sexta-feira, 1 de março de 2024

Preciosa e cada vez mais rara: precisamos tornar os bons exemplos de gestão hídrica regra, e não como exceção

Embora tenhamos aprendido na escola que três quartos da superfície do planeta Terra são feitos de água, esse insumo fundamental à vida é um recurso natural escasso. Estudamos sobre água como se fazia há 50 anos, ou seja, que vivemos no “planeta Água”. O que aprendemos desde crianças inconscientemente nos torna, muitas vezes, adultos pouco responsáveis com esse bem tão precioso, como se houvesse garantia de que água doce e potável estará sempre na torneira, ao nosso dispor.

Pouco somos conscientizados de que somente 3% da água do planeta é doce. Mais dramático ainda é saber que quatro quintos desse volume de água doce está congelado nos polos Norte e Sul – e lentamente escorrendo para o oceano, derretido pelo aquecimento global. Resta, de toda a água do planeta, apenas 0,5% em seu estado doce e líquido. Ao nosso alcance? Não. Mesmo dessa fração, a maior parte está nas profundezas da terra, menos acessíveis ao ser humano do que o que vemos em rios, lagoas e lagos. Se toda a água doce e líquida do planeta coubesse em uma garrafa, o volume facilmente acessível seria de algumas gotas.

O Brasil é considerado um país abençoado por deter mais de um décimo da água doce do mundo. Mas 70% dessa água está na Bacia Amazônica, com densidade populacional de quatro habitantes por km2, enquanto no Sudeste temos 6% da água doce e 87 pessoas por km2. No Nordeste, região que frequentemente passa por situações de escassez hídrica, temos pouco mais de 3% da água e 34 brasileiros por km2. Embora em volume absoluto o Brasil tenha muita água, sua distribuição está desalinhada à concentração da população, o que resulta em grandes desafios para fazer chegar o insumo a todos – agricultura, indústria e abastecimento humano.

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Por isso, teria sido importante, desde sempre, proteger esse recurso precioso contra poluição. Infelizmente, no Brasil, boa parte da água doce disponível apresenta baixa qualidade. Ao longo das últimas décadas, por falta de respeito, interesse, conhecimento ou investimento, as águas brasileiras receberam grandes quantidades de poluentes, principalmente esgotos não coletados e tratados, efluentes industriais, lixo e defensivos agrícolas, entre outros.

Esse impacto se manifesta em muitos custos para a sociedade. A má qualidade da água, especialmente devido à falta de saneamento básico, provoca doenças, prejudica o aprendizado escolar de crianças e jovens, reduz a produtividade do trabalho dos pais, diminui o valor de imóveis, afasta o turismo. A população sofre com a presença de metais pesados, microplásticos e outras substâncias tóxicas na água.

Especificamente no caso da necessidade de universalização do saneamento básico no país, o quadro social ainda é desafiador, pois há quase 35 milhões de brasileiros sem acesso a água potável, e 100 milhões sem coleta e tratamento de esgotos, o que resulta no lançamento de mais de 5 mil piscinas olímpicas de dejetos por dia em nossos cursos d’água e no solo. Mais grave ainda é sabermos que os mais vulneráveis são também os mais atingidos.

Um avanço concreto tem ocorrido após a aprovação do novo Marco Legal do Saneamento Básico, agora uma Lei Federal que está em vigor a partir de 2020. Ela vem dando um alento a esse quadro tão desafiador para nossas águas ao conseguir acelerar investimentos e uma maior aproximação e parceria entre os setores público e privado. Governadores e prefeitos são chamados a trabalhar para encontrar saídas para suas localidades, formas de regionalizar os serviços e ampliar a eficiência. Novos leilões têm ocorrido, e diversas formas de modelagem têm conseguido fazer avançar investimentos, que resultam em avanço concreto nos serviços de água e esgotamento sanitário.

Junto à distribuição, outro grande desafio no setor é a eficiência no controle e redução de perdas de água antes de chegar nas residências do país. Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) apontam que o abastecimento de água no Brasil perde, em média, 40% do produto com vazamentos e ligações clandestinas na distribuição. Um estudo do Instituto Trata Brasil estima que os atuais 40% de perdas físicas (vazamentos, rupturas de tubulação) no país seriam o suficiente para abastecer cerca de 67 milhões de brasileiros em um ano, ou o equivalente à população das Regiões Nordeste e Centro-Oeste.

Apesar de tão importante para a vida de todos os seres vivos e atividades humanas, a água doce do planeta e do Brasil continua sendo maltratada. É fundamental que possamos, o quanto antes, tornar os bons exemplos como regra, e não como exceção. A capacidade da natureza de reestabelecer o equilíbrio dos corpos hídricos é limitada – e não temos mais tempo para tantos erros.

 

Fonte: Por Édison Carlos, em Um só Planeta

 

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