sexta-feira, 22 de março de 2024

Se Maduro for reeleito, 'milhões de venezuelanos fugirão', diz líder da oposição na Venezuela

Com as eleições presidenciais na Venezuela marcadas para 28 de julho, e o apoio unânime do partido no poder a Nicolás Maduro na busca por sua segunda reeleição, ainda permanece uma incógnita sobre o que a oposição vai fazer em relação ao pleito.

A líder da oposição, María Corina Machado, venceu com 92% dos votos as eleições primárias da oposição venezuelana, em outubro, mas está impedida de disputar a Presidência.

Ela não perdeu, no entanto, a esperança de ser a candidata, apesar de a Justiça venezuelana ter decidido que ela não está habilitada a concorrer a cargos públicos. Machado é alvo de diferentes acusações, como corrupção e formação de quadrilha.

Após a divulgação dos resultados, o governo classificou as primárias da oposição como "uma fraude".

Dias depois, a câmara eleitoral do Tribunal Supremo de Justiça ordenou a suspensão dos resultados das primárias em decorrência de um recurso apresentado pelo deputado governista José Brito, que denunciou irregularidades, afirmando que era uma "grande farsa", sem apresentar provas.

Machado está convencida, como disse em entrevista ao programa Newsday, da BBC, de que a proibição imposta a ela nada mais é do que uma demonstração do medo que o governo tem de sofrer "uma derrota esmagadora".

Em suas palavras, Maduro "está boicotando" as eleições, como mostra o fato de não ter cumprido o que foi estabelecido no acordo de Barbados, firmado entre o governo, a oposição e os Estados Unidos.

Machado também se referiu às consequências de Maduro continuar no poder, o que poderia causar, segundo ela, "a maior onda migratória que vimos até agora".

Além disso, ela deixou aberta a possibilidade de alguém substituí-la como candidata da oposição nas eleições deste ano.

Confira a seguir a entrevista que Machado concedeu à BBC, poucos dias antes do prazo dado pelas autoridades eleitorais venezuelanas para a apresentação das candidaturas à Presidência (de 21 a 25 de março).

·        Você acha que vai conseguir se registrar como candidata a tempo?

María Corina Machado - É difícil dizer. É óbvio que Maduro teme a possibilidade de competir comigo porque sabe que teria uma derrota esmagadora.

Estão tentando me impedir porque é a primeira vez nos 25 anos que estamos sob um regime chavista em que disputamos uma eleição presidencial com mais de 80% de apoio, por isso haviam dito claramente que não me deixariam correr.

·        Se você não puder se registrar como candidata, haverá um candidato da oposição? Você vai permitir que alguém possa representar seu nome?

Machado - Fui muito clara ao afirmar que não vão nos retirar das urnas. Nós vamos e estamos lutando por eleições livres, e é Maduro quem está boicotando.

Queremos uma transição, um caminho pacífico, enquanto Maduro está gerando violência, e o que estamos propondo é uma negociação séria para uma transição com garantias, e Maduro se nega.

·        Parece que ele vai permitir que outra pessoa se registre, para que aqueles que não quiserem apoiar Maduro tenham uma alternativa nas urnas.

Machado - Estamos lutando dia após dia, vocês podem imaginar que não vou fechar nenhuma possibilidade neste momento.

O importante é que o nosso apoio está crescendo dia a dia, e Maduro perdeu toda a sua base social e, inclusive, as possibilidades que tinha antes, o mecanismo de chantagear as pessoas, não funciona mais.

É por isso que espero que a comunidade internacional, o mundo que sabe o que está em jogo neste momento, e o que significaria para a Venezuela e para a região se Maduro protelar uma transição pela força, [se junte] para manter uma posição unida e sólida em termos dos nossos direitos a uma eleição livre e justa na Venezuela, tal como o acordo de Barbados tinha estabelecido claramente.

·        Se você tiver permissão para concorrer ou se uma figura da oposição puder concorrer no seu lugar. Serão eleições livres e justas?

Machado - Não necessariamente. Em primeiro lugar, quero insistir nisso, no acordo de Barbados, que foi assinado pelo governo. Ele diz na sua primeira cláusula, no seu primeiro ponto, que os partidos são livres para decidir o processo por meio do qual escolhem o seu candidato.

E foi justamente isso que as forças democráticas fizeram no dia 22 de outubro, em um movimento cívico em que num único dia quase três milhões de pessoas votaram e me elegeram como candidata legítima com mais de 92% dos votos. Eles tentam me impedir, me proíbem de participar.

Em segundo lugar, estão impondo unilateralmente um calendário que torna quase impossível o envio de uma missão de observação internacional, e do ponto de vista interno, torna muito difícil para o povo venezuelano, para os jovens que não se registraram para votar, milhões, e também para milhões de pessoas que se viram obrigadas a deixar o nosso país — lembrem-se, um quarto da população venezuelana foi forçada a sair — se registrar e votar.

E o governo também tem anulado nas últimas horas o direito dos partidos políticos que me apoiam de apresentar candidatos, mas é Maduro quem bloqueia essa via.

·        Se você não tiver permissão para se candidatar. Você acha que os Estados Unidos deveriam restabelecer as sanções à economia venezuelana?

Machado - Isso fazia parte do acordo que o governo assinou com os Estados Unidos, no qual ambas as partes se comprometeram com diferentes ações.

Os Estados Unidos cumpriram o acordo e o que anunciaram que fariam, o governo (venezuelano) não — pelo contrário, violaram todos, cada um dos termos do acordo de Barbados, e aumentaram drasticamente a repressão e a perseguição.

