quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Deputado ruralista negacionista do RS quer mostrar “farsa do aquecimento global” na COP-30

COM AVAL da bancada ruralista, o deputado federal Giovani Cherini (PL-RS)  tenta emplacar uma subcomissão na Câmara para promover a tese de que o consenso de cientistas sobre emergências climáticas é “uma grande farsa”. O parlamentar também tem planos de levar uma frente do agro para questionar abertamente o aquecimento global na trigésima edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-30). O evento será realizado em Belém (PA), em 2025.

“Precisamos trazer especialistas, cientistas, e tenho uma gama de nomes que podem contribuir muito para esclarecer qual o interesse por trás de terremotos e vendavais”, disse o parlamentar ao propor a criação do grupo em uma sessão da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados,  de 17 de abril deste ano. “Vamos mostrar aqui nesta comissão que é uma grande farsa o aquecimento global e ir lá para a COP-30 dizer isso também”, concluiu.

Cherini protocolou o pedido para a criação da subcomissão na semana seguinte, três dias antes de seu estado, o Rio Grande do Sul, ser devastado por enchentes massivas e uma crise climática em vigor desde 27 de abril. A tragédia afetou mais de 2,3 milhões de gaúchos, desalojou 420 mil pessoas e levou a 182 mortes – 44 seguem desaparecidos.

Ainda assim, o pedido – que no papel trata do “impacto das mudanças climáticas para a atividade agropecuária” – foi aprovado dias depois, em 15 de maio, com voto a favor da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), braço institucional da bancada ruralista. Em seu Instagram, Cherini afirmou que conversou com o presidente da frente, o deputado Pedro Lupion (PP-PR), para promover na FPA o “mesmo trabalho”.

A constatação de que o aquecimento do planeta é causado por ações humanas, como desmatamento de florestas nativas e uso de combustíveis fósseis, há anos é consenso entre os principais cientistas do mundo, mas não entre políticos e empresários do agro brasileiro.

“Este fenômeno global que estamos vivenciando para alguns é impulsionado pelas atividades humanas, para outros é um resultado da variação climática natural”, relativiza Cherini, no documento oficial que propõe a subcomissão. “Fato é que a bandeira do aquecimento global atende a interesses políticos e econômicos que em muito afetam a nossa agropecuária”, afirma no texto, endossado pela FPA.

A reportagem conversou com Giovani Cherini por WhatsApp e questionou o parlamentar sobre os especialistas que ele convidaria para debater mudanças climáticas na Câmara.

Em resposta, o deputado encaminhou um áudio de 18 minutos gravado por um engenheiro agrônomo do interior gaúcho. “Essa é a síntese do que penso”, resumiu. No áudio, o profissional faz um “alerta” de que o Mapbiomas — projeto colaborativo que une universidades, organizações ambientalistas e startups de tecnologia no uso de satélites para mapear o uso da terra no Brasil — faz parte de um “aparato verde comunista contra a atividade ambiental brasileira” que quer “criminalizar” a atividade rural.

“Eles vão usar os bancos e as empresas para impor restrições ao financiamento de nossa atividade agropecuária, ou não comprar nossos produtos, como já foi feito com as moratórias da soja e da carne no bioma amazônico”, diz o engenheiro no áudio. A fala faz referência a acordos assinados voluntariamente por empresas com o objetivo de restringir a comercialização de commodities produzidas em biomas ilegalmente devastados.

•        Posicionamento oficial da FPA contradiz deputado

O plano é iniciar as atividades da subcomissão a partir da metade de agosto, após o recesso parlamentar e o término das convenções partidárias das eleições municipais, disseram à Repórter Brasil o próprio Cherini e a assessoria do deputado Evair de Melo (PP-ES), presidente da Comissão de Agricultura da Câmara.

Em nota enviada à reportagem, a Frente Parlamentar da Agropecuária  afirma que “o aquecimento global é uma realidade científica” e que trabalha “com dados específicos para adaptação de seguro rural, entre outras políticas que mitiguem o risco do custo de produção”.  

