'Toc, toc,
toc, é a PF': como foi o dia zero da Lava Jato
No dia 17 de março de
2014, o então ministro da Justiça José Eduardo Cardozo e o então procurador da
República Deltan Dallagnol não poderiam ter tido dias mais diferentes.
Cardozo acordou em seu
apartamento em Brasília por volta das 7h. O horário significava que, no seu
radar, nenhuma operação politicamente relevante da Polícia Federal (PF) havia
sido deflagrada.
Isso porque o
protocolo determinava que operações consideradas sensíveis lhe seriam
informadas apenas após a deflagração das primeiras ações, por volta das 6h,
para evitar possíveis vazamentos.
Dallagnol, por sua
vez, estava a mais 15 mil quilômetros de distância dali, nas Ilhas Mentawai, na
Indonésia.
O local é um paraíso
tropical de ondas consideradas perfeitas e que atraiu o paranaense e um grupo
de amigos também praticantes do surfe.
Em Curitiba, no
entanto, cidade onde era lotado, um grupo de procuradores da República
acompanhava com atenção o desenrolar de uma operação que, naquele momento, não
parecia importante o suficiente para fazer o telefone de Cardozo tocar de
manhã.
"Para mim, era um
caso de rotina", diz Dallagnol à BBC News Brasil ao lembrar daquele dia
dez anos depois.
Cardoso fez uma
avaliação semelhante: "Era a prisão de um doleiro e estava dentro da
rotina mais cotidiana do Ministério da Justiça".
"Não me lembro de
qualquer coisa naquele dia que me indicasse que aquela operação pudesse abalar
o país ou o mundo político no futuro", diz o ex-ministro.
O doleiro, porém, era
Alberto Youssef. E aquela era a primeira fase da Operação Lava Jato.
O nome, considerado
inusitado à época foi dado porque um dos estabelecimentos usados pelos doleiros
investigados para lavar dinheiro ilegal era um posto de lavagem de carros em
Brasília.
Naquela época,
operações da Polícia Federal já chamavam atenção e eram criticadas por
advogados e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) como Gilmar Mendes por
sua suposta "espetacularização".
Mas foi depois da Lava
Jato que termos como o "Toc, Toc" da Polícia Federal se tornaram
nacionalmente conhecidas. No auge da Lava Jato, críticos da esquerda e de
políticos como o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) faziam piadas
sobre o dia em que a PF bateria em sua porta.
Dez anos depois, é vez
de militantes de esquerda fazerem usarem o mesmo termo para especular sobre uma
eventual prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Nos anos que se
seguiram à primeira fase da Lava Jato, Dallagnol e Cardozo ficaram em lados
opostos em meio aos desdobramentos da Lava Jato.
Dallagnol se tornou um
dos rostos mais conhecidos da operação cujo legado ele ainda defende. Um dos
momentos em que sua visibilidade ficou ainda mais evidente aconteceu durante a
apresentação da primeira denúncia da Lava Jato contra o então Lula.
Foi neste episódio que
Dallagnol utilizou uma apresentação de slides em que o nome Lula aparecia
dentro de um círculo e que ficou famosa gerando memes e críticas.
Cardozo, por sua vez,
acabou deixando o comando do ministério em 2016 com o agravamento da crise
política gerada pela operação.
Assumiu então a
Advocacia Geral da União (AGU) e foi o principal defensor de Dilma Rousseff
(PT) durante o processo de impeachment que acabou tirando-a do poder naquele
mesmo ano.
Uma década depois da
primeira fase ser deflagrada, a BBC News Brasil conversou com três pessoas que
contaram, a partir de suas perspectivas, como viveram o dia "zero" da
operação.
Além de Cardozo e
Dallagnol, protagonistas desta história, um observador privilegiado: o
cientista político Leonardo Avritzer, um dos principais especialistas em
corrupção no Brasil e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Em comum, os três
relatos convergem ao apontar que naquele 17 de março havia poucas indicações do
grande impacto que a operação teria nos anos seguintes.
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Surfe e cabeça rachada
Enquanto agentes da PF
batiam na porta de Youssef, Deltan Dallagnol descansava depois de mais um dia
intenso de surfe no paraíso indonésio.
Onze horas à frente no
fuso horário, já era de tarde em Mentawai quando os agentes da PF bateram à
porta do doleiro.
"A gente estava
surfando em pequenas ilhas no dia da deflagração", diz Dallagnol.
