Deputado ruralista negacionista do RS quer
mostrar “farsa do aquecimento global” na COP-30
COM AVAL da bancada
ruralista, o deputado federal Giovani Cherini (PL-RS) tenta emplacar uma subcomissão na Câmara para
promover a tese de que o consenso de cientistas sobre emergências climáticas é
“uma grande farsa”. O parlamentar também tem planos de levar uma frente do agro
para questionar abertamente o aquecimento global na trigésima edição da
Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-30). O evento
será realizado em Belém (PA), em 2025.
“Precisamos trazer
especialistas, cientistas, e tenho uma gama de nomes que podem contribuir muito
para esclarecer qual o interesse por trás de terremotos e vendavais”, disse o
parlamentar ao propor a criação do grupo em uma sessão da Comissão de Agricultura,
Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados, de 17 de abril deste ano. “Vamos mostrar aqui
nesta comissão que é uma grande farsa o aquecimento global e ir lá para a
COP-30 dizer isso também”, concluiu.
Cherini protocolou o
pedido para a criação da subcomissão na semana seguinte, três dias antes de seu
estado, o Rio Grande do Sul, ser devastado por enchentes massivas e uma crise
climática em vigor desde 27 de abril. A tragédia afetou mais de 2,3 milhões de
gaúchos, desalojou 420 mil pessoas e levou a 182 mortes – 44 seguem
desaparecidos.
Ainda assim, o pedido
– que no papel trata do “impacto das mudanças climáticas para a atividade
agropecuária” – foi aprovado dias depois, em 15 de maio, com voto a favor da
Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), braço institucional da bancada
ruralista. Em seu Instagram, Cherini afirmou que conversou com o presidente da
frente, o deputado Pedro Lupion (PP-PR), para promover na FPA o “mesmo
trabalho”.
A constatação de que o
aquecimento do planeta é causado por ações humanas, como desmatamento de
florestas nativas e uso de combustíveis fósseis, há anos é consenso entre os
principais cientistas do mundo, mas não entre políticos e empresários do agro
brasileiro.
“Este fenômeno global
que estamos vivenciando para alguns é impulsionado pelas atividades humanas,
para outros é um resultado da variação climática natural”, relativiza Cherini,
no documento oficial que propõe a subcomissão. “Fato é que a bandeira do aquecimento
global atende a interesses políticos e econômicos que em muito afetam a nossa
agropecuária”, afirma no texto, endossado pela FPA.
A reportagem conversou
com Giovani Cherini por WhatsApp e questionou o parlamentar sobre os
especialistas que ele convidaria para debater mudanças climáticas na Câmara.
Em resposta, o
deputado encaminhou um áudio de 18 minutos gravado por um engenheiro agrônomo
do interior gaúcho. “Essa é a síntese do que penso”, resumiu. No áudio, o
profissional faz um “alerta” de que o Mapbiomas — projeto colaborativo que une
universidades, organizações ambientalistas e startups de tecnologia no uso de
satélites para mapear o uso da terra no Brasil — faz parte de um “aparato verde
comunista contra a atividade ambiental brasileira” que quer “criminalizar” a
atividade rural.
“Eles vão usar os
bancos e as empresas para impor restrições ao financiamento de nossa atividade
agropecuária, ou não comprar nossos produtos, como já foi feito com as
moratórias da soja e da carne no bioma amazônico”, diz o engenheiro no áudio. A
fala faz referência a acordos assinados voluntariamente por empresas com o
objetivo de restringir a comercialização de commodities produzidas em biomas
ilegalmente devastados.
• Posicionamento oficial da FPA contradiz
deputado
O plano é iniciar as
atividades da subcomissão a partir da metade de agosto, após o recesso
parlamentar e o término das convenções partidárias das eleições municipais,
disseram à Repórter Brasil o próprio Cherini e a assessoria do deputado Evair
de Melo (PP-ES), presidente da Comissão de Agricultura da Câmara.
Em nota enviada à
reportagem, a Frente Parlamentar da Agropecuária afirma que “o aquecimento global é uma
realidade científica” e que trabalha “com dados específicos para adaptação de
seguro rural, entre outras políticas que mitiguem o risco do custo de
produção”.
