O encontro do "jornacídio" da
Palestina com o apartheid midiático brasileiro
Completamos 5 meses de
massacres de Israel no que ainda resta de Palestina, uma vez que este país
jamais cumpriu os acordos que assinou em fóruns internacionais, seja em 1948,
1967, 1973 ou 1993. Uma limpeza étnica e um genocídio anunciados ao mundo
inteiro no dia 22 de setembro de 2023, quando Benjamin Netanyahu, chefe do
Estado israelense, foi à Assembleia Geral da ONU anunciar o projeto
teocrático-colonial da “Grande Israel”, e exibiu um mapa das fronteiras deste
país, expandidas para além dos limites atuais, sem um naco restante de
Palestina.
Após a contraofensiva
do Hamas, deflagrada em 7 de outubro, que produziu centenas de mortes numa
resposta desastrada – e que levanta fundadas suspeitas de negligência
proposital da formidável máquina militar israelense –, gerou-se o ponto de
inflexão tão desejado pela força de ocupação para avançar sobre o povo que,
objetivamente, deseja eliminar. A limpeza étnica da Palestina,
título do impecável livro de Ilan Pappé, historiador israelense exilado na
Inglaterra, é o objetivo.
Bastam os dois
parágrafos acima para que sejamos levados a uma pesada reflexão de tudo que
estamos vendo, em especial a cobertura midiática. E foi essa a abordagem do ato
contra o “jornacídio” da Faixa de Gaza, realizado na terça, 27 de fevereiro, no
Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, organizado em solidariedade aos
profissionais de imprensa mortos em Gaza, aqui no Brasil personificados na
figura de Breno Altman, jornalista e judeu de destaque na história da esquerda
brasileira, perseguido por organizações sionistas radicadas no Brasil que agem
de acordo com a agenda do Estado de Israel.
Um dado pra história,
conforme destacado no ato cuja íntegra aparece em vídeo ao final desta matéria:
foram 69 jornalistas mortos ao longo de toda a Segunda Guerra Mundial. Em Gaza,
no exíguo território onde se comprimem cerca de 2 milhões de palestinos, foram
pelo menos 130 comunicadores assassinados pelo regime de Israel desde 7 de
outubro.
·
O “jornacídio”
brasileiro
No Brasil, é
simplesmente criminosa a forma como os monopólios da comunicação de massa
transmitem o conflito histórico. Em 5 meses, não entrevistaram uma única voz
palestina para apresentar a visão deste povo. Repita-se: a cobertura
jornalística dos massacres cometidos pela única potência militar em campo
atingiu o patamar do crime. No caso das emissoras que operam sob o regime de
outorgas públicas audiovisuais, concessões estatais para a operação do direito
à comunicação, direito de todos os brasileiros, estamos em flagrante
descumprimento da Constituição Federal.
Ao comparar Netanyahu
a Hitler em seu discurso na Cúpula Africana, Lula gerou histeria de uma mídia
que achou de bom tom gastar dias e dias a debater sobre a pertinência de se
comparar os crimes de Israel com os do nazifascismo. Como se diante do maior morticínio
já televisionado da história pudéssemos brincar deste patético colóquio
pseudo-acadêmico, com intermináveis debates a respeito de qual o melhor
substantivo para definir os inacreditáveis crimes de guerra de Israel.
Um debate semântico
que fabricou até uma crise geopolítica brasileira onde não havia nenhuma crise.
Isso porque os empresários da comunicação e seu corpo de jornalistas que
jogaram a própria biografia no lixo inventaram que Lula colocara o Brasil em
maus lençóis. Mas passadas 24, 48, 72 horas, constatamos que nenhum chefe de
Estado criticara Lula, exceto aquele que foi comparado ao líder do Terceiro
Reich. Nem mesmo os aliados de Israel quiseram confrontar Lula. No dia seguinte
do retorno de Lula da Etiópia, o secretário do Estado norte-americano, Anthony
Blinken, desembarcou no Brasil para falar com o presidente a respeito de como
traçar um cessar-fogo. Ou seja, uma demonstração de força da nação
sul-americana e de profundo prestígio do presidente eleito pelo PT – partido
que até hoje desperta impulsos primitivos de um Brasil oligárquico,
hereditário, racista, segregacionista, escravista, genocida e sabotador do
próprio povo, como perfeitamente expressado nos anos Temer e Bolsonaro, os
melhores presidentes que este Brasil antipetista conseguiu construir.