As Ilhas Mentawai são
um arquipélago composto por quatro ilhas principais com natureza bem preservada
no Oceano Índico.
Elas têm areia fina e
branca, palmeiras abundantes, mar verde e ondas cobiçadas. A temperatura da
água pode atingir os 27º C.
Nascido em Pato
Branco, no interior do Paraná, Dallagnol contou que aprendeu a surfar ainda
adolescente, por volta dos 15 anos de idade, nas praias de Matinhos e Guarda do
Embaú, nos litorais do Paraná e de Santa Catarina.
A cada dois anos, ele
e um grupo de amigos organizavam uma viagem para locais badalados do circuito
internacional de surfe onde ficavam entre 10 e 15 dias.
Havia alguns anos,
porém, que Dallagnol não se juntava ao grupo, porque ele havia passado um tempo
fora do Brasil fazendo mestrado na Universidade Harvard, nos Estados Unidos.
Para aquela viagem,
Dallagnol e seu grupo de amigos alugaram um barco com camarotes onde dormiam e
se alimentavam enquanto viajavam de uma ilha para a outra em busca das melhores
ondas.
Naquele dia, ele
conta, não teve nenhuma informação sobre a operação. "Não tinha internet
no barco. Nada", lembra.
Dallagnol diz que uma
de suas memórias mais fortes daquela viagem não foi de nenhuma onda, mas de um
acidente.
Um amigo caiu da
prancha enquanto descia uma onda, bateu nos recifes a cabeça, que teve cortes
profundos nos dois lados.
"Na hora que isso
aconteceu, um amigo nosso que é dentista foi para o barco e pegou o material de
sutura. Foi um momento tenso porque não sabíamos se havia lesão interna",
diz Dallagnol.
"Meu amigo
precisava de alguém que fizesse a assistência para ele costurar a cabeça, e eu
fiquei atuando como instrumentador cirúrgico."
Traumas à parte,
Dallagnol conta que seu desejo de surfar na Indonésia quase o tirou da Lava
Jato.
Ele diz que, poucas
semanas antes da viagem, foi convidado por uma procuradora da República para
fazer parte de uma operação envolvendo lavagem de dinheiro.
Dallagnol afirma que,
na época, não havia indicações de que a operação poderia ter impactos
políticos.
O então procurador
lembra que mencionou então que já havia marcado a viagem e que não poderia
perder a oportunidade.
Ao mesmo tempo, nos
dias anteriores à operação, os procuradores que já atuavam no caso entenderam
que ela demandaria mais gente do que o normal.
Sem internet ou outro
meio de comunicação, Dallagnol disse que não chegou a ficar ansioso com a
deflagração da primeira fase da Lava Jato porque já tinha atuado em outras
grandes operações complexas de lavagem de dinheiro com doleiros.
"O que eu não
sabia é que nós íamos esbarrar no maior monstro da corrupção política já
revelado na história do país e talvez do mundo", diz Dallagnol.
"Se soubesse, eu
ficaria sim preocupado e avaliaria até cancelar a viagem".
Logo após retornar de
viagem, Deltan conta que se deparou com um enorme volume de documentos
apreendidos durante a primeira fase.
"Voltei da praia
e mergulhei num mar de mais de 80 mil documentos aprendidos, alguns deles
criptografados", diz o procurador que, segundo ele, por pouco não ficou de
fora da operação, mas que, em seguida, passou a ocupar a coordenação do grupo.
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O ministro e o 'jogo bruto' com Eduardo
Cunha
Longe de qualquer
praia que não fossem as do Lago Paranoá, em Brasília, José Eduardo Cardozo
começou aquela semana de março de 2014 de um jeito aparentemente muito menos
divertido do que Dallagnol.
Seu apartamento fica
em um condomínio a pouco mais de 300 metros do lago e a um quilômetro da então
residência da então presidente Dilma.
Cardozo conta que
chegou a ir de bicicleta ao Palácio do Planalto para se reunir com sua chefe.
Ele era, à época, um
quadro histórico do PT. Havia sido vereador em São Paulo e deputado federal por
dois mandatos consecutivos.
Desde o primeiro ano
do governo Dilma, comandava o Ministério da Justiça e, por consequência, a PF,
uma das principais engrenagens da Lava Jato.
Naquela segunda-feira,
porém, sua principal missão não era lidar com as questões típicas do
ministério. Dilma havia lhe confiado uma tarefa diferente: negociar o Marco
Civil da Internet, projeto de lei que tramitava no Congresso com princípios,
regras e garantias do uso deste meio de comunicação no país.
