quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Intersexo x transgênero: entenda a diferença de condição que gerou polêmica com atleta nas Olimpíadas

A boxeadora argelina Imane Khelif, que compete nas Olimpíadas de Paris e venceu a atleta italiana Angela Carini vem sendo alvo de desinformação nas redes, com posts que alegam que ela é uma pessoa transgênero. O presidente da Federação Russa de Boxe já chegou a afirmar que a atleta seria intersexo, mas Khelif nunca deu nenhuma declaração que afirmasse isso.

➡️ Qual a diferença? Pessoas intersexo têm uma condição em que tem órgãos genitais femininos, mas tem cromossomos sexuais XY (que determinam o sexo masculino) e níveis de testosterona no sangue compatíveis com o corpo masculino.

➡️ A situação é diferente do transgênero. Neste caso, a pessoa não se reconhece no sexo que nasceu. Este não é o caso de Imane e é por isso que, segundo o comitê olímpico, ela pode competir na categoria feminina.

¬¬¬ ANTES: diferente do que vem circulando nas redes, a italiana Angela Carini, que desistiu da disputa com menos de 50 segundos de luta, não deixou a competição por causa da condição de Khelif. Em entrevistas, ela disse que desistiu por causa de dores no nariz.

<><> O que significa uma pessoa ser intersexo?

O termo intersexo é abrangente e usado para descrever uma ampla gama de variações corporais nas características sexuais inatas.

Assim, segundo a Abrai e o Escritório do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), as pessoas intersexo são aquelas que têm características sexuais que, desde o nascimento, não se enquadram nas normas médicas e sociais para corpos femininos ou masculinos.

Essas características podem estar relacionadas a cromossomos, órgãos genitais, hormônios, entre outros. Em algumas pessoas, as características intersexo são perceptíveis logo no nascimento; em outras, podem surgir na puberdade ou ficarem aparentes apenas em fases mais tardias da vida.

Uma pesquisa da ONU estimou que entre 0,05% e 1,7% da população mundial nasce com características intersexo — o que pode significar até 3,5 milhões de pessoas apenas no Brasil.

Essas pessoas podem ter alterações hormonais, genitais ambíguos e outras diferenças anatômicas, ou ainda nascer com códigos genéticos diferentes do padrão. Um exemplo: o corpo pode ser fisicamente feminino, mas o seu código genético ser XY (X é o cromossomo feminino e Y é o masculino), o que pode afetar o desenvolvimento e a produção de hormônios.

<><> Qual a diferença entre hermafrodita e intersexo?

O termo "hermafrodita" já foi, durante muito tempo, utilizado de forma genérica para denominar pessoas intersexo. Esse termo, no entanto, deixou de ser usado por ser considerado limitante e de cunho pejorativo, reforçando estereótipos negativos.

Segundo nota informativa da Organização das Nações Unidas (ONU) Direitos Humanos, o termo hermafrodita assume um "significado estreito e limitado dentro do campo da ciência e, portanto, pode promover ideias incorretas e homogeneizadas sobre a aparência e as capacidades dos corpos intersexo".

A nota reforça, no entanto, que algumas pessoas usam e reivindicam o termo para si — o que torna "primordial" que se respeite a escolha das pessoas em relação à terminologia que elegem para se referirem a si mesmas.

<><> Mas então, qual é a diferença entre os dois termos?

Segundo a Abrai, hermafrodita é uma pessoa que tem uma condição congênita (desde o nascimento) onde há presença de testículo e ovário, com presença ou não de genitália ambígua — quando os órgãos sexuais não são bem formados ou não são claramente masculinos ou femininos.

Já intersexo é o termo generalista que engloba todas as condições biológicas que não se enquadram nas definições médicas de "macho e fêmea" — o que significa que "hermafrodita" é apenas uma das definições englobadas pelo termo.

<><> Outros exemplos de intersexualidade são:

•        insensibilidade androgênica;

•        regressão testicular;

•        hiperplasia adrenal congênita;

•        Síndrome de Klinefelter;

•        Síndrome de Turner;

•        Síndrome de Rokitansky, entre outras.

<><> Qual a diferença entre transgênero e intersexo?

Diferente do intersexo, as pessoas transgênero não se identificam com o gênero de nascimento. Não há uma questão física, como ter os dois cromossomos, por exemplo.

<><> Essas condições interferem em questões de gênero?

Não. Cada pessoa, independentemente da condição genética, terá a própria identidade de gênero.

 

•        Boxeadora argelina não se importa com boatos, diz família

A família que criou Imane Khelif — a boxeadora argelina cuja participação na Olimpíada foi ofuscada por uma disputa sobre sua elegibilidade para competir — disse à BBC que "Imane nasceu mulher e viveu como mulher".

Rachid Jabeur, tio da atleta, falou com exclusividade à BBC News Arabic. Para ele, a infância difícil de Imane Khelif na Argélia lhe deu a força mental necessária para lidar com a enorme pressão vivida durante essa Olimpíada.