Os dias e noites de
morticínio do povo palestino voltaram a cobrir Lula de razão. Estamos diante de
um regime colonial-genocida perfeitamente análogo ao nazifascismo, tanto em
termos de objetivos como de métodos. Como disse o presidente da Federação Árabe
Palestina do Brasil, Ualid Rabah, "todos os genocídios devem ser
repudiados e não apenas um, que ocorreu na Europa, cometido por europeus
não-judeus contra seus concidadãos de fé judaica. Foram estes mesmos
'ocidentais' que cometeram todos os genocídios nos últimos 500 anos. Eles que
inventaram o Apartheid, o colonialismo e suas dezenas de milhões de vítimas
fatais, a escravidão, as duas guerras mundiais – Hitler e Mussolini são
europeus, brancos, 'ocidentais', tal qual Netanyahu –, as duas guerras do ópio,
as duas bombas atômicas, as populações dizimadas da América... Isso tudo é
genocídio. Isso tudo são holocaustos".
Em meio ao patético
“Colóquio da Semântica dos Crimes de Lesa-Humanidade”, promovido por um
jornalismo que nunca nos muniu de cultura antifascista – antes o contrário,
dado seu anticomunismo/antiesquerdismo visceral – Israel voltou a cometer seus
crimes abjetos. O último deles, ao menos enquanto digitamos estas linhas, foi o
fuzilamento sumário de 104 palestinos que iam de encontro à ajuda humanitária
que enviava comida. E nem assim esta mídia se dobra: as manchetes são dúbias e
alguns ainda se prestam a tergiversar sobre os cuidados que se deve tomar ao
fornecer ajuda humanitária em zonas de guerra – neste caso, um massacre militar
unilateral. Como se fosse tolerável que os palestinos sejam gado israelense e
vivam sob tutela de seu Estado, seus muros, check-points, controle de fluxos de
todos os recursos que se possa imaginar, roubo de terras e fragmentação de seu
território, que impede o contato livre entre seus habitantes, separados por
bantustões, como na África do Sul do apartheid – daí o uso sistemático da
palavra apartheid pelos inimigos, passemos a chamá-los como elogio – de Israel.
Aliás, vale registrar
que a Cúpula Africana, onde Lula fez o “polêmico” discurso, decidiu pela
expulsão de Israel da sua condição de observador. Esta notícia simplesmente foi
sonegada ao brasileiro médio, bombardeado por lixo desinformativo de velho e novo
tipo, de velhos e novos meios de comunicação. Afinal, ficaria difícil emplacar
a acusação fraudulenta de “antissemitismo” contra todo o continente africano.
Outro detalhe
importante sonegado do nosso público é o papel desempenhado pela África do Sul,
país que viveu sob séculos de colonialismo e o odioso apartheid supremacista
branco do século 20, na acusação do crime de genocídio, protocolada na Corte
Internacional de Justiça. Este país conheceu de perto o papel racista
desempenhado por Israel, único país, ao lado dos Estados Unidos da América, que
jamais aderiu às campanhas de boicote ao seu regime de apartheid. Mais que
isso, Israel foi o maior parceiro militar do governo dos supremacistas brancos
da África do Sul.
As declarações de
ministros de Estado não nos deixam mentir. Maya Golan (ministra da igualdade de
gênero, mas só entre os “arianos do Oriente Médio”), Bezalel Smotrich e Itamar
Ben Gvir tornam inequívocas as intenções genocidas do corpo integral do governo
israelense. Personificar o mal em Netanyahu é uma farsa, típica da cultura
liberal de imputar suas mazelas estruturais a condutas individuais, pois o
atual chefe de Estado de Israel é expressão fiel de um processo histórico. O
fato de Netanyahu ser o mais destacado político dos últimos 25 anos de uma
nação que acabou de passar dos 75 é eloquente.
·
A “desarabização da
Palestina”
A própria bibliografia
do livro de Pappé resgata como o que ocorre diante de nossos olhos é um
encontro marcado há décadas, literalmente escrito nos livros de história. Pai
fundador do Estado de Israel e seu primeiro chefe, o “socialista” Davi Ben
Gurion escreveu inúmeras vezes em seus diários que o objetivo do projeto
sionista de Israel passava pela, palavras suas, “desarabização da Palestina”.