"Um dos problemas
que nós tínhamos era o então líder do PMDB na Câmara dos Deputados, Eduardo
Cunha. Ele não aceitava a neutralidade da rede, e esse era um ponto que nós não
abriríamos mão", diz Cardozo.
"A relação de
Dilma com Eduardo nunca foi boa e ela sabia que ali o jogo seria bruto."
Naquele momento, no
seu horizonte, não estava uma operação da PF contra doleiros, "por mais
relevantes que fossem", diz Cardozo.
Meses mais tarde,
Cunha se tornaria uma peça central do desenrolar da Lava Jato.
Acusado de
envolvimento no esquema de corrupção denunciado pela PF e sentindo-se
abandonado por parlamentares governistas, ele deu início ao processo de
impeachment que resultou na perda de mandato de Dilma dois anos depois, em
2016.
No mesmo ano em que
Dilma foi tirada do Planalto, Cunha teve o mandato cassado e foi preso.
Ele chegou a ser
condenado a mais de 15 anos de prisão por corrupção, mas teve sua prisão
anulada pelo STF em 2023.
Cunha sempre alegou
ser inocente de todas as acusações e negou seu envolvimento em quaisquer
irregularidades.
Cardozo disse que,
exceto pelas reuniões com Cunha, o dia zero da Lava Jato transcorreu com
tranquilidade e sem nenhum sinal de que a operação Jato se transformaria em um
problema para o governo.
"Só fui avisado
da operação depois que um doleiro tinha sido preso. Ou seja, foi uma situação
de maior normalidade para o Ministério da Justiça", disse.
Cardozo contou que só
começou a suspeitar das possíveis implicações da operação três dias depois da
sua primeira fase.
No dia 20 de março, a
PF informou que havia prendido o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa
por tentativa de destruição de provas.
Costa foi um dos
primeiros delatores da operação e apontou a existência do pagamento de propinas
a membros da diretoria da Petrobras feito por empreiteiras em troca de
contratos com a estatal.
Delações subsequentes
apontaram que a nomeação de diretores de áreas estratégicas da Petrobras eram
definidas por líderes de partidos da base aliada ao governo.
Em troca, parte das
propinas pagas pelas empreiteiras deveriam ser direcionadas a políticos e
partidos, entre eles o PT de Dilma, o PMDB de Michel Temer, seu vice, e o PP.
Costa havia saído da
Petrobras dois anos antes da operação, em 2012. Dilma disse que demitiu Costa
em 2012 em meio a suspeitas de irregularidades.
A ata da reunião em
que a saída de Costa foi definida, porém, aponta que ele teria renunciado ao
cargo.
"O diretor-geral
da PF (Leandro Daiello) falou: 'Olha, ministro. À tarde, aconteceu uma
situação. Foi preso um diretor da Petrobras'. Eu perguntei quem era. Ele falou
que era Paulo Roberto Costa. Não lembrava do nome dele", diz Cardozo.
O ex-ministro conta
que só então se recordou de Costa e de que como, quando ele foi demitido no
início do governo Dilma, "muita gente da área política havia ficado
insatisfeita com a presidente".
"Inclusive, gente
da situação e da oposição. Foi aí que percebi que esse Paulo Roberto tinha um
apoio político imenso", diz Cardozo.
"Comecei a
avaliar que aquilo tudo podia desdobrar em consequências políticas, embora,
para mim, era impossível mensurá-las naquele momento."
Cardozo afirma que
chegou a comentar com Dilma sobre a prisão do ex-diretor da Petrobras.
"Conversei com
ela rapidamente. Ela olhou para mim com uma cara assim: 'Vamos ver no que vai
dar'. E mais nada. Não fez nenhum comentário", diz o ex-ministro.
"Mas depois ficou
claro que ela tinha botado ele pra fora porque já tinha uma percepção do
problema."
Durante o processo de
impeachment de Dilma, em 2016, Cardozo ganhou ainda mais notoriedade. Se tornou
a principal face da defesa da então presidente no processo que acabou por
cassar o seu mandato. Com a queda da petista, Cardozo também saiu da cena política
e não assumiu mais cargos públicos desde então.
Cardozo montou um
escritório em São Paulo e voltou a atuar como advogado.
