uma redução no
tempo de lazer, o tempo gasto sem trabalho (…). E, embora o bem comprado gere
utilidade, o lazer também. De fato, podemos imaginar o próprio lazer, como um bem
normal, que a maioria das pessoas gostaria de consumir mais quando sua renda
aumenta” (KRUGMAN & WELLS. 2011, p, 2011, p. 458). Krugman e Wells
pressupõem que os agentes econômicos são racionais, e como tais, estão sempre
ponderando qual a melhor escolha a fazer, seja na compra de um bem ou na oferta
de um serviço. Neste último caso, eles agem da mesma forma que um consumidor
racional. Como assim?
Valendo-se de um exemplo hipotético, esses dois autores
imaginam que um certo individuo, chamado Clive, “gosta tanto de lazer quanto
dos bens que o dinheiro pode comprar. E suponha que seu salário seja $10 por
hora. Ao decidir quantas horas quer trabalhar, ele tem de comparar a utilidade
marginal de uma hora adicional de lazer com a utilidade adicional que ele obtém
de $10 em bens. Se $10 em bens acrescenta mais à sua utilidade total do que uma
hora de lazer, ele pode aumentar a sua utilidade total renunciando a uma hora
de lazer a fim de trabalhar uma hora adicional. Se
uma hora extra de lazer acrescentar à sua utilidade total mais do que $10 de
renda, ele pode aumentar sua utilidade total trabalhando uma hora a menos a fim
de ganhar uma hora de lazer” (KRUGMAN & WELLS. 2011, p, 2011, p. 458).
Que mundo é esse em que os indivíduos dispõem de total
controle sobre a duração de sua jornada de trabalho? Bem diferente do que
demonstram Krugman e Wells, a determinação da duração da jornada de trabalho se
apresenta, ao longo do desenvolvimento da sociedade capitalista, como uma luta
em torno dos seus limites, uma luta entre a classe capitalista e a classe
trabalhadora. Uma luta que está registrada nos anais da história com “letras de
sangue e fogo”, para falar com Marx. Que tal voltar agora à questão da relação
entre escassez e mercado. Valendo-se mais uma vez de Krugman e Wells, esses
autores imaginam o que aconteceria se “você pudesse transportar um americano do
período colonial para os dias de hoje (…). O que o viajante do tempo acharia
espantoso? (KRUGMAN & WELLS. 2011, p, 2011, p.2).
A resposta vem carregada de um sentimento de orgulho
por tudo que os Estados Unidos da América da América do Norte fizeram para
transformar aquela colônia em um dos mais ricos países do mundo. É o que se
depreende quando afirmam que “certamente o mais espantoso seria a prosperidade
da América moderna – o leque dos bens e serviços que as famílias comuns podem
adquirir. Olhando toda essa riqueza, nosso colono transplantado do século XVIII
indagaria: ‘Como posso ter uma parte disso’? Ou talvez perguntasse: ‘Como minha
sociedade pode obter uma parte disso’’’ (KRUGMAN & WELLS. 2011, p, 2011,
p.2). Não é difícil imaginar qual seja a
resposta. Diante do espanto do viajante do tempo, Krugman e Wells não têm
dúvidas de que para chegar onde chegou, os Estados Unidos precisaram “de um
sistema que funcione bem para coordenar as atividades produtivas – as
atividades que criam os bens e serviços que as pessoas desejam e que fazem
chegar aos que querem. É esse tipo de sistema que temos em mente quando falamos
da economia. E a análise econômica é o estudo das economias, tanto no nível do
indivíduo como da sociedade em seu conjunto” (KRUGMAN & WELLS. 2011. p
2011, p.2).
O sistema de que falam Krugman e Wells não poderia ser
outro que não o mercado. Não por acaso, eles intitulam essa parte do texto de
“A mão invisível”, metáfora criada pelo pai do liberalismo econômico, Adam
Smith, para expressar que o mercado é, por excelência, a instituição mais
eficiente na alocação dos recursos da sociedade. É isso mesmo o que aqueles
autores desejam externar. É verdade. Logo após a citação acima, eles afirmam
que “nossa economia deve estar
fazendo alguma coisa certa e o viajante no tempo gostaria de cumprimentar o
responsável. Mas, adivinhe. Não há ninguém responsável. Os Estados Unidos têm
uma economia de mercado em que a produção e o consumo são resultados de
decisões descentralizadas das empresas e dos indivíduos. Não há autoridade
central dizendo às pessoas o que produzir e para onde transportar. Cada
produtor individual faz o que pensa ser mais lucrativo; cada consumidor compra
o que escolhe” (KRUGMAN & WELLS. 2011. p 2011, p.2).
Quais pressupostos implícitos aí? Em primeiro lugar,
sobressai a ideologia de que o mercado é a melhor, senão a única, instituição
capaz de alocar os recursos da sociedade da forma mais eficiente possível. Em
segundo lugar, vem a ideia de que os recursos da economia são escassos. Quanto
à defesa ideológica que esses autores fazem do mercado, salta à vista quando
afirmam que “a produção e o consumo são resultado de decisões
descentralizadas”, de decisões de uma economia de mercado. Com efeito, no
parágrafo seguinte asseveram que “a alternativa para uma economia de mercado é
uma economia de comando. A União Soviética, dizem eles, são uma prova do que
dizem. Lá, enquanto durou o chamado socialismo real, as coisas não “funcionaram
muito bem”. Isso prova, certamente diriam eles, que a razão está com Adam
Smith, para quem a economia progride com o tempo na medida em que os indivíduos
são livres para aplicarem o seu capital como bem desejarem, sem interferência
de nenhum poder, que decida, por eles, como devem empregar seus capitais.