Não à toa, os famosos “Diários de Ben Gurion” encontram-se inacessíveis para
leitura. Aliás, Ben Gurion os nomeou “Diários da Guerra de 1947-1951”. Para os
fundadores de Israel, a criação deste Estado foi, sobretudo, uma guerra. E esta
guerra não foi contra o Eixo formado por Alemanha, Itália e Japão.
Daí decorre a limpeza
étnica sistemática, iniciada em dezembro de 1947, seis meses antes da
oficialização do Estado de Israel, em Assembleia Geral da recém-nascida ONU,
traumatizada pela Segunda Guerra, o nazismo e o holocausto dos euro-judeus.
Além disso, era uma ONU hegemonizada pelo bloco ocidental e os Estados Unidos
da América, que contava com cerca de 60 países-membros. E este arranjo também
se encontra em xeque na atual quadra histórica.
De toda forma, mesmo
diante de uma partilha altamente favorável, que transferiu 56% das terras da
Palestina Histórica a uma população judaica de cerca de 30%, Israel jamais
aceitou o que a comunidade internacional lhe regalou. Uma população judaica já
inflada pela migração forçada e incentivada desde antes do Holocausto pelo
sionismo e seus patriarcas ingleses, que retalharam o Oriente Médio após a
Primeira Guerra e a queda do Império Otomano, com seus congêneres franceses.
Judeus eram menos de 10% no início do século 20, quando o povo originário –
formado por árabes, judeus, cristãos, muçulmanos - seguia sua linha de
reprodução histórica que remetia a pelo menos 10.000 anos. E quase todos esses
judeus eram de ascendência árabe, destaque-se. Até a ideia de “antissemitismo”
é uma fraude, uma vez que tal noção, a rigor, não deveria se aplicar a judeus
euro-descendentes de gerações imemoriais. Semitas seriam todos os povos
descendentes de Noé, da antiga Mesopotâmia, que se espalharam pela Europa e
partes do que atualmente se entende por Oriente Médio, além de Egito, Sudão e
todo o norte africano e magrebino, até o Marrocos. Isso pra não entrar no
mérito da própria mitologia religiosa em questão. Antissemitismo representa uma
gramática do racismo europeu. Bastaria chamar de antijudaísmo o suposto racismo
contra os judeus por parte daqueles que defendem a independência da Palestina.
Mas a ignorância reina nos debates hegemônicos, carentes de qualquer cultura e
letramento antirracista sérios.
O Massacre da Farinha,
como já é nomeado o fuzilamento de 104 palestinos, que ainda deixou 760 feridos
num pedaço de terra praticamente desprovido de assistência médica, pode ser
corolário de 100 anos de interferência ocidental em sua criação chamada “Oriente
Médio”, com reinos, fronteiras, estados-nações artificialmente criados e, por
ora, colocados a serviço de seus interesses capital-imperialistas.
Em São Paulo, o ato do
Sindicato dos Jornalistas registrou para a história o “apartheid midiático”.
Nenhum jornalista de grande meio de comunicação de massa deu as caras. Até a
publicação deste texto, nenhuma voz palestina foi escutada por eles. Apenas os
pequenos e descapitalizados meios de comunicação foram ouvir vozes como a de
Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil, e Amyra el
Khalili, descendente de beduínos daquele outrora livre pedaço de mundo e
colunista deste Correio, O encontro teve outras variadas e comoventes
manifestações de indignação e solidariedade. Transcrevemos, abaixo, os
depoimentos de Ualid Rabah e Breno Altman.
·
Ualid Rabah
Cumprimento todas as
demais organizações. Todas as personas non gratas deste planeta sintam-se
abraçadas pelo povo palestino. Nós estamos na sede do Sindicato dos Jornalistas
para, consternados, constatar a maior matança de comunicadores da história das guerras
convencionais, em 144 dias de genocídio televisionado – e esta é uma outra
característica, abro aqui um parêntese.
Ai, se as câmaras de
gás estivessem sendo transmitidas ao vivo hoje e defendidas pela Rede Globo! Ai
se os campos de extermínio e câmaras de gás também recebessem transmissão ao
vivo e defesa pela Rede Globo e pelos grandes veículos de comunicação! É diante
disso que nós estamos e por isso é o genocídio mais obsceno, o mais vergonhoso,
o mais dramático e talvez aquele que deixará sequelas psicológicas em centenas
de milhões, quiçá bilhões de seres humanos que o recebem todos os dias na tela
do tablet, do computador, do celular, da televisão, nas fotos, de jornais, de
revistas e tudo mais que é possível no primeiro genocídio televisionado da
história.