O texto sustenta ainda
que a FPA vem discutindo internamente “pautas relevantes para o desenvolvimento
do setor agropecuário brasileiro com sustentabilidade”. “Assuntos que serão
levados à COP-30, em específico, serão discutidos no retorno dos trabalhos,
neste segundo semestre”, prossegue a nota.
No entanto, ainda que
oficialmente a nota da FPA discorde de Cherini, o posicionamento não a afasta
de posições negacionistas das mudanças climáticas, avalia o sociólogo Jean
Carlos Hochsprung Miguel, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica
do Instituto de Geociências da Unicamp.
“Eles não negam a
necessidade de sustentabilidade em emissões de carbono, mas pragmaticamente
desmobilizam transformações políticas que levariam a esses objetivos, como
combater o desmatamento”, afirma Miguel.
“Isso também é uma forma de negacionismo soft”, complementa.
• Uso da terra mobiliza discurso
negacionista
Miguel explica que a
urgência das mudanças climáticas exige leis florestais mais rigorosas e obriga
o ruralismo a encarar irregularidades no uso da terra, já que o desmatamento é
a principal causa das emissões brasileiras de gases do efeito estufa. “Para
eles, isso é intervir diretamente na propriedade rural e é visto economicamente
como reduzir a capacidade de expansão do agronegócio porque, se eles pudessem,
expandiriam por cima de todas as florestas”, explica.
Não à toa, ao
contestar o aquecimento global na Câmara e defender a criação da subcomissão,
Cherini disse que “a soja sequestra mais carbono que toda a Amazônia” e que não
haveria provas de que a pastagem para gado absorva menos gases do que uma mata
nativa de pé. “Imaginem se no Cerrado brasileiro não tivesse um pé de soja ou
um pé de milho, que natureza estaria sendo preservada lá, ou no Norte
[Roraima], que chamam de lavrado? Capim? Terra seca? Infértil?”, afirmou.
O próprio deputado é
dono de terras em “lavrados” de Roraima e teve sua última campanha eleitoral
apoiada por produtores rurais de Primavera do Leste, município do Mato Grosso,
que está localizado no bioma Cerrado.
O geógrafo Heinrich
Hasenack, professor do Departamento de Ecologia da UFRGS, no entanto, ressalta
que só faz sentido falar em um saldo positivo na emissão e captura de carbono
da soja em contextos que produtores conservam o solo e impedem sua erosão, como
no Sistema de Plantio Direto, em que há rotação de culturas. Via de regra, não
é o que acontece, já que produtores costumam plantar soja em cima de soja, sem
práticas conservacionistas, afirma Hasenack.
“Tudo isso evitaria o
desmatamento e a abertura de novas áreas porque, quando uma lavoura acaba
degradada, talvez fique mais barato comprar uma área ‘limpa’ que alguém
desmatou do que recuperar”, finaliza o geógrafo.
<><> Leia
na íntegra o que disse Cherini ao sugerir subcomissão negacionista
Em 17 de abril, o
deputado propôs a criação da subcomissão para “tratar do impacto das mudanças
climáticas para a atividade agropecuária”:
“Encaminhei hoje um
pedido para criar aqui na comissão uma subcomissão sobre as mudanças
climáticas. O tema seria o seguinte: mudanças climáticas não! Guerra do clima.
Nós queremos trazer para cá pessoas que falam sobre esse chamado aquecimento
global e que nós achamos que, por trás disso, há o mesmo interesse comercial de
que, na Europa, não preservarem nada, e o Brasil ser, entre aspas, ‘o pulmão do
mundo’.
Quando assumi a
Comissão de Meio Ambiente aqui na Casa no meu primeiro mandato, meu primeiro
discurso citou uma lei criada pelo presidente Collor na época, que proibia a
guerra climática no Brasil. Isso ninguém fala. O que se fala: os meios de
comunicação todos falando que existe o aquecimento global. Mas esse aquecimento
global vem da onde?
Precisamos trazer para
cá especialistas, cientistas, e eu tenho uma gama de nomes de pessoas, que
podem contribuir muito para esclarecer qual o interesse que tem por trás de
terremotos, vendavais e essa farsa chamada aquecimento global.