O texto sustenta ainda que a FPA vem discutindo internamente “pautas relevantes para o desenvolvimento do setor agropecuário brasileiro com sustentabilidade”. “Assuntos que serão levados à COP-30, em específico, serão discutidos no retorno dos trabalhos, neste segundo semestre”, prossegue a nota.

No entanto, ainda que oficialmente a nota da FPA discorde de Cherini, o posicionamento não a afasta de posições negacionistas das mudanças climáticas, avalia o sociólogo Jean Carlos Hochsprung Miguel, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp.

“Eles não negam a necessidade de sustentabilidade em emissões de carbono, mas pragmaticamente desmobilizam transformações políticas que levariam a esses objetivos, como combater o desmatamento”,  afirma Miguel. “Isso também é uma forma de negacionismo soft”, complementa.

•        Uso da terra mobiliza discurso negacionista

Miguel explica que a urgência das mudanças climáticas exige leis florestais mais rigorosas e obriga o ruralismo a encarar irregularidades no uso da terra, já que o desmatamento é a principal causa das emissões brasileiras de gases do efeito estufa. “Para eles, isso é intervir diretamente na propriedade rural e é visto economicamente como reduzir a capacidade de expansão do agronegócio porque, se eles pudessem, expandiriam por cima de todas as florestas”, explica.

Não à toa, ao contestar o aquecimento global na Câmara e defender a criação da subcomissão, Cherini disse que “a soja sequestra mais carbono que toda a Amazônia” e que não haveria provas de que a pastagem para gado absorva menos gases do que uma mata nativa de pé. “Imaginem se no Cerrado brasileiro não tivesse um pé de soja ou um pé de milho, que natureza estaria sendo preservada lá, ou no Norte [Roraima], que chamam de lavrado? Capim? Terra seca? Infértil?”, afirmou.

O próprio deputado é dono de terras em “lavrados” de Roraima e teve sua última campanha eleitoral apoiada por produtores rurais de Primavera do Leste, município do Mato Grosso, que está localizado no bioma Cerrado.

O geógrafo Heinrich Hasenack, professor do Departamento de Ecologia da UFRGS, no entanto, ressalta que só faz sentido falar em um saldo positivo na emissão e captura de carbono da soja em contextos que produtores conservam o solo e impedem sua erosão, como no Sistema de Plantio Direto, em que há rotação de culturas. Via de regra, não é o que acontece, já que produtores costumam plantar soja em cima de soja, sem práticas conservacionistas, afirma Hasenack.

“Tudo isso evitaria o desmatamento e a abertura de novas áreas porque, quando uma lavoura acaba degradada, talvez fique mais barato comprar uma área ‘limpa’ que alguém desmatou do que recuperar”, finaliza o geógrafo.

<><> Leia na íntegra o que disse Cherini ao sugerir subcomissão negacionista

Em 17 de abril, o deputado propôs a criação da subcomissão para “tratar do impacto das mudanças climáticas para a atividade agropecuária”:

“Encaminhei hoje um pedido para criar aqui na comissão uma subcomissão sobre as mudanças climáticas. O tema seria o seguinte: mudanças climáticas não! Guerra do clima. Nós queremos trazer para cá pessoas que falam sobre esse chamado aquecimento global e que nós achamos que, por trás disso, há o mesmo interesse comercial de que, na Europa, não preservarem nada, e o Brasil ser, entre aspas, ‘o pulmão do mundo’.

Quando assumi a Comissão de Meio Ambiente aqui na Casa no meu primeiro mandato, meu primeiro discurso citou uma lei criada pelo presidente Collor na época, que proibia a guerra climática no Brasil. Isso ninguém fala. O que se fala: os meios de comunicação todos falando que existe o aquecimento global. Mas esse aquecimento global vem da onde?

Precisamos trazer para cá especialistas, cientistas, e eu tenho uma gama de nomes de pessoas, que podem contribuir muito para esclarecer qual o interesse que tem por trás de terremotos, vendavais e essa farsa chamada aquecimento global.