E aí entra a matança
de jornalistas. A matança de jornalistas não é uma coisa à toa, é porque eles
nos deram este genocídio para ver. Nós devemos a estes jornalistas mortos, que
na Palestina agora são 134 considerando profissionais de comunicação de diversas
áreas, a maior matança de jornalistas em guerras convencionais de todos os
tempos. E proporcionalmente são olímpicos estes números, porque eles se
realizam em 365 quilômetros quadrados e numa população, até 7 de outubro do ano
passado, de 2.230.000, agora diminuída em 38.099 seres humanos, considerando os
8.000 que apodrecem sob os escombros, 1,75 % da população de Gaza. E nesta
escala nós superaríamos em seis anos de guerra a maior matança em guerras
convencionais, a da Segunda Guerra, em pelo menos 0,2%.
Por isso este é um
genocídio de magnitude olímpica, bíblico e é isso que estes jornalistas nos
mostraram. Mais do que isso, matar jornalistas significa apagar da face da
terra as testemunhas privilegiadas de um genocídio quando aqueles que o cometem
finalmente sentarem no banco dos réus para responder pelo
genocídio. Apagam-se as pessoas como testemunhas, apagam-se as suas lentes
que se vão e não mais estão ali registrados os crimes. Se apagam e se eliminam
as infraestruturas da comunicação na Faixa de Gaza para que as provas e
indícios do genocídio desapareçam e não sejam passiveis de escrutínio pela
Corte Internacional de Justiça, pela raça humana, pelo planeta, por esta
galáxia, no crime de lesa humanidade que é este genocídio.
A eliminação em
quantidades industriais de funcionários da ONU, da UNRWA, a Agência Especial da
ONU para Refugiados Palestinos do Oriente Médio, bem como o bombardeio e a
eliminação de praticamente todas as suas sedes, suas escolas e outras
infraestruturas como os centros comunitários, visam igualmente desaparecer
todos os registros do genocídio, todos os registros civis dos palestinos num
apagamento de todo um povo, num apagamento de uma história, genocídio
programado. Visa a apagar mais uma vez testemunhas, indícios e provas do
genocídio.
A eliminação de
hospitais e dos médicos é a mesma coisa, elimina os prontuários médicos que
indicariam uso de fósforo branco, armas de fragmentação, intencionalidade na
matança mais quantitativamente possível nos territórios de Gaza, bem como os
feridos, que agora estão na casa dos quase 80 mil, portanto, perto de 3,5% da
população de Gaza.
Apliquemos isto ao
Brasil hoje e teríamos perto de 7 milhões de feridos graves e mutilados,
colapsaria o sistema hospitalar do continente sul-americano. É diante disso que
nós estamos e os jornalistas nos deram a ver. É por isso que eles pagaram com a
vida e é por isso que possivelmente mais deles pagarão com a vida. E
transportemos isso para o Brasil, a perseguição dos jornalistas do Brasil, como
Breno Altman e outros mais, a perseguição de líderes políticos como o
ex-deputado Genuíno que está aqui, eu peço a ele uma salva de palmas pela
coragem que teve, e que estendo ao Breno Altman. A intelectuais, a acadêmicos,
a líderes sociais ameaçados de prisão e esta Federação Palestina, que já
responde a quatro ou cinco inquéritos promovidos pelos sionistas do Brasil,
aqueles que defendem no mundo e no Brasil o primeiro regime totalitário de
escala global, utilizando os grandes veículos de comunicação. E a Globo está
diretamente junto com os demais associados a esse crime de genocídio, porque é
o primeiro crime de genocídio programado e incitado a partir dos veículos de
comunicação, já no dia 7 de outubro.
Nunca houve isso, se
não registrados agora recentemente no continente africano, em Ruanda, onde
sentaram os bancos dos réus os grandes veículos de comunicação, os seus
proprietários, os seus editores e é isso que nós teremos de fazer com que
aconteça no Brasil. Não é possível que só os genocidas degenerados respondam.