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Um dia normal do professor
No dia 17 de março de
2014, o professor Leonardo Avritzer já era uma das principais referências
brasileiras no estudo da corrupção e dava aulas na UFMG desde 1989.
Avritzer conta que
estava em sua casa em Belo Horizonte e que as primeiras informações que
chegaram sobre aquela operação de nome curioso não eram particularmente
chamativas.
"A única coisa
que chamou atenção foi a prisão de Alberto Youssef, mas até onde eu podia
supor, foi uma prisão genérica, se é que podemos dizer assim", diz
Avritzer à BBC News Brasil.
"Ainda não se
sabia que ele já havia sido preso antes. Não era uma pessoa importante no meu
radar."
Avritzer diz que,
assim como Cardozo, o primeiro indício de que aquela poderia ser uma operação
diferente foi a prisão de Paulo Roberto Costa.
"Quando o Costa
foi preso, aí chegamos a uma prisão importante", lembra o professor.
Avritzer relata que,
coincidentemente, na época em que a Lava Jato teve sua primeira fase, ele se
dedicava a um projeto que monitorava a percepção da população sobre temas como
a corrupção.
"A gente fazia
pesquisas anuais e já notava que havia uma certa alta", diz.
"A corrupção,
naquela época, ainda não despontava como a principal preocupação do brasileiro
como eventualmente aconteceu nos anos após a Lava Jato."
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Legado em disputa
Dez anos depois, a
Operação Lava Jato continua despertando opiniões divergentes e, muitas vezes,
diametralmente opostas.
A partir de 2019, a
Lava Jato passou a ser alvo de uma intensa leva de críticas após a divulgação
pelo portal Intercept Brasil e outros veículos de uma série de mensagens
trocadas entre procuradores da força-tarefa por meio de um aplicativo. As
mensagens foram extraídas por um hacker.
De acordo com os
veículos, as mensagens mostravam diálogos entre Deltan e o então juiz Sergio
Moro que levantaram questões sobre parcialidade do agora senador.
Em 2021, por exemplo,
o STF reconheceu a parcialidade de Moro no caso de obras em um apartamento
tríplex no Guarujá (SP) que teria sido dado a Lula por uma empreiteira
investigada pela Lava Jato. Moro sempre negou qualquer irregularidade em sua
atuação na operação.
Seus críticos passaram
a reforçar o coro de que a operação havia cometido abusos como prisões
demoradas para obter delações premiadas.
O caso, conhecido como
Vaza Jato, foi usado pela defesa de Lula e de outros condenados pela Lava Jato
para pedir a anulação de sentenças.
Em 2021, o STF
reconheceu a parcialidade de Moro no caso de obras em um apartamento tríplex no
Guarujá (SP) que teria sido dado a Lula por uma empreiteira investigada pela
Lava Jato. Moro sempre negou qualquer irregularidade em sua atuação na
operação.
Dallagnol nunca
admitiu que as mensagens eram autênticas e sempre negou o cometimento de
irregularidades na condução da operação.
Em 2019, ele tentou
explicar o contexto das supostas conversas em uma entrevista à BBC News Brasil.
"As pessoas têm
que entender que essas conversas são conversas que você teria na mesa de casa
com a família, são pessoas que estão trabalhando há cinco anos juntas, são
amigas", disse o então procurador-chefe da Lava Jato.
"São conversas
que você tem com o círculo de intimidade, conversas que você fica à vontade
para falar até alguma besteira, uma bobagem, para ser até certo modo
irresponsável."
Questionado na semana
passada ao ser entrevistado pela BBC News Brasil sobre o legado da Lava Jato e
as acusações de abusos cometidos por ela, Dallagnol preferiu não responder.
Em novembro de 2021,
ele deixou o MPF e abriu mão da carreira como procurador da República.
No ano seguinte, se
filiou ao Podemos, disputou e venceu a eleição para deputado federal,
elegendo-se como o deputado federal mais votado do Paraná naquele ano, com
344.917 votos.
Em maio do ano
passado, no entanto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou seu mandato no
curso de um processo aberto com base na Lei da Ficha Limpa.
A acusação era de que
ele havia pedido exoneração do MPF para evitar uma condenação disciplinar por
conta de processos instaurados contra ele em função de sua atuação na Lava
Jato.
Sua exoneração foi
interpretada pelos ministros da Corte como uma manobra para escapar da Lei da
Ficha Limpa, que impede pessoas condenadas por órgãos colegiados de se
candidatarem a cargos eletivos.
