Intersexo x transgênero: entenda a
diferença de condição que gerou polêmica com atleta nas Olimpíadas
A boxeadora argelina
Imane Khelif, que compete nas Olimpíadas de Paris e venceu a atleta italiana
Angela Carini vem sendo alvo de desinformação nas redes, com posts que alegam
que ela é uma pessoa transgênero. O presidente da Federação Russa de Boxe já chegou
a afirmar que a atleta seria intersexo, mas Khelif nunca deu nenhuma declaração
que afirmasse isso.
➡️ Qual a diferença? Pessoas intersexo têm uma condição em que tem
órgãos genitais femininos, mas tem cromossomos sexuais XY (que determinam o
sexo masculino) e níveis de testosterona no sangue compatíveis com o corpo
masculino.
➡️ A situação é diferente do transgênero. Neste caso, a pessoa não
se reconhece no sexo que nasceu. Este não é o caso de Imane e é por isso que,
segundo o comitê olímpico, ela pode competir na categoria feminina.
¬¬¬ ANTES: diferente
do que vem circulando nas redes, a italiana Angela Carini, que desistiu da
disputa com menos de 50 segundos de luta, não deixou a competição por causa da
condição de Khelif. Em entrevistas, ela disse que desistiu por causa de dores no
nariz.
<><> O que
significa uma pessoa ser intersexo?
O termo intersexo é
abrangente e usado para descrever uma ampla gama de variações corporais nas
características sexuais inatas.
Assim, segundo a Abrai
e o Escritório do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
(ACNUDH), as pessoas intersexo são aquelas que têm características sexuais que,
desde o nascimento, não se enquadram nas normas médicas e sociais para corpos
femininos ou masculinos.
Essas características
podem estar relacionadas a cromossomos, órgãos genitais, hormônios, entre
outros. Em algumas pessoas, as características intersexo são perceptíveis logo
no nascimento; em outras, podem surgir na puberdade ou ficarem aparentes apenas
em fases mais tardias da vida.
Uma pesquisa da ONU
estimou que entre 0,05% e 1,7% da população mundial nasce com características
intersexo — o que pode significar até 3,5 milhões de pessoas apenas no Brasil.
Essas pessoas podem
ter alterações hormonais, genitais ambíguos e outras diferenças anatômicas, ou
ainda nascer com códigos genéticos diferentes do padrão. Um exemplo: o corpo
pode ser fisicamente feminino, mas o seu código genético ser XY (X é o cromossomo
feminino e Y é o masculino), o que pode afetar o desenvolvimento e a produção
de hormônios.
<><> Qual
a diferença entre hermafrodita e intersexo?
O termo
"hermafrodita" já foi, durante muito tempo, utilizado de forma
genérica para denominar pessoas intersexo. Esse termo, no entanto, deixou de
ser usado por ser considerado limitante e de cunho pejorativo, reforçando
estereótipos negativos.
Segundo nota
informativa da Organização das Nações Unidas (ONU) Direitos Humanos, o termo
hermafrodita assume um "significado estreito e limitado dentro do campo da
ciência e, portanto, pode promover ideias incorretas e homogeneizadas sobre a
aparência e as capacidades dos corpos intersexo".
A nota reforça, no
entanto, que algumas pessoas usam e reivindicam o termo para si — o que torna
"primordial" que se respeite a escolha das pessoas em relação à
terminologia que elegem para se referirem a si mesmas.
<><> Mas
então, qual é a diferença entre os dois termos?
Segundo a Abrai,
hermafrodita é uma pessoa que tem uma condição congênita (desde o nascimento)
onde há presença de testículo e ovário, com presença ou não de genitália
ambígua — quando os órgãos sexuais não são bem formados ou não são claramente
masculinos ou femininos.
Já intersexo é o termo
generalista que engloba todas as condições biológicas que não se enquadram nas
definições médicas de "macho e fêmea" — o que significa que
"hermafrodita" é apenas uma das definições englobadas pelo termo.
<><>
Outros exemplos de intersexualidade são:
• insensibilidade androgênica;
• regressão testicular;
• hiperplasia adrenal congênita;
• Síndrome de Klinefelter;
• Síndrome de Turner;
• Síndrome de Rokitansky, entre outras.
<><> Qual
a diferença entre transgênero e intersexo?
Diferente do
intersexo, as pessoas transgênero não se identificam com o gênero de
nascimento. Não há uma questão física, como ter os dois cromossomos, por
exemplo.
<><> Essas
condições interferem em questões de gênero?
Não. Cada pessoa,
independentemente da condição genética, terá a própria identidade de gênero.
• Boxeadora argelina não se importa com
boatos, diz família
A família que criou
Imane Khelif — a boxeadora argelina cuja participação na Olimpíada foi ofuscada
por uma disputa sobre sua elegibilidade para competir — disse à BBC que
"Imane nasceu mulher e viveu como mulher".
Rachid Jabeur, tio da
atleta, falou com exclusividade à BBC News Arabic. Para ele, a infância difícil
de Imane Khelif na Argélia lhe deu a força mental necessária para lidar com a
enorme pressão vivida durante essa Olimpíada.