Esse é o genocídio do ocidente político e coletivo, dos seus veículos de
comunicação, proprietários, editores e seus pseudocomentaristas, de uma parcela
do mundo acadêmico que passa pano e “não permite” que quem não seja branco,
europeu ou ocidental seja vítima de genocídio e de holocausto.
Portanto, o presidente
Lula tem razão. Por fim, o Brasil é uma grande voz. Este país talvez virá a ser
a primeira grande potência internacional não imperialista e trabalhamos por
isso. O Brasil dá um exemplo ao colocar o dedo na ferida, que nunca ninguém se
atreveu. É preciso comparar genocídios, é preciso comparar holocaustos e é
preciso comparar com o que aconteceu em solo europeu, promovido por europeus
contra outros europeus por sua fé religiosa ou por serem deficientes ou por
serem ciganos.
Este genocídio é um
genocídio ocidental que, aliás, responde por quase todos os genocídios dos
últimos 500 anos. E nós temos que colocar esse dedo na ferida. Nós temos que
denunciar o ocidente porque nós estamos diante de um precedente: o genocídio na
Palestina é um modelo. É um modelo que utiliza Deus, que utiliza pentecostais e
neopentecostais através do CNPJ de Cristo, para eliminar amanhã ou depois os
indesejados daqui, através de uma política armamentista que leva cada vez mais
a mensagem do CNPJ de Cristo nas PMs, no exército, nas seguranças privadas e em
todos os demais serviços de segurança.
Viva a Palestina, viva
o Brasil e que esse genocídio acabe. Muito obrigado. Palestina livre!
·
Breno Altman
Boa noite a todos e
todas. É um prazer estar nessa casa, na sede do combativo Sindicato dos
Jornalistas de São Paulo. Por uma enorme deformação de caráter eu tenho mais
facilidade de lidar com os ataques das entidades sionistas do que com palavras
de solidariedade (risos). Me sinto muito grato, mas constrangido e quero
agradecer a esse gesto de solidariedade. Aliás, como eu sou um bom judeu, eu
queria trocar parte das palavras de solidariedade pela aquisição do livro
“Contra o sionismo”.
Companheiros e
companheiras, eu quero antes de mais nada dizer que nós vivemos simultaneamente
dois processos na Palestina. Um processo de todos os companheiros e
companheiras que me antecederam aqui, relembraram o massacre genocida do Estado
de Israel contra o povo palestino, mas há um outro processo que é a valentia
heroica do povo palestino contra o Estado sionista. Essa valentia heroica do
povo palestino que deve inspirar a todos nós, essa valentia heroica e
insurgente do povo palestino para a qual nós devemos olhar nos momentos de
desânimo quando parece que estamos um beco sem saída, quando parece que nada há
para ser feito, quando nos restaria seria somente lamuriar a situação dentro
das nossas casas.
Essa valentia do povo
palestino deve nos inspirar a levantar a cabeça e entender que não existe outro
caminho para se libertar do colonialismo e do racismo que não seja a luta dos
povos. É somente a luta dos povos que pode encontrar uma solução e quero aqui
registrar um aspecto ou um fato fundamental dos últimos dias que foi a
declaração do presidente Lula, em Adis Abeba, cujo destaque não é o fato de ele
mais uma vez denunciar o genocídio contra o povo palestino. O fato novo é que
ele colocou o dedo na ferida exposta do regime sionista, que é a comparação com
o nazismo. É este o fato fundamental: o presidente Lula ter enfrentado um tema
que outros líderes mundiais até o presente momento se recusavam a fazer.
O mito fundacional do
regime sionista é o holocausto, a apropriação e a manipulação da lembrança do
holocausto é que permitiu a própria existência do Estado de Israel num momento
de enorme comoção mundial em função do massacre dos judeus nos campos de extermínio
da Segunda Guerra Mundial. Como é possível que o regime que tem como sua pia
batismal o holocausto utilize em nome desse mesmo holocausto ou protegido pelo
álibi do holocausto os mesmos métodos, as mesmas práticas do nazismo contra um
outro povo? Essa é a contradição mais brutal do regime sionista porque ataca o
seu mito fundacional e, portanto, essa declaração do presidente Lula não apenas
é fundamental como merece a nossa solidariedade e apoio incondicional e
irrestrito nesse momento. Não apenas o regime sionista, mas também seus aliados
dentro e fora do nosso país atacam o presidente Lula por essa declaração.