Khelif é uma das duas boxeadoras que estão competindo em Paris 2024 apesar de terem sido banidas do Campeonato Mundial no ano passado pela Associação Internacional de Boxe (IBA).

A argelina e a taiwanesa Lin Yu-ting foram desclassificadas depois de terem sido alegadamente reprovadas nos testes de elegibilidade de gênero, uma situação que gerou grande controvérsia.

Rachid, o tio da lutadora que já tem garantida pelo menos uma medalha de bronze em Paris, falou com a BBC da cidade de Tiaret, no noroeste da Argélia.

<><> Da coleta de sucata até quase desistir do boxe

Foi somente após deixar sua aldeia remota para viver com seu tio e sua tia que Imane conseguiu superar o estigma social e construir sua carreira como boxeadora.

A mais velha de seis irmãs e um irmão, ela cresceu em Ain Mesbah, uma aldeia rural onde tradicionalmente apenas meninos brincavam ao ar livre, e meninas raramente saíam de casa.

O talento esportivo de Imane foi descoberto por um treinador de boxe local enquanto ela jogava futebol na rua com os meninos. O técnico a convidou para treinar em um centro esportivo, a cerca de 10 km de sua aldeia natal.

O pai de Imane, Amar Khelif, concordou em deixar sua filha participar do treinamento. A mãe de Imane vendia sucata e cuscuz para pagar a passagem de ônibus para a viagem de ida e volta ao centro.

Rachid Jabeur disse à BBC que não demorou muito para que rumores e fofocas começassem a se espalhar na aldeia natal de Imane. Os moradores começaram a questionar a decisão da família de deixar Imane ir sozinha: "Por que uma garota da idade dela viajaria sem a família?".

Isso levou o pai de Imane, um pastor e ferreiro, a mudar de ideia e pedir à filha que parasse de treinar.

Imane estava prestes a desistir de suas aspirações esportivas. Mas então Rachid e sua esposa contataram o pai de Imane para dizer que cuidariam dela, pois moravam mais perto do centro esportivo.

"Nós a recebemos em nossa casa na cidade [Tiaret], onde cuidamos dela com refeições especiais e treinamento esportivo", disse Rachid.

Um futuro no boxe para Imane só seria possível se ela morasse com seu tio e sua tia.

"Nós a apoiamos e a encorajamos como parte de nossa família", disse o tio de Imane, Rachid.

Assim como sua mãe, Imane também vendia sucata de cobre para cobrir seus custos de treinamento, mas ainda enfrentava assédio porque era incomum uma garota participar do boxe, mesmo em uma cidade maior.

“Eu sempre pedia aos meus filhos para acompanharem as sessões de treinamento para protegê-la”, disse Rachid.

As habilidades de boxe de Imane melhoraram rapidamente.

Três anos depois de se mudar para a casa de seu tio e de sua tia, ela se juntou à seleção argelina e competiu no Campeonato Mundial Feminino de 2018, onde ficou em 17º lugar após ser eliminada na primeira rodada.

<><> 'Ela está sempre tentando superar esse bullying'

Um ano depois, ela provou ser uma boxeadora profissional de sucesso e começou a sustentar sua família financeiramente e a apoiar instituições de caridade em sua cidade natal.

Rachid disse que acredita que sua educação difícil deu a Imane a força para lidar com a controvérsia que a cercou nas Olimpíadas.

"Ela está sempre tentando superar esse bullying, e há pessoas ao seu redor que a apoiam", disse. "Ela não acredita em perder e não se importa com esses boatos."

Rachid aconselhou Imane a evitar seu celular e mídias sociais durante a controvérsia.

Imane enfrentará a tailandesa Janjaem Suwannapheng, que derrotou a favorita Busenaz Surmeneli — atleta turca campeã olímpica de 2021 — na semifinal da categoria peso meio-médio nesta terça-feira (6/8).

Mesmo se perder, ela deixará os Jogos de Paris com uma medalha de bronze.

Imane e Lin Yu-ting receberam grande apoio do Comitê Olímpico Internacional (COI), que administra as competições de boxe nos Jogos, em meio a um tenso debate.

O presidente do COI, Thomas Bach, disse que "nunca houve dúvidas" de que as suas são mulheres.

Imane chegou à final do Campeonato Mundial do ano passado antes de ser desqualificada pela IBA, uma organização liderada pela Rússia e que foi suspensa pelo COI em 2019 devido a preocupações com suas finanças, governança, ética, arbitragem e julgamento.

A IBA disse que Imane "não conseguiu atender aos critérios de elegibilidade para participar da competição feminina, conforme estabelecido e disposto" em seus regulamentos, enquanto o COI disse que a dupla foi "repentinamente desqualificada sem nenhum devido processo".

 

Fonte: g1/BBC Arabic

 

 

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