Inclusive enquanto conversamos, há quatro gestores da minha campanha em quatro estados diferentes da Venezuela que desapareceram pelas forças do regime, e estão agora detidos como prisioneiros numa prisão chamada El Helicoide, que é o maior centro de tortura da América Latina.

Eles não gostam que eu viaje pelo país de avião, bloqueiam as rotas, nos atacam, e acredito que o mundo deve responsabilizar Maduro, porque as consequências de Maduro permanecer no poder pela força seriam enormes.

Não só para a região, porque a região deveria se preparar para a maior onda migratória que vimos até agora.

Estou falando de milhões de venezuelanos que vão fugir se perderem a esperança de liberdade e prosperidade em sua pátria.

Também tenho que destacar como os vínculos bastante perigosos que Maduro tem com a Rússia e o Irã estão se intensificando, e o que significaria para as democracias ocidentais se Maduro permanecer no poder pela força.

Portanto, este é um momento crítico, horas muito delicadas, e o que tanto os venezuelanos quanto a comunidade democrática internacional fizerem nas próximas horas, acredito que será crucial para as próximas décadas.

 

Ø  O desespero dos haitianos sem perspectivas para fim da violência

 

"Porto Príncipe está em pânico", escreveu um amigo em uma mensagem de texto enviada da capital haitiana, Porto Príncipe.

Os moradores de Petionville, uma área mais rica da cidade, estão em choque depois do dia mais violento até agora na crescente crise de segurança do país.

Mais de uma dúzia de corpos baleados foram visto nas ruas – as vítimas do mais recente ataque de gangues.

Além da onda de assassinatos, a casa de um juiz também foi atacada, no que foi visto como uma mensagem clara para as elites do país que disputam o poder.

Tudo isso ocorreu naquela que é supostamente a parte segura da cidade.

A diretora executiva do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Catherine Russell, chamou a situação no Haiti de "horrível" e comparou a criminalidade ao filme pós-apocalíptico Mad Max.

A onda mais recente de violência em Porto Príncipe é certamente um lembrete — se é que um lembrete seria necessário — de que o Haiti segue mais próximo da anarquia do que da estabilidade.

Nesse cenário, a ONU também estimou que, devido ao fechamento de tantos hospitais na capital, cerca de 3 mil mulheres grávidas corriam o risco de ter de dar à luz sem cuidados médicos.

Visitamos a maternidade do hospital público do Cabo Haitiano. Os primeiros choros do bebê Woodley, de apenas um dia de vida, tinham motivações iguais aos de bebês recém-nascidos em qualquer lugar: por comida e por conforto.

No entanto, como acontece com a maioria das crianças que nascem lá, ela crescerá e descobrirá que esses itens essenciais estão longe de ser garantidos no Haiti.

Deitada em uma cama próxima, Markinson Joseph estava se recuperando do parto de um menino, há dois dias. Por meio de um intérprete, ela me disse que mudaria com seu bebê do país se tivesse oportunidade.

"Mas eu e meu marido não temos dinheiro para fugir", disse ela.

·        Gangues controlam estradas

A obstetra do hospital, Mardoche Clervil, mostrou à reportagem as enfermarias escuras e vazias e disse que o controle das gangues nas estradas que dão acesso à Porto Príncipe estava dificultando o fornecimento de combustível suficiente para manter as luzes acesas, ou os ventiladores de teto em funcionamento.

Mais importante ainda, a situação também afetou o fornecimento de medicamentos e o equipamento médico necessário.

Ela disse que as mulheres grávidas viajaram de Porto Príncipe para dar à luz na relativa segurança do Cabo Haitiano.

"Como você pode ver, temos leitos e pessoal suficiente", disse, apontando para a equipe de enfermeiras e estagiários atrás dela. "Mas muitas vezes os pacientes simplesmente não conseguem chegar até nós, seja por causa dos seus problemas socioeconômicos ou por causa da violência."

Para algumas pacientes, as consequências foram terríveis.

Louisemanie estava grávida de oito meses e meio quando deu entrada no hospital. A essa altura, ela tinha pressão arterial alta e perdeu o bebê.

É possível tratar pré-eclâmpsia se ela tiver sido devidamente monitorada ou se o bebê tiver nascido precocemente. Louisemanie estava perfeitamente consciente de que sua perda era evitável.

"Eles me medicaram desde o início de janeiro, mas fui transferida entre três hospitais diferentes", disse ela, o que significa que sua gravidez, com complicações, foi deixada ao acaso.

Em todo o país, as necessidades humanitárias são agora críticas e a resposta da ajuda até o momento tem sido dolorosamente lenta.

Itens essenciais como comida, água e abrigo seguro são cada vez mais difíceis de encontrar para milhões de pessoas.

Em Porto Príncipe, Farah Oxima e os seus nove filhos foram forçados a abandonar a casa onde viviam, num bairro violento controlado por gangues, e ir para outra parte da cidade. Eles são apenas algumas das mais de 360 ​​mil pessoas deslocadas internamente no conflito.

Enquanto enchia galões de plástico com água de um cano na rua, a mulher de 39 anos disse que estava com dificuldade para ter acesso à comida e à água para seus filhos pequenos.

"Não sei o que fazer, estou vendo o país entrar em colapso", disse.

Para ela, a ideia de que um conselho de transição possa impor alguma forma de ordem ou segurança no curto prazo parece completamente impossível.

"Só Deus pode mudar este lugar porque de onde estou sentada não consigo ver de onde virá qualquer outra mudança."

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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