Preciosa e cada vez mais rara: precisamos
tornar os bons exemplos de gestão hídrica regra, e não como exceção
Embora tenhamos
aprendido na escola que três quartos da superfície do planeta Terra são feitos
de água, esse insumo fundamental à vida é um recurso natural escasso. Estudamos
sobre água como se fazia há 50 anos, ou seja, que vivemos no “planeta Água”. O que
aprendemos desde crianças inconscientemente nos torna, muitas vezes, adultos
pouco responsáveis com esse bem tão precioso, como se houvesse garantia de
que água doce e potável estará sempre
na torneira, ao nosso dispor.
Pouco somos
conscientizados de que somente 3% da água do planeta é doce. Mais dramático
ainda é saber que quatro quintos desse volume de água doce está congelado nos
polos Norte e Sul – e lentamente escorrendo para o oceano, derretido pelo aquecimento global. Resta,
de toda a água do planeta, apenas 0,5% em seu estado doce e líquido. Ao nosso
alcance? Não. Mesmo dessa fração, a maior parte está nas profundezas da terra,
menos acessíveis ao ser humano do que o que vemos em rios, lagoas e lagos. Se
toda a água doce e líquida do planeta coubesse em uma garrafa, o volume
facilmente acessível seria de algumas gotas.
O Brasil é considerado
um país abençoado por deter mais de um décimo da água doce do mundo. Mas 70%
dessa água está na Bacia Amazônica, com densidade populacional de quatro
habitantes por km2, enquanto no Sudeste temos 6% da água doce e 87 pessoas por
km2. No Nordeste, região que frequentemente passa por situações de escassez
hídrica, temos pouco mais de 3% da água e 34 brasileiros por km2. Embora em
volume absoluto o Brasil tenha muita água, sua distribuição está desalinhada à
concentração da população, o que resulta em grandes desafios para fazer chegar
o insumo a todos – agricultura, indústria e abastecimento humano.
Por isso, teria sido
importante, desde sempre, proteger esse recurso precioso contra poluição.
Infelizmente, no Brasil, boa parte da água doce disponível apresenta baixa qualidade. Ao longo
das últimas décadas, por falta de respeito, interesse, conhecimento ou
investimento, as águas brasileiras receberam grandes quantidades de poluentes,
principalmente esgotos não coletados e tratados, efluentes industriais, lixo e
defensivos agrícolas, entre outros.
Esse impacto se
manifesta em muitos custos para a sociedade. A má qualidade da água,
especialmente devido à falta de saneamento básico, provoca doenças, prejudica o
aprendizado escolar de crianças e jovens, reduz a produtividade do trabalho dos
pais, diminui o valor de imóveis, afasta o turismo. A população sofre com a
presença de metais pesados, microplásticos
e outras substâncias tóxicas na água.
Especificamente no
caso da necessidade de universalização do saneamento básico no
país, o quadro social ainda é desafiador, pois há quase 35 milhões de
brasileiros sem acesso a água potável, e 100 milhões sem coleta e tratamento de
esgotos, o que resulta no lançamento de mais de 5 mil piscinas olímpicas de
dejetos por dia em nossos cursos d’água e no solo. Mais grave ainda é sabermos
que os mais vulneráveis são também os mais atingidos.
Um avanço concreto tem
ocorrido após a aprovação do novo Marco Legal do Saneamento Básico, agora uma Lei Federal que está em vigor a partir de 2020. Ela
vem dando um alento a esse quadro tão desafiador para nossas águas ao conseguir
acelerar investimentos e uma maior aproximação e parceria entre os setores
público e privado. Governadores e prefeitos são chamados a trabalhar para
encontrar saídas para suas localidades, formas de regionalizar os serviços e
ampliar a eficiência. Novos leilões têm ocorrido, e diversas formas de
modelagem têm conseguido fazer avançar investimentos, que resultam em avanço
concreto nos serviços de água e esgotamento sanitário.
Junto à distribuição,
outro grande desafio no setor é a eficiência no controle e redução de perdas de
água antes de chegar nas residências do país. Dados do Sistema Nacional de
Informações sobre Saneamento (SNIS) apontam que o abastecimento de água no Brasil
perde, em média, 40% do produto com vazamentos e ligações clandestinas na
distribuição. Um estudo do Instituto Trata Brasil estima que os atuais 40% de
perdas físicas (vazamentos, rupturas de tubulação) no país seriam o suficiente
para abastecer cerca de 67 milhões de brasileiros em um ano, ou o equivalente à
população das Regiões Nordeste e Centro-Oeste.
Apesar de tão
importante para a vida de todos os seres vivos e atividades humanas, a água
doce do planeta e do Brasil continua sendo maltratada. É fundamental que
possamos, o quanto antes, tornar os bons exemplos como regra, e não como
exceção. A capacidade da natureza de reestabelecer o equilíbrio dos corpos
hídricos é limitada – e não temos mais tempo para tantos erros.
Fonte: Por Édison
Carlos, em Um só Planeta
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