Roberto da Justa: Hipócrates e o Conselho
Federal de Medicina
Hipócrates foi um
médico grego, o mais célebre da Antiguidade. É considerado o pai da Medicina
ocidental.
Revolucionou a
medicina antiga, fundando a Escola de Cós, rejeitando a superstição e a magia,
propondo uma prática científica baseada na observação clínica. A doença deixou
de ser um castigo dos deuses.
Seus escritos estão
reunidos no Corpus Hippocraticum, compêndio de obras e recomendações médicas.
Sua ética está
resumida no famoso Juramento de Hipócrates, pronunciado até hoje pelos
formandos de Medicina.
É preciso resgatar o
pensamento hipocrático no atual momento crítico por que passa a medicina
brasileira.
A categoria médica
elegerá, nos dias 6 e 7 de agosto, seus representantes estaduais para o
Conselho Federal de Medicina (CFM), um titular e um suplente. A participação
dos médicos na eleição é obrigatória e determinará os rumos da autarquia
federal pelos próximos 5 anos.
O panorama não é
animador. A expectativa é de manutenção do atual perfil corporativista e
obscurantista no órgão que regula o exercício da medicina em nosso país.
CFM e Conselhos
Regionais constituem uma autarquia federal regida por lei. Têm a função de
regular e fiscalizar o exercício ético da medicina em todo o país.
Não se trata de um
sindicato, associação de classe, sociedade ou entidade de defesa da categoria
médica.
Trata-se de órgão
federal de defesa da sociedade, onde o corporativismo e a militância
político-partidária não podem jamais pautar suas ações.
Ocorre que,
infelizmente, o CFM há muito se afastou de suas prerrogativas legais e
princípios hipocráticos.
Durante a pandemia, e
até hoje, vem adotando postura anti-ciência, isentando de punição médicos que
prescrevem medicamentos sabidamente ineficazes, manifestando-se oficialmente
contrária à vacinação obrigatória de crianças.
Coletivos de médicos,
sociedades de especialidades e entidades científicas vêm denunciando
reiteradamente a crise ética e moral por que passa o sistema conselhal de
medicina brasileiro. O cenário é revelador de grave disfuncionalidade.
A sociedade brasileira
não viu ainda garantido plenamente o direito a saúde de qualidade para todos.
A despeito do
imensurável avanço de um sistema de saúde universal garantido na constituição
de 1988, o SUS ainda sofre de graves problemas para sua efetivação plena.
Muitos ainda estão
privados deste direito, em especial populações mais vulneráveis, tanto nas
cidades como no campo.
Saneamento básico
insuficiente, moradias precárias, desastres ambientais ainda são causas de
adoecimento de parcela significativa da população brasileira.
Vazios assistenciais
ainda estão presentes no campo e nas cidades. Retrocessos em coberturas
vacinais, recrudescimento de doenças anteriormente controladas, agravamento de
outras, violência no trânsito, violência contra mulheres, trabalho escravo,
pessoas em situação de rua.
A autarquia CFM tem
dado as costas para todo este cenário. Em sentido contrário, abraçou o
negacionismo, o corporativismo e a militância político-partidária e
instrumentalizou o princípio da autonomia em detrimento de toda a bioética,
rasgando o código de ética médica.
A regulação da
medicina brasileira precisa resgatar o paradigma hipocrático, com a defesa da
vida na sua essência.
E a categoria médica
precisa fazer uma reflexão profunda acerca de suas escolhas, prezando pelo
perfeito desempenho ético da medicina, mas também por uma outra regulação do
exercício da medicina, alinhada à ciência, ao humanismo e à ética, comprometido
com a sociedade e a vida.
• Ex-presidentes do CFM pedem
despolitização da entidade, que passa por eleições; Por Guilherme Seto, na
Folha
Ex-presidentes do
Conselho Federal de Medicina dizem ao Painel que esperam que as eleições da
entidade, marcadas para terça (6) e quarta-feira (7), levem à despolitização e
à priorização da saúde pública na gestão.
