quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Roberto da Justa: Hipócrates e o Conselho Federal de Medicina

Hipócrates foi um médico grego, o mais célebre da Antiguidade. É considerado o pai da Medicina ocidental.

Revolucionou a medicina antiga, fundando a Escola de Cós, rejeitando a superstição e a magia, propondo uma prática científica baseada na observação clínica. A doença deixou de ser um castigo dos deuses.

Seus escritos estão reunidos no Corpus Hippocraticum, compêndio de obras e recomendações médicas.

Sua ética está resumida no famoso Juramento de Hipócrates, pronunciado até hoje pelos formandos de Medicina.

É preciso resgatar o pensamento hipocrático no atual momento crítico por que passa a medicina brasileira.

A categoria médica elegerá, nos dias 6 e 7 de agosto, seus representantes estaduais para o Conselho Federal de Medicina (CFM), um titular e um suplente. A participação dos médicos na eleição é obrigatória e determinará os rumos da autarquia federal pelos próximos 5 anos.

O panorama não é animador. A expectativa é de manutenção do atual perfil corporativista e obscurantista no órgão que regula o exercício da medicina em nosso país.

CFM e Conselhos Regionais constituem uma autarquia federal regida por lei. Têm a função de regular e fiscalizar o exercício ético da medicina em todo o país.

Não se trata de um sindicato, associação de classe, sociedade ou entidade de defesa da categoria médica.

Trata-se de órgão federal de defesa da sociedade, onde o corporativismo e a militância político-partidária não podem jamais pautar suas ações.

Ocorre que, infelizmente, o CFM há muito se afastou de suas prerrogativas legais e princípios hipocráticos.

Durante a pandemia, e até hoje, vem adotando postura anti-ciência, isentando de punição médicos que prescrevem medicamentos sabidamente ineficazes, manifestando-se oficialmente contrária à vacinação obrigatória de crianças.

Coletivos de médicos, sociedades de especialidades e entidades científicas vêm denunciando reiteradamente a crise ética e moral por que passa o sistema conselhal de medicina brasileiro. O cenário é revelador de grave disfuncionalidade.

A sociedade brasileira não viu ainda garantido plenamente o direito a saúde de qualidade para todos.

A despeito do imensurável avanço de um sistema de saúde universal garantido na constituição de 1988, o SUS ainda sofre de graves problemas para sua efetivação plena.

Muitos ainda estão privados deste direito, em especial populações mais vulneráveis, tanto nas cidades como no campo.

Saneamento básico insuficiente, moradias precárias, desastres ambientais ainda são causas de adoecimento de parcela significativa da população brasileira.

Vazios assistenciais ainda estão presentes no campo e nas cidades. Retrocessos em coberturas vacinais, recrudescimento de doenças anteriormente controladas, agravamento de outras, violência no trânsito, violência contra mulheres, trabalho escravo, pessoas em situação de rua.

A autarquia CFM tem dado as costas para todo este cenário. Em sentido contrário, abraçou o negacionismo, o corporativismo e a militância político-partidária e instrumentalizou o princípio da autonomia em detrimento de toda a bioética, rasgando o código de ética médica.

A regulação da medicina brasileira precisa resgatar o paradigma hipocrático, com a defesa da vida na sua essência.

E a categoria médica precisa fazer uma reflexão profunda acerca de suas escolhas, prezando pelo perfeito desempenho ético da medicina, mas também por uma outra regulação do exercício da medicina, alinhada à ciência, ao humanismo e à ética, comprometido com a sociedade e a vida.

 

•        Ex-presidentes do CFM pedem despolitização da entidade, que passa por eleições; Por Guilherme Seto, na Folha

Ex-presidentes do Conselho Federal de Medicina dizem ao Painel que esperam que as eleições da entidade, marcadas para terça (6) e quarta-feira (7), levem à despolitização e à priorização da saúde pública na gestão.

Chapas formadas por médicos que lideraram a defesa de medicamentos sem eficácia contra a Covid e que encabeçam movimentos pela proibição do aborto em qualquer circunstância têm feito forte campanha nas redes sociais, com apoio de figuras como o empresário Luciano Hang, o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga e o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG).