Setores progressistas infelizmente vacilam diante dessa pressão e é fundamental
nós seguirmos adiante com a palavra do presidente Lula e fazermos o que tem de
ser feito: comparar o governo Netanyahu e o regime sionista com o regime
nazista. Não há nessa minha opinião nada de antissemitismo até porque seria
paradoxal alguém de família judaica, muitos dos meus parentes foram abatidos
nos campos de extermínio, no gueto de Varsóvia e na resistência contra o
nazifascismo.
Quando eu li a
declaração do presidente Lula me senti com a alma lavada porque o presidente
Lula disse em alto e bom som aquilo que todos os judeus antissionistas
gostariam de ouvir: “não em nosso nome”. O sionismo nasce como uma corrente
racista e colonial desde os seus primórdios. O que nós estamos assistindo hoje
não é um desvio de caminho, não é uma trilha pela qual se marcha a partir de um
plano que tinha tudo para ser bom para a humanidade. Não, o regime sionista é
fruto de uma doutrina que nasceu marcada pelo racismo e pelo colonialismo e
como todo regime colonial e racista ele tem no seu âmago uma tendência ao
genocídio. Todos os regimes coloniais racistas tendem ao genocídio, mais cedo
ou mais tarde, porque os regimes coloniais e racistas, ao contrário por
exemplo, dos regimes democráticos burgueses tradicionais, não possuem
mecanismos massivos de cooptação. A única maneira que um regime colonial e
racista tem para manter sua dominação é a violência extrema. Essa violência
extrema normalmente se degenera em genocídio, que por sua vez é um movimento
planificado, para que através do medo e do terror os povos colonizados desistam
de lutar ou simplesmente pereçam e sua causa deixe de existir. É com isso que
nós estamos lidando, um regime de natureza colonial, racista e genocidária.
Sionistas obviamente
são inimigos da liberdade de expressão porque se há algo que os regimes
coloniais racistas e genocidas não podem permitir é a livre circulação da
verdade. A verdade não pode ser conhecida. Uma das razões da solução final
alemã contra os judeus, em 1941, era apagar pistas. “Não podemos deixar que o
resto do mundo saiba o que fizemos”. E é por isso que o regime sionista mata
deliberadamente jornalistas na Faixa de Gaza. Não são incidentes de percurso,
não são efeitos colaterais de uma guerra sanguinária. É um plano. A verdade não
pode ser conhecida. Claro que a violência explícita e militar não é o único
instrumento de silenciamento que opera o regime sionista. Há também um outro
tipo de violência, aquela exercida sobre os corações e mentes através da
mentira, da perseguição judicial contra quem busca expor a verdade, a
massificação de mentiras, uma atrás da outra.
Eu não conheço uma
doutrina e um regime tão mentirosos como o sionismo. É o mais mentiroso regime
que a história já conheceu. O sionismo é inteiramente uma mentira, incluindo a
reivindicação do holocausto porque boa parte dos grupos sionistas foram cúmplices
do nazismo. Parte dos grupos sionistas fizeram acordos com o regime nazista
porque o objetivo de boa parte dos grupos sionistas não era combater o nazismo
e impedir o holocausto, era usufruir da perseguição aos judeus para incrementar
e implementar o projeto de colonização da Palestina e de construção do seu
Estado de supremacia racial. Portanto, o regime sionista é que tem que lavar a
boca quando fala do holocausto, são os sionistas que têm de se ajoelhar e pedir
perdão ao mundo quando se referem ao holocausto porque os sionistas são
aproveitadores e manipuladores do holocausto, especialmente os sionistas não
admitem a crítica ao sionismo e ao Estado de Israel entre os judeus. Eles se
voltam numa perseguição judicial contra mim exclusivamente por este motivo: o
fato de um judeu antissionista erguer sua voz e vários outros judeus
antissionistas erguerem sua voz quebra o cristal mágico da narrativa sionista
de que o sionismo é a própria identidade do povo judeu ou a expressão do
movimento judeu de autodeterminação nacional.