Chapas formadas por
médicos que lideraram a defesa de medicamentos sem eficácia contra a Covid e
que encabeçam movimentos pela proibição do aborto em qualquer circunstância têm
feito forte campanha nas redes sociais, com apoio de figuras como o empresário
Luciano Hang, o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga e o deputado federal
Nikolas Ferreira (PL-MG).
Waldir Paiva Mesquita,
que foi presidente do CFM de 1994 a 1999, diz que o fortalecimento desses
grupos representa “perigo gravíssimo” e pode “ferir de morte o código de ética
vigente”.
Segundo ele, a atual
eleição tem caráter primordial e não só a classe médica deveria estar
preocupada com ela, mas a sociedade como um todo.
“A gente precisa é que
seja eleito um conselheiro federal de medicina que entenda que o seu papel é
defender os interesses da sociedade. E na hora que eu defendo os interesses da
sociedade, eu estou obrigatoriamente defendendo os interesses da categoria médica,
que é ter condições normais adequadas, ter todos os meios disponíveis para
atender o seu paciente”, diz Mesquita.
“O Conselho se
pronuncia através das suas resoluções baseadas na ciência. Eles vão se basear
em questões outras que não tem nada a ver com a ciência. Questões de gênero, de
comportamento, de hábitos conservadores. O Conselho Federal de Medicina não
pode ter partido. O partido dele é fundamentalmente o interesse da sociedade,
da saúde da sociedade brasileira”, completa.
Em junho deste ano, o
CFM vedou a assistolia fetal após a 22ª semana de gestação —método preconizado
pela OMS para a interrupção da gravidez tardia.
Essa decisão
impulsionou na Câmara dos Deputados a tramitação do projeto de lei 1.904/24,
que permite a prisão de quem realiza aborto após a 22ª semana de gestação,
incluindo mulheres estupradas, que pelo texto podem ter pena superior a de seus
agressores.
Gabriel Oselka
(1984-1989) afirma que considera lamentável a institucionalização desses grupos
e que torce pela renovação do CFM, contra posições anticientíficas.
“Creio que o
importante desta eleição seja esquecer a politização”, diz Oselka. Segundo ele,
a atual gestão do CFM é “absolutamente lamentável” e, por isso, espera que haja
renovação.
“Poderíamos fazer a
discussão no campo da ciência e da saúde pública, que é o que creio que deveria
ser o grande tema desta eleição (…) A única resposta que podemos dar é conhecer
as propostas e votar de acordo com o que acreditamos que seja o melhor para a
saúde da população”, completa.
Edson de Oliveira
Andrade (1999-2009), por sua vez, diz que a qualidade do CFM caiu muito e que a
instituição tem que seguir sem influências externas, seja de bolsonaristas ou
de petistas.
“O que não pode é uma
instituição como o Conselho, que trata de conhecimento científico e de
comportamento ético, ser caudatário dessa política miúda que está aí”, afirma.
Ele diz que ser
preocupa com “a servidão abjeta” do conselho durante a pandemia da Covid-19,
que ressurge na abordagem recente da discussão sobre aborto.
“Você tem que colocar
o CFM a serviço de melhorar políticas públicas que melhorem a vida das pessoas.
E é uma vergonha esse comportamento recente (…) Considero que o aborto é sempre
uma falência: social, policial, de tudo na vida. Agora, eu tenho que ter um
comportamento de acolhimento e não há isso aí. É tudo fariseu”, conclui.
Na eleição do CFM,
cada estado e o Distrito Federal vão eleger um conselheiro titular e um
suplente para os próximos cinco anos.
A AMB (Associação
Médica Brasileira) também indica dois médicos para compor o grupo.
As quatro chapas
paulistas são
1) “JUNTOS por uma
categoria médica mais forte”,
2) “Força Médica”,
3) “ConsCiência CFM” e
4) “Experiência e
Inovação”.
A Força Médica, por
exemplo, se define como “uma chapa de direita conservadora” e pela “defesa da
vida e contra a cultura da morte” .
Um de seus
representantes é Francisco Eduardo Cardoso Alves, que durante julgamento da
Justiça Federal do Piauí disse que os médicos que não prescrevessem cloroquina
contra a Covid-19 lavariam as mãos com o sangue das vítimas. Ele foi chamado a
depor na CPI da Covid, em 2021.
Fonte: Viomundo
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