Amazônia: a geografia do garimpo
O garimpo de ouro é
uma característica da Amazônia andina desde os tempos pré-colombianos e,
juntamente com a prata, foi a pedra angular da economia nos períodos colonial e
republicano. No Brasil, a mineração de ouro foi uma fonte de riqueza para a
coroa portuguesa e um importante fator na colonização de Mato Grosso e Rondônia
durante o século 18. A Guiana, o Suriname e a Guiana Francesa tiveram corridas
do ouro no século 19, assim como a Venezuela nas primeiras décadas do século
20. Esses eventos históricos, no entanto, foram ofuscados pelas corridas do
ouro da era moderna, todas ocorridas depois que os Estados Unidos encerraram a
conversibilidade do dólar em 1971.
A decisão de
desvincular os mercados internacionais de ouro coincidiu com uma década marcada
pela inflação que desencadeou um aumento exponencial no preço do ouro.
Coincidentemente, os países amazônicos adotaram políticas para abrir o interior
de suas florestas à migração e ao desenvolvimento (consulte o Capítulo 6). A
intenção era catalisar a expansão da economia nacional por meio do
desenvolvimento agrícola e mineral. Os obstáculos estruturais e a arrogância
condenaram muitas iniciativas, pelo menos no início, mas dezenas de milhares de
famílias responderam migrando para a Amazônia. Muitos foram para os campos de
ouro recém-descobertos em Carajás, Tapajós, Roraima, Madre de Dios e na costa
da Guiana.
Esses garimpeiros logo
se tornaram adeptos da exploração de ouro aluvial, que exploravam com o total
apoio de seus governos. Os garimpeiros corporativos acabaram seguindo-os,
munidos de informações de pesquisas geológicas de alta qualidade publicadas pelos
ministérios de mineração nacionais. Esses documentos técnicos divulgam
informações em um nível relativamente alto, mas a presença de ouro deve ser
verificada e validada pelo trabalho de campo. Esse é o domínio das pequenas
empresas de mineração, cujos geólogos de campo sabiam que o melhor lugar para
procurar ouro era seguir o exemplo dos garimpeiros.
As formações minerais
que contêm ouro são normalmente classificadas como depósitos primários (rocha
dura) ou secundários (aluvial/coluvial/saprólito). A presença de depósitos
secundários é uma indicação da existência de um depósito primário. Os garimpeiros
extraem “ouro livre” de depósitos secundários usando a tecnologia de mineração
de placer. Esse tipo de mineração acabará eventualmente na Amazônia, seja
quando as autoridades limitarem sua expansão ou quando os garimpeiros
descobrirem e explorarem todos os depósitos secundários acessíveis. Muito antes
disso, no entanto, o setor de mineração de ouro terá feito a transição para o
modelo de produção de mineração de rocha dura, muito mais lucrativo.
Os depósitos de rocha
dura têm duas manifestações: (a) filões e veios de alto teor localizados em
falhas ou zonas de cisalhamento dentro de uma matriz rochosa; e (b) corpos de
minério de baixo teor em que o ouro está fortemente ligado em baixas concentrações
dentro da matriz mineral da rocha. Algumas mineradoras de médio porte já
fizeram a transição para a mineração de rocha dura usando minas subterrâneas e
cianeto para explorar os minérios de alto teor. Os minérios de baixo teor serão
explorados por corporações que operam minas a céu aberto dentro ou perto de
paisagens já destruídas pelo flagelo da mineração de aluvião.
• O garimpo do Tapajós
A mineração de ouro no
sudoeste do Pará começou no final da década de 1950, quando os garimpeiros
descobriram depósitos aluviais no Rio Crepori, um afluente do Rio Tapajós
localizado a cerca de 500 quilômetros ao sul da cidade portuária de Santarém
(Figura 5.22). O acesso era limitado ao que os pequenos aviões conseguiam
transportar até pistas de pouso remotas ou ao que era transportado rio acima
contornando vários conjuntos de corredeiras. Os primeiros garimpeiros usavam a
tecnologia mais rudimentar de placer e desmataram cerca de 1.540 hectares de
mata ciliar até 1975. A migração aumentou após a construção da rodovia
principal (BR-163) que ligava Cuiabá a Santarém no final da década de 1970
(consulte o Capítulo 2). Dezenas de milhares de garimpeiros chegaram à região
e, em 1984, a presença espacial do Garimpo do Tapajós havia triplicado para
4.750 hectares ao mesmo tempo em que o acesso à região foi melhorado pela
construção da Rodovia Transgarimpeira, que permitiu que os mineradores
expandissem a escala de suas atividades com equipamentos pesados. A área de
floresta de várzea perdida até 1993 ultrapassou 16.500 hectares.
A produção de ouro
aumentou de oito toneladas anuais em 1970 para mais de 26 toneladas em 1990,
mas o valor nominal aumentou de somente US$ 7 milhões para US$ 175 milhões –
uma soma muito grande na Amazônia do final da década de 1980. O preço do ouro
estagnou na década de 1990; no entanto, os garimpeiros ainda conseguiam
produzir entre oito e doze toneladas por ano. A recuperação dos preços do ouro
após 2007 levou a outro boom na atividade de mineração, aumentando a pegada
espacial total para 26.170 hectares até 2015. Em comparação com o desmatamento
causado pela criação de gado, essa pode não parecer uma área particularmente
grande. No entanto, a floresta destruída nos campos de ouro do Tapajós é quase
sempre floresta de várzea.