Waldir Paiva Mesquita, que foi presidente do CFM de 1994 a 1999, diz que o fortalecimento desses grupos representa “perigo gravíssimo” e pode “ferir de morte o código de ética vigente”.

Segundo ele, a atual eleição tem caráter primordial e não só a classe médica deveria estar preocupada com ela, mas a sociedade como um todo.

“A gente precisa é que seja eleito um conselheiro federal de medicina que entenda que o seu papel é defender os interesses da sociedade. E na hora que eu defendo os interesses da sociedade, eu estou obrigatoriamente defendendo os interesses da categoria médica, que é ter condições normais adequadas, ter todos os meios disponíveis para atender o seu paciente”, diz Mesquita.

“O Conselho se pronuncia através das suas resoluções baseadas na ciência. Eles vão se basear em questões outras que não tem nada a ver com a ciência. Questões de gênero, de comportamento, de hábitos conservadores. O Conselho Federal de Medicina não pode ter partido. O partido dele é fundamentalmente o interesse da sociedade, da saúde da sociedade brasileira”, completa.

Em junho deste ano, o CFM vedou a assistolia fetal após a 22ª semana de gestação —método preconizado pela OMS para a interrupção da gravidez tardia.

Essa decisão impulsionou na Câmara dos Deputados a tramitação do projeto de lei 1.904/24, que permite a prisão de quem realiza aborto após a 22ª semana de gestação, incluindo mulheres estupradas, que pelo texto podem ter pena superior a de seus agressores.

Gabriel Oselka (1984-1989) afirma que considera lamentável a institucionalização desses grupos e que torce pela renovação do CFM, contra posições anticientíficas.

“Creio que o importante desta eleição seja esquecer a politização”, diz Oselka. Segundo ele, a atual gestão do CFM é “absolutamente lamentável” e, por isso, espera que haja renovação.

“Poderíamos fazer a discussão no campo da ciência e da saúde pública, que é o que creio que deveria ser o grande tema desta eleição (…) A única resposta que podemos dar é conhecer as propostas e votar de acordo com o que acreditamos que seja o melhor para a saúde da população”, completa.

Edson de Oliveira Andrade (1999-2009), por sua vez, diz que a qualidade do CFM caiu muito e que a instituição tem que seguir sem influências externas, seja de bolsonaristas ou de petistas.

“O que não pode é uma instituição como o Conselho, que trata de conhecimento científico e de comportamento ético, ser caudatário dessa política miúda que está aí”, afirma.

Ele diz que ser preocupa com “a servidão abjeta” do conselho durante a pandemia da Covid-19, que ressurge na abordagem recente da discussão sobre aborto.

“Você tem que colocar o CFM a serviço de melhorar políticas públicas que melhorem a vida das pessoas. E é uma vergonha esse comportamento recente (…) Considero que o aborto é sempre uma falência: social, policial, de tudo na vida. Agora, eu tenho que ter um comportamento de acolhimento e não há isso aí. É tudo fariseu”, conclui.

Na eleição do CFM, cada estado e o Distrito Federal vão eleger um conselheiro titular e um suplente para os próximos cinco anos.

A AMB (Associação Médica Brasileira) também indica dois médicos para compor o grupo.

As quatro chapas paulistas são

1) “JUNTOS por uma categoria médica mais forte”,

2) “Força Médica”,

3) “ConsCiência CFM” e

4) “Experiência e Inovação”.

A Força Médica, por exemplo, se define como “uma chapa de direita conservadora” e pela “defesa da vida e contra a cultura da morte” .

Um de seus representantes é Francisco Eduardo Cardoso Alves, que durante julgamento da Justiça Federal do Piauí disse que os médicos que não prescrevessem cloroquina contra a Covid-19 lavariam as mãos com o sangue das vítimas. Ele foi chamado a depor na CPI da Covid, em 2021.

 

Fonte: Viomundo

 

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