Hoje tem estudos, e
não vou entrar no mérito, mas vou citar um caso, agora há pouco vi um discurso
absurdo dizendo que o agricultor que desmatou tem de ser preso, condenado. Mas
ele desmatou para quê? Para criar gado. Qual o estudo que tem nessa pastagem
que ele vai fazer em relação ao sequestro de carbono e em relação aquilo que
ele desmatou? Não tem no Brasil esse estudo. Precisamos trazer para cá. Afinal,
essa grama, esse pasto, não tem sequestro de carbono?
Por exemplo, imaginem
se no Cerrado brasileiro não tivesse um pé de soja ou um pé de milho. Que
natureza estaria sendo preservada no Cerrado, ou no Norte que chamam de
lavrado? Capim? Terra seca? Terra infértil? O que os agricultores,
principalmente gaúchos que andaram por esse Brasil afora, trouxeram? Só na
soja, e eu gostaria muito que essa subcomissão fosse criada aqui com o apoio da
presidência, para que nós pudéssemos mostrar aqui qual o sequestro de carbono
da soja?
A soja sequestra mais
carbono que toda a Amazônia! Inclusive para sustentar toda a indústria
brasileira e toda a agricultura, e aonde quero chegar com isso? Essa onda que
tá vindo aí de carro elétrico, é tudo interesses comerciais, para ralar com o
cidadão mesmo. E fazem um monte de narrativas. A TV ajuda, os meios de
comunicação ajudam sem ter estudos profundos. E acho que aqui nesta comissão,
tô pedindo também para o presidente Lupion criar também lá na FPA o mesmo
trabalho, e nós vamos mostrar aqui nessa comissão que é uma grande farsa o
aquecimento global e nós vamos lá pra COP-30 dizer isso também.
Obrigado, presidente.”
• Outro lado da moeda: ‘A gente não está
alimentando a população brasileira’, critica pesquisadora sobre modelo do
agronegócio
Exilada há três anos,
a pesquisadora Larissa Bombardi é uma das principais vozes de crítica ao modelo
do agronegócio presente no Brasil. A especialista contesta a ideia de que o
setor é o responsável pela produção de alimentos que chegam à mesa da população. “O destino dessas terras [griladas] tem sido
para a produção de commodities, essas mercadorias que são comercializadas na
Bolsa de Valores, que tem o seu preço estabelecido nesse grande cassino
internacional”, comenta em entrevista veiculada no programa Bem Viver desta
segunda-feira (5). “E o que acontece com a produção de alimentos? Ela decaiu.
Então, as áreas de arroz, feijão, trigo e mandioca, por exemplo, caíram muito.
A área para cultivo de feijão diminuiu 40%”.
Os dados fazem parte
da publicação mais recente da autora, Agrotóxicos e Colonialismo Químico, livro
lançado em outubro do ano passado e divulgado no Brasil, somente neste mês,
quando Larissa Bombardi teve uma rápida passagem pelo país. Bombardi está há três
anos exilada na Europa por conta de ataques sofridos após a divulgação do Atlas
Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia,
publicado em 2017. Em 2021, quando saiu do Brasil, Bombardi declarou que
“recebi indicação de lideranças de movimentos sociais para que eu evitasse os
mesmos caminhos, alterasse os meus horários e a minha rotina, de forma a me
proteger de possíveis ataques dos setores econômicos envolvidos com a temática
sobre a qual eu me debruço”. Mãe de duas crianças, ela é mestra, doutora e
pós-doutora em Geografia Humana.
“Isso é o maior
símbolo do escândalo e mostra o quanto essa agricultura não alimenta a
população, o preço dos alimentos, eles flutuam ao sabor do mercado
internacional. É uma lógica que não está voltada para a segurança e para a
soberania alimentar”, comenta. “É uma agricultura que não nos alimenta. A fome
aumentou nos últimos dez anos”, analisa Bombardi, ao comparar os números de
crescimento do agronegócio no Brasil com os dados da fome. “A gente não está
alimentando a população brasileira”, finaliza a pesquisadora.
O lançamento do livro
de Bombardi no Brasil aconteceu no dia 24 de julho, no Armazém do Campo em São
Paulo. O evento teve a presença da apresentadora Bela Gil e do comunicador
popular Guilherme Terreri, também conhecido como Rita von Hunty, que dividiram
a mesa com Larissa. O livro está disponível para venda pelo site da editora e
também na livraria Expressão Popular.
Fonte: Reporter
Brasil/Brasil de Fato
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