Quer dizer, então, que o Estado não despenha nenhum
papel no funcionamento da economia? Se essa questão fosse dirigida a Krugman e
Wells, diriam que o Estado é importante para manter a estabilidade da moeda e
promover políticas anticíclicas. Ir além disso significaria que a intervenção
estatal estaria interferindo em atividades próprias do mercado; do setor
privado. A função do Estado aparece mais claramente quando se passa para um
nível de abstração mais concreto, isto é, quando se passa da análise
microeconômica para a análise macroeconômica da Economia. É John Maynard Keynes
que vai promover essa mudança de análise, quando em 1936, publica sua obra mais
conhecida, ainda que não tão lida, Teoria geral do emprego, do juro e da
moeda.
Com esse título, Keynes anuncia que deu à sua teoria “o nome de Teoria Geral,
para dizer que sua preocupação principal é com o comportamento do “sistema
econômico como um todo – com a renda global, com o lucro global, com o volume
global da produção, com o nível global do emprego, com o investimento global e
com a poupança global, em vez de com a renda, o lucro, o volume de produção, o
nível do empego, o investimento e a poupança de ramos da indústria, firmas ou
indivíduos em particular”. Em seguida Keynes sublinha os erros que foram
cometido pelas análises microeconômicas “ao estender, para o sistema como um
todo, as conclusões a que se tinha chegado de forma correta com relação a uma
parte desse sistema tomado isoladamente” (KEYNES.1985.p.10).
Noutros termos, na mesma passagem em que Keynes
apresenta o objetivo geral de sua tese, ele adverte o leitor para não repetir o
mesmo erro cometido pelos economistas clássicos,[i] que inferem
de casos isolados, micros, consequências para pensar a economia em sua
totalidade. Não há como deduzir o macro do micro, diz Keynes. Essa advertência
de Keynes deveria ser ensinada aos estudantes de Economia, que não se dão conta
da diferença abissal entre a análise microeconômica e análise macroeconômica.
Infelizmente, isso não acontece. Nem poderia, poiso aluno sai das cadeiras
introdutórias com a ideia de que “a análise econômica é o estudo das economias,
tanto no nível do indivíduo como da sociedade em seu conjunto”, como assim
entendem Krugman e Wells.
A Teoria Geral de Keynes pode ser apresentada, ainda
que de forma extremamente grosseira, para estar de acordo os Manuais de
Macroeconomia, como uma economia fechada e sem governo, onde a renda geral da
economia pode ser expressa da forma como se segue: Y = C + I, onde C é a função
consumo e I, os investimentos. Ora, se C = a + bY, então, o consumo agregado
depende do nível de renda. Logo, o consumo só pode aumentar com o crescimento
dos investimentos. Estes crescem com os gastos realizados pela classe
capitalista.
E o Estado? Como a Teoria Geral expõe a relação dessa
instituição com a economia? No capítulo 24 de sua teoria Keynes mostra a importância
que o Estrado joga na determinação dos investimentos, uma vez que a renda
agregada da economia depende das decisões dos capitalistas em ampliar a
capacidade produtiva de suas empresas. Tais decisões dependem das expectativas
dos capitalistas quanto ao lucro esperado de seus novos investimentos. Se o
lucro previsto é maior do que os custos envolvidos no levantamento de fundos
para bancar as despesas de investimentos, então crescem os investimentos e com
seu crescimento aumenta a renda e o emprego global da economia. Noutros termos,
se a taxa de retorno dos investimentos for maior do que a taxa de aplicação
para obtenção de fundos, os capitalistas sentir-se-ão motivados a investir. Por
outro lado, se as expectativas são adversas, os capitalistas não se sentirão
animados a investir. É aí que se faz necessária a presença do Estado, cuja
função é minorar a instabilidade Da economia por meio de um “sistema de
tributação, em parte por meio da fixação da taxa de juros e, em parte, talvez,
recorrendo a outras medidas”. Mas, adverte Keynes, em seguida, não há “nenhuma
razão evidente que justifique um Socialismo de Estado abrangendo a maior parte
da vida econômica da nação. Não é a propriedade dos meios de produção que
convém o Estado assumir. Se o Estado for capaz de determinar o montante
agregado dos recursos destinados a aumentar esses meios e a taxa básica de
remuneração aos seus detentores, terá realizado o que lhe compete”
(KEYNES.1985.p.256).
Para terminar, Keynes ensina que são os gastos que
determinam o nível de rendimento da economia, e que compete ao Estado criar um
ambiente macroeconômica favorável aos investimentos. Mas, se são os gastos que
determinam o crescimento da economia e do emprego, porque a redução dos gastos
públicos são a primeira coisa a ser implementada pelos governos, para
pretensamente criar um ambiente favorável aos investimentos? Não é isso uma
contradição? – Claro que sim, mas para entendê-la, é preciso analisar, mais
devagar, a relação entre economia e política, coisa que não será possível
discutir agora.
Fonte: A Terra é
Redonda
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