Em 2013, um jornal de
Santarém estimou que a região havia produzido cerca de 758 toneladas de ouro ao
longo de cinquenta anos, com um valor calculado em ~R$ 79 bilhões (então ~US$
25 bilhões). O objetivo do artigo do jornal era protestar contra a perda de
receitas públicas provenientes de mineradoras de ouro que só recentemente
haviam começado a pagar royalties. A produção de ouro da região em 2013 foi
registrada em doze toneladas, o que teria um valor nominal de mercado de ~US$
447 milhões; no entanto, apenas R$ 1,6 milhão foi transferido para o município
de Itaituba, cerca de sete por cento do valor putativo realmente devido (R$ 24
milhões). As receitas anuais melhoraram constantemente desde então, à medida
que empresas e cooperativas de médio porte começaram a operar no setor formal.
Em 2019, um total de R$ 64 milhões em royalties foi transferido para o
município, o que corresponde, talvez, a cinquenta por cento de cumprimento de
suas obrigações de acordo com a legislação brasileira.
Em 2020, um serviço de
notícias regional estimou que havia 2.700 minas de garimpo ativas, empregando
cerca de 27 mil pessoas. Alguns estão retrabalhando minas de aluvião
pré-existentes usando tecnologia mais sofisticada, mas a presença de mineração
de aluvião continua a se expandir pelos afluentes secundários e terciários do
Crepori e do Jamanxim. Imagens de satélite revelam que entre 3.000 e 4.000
hectares de floresta de várzea foram perdidos a cada ano entre 2010 e 2020.
Pelo menos alguns garimpeiros evoluíram para mineiros de rocha dura em pequena
escala e agora estão explorando os depósitos de ouro primário de acesso mais
fácil. Havia apenas duas minas subterrâneas em escala industrial operando na
região em 2020, mas pequenas empresas estavam desenvolvendo quatro minas
subterrâneas e três minas a céu aberto (consulte a Figura 5.22), enquanto
realizavam campanhas de exploração em toda a região.
A maior parte da
mineração ocorreu dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós, uma
categoria de conservação que permite a mineração; no entanto, a maioria das
minas é considerada ilegal por não estar em conformidade com as regulamentações
ambientais ou fiscais.
A região também contém
dois parques nacionais (Jamanxim, Rio Novo), onde a mineração não é permitida,
e cinco reservas florestais nacionais: Floresta Nacional (FLONA) Itaituba I e
II, onde a mineração é permitida, e FLONA Amaná e Jamanxim, onde não é permitida.
Todas ainda estão em estágios iniciais de consolidação e sofrem pressão de
colonos, grileiros e garimpeiros. Em 2017, o governo de Michel Temer tentou
reduzir o tamanho e recategorizar a FLONA Jamanxim, mas a medida foi declarada
ilegal pelo Supremo Tribunal Federal.
A maior parte do setor
médio da bacia hidrográfica do Tapajós já foi domínio incontestável dos
Munduruku, uma nação indígena que tem lutado para coexistir com os garimpeiros
e proteger a integridade ecológica da região. Uma etnia relativamente numerosa,
que agora reside principalmente em comunidades ribeirinhas em seus territórios
legalmente constituídos (TI Munduruku, TI Sai Cinza e TI Sawré Muybu), todos
adjacentes aos campos de ouro. Suas comunidades continuam sofrendo invasão
territorial, principalmente ao longo do Rio das Tropas e do Rio Cabitutu. Em
2014, eles criaram o Movimento Ipereg Ayu , uma força de autoproteção, cuja
primeira ação foi autodemarcar suas terras e organizar patrulhas para combater
a mineração e a extração ilegal de madeira.
• Leste do Pará
A mina de ouro mais
famosa da Amazônia brasileira é Serra Pelada, no leste do Pará, local de uma
corrida do ouro que começou em 1981 e terminou com o fechamento do maior
garimpo do mundo escavado a mão a céu aberto em 1993. Em seu auge, em meados da
década de 1980, a população de garimpeiros chegou a 80.000 homens e meninos,
enquanto dezenas de milhares de mulheres e crianças viviam em assentamentos
adjacentes. Hoje, Serra Pelada é cercada por fazendas e ranchos, mas em 1981
era uma fronteira florestal e, previsivelmente, um garimpo caótico e violento.
A corrida do ouro
ocorreu no auge do governo militar, o qual enviou um oficial familiarizado com
a região para administrar a mina, que logo se tornou famosa pela situação
caótica e pelas condições de trabalho infernais. Sebastião Rodrigues de Moura,
conhecido pelo apelido de Major Curió, impôs a ordem usando uma combinação de
coerção, persuasão e bom senso. Os garimpeiros se organizaram na Cooperativa de
Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (COOMIGASP). A concessão foi
originalmente detida por uma subsidiária da empresa estatal de mineração
(Companhia Vale do Rio Doce – CVRD), que cedeu a propriedade à COOMIGASP em
1982, quando ficou óbvio que as condições sociais tornariam impossível o
desenvolvimento de uma mina industrial.