Portanto, qualquer
ataque ao sionismo deveria ser compreendido como antissemitismo, mas quando
judeus antissionistas dizem “não em nosso nome” e desmascaram as mentiras do
sionismo provocam uma crise estrutural de narrativa. Por isso os judeus
antissionistas têm de ser calados. É necessário para o sionismo que eles sejam
a única voz do judaísmo para poder manipular o álibi do holocausto e do
antissemitismo. Por isso mesmo, cada vez que as entidades sionistas buscam
silenciar os seus opositores, cada vez que as entidades sionistas buscam
aprofundar o seu controle sobre meios de comunicação, cada vez que as entidades
sionistas mentem em defesa do regime sionista do Estado colonial e racista de
Israel, mais alta deve ser a nossa voz e resistência, com denúncia e combate a
esse regime.
Eu quero finalizar
dizendo a vocês duas coisas; primeiro, eu não sou pessimista. Jamais o regime
sionista esteve tão isolado como hoje, jamais a causa palestina teve tanto
apoio popular como atualmente. As manifestações que a gente assiste nos Estados
Unidos e na União Europeia são as maiores e mais massivas desde a guerra do
Vietnã. As entranhas do sionismo estão expostas e tem razão o historiador
judeu-israelense Ilan Pappé, quando diz que é o início do fim. Porque nenhum
regime, por mais brutal que seja, sobrevive ao fim da sua legitimidade moral.
Quando acabou a legitimidade moral da África do Sul, depois de anos de combate,
logo em seguida acabou o apartheid. Quando acabou a legitimidade moral da
ditadura militar nesse país, logo em seguida acabou o regime militar. E a
legitimidade moral do sionismo, o que dela restava, se esvaiu e, portanto, nós
podemos ser esperançosos. Claro que é uma esperança banhada no sangue da luta
do povo palestino, não é uma esperança agradável.
O regime sionista não
poderá ser derrotado, infelizmente, com literatura e poesias, com conversa e
cerveja. A única maneira de derrotar regimes coloniais é pela força, não apenas
a força armada, mas a força popular e de solidariedade internacional sobre o
regime sionista. A colonização francesa no Vietnã não acabou de outra maneira
que não pela insurgência do povo vietnamita. O mesmo se passou na Argélia, na
América Hispânica, nos Estados Unidos quando se libertaram da colonização
britânica. Os povos têm direito histórico e jurídico à insurgência como está na
resolução 2098 das Nações Unidas de 1972, relembrada pelo governo chinês na
Corte Internacional de Justiça na semana passada. Quando a gente assiste cenas
como a do soldado norte-americano Aaron Bushnell, que se imola diante da
Embaixada de Israel nos Estados Unidos, vindo a perecer em seguida, nós
percebemos como as entranhas expostas do regime sionista levam a humanidade a
uma crise moral brutal, cuja única solução é a emancipação do povo palestino e
a derrocada do Estado de Israel.
A segunda e última
observação que eu gostaria de fazer, porque evidentemente passei do tempo, é
que nós brasileiros estamos em dívida com o povo palestino. A mobilização no
Brasil ainda não adquiriu as proporções necessárias, é necessário ampliá-la, os
partidos, sindicatos e movimentos têm de se engajar com muito maior firmeza e
amplitude na solidariedade ao povo palestino. Temos de fazer isso por uma razão
externa de solidariedade ao povo, temos de fazer isso porque o regime sionista
faz parte de um sistema imperialista, que é a origem do sofrimento dos
brasileiros, mas também temos que fazer isso por razões internas, ou vocês
acham que foi à toa que tantas bandeiras israelenses salpicavam a manifestação
bolsonarista de 25 de fevereiro? O regime sionista é essencial na doutrina e na
articulação da extrema direita, não é possível combater a extrema direita e o
neofascismo sem combater o sionismo a ferro e fogo. O sionismo não pode se
naturalizar entre nós como uma corrente que apenas tem opiniões erradas. O sionismo
tem de ser tratado pelo que é: uma doutrina racista, colonial e genocida, é
combate a céu aberto, porque o sionismo joga um papel fundamental na ameaça às
liberdades democráticas e às conquistas do povo brasileiro, como pudemos
assistir na Avenida Paulista no último domingo.
Portanto, eu gostaria
de encerrar essa minha já longuíssima intervenção fazendo um apelo a todos nós
por maior engajamento, mais solidariedade, mais combate, para que a causa
palestina seja vitoriosa. Muito obrigado. Palestina livre, Palestina livre, Palestina
livre!
Fonte: Por Gabriel
Brito editor do Correio da Cidadania
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