Khelif é uma das duas
boxeadoras que estão competindo em Paris 2024 apesar de terem sido banidas do
Campeonato Mundial no ano passado pela Associação Internacional de Boxe (IBA).
A argelina e a
taiwanesa Lin Yu-ting foram desclassificadas depois de terem sido alegadamente
reprovadas nos testes de elegibilidade de gênero, uma situação que gerou grande
controvérsia.
Rachid, o tio da
lutadora que já tem garantida pelo menos uma medalha de bronze em Paris, falou
com a BBC da cidade de Tiaret, no noroeste da Argélia.
<><> Da
coleta de sucata até quase desistir do boxe
Foi somente após
deixar sua aldeia remota para viver com seu tio e sua tia que Imane conseguiu
superar o estigma social e construir sua carreira como boxeadora.
A mais velha de seis
irmãs e um irmão, ela cresceu em Ain Mesbah, uma aldeia rural onde
tradicionalmente apenas meninos brincavam ao ar livre, e meninas raramente
saíam de casa.
O talento esportivo de
Imane foi descoberto por um treinador de boxe local enquanto ela jogava futebol
na rua com os meninos. O técnico a convidou para treinar em um centro
esportivo, a cerca de 10 km de sua aldeia natal.
O pai de Imane, Amar
Khelif, concordou em deixar sua filha participar do treinamento. A mãe de Imane
vendia sucata e cuscuz para pagar a passagem de ônibus para a viagem de ida e
volta ao centro.
Rachid Jabeur disse à
BBC que não demorou muito para que rumores e fofocas começassem a se espalhar
na aldeia natal de Imane. Os moradores começaram a questionar a decisão da
família de deixar Imane ir sozinha: "Por que uma garota da idade dela viajaria
sem a família?".
Isso levou o pai de
Imane, um pastor e ferreiro, a mudar de ideia e pedir à filha que parasse de
treinar.
Imane estava prestes a
desistir de suas aspirações esportivas. Mas então Rachid e sua esposa
contataram o pai de Imane para dizer que cuidariam dela, pois moravam mais
perto do centro esportivo.
"Nós a recebemos
em nossa casa na cidade [Tiaret], onde cuidamos dela com refeições especiais e
treinamento esportivo", disse Rachid.
Um futuro no boxe para
Imane só seria possível se ela morasse com seu tio e sua tia.
"Nós a apoiamos e
a encorajamos como parte de nossa família", disse o tio de Imane, Rachid.
Assim como sua mãe,
Imane também vendia sucata de cobre para cobrir seus custos de treinamento, mas
ainda enfrentava assédio porque era incomum uma garota participar do boxe,
mesmo em uma cidade maior.
“Eu sempre pedia aos
meus filhos para acompanharem as sessões de treinamento para protegê-la”, disse
Rachid.
As habilidades de boxe
de Imane melhoraram rapidamente.
Três anos depois de se
mudar para a casa de seu tio e de sua tia, ela se juntou à seleção argelina e
competiu no Campeonato Mundial Feminino de 2018, onde ficou em 17º lugar após
ser eliminada na primeira rodada.
<><> 'Ela
está sempre tentando superar esse bullying'
Um ano depois, ela
provou ser uma boxeadora profissional de sucesso e começou a sustentar sua
família financeiramente e a apoiar instituições de caridade em sua cidade
natal.
Rachid disse que
acredita que sua educação difícil deu a Imane a força para lidar com a
controvérsia que a cercou nas Olimpíadas.
"Ela está sempre
tentando superar esse bullying, e há pessoas ao seu redor que a apoiam",
disse. "Ela não acredita em perder e não se importa com esses
boatos."
Rachid aconselhou
Imane a evitar seu celular e mídias sociais durante a controvérsia.
Imane enfrentará a
tailandesa Janjaem Suwannapheng, que derrotou a favorita Busenaz Surmeneli —
atleta turca campeã olímpica de 2021 — na semifinal da categoria peso
meio-médio nesta terça-feira (6/8).
Mesmo se perder, ela
deixará os Jogos de Paris com uma medalha de bronze.
Imane e Lin Yu-ting
receberam grande apoio do Comitê Olímpico Internacional (COI), que administra
as competições de boxe nos Jogos, em meio a um tenso debate.
O presidente do COI,
Thomas Bach, disse que "nunca houve dúvidas" de que as suas são
mulheres.
Imane chegou à final
do Campeonato Mundial do ano passado antes de ser desqualificada pela IBA, uma
organização liderada pela Rússia e que foi suspensa pelo COI em 2019 devido a
preocupações com suas finanças, governança, ética, arbitragem e julgamento.
A IBA disse que Imane
"não conseguiu atender aos critérios de elegibilidade para participar da
competição feminina, conforme estabelecido e disposto" em seus
regulamentos, enquanto o COI disse que a dupla foi "repentinamente
desqualificada sem nenhum devido processo".
Fonte: g1/BBC Arabic
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