As chuvas tropicais
acabaram superando a capacidade das bombas de manter a cava livre de água,
enquanto seu projeto aleatório e os solos lateríticos não consolidados
(saprólito) resultaram em vários deslizamentos de terra recorrentes que mataram
dezenas de trabalhadores. A mina foi fechada em 1992, embora houvesse
abundantes recursos de ouro que ainda não haviam sido totalmente explorados. A
quantidade de ouro que foi extraído de Serra Pelada é estimada, de forma
conservadora, em 42 toneladas, o que, na época, teria representado cerca de US$
500 milhões. Presume-se que o valor real seja maior porque o banco encarregado
de comprar a produção dos garimpeiros pagou apenas 75% do preço do mercado
internacional.
A jazida de Serra
Pelada é conhecida por se estender por vários milhares de metros abaixo da
superfície e estima-se que contenha mais ~100 toneladas de ouro, além de
platina (~35 toneladas) e paládio (~18 toneladas). A cooperativa de garimpeiros
não possui capacidade técnica nem financeira para desenvolver o recurso. No
entanto, em 2000, a COOMIGASP firmou uma joint venture com uma empresa
canadense (Colossus Minerals) para instalar uma mina subterrânea em escala
industrial. A iniciativa não foi bem-sucedida, devido à complexa dinâmica
social que exigia que a empresa canadense entrasse em um empreendimento
comercial com uma associação indisciplinada de garimpeiros.
A cooperativa, que
agora conta com 45 mil associados, continua buscando parceiros e oportunidades
para reabrir o poço escavado pela Colossus entre 2000 e 2014. Em janeiro de
2022, a COOMIGASP recebeu um compromisso do governo Bolsonaro para reativar a
mina, uma decisão influenciada pelas lembranças da experiência de seu pai como
garimpeiro na mina no início da década de 1980.
Serra Pelada foi
apenas um dos vários garimpos que se beneficiaram dos programas federais na
década de 1980; os subsídios diretos incluíam assistência técnica, serviços
financeiros, transporte aéreo, assistência médica e alimentação. O garimpo de
maior destaque patrocinado pelo governo federal foi o Projeto Cumaru,
localizado em uma paisagem florestal remota em terras habitadas pela tribo
Gorotire da nação Kayapó. A onda de migrantes oprimiu os Gorotire, cujos
líderes originalmente buscavam um acordo com os garimpeiros em troca de uma
parte das receitas e da delimitação de seu território. Os Kayapó logo se
sentiram frustrados com a situação, pois sentiram os impactos em sua saúde bem
como em seus meios de subsistência e perceberam que estavam sendo enganados em
relação às receitas. A atividade de mineração diminuiu durante a década de
1990, pois o valor do ouro sofreu um declínio cíclico, mas os garimpeiros
voltaram a se instalar na área depois de 2015 (Figura 5.24). Os Kayapó são
firmes em sua oposição à mineração, mas não conseguiram proteger seu
território, apesar da assistência do Ministério Público e da sociedade civil.
A imprensa popular
enfatiza o conflito entre os povos indígenas e os garimpeiros, mas a retomada
da expansão do garimpo também afetou negativamente as comunidades que residem
em paisagens agrícolas. Dezenas de milhares de garimpeiros foram atraídos para o
leste do Pará durante a década de 1980 e, embora alguns tenham se mudado para
outros lugares, muitos se estabeleceram em assentamentos patrocinados pelo
INCRA que caracterizam a região (consulte o Capítulo 4). Essa reserva
demográfica de garimpeiros, ou de seus descendentes, surge quando o preço do
ouro dispara. Alguns invadem áreas indígenas, mas outros reocupam os garimpos
abandonados da década de 1980, que agora estão cercados por fazendas e ranchos.
Imagens de satélite revelam que novos garimpos destruíram milhares de hectares
de habitat ribeirinho e remanescentes de matas ciliares nos municípios de
Xinguara, Rio Maria, Curionópolis e Eldorado dos Carajás.
Assim como no Tapajós,
o sucesso dos garimpeiros atraiu o interesse das empresas, que sabem que o ouro
aluvial é um indício de depósitos maiores contidos nos corpos mineralizados da
Província Mineral de Carajás. A Vale operou uma mina de ouro industrial em
Igarapé Bahia entre 1990 e 2000, que produziu cerca de 100 toneladas de ouro e
cerca de US$ 1,6 bilhão em receita bruta. Atualmente, o interesse corporativo
está concentrado no cobre e no níquel como os principais minerais-alvo; no
entanto, esses depósitos minerais (IOCG) também produzem ouro. Em 2021, as
minas de Sossego e Salobo produziram, respectivamente, duas e dez toneladas de
ouro, representando cerca de 25% de suas receitas combinadas de US$ 2,5
bilhões.
Fonte: Mongabay
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