À época, Dallagnol
negou qualquer irregularidade e afirmou que sua cassação fez parte de uma
perseguição política contra ele.
"Na minha
leitura, isso é uma tentativa do PT me derrubar, mas não se trata só do Deltan.
Para eles, é uma tentativa de resgate e de redenção política do Lula",
disse Dallagnol à BBC News Brasil em maio de 2023.
"É uma forma de
impor uma narrativa de que a Lava Jato foi, na realidade, uma perseguição
política e não uma tentativa de construir um país mais justo e sem
corrupção."
Apesar da cassação,
Dallagnol vem sendo apontado como um nome forte na disputa pela Prefeitura de
Curitiba, neste ano.
Eleitor declarado de
Jair Bolsonaro em 2022, o agora ex-procurador e ex-deputado federal tem apoio
de segmentos como o eleitorado evangélico (há anos, ele frequenta a Igreja
Batista do Bacacheri).
Segundo o jornal O
Globo, um juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) entendeu que,
mesmo tendo o mandato cassado pelo TSE, Dallagnol não está inelegível e, em
tese, poderia disputar as eleições municipais deste ano.
Para Cardozo e
Avritzer a Lava Jato teve impactos negativos na política e na economia
brasileiras.
"Ela tinha um
propósito virtuoso que combater a corrupção, só que a sua abusividade foi
colocada à mostra e ficou evidente que houve um desvirtuamento do próprio fim
da operação", diz o ex-ministro da Justiça.
"A operação,
claramente, criou condições para o impeachment (de Dilma) sem que houvesse
causa justificada."
Avritzer afirma que o
fato de a Lava Jato ter, supostamente, cometido abusos, faz com que ela não
tenha deixado nenhum legado ao país.
"Argumentam que
ela deixou um legado pelas pessoas que prendeu, mas o aprimoramento
institucional, que é o que de fato funciona no combate à corrupção, não
ocorreu. Não houve contribuição neste sentido", diz o professor.
Apesar disso, outros
estudiosos apontam que a Lava Jato teria deixado para trás a criação de algumas
inovações jurídicas que ainda perduram.
Entre elas estaria a
proibição do financiamento empresarial de campanhas políticas, determinado pelo
STF em 2016. O financiamento empresarial das eleições foi apontado como um dos
causadores do esquema investigado pela operação.
Outro ponto seria a
Lei da Estatais, também de 2016, que criou normas mais rígidas para a nomeação
de cargos de direção em empresas estatais.
Um terceiro seria o
fim das financiamentos por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES) à exportação de serviços de infraestrutura em países
estrangeiros, também em 2016. Segundo os seus críticos, empreiteiras utilizavam
seus contatos no Brasil para ganhar contratos no exterior e repassar propina a
agentes públicos estrangeiros.
Desde o início do seu
novo mandato, Lula tem defendido o retorno dos financiamentos para empresas
brasileiras executarem serviços de infraestrutura no exterior, mas a medida
ainda não foi revertida.
À BBC News Brasil,
Dallagnol afirma que uma suposta perseguição a pessoas ligadas à Lava Jato tem
impedido-as de falar sobre o caso no aniversário de dez anos da operação.
"Quem está no
Ministério Público hoje, no Judiciário ou na polícia tem medo de dar entrevista
e de falar sobre o caso porque existe uma censura, uma repressão e uma
retaliação contra quem combater a corrupção no Brasil", diz Dallagnol.
No início de março, o
STF divulgou um relatório sobre os dez anos da Lava Jato.
Apesar de decisões da
Corte terem resultado na anulação de condenações, o Supremo aponta que acordos
de colaboração premiada oriundos da investigação resultaram na recuperação de
R$ 2 bilhões em recursos que teriam sido desviados pelo esquema.
Ainda no campo
jurídico, as decisões que anularam sentenças proferidas durante a operação
fizeram com que algumas das empresas investigadas passassem a tentar renegociar
acordos de leniência que fizeram durante o auge da operação.
Em fevereiro deste
ano, por exemplo, o ministro do STF, Dias Toffoli, suspendeu uma multa de R$
8,5 bilhões que havia sido imposta à empreiteira Odebrecht e autorizou o
governo a reavaliar os termos do acordo de leniência feito pela empresa.
Acordos de leniência
são uma espécie de "delação premiada" para empresas que reconhecem
condutas irregulares ou ilegais às autoridades em troca de benefícios.
Fonte: BBC News Brasil
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