Hoje tem estudos, e não vou entrar no mérito, mas vou citar um caso, agora há pouco vi um discurso absurdo dizendo que o agricultor que desmatou tem de ser preso, condenado. Mas ele desmatou para quê? Para criar gado. Qual o estudo que tem nessa pastagem que ele vai fazer em relação ao sequestro de carbono e em relação aquilo que ele desmatou? Não tem no Brasil esse estudo. Precisamos trazer para cá. Afinal, essa grama, esse pasto, não tem sequestro de carbono?

Por exemplo, imaginem se no Cerrado brasileiro não tivesse um pé de soja ou um pé de milho. Que natureza estaria sendo preservada no Cerrado, ou no Norte que chamam de lavrado? Capim? Terra seca? Terra infértil? O que os agricultores, principalmente gaúchos que andaram por esse Brasil afora, trouxeram? Só na soja, e eu gostaria muito que essa subcomissão fosse criada aqui com o apoio da presidência, para que nós pudéssemos mostrar aqui qual o sequestro de carbono da soja?

A soja sequestra mais carbono que toda a Amazônia! Inclusive para sustentar toda a indústria brasileira e toda a agricultura, e aonde quero chegar com isso? Essa onda que tá vindo aí de carro elétrico, é tudo interesses comerciais, para ralar com o cidadão mesmo. E fazem um monte de narrativas. A TV ajuda, os meios de comunicação ajudam sem ter estudos profundos. E acho que aqui nesta comissão, tô pedindo também para o presidente Lupion criar também lá na FPA o mesmo trabalho, e nós vamos mostrar aqui nessa comissão que é uma grande farsa o aquecimento global e nós vamos lá pra COP-30 dizer isso também.

Obrigado, presidente.”

 

•        Outro lado da moeda: ‘A gente não está alimentando a população brasileira’, critica pesquisadora sobre modelo do agronegócio

Exilada há três anos, a pesquisadora Larissa Bombardi é uma das principais vozes de crítica ao modelo do agronegócio presente no Brasil. A especialista contesta a ideia de que o setor é o responsável pela produção de alimentos que chegam à mesa da população.  “O destino dessas terras [griladas] tem sido para a produção de commodities, essas mercadorias que são comercializadas na Bolsa de Valores, que tem o seu preço estabelecido nesse grande cassino internacional”, comenta em entrevista veiculada no programa Bem Viver desta segunda-feira (5). “E o que acontece com a produção de alimentos? Ela decaiu. Então, as áreas de arroz, feijão, trigo e mandioca, por exemplo, caíram muito. A área para cultivo de feijão diminuiu 40%”.

Os dados fazem parte da publicação mais recente da autora, Agrotóxicos e Colonialismo Químico, livro lançado em outubro do ano passado e divulgado no Brasil, somente neste mês, quando Larissa Bombardi teve uma rápida passagem pelo país. Bombardi está há três anos exilada na Europa por conta de ataques sofridos após a divulgação do Atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, publicado em 2017. Em 2021, quando saiu do Brasil, Bombardi declarou que “recebi indicação de lideranças de movimentos sociais para que eu evitasse os mesmos caminhos, alterasse os meus horários e a minha rotina, de forma a me proteger de possíveis ataques dos setores econômicos envolvidos com a temática sobre a qual eu me debruço”. Mãe de duas crianças, ela é mestra, doutora e pós-doutora em Geografia Humana.

“Isso é o maior símbolo do escândalo e mostra o quanto essa agricultura não alimenta a população, o preço dos alimentos, eles flutuam ao sabor do mercado internacional. É uma lógica que não está voltada para a segurança e para a soberania alimentar”, comenta. “É uma agricultura que não nos alimenta. A fome aumentou nos últimos dez anos”, analisa Bombardi, ao comparar os números de crescimento do agronegócio no Brasil com os dados da fome. “A gente não está alimentando a população brasileira”, finaliza a pesquisadora.

O lançamento do livro de Bombardi no Brasil aconteceu no dia 24 de julho, no Armazém do Campo em São Paulo. O evento teve a presença da apresentadora Bela Gil e do comunicador popular Guilherme Terreri, também conhecido como Rita von Hunty, que dividiram a mesa com Larissa. O livro está disponível para venda pelo site da editora e também na livraria Expressão Popular.

 

Fonte: Reporter Brasil/Brasil de Fato

 

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