Ministros do STF veem ilegalidade em
anistia a Bolsonaro e preveem derrubada de medida
Os ministros do STF
(Supremo Tribunal Federal) afirmam nos bastidores que não há chance de uma
possível anistia a Jair Bolsonaro (PL) ou a condenados por participação nos
ataques de 8 de janeiro ter validade e ser implementada para livrar o
ex-presidente e seus aliados de eventual julgamento na corte.
Em conversas
reservadas, magistrados avaliam que a proposta do ex-mandatário de o Congresso
aprovar uma medida nesse sentido é mais um instrumento para estimular a base
bolsonarista e pressionar o tribunal. Eles dizem que uma anistia, mesmo que
aprovada pelo Congresso, não teria efeito prático porque certamente seria
anulada pelo Supremo.
Os integrantes do
Supremo afirmam reservadamente que o precedente firmado na anulação do indulto
concedido ao ex-deputado Daniel Silveira é um parâmetro para analisar o caso e
indicam que a corte teria maioria folgada para invalidar uma anistia.
Na ocasião, o tribunal
decidiu que crimes contra a democracia não são passíveis de anistia, graça ou
indulto.
Assim, Bolsonaro até
poderia ser anistiado em projeto do Congresso na investigação das joias e da
falsificação de documento sobre vacinação, por exemplo, mas não no caso que
apura uma trama para imposição de um golpe de Estado a fim de evitar a posse do
presidente Lula (PT) após a vitória nas eleições de 2022.
A lógica dos ministros
do STF é a de que permitir a anistia para crimes contra a democracia seria
colocar em risco a própria Constituição.
O movimento de
Bolsonaro por uma anistia ganhou força no último domingo (25), quando o
ex-presidente reuniu milhares de apoiadores em uma manifestação na avenida
Paulista, em São Paulo.
Em seu discurso, o
ex-mandatário disse que os responsáveis pelos atos de 8 de janeiro de 2023 pelos quais ele também é investigado pelo STF têm sido vítimas de injustiça por parte da corte e mencionou a
necessidade de o Congresso Nacional reagir.
"É [por] uma
anistia para eles, pobres coitados que estão presos em Brasília. Nós não
queremos mais que seus filhos sejam órfãos de pais vivos. Há conciliação. Nós
já anistiamos no passado quem fez barbaridade no Brasil", disse.
E prosseguiu:
"Agora, nós pedimos a todos os 513 deputados e 81 senadores um projeto de
anistia para que seja feita justiça em nosso Brasil. E quem, porventura,
depredou o patrimônio, que nós não concordamos com isso, que pague. Mas essas
penas fogem ao mínimo da razoabilidade".
Já há um projeto nesse
sentido em curso no Legislativo. Apresentada pelo vice-presidente de Bolsonaro
e atual senador, Hamilton Mourão (Republicanos-RS), a proposta visa anistiar os
condenados pelos crimes de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado
democrático de Direito os condenados por
depredar patrimônio público e por associação criminosa não estariam incluídos.
No caso do indulto de
Daniel Silveira, o STF invalidou a norma por 8 votos a 2.
Em abril de 2022, o
então deputado foi condenado pelo Supremo a oito anos e nove meses de prisão
por declarações contra os integrantes da corte e as instituições democráticas.
Bolsonaro, porém,
assinou decreto em que indultou o aliado da pena. O STF derrubou a decisão do
ex-presidente.
Apenas os ministros
Kassio Nunes Marques e André Mendonça, indicados por Bolsonaro para o tribunal,
se opuseram à decisão. A avaliação na corte é que o julgamento sobre uma
anistia ao ex-presidente e demais acusados pelo 8 de janeiro teria o mesmo
placar.
Na ocasião, o ministro
do STF Luiz Fux afirmou que "crime contra o Estado democrático de Direito
é um crime político e impassível de anistia, porquanto o Estado democrático de
Direito é uma cláusula pétrea" da Constituição.
O ministro Dias
Toffoli reafirmou a tese e ainda citou que os crimes cometidos por Silveira,
com ataques ao STF, foram um embrião dos atos de 8 de janeiro.
O professor e doutor
em direito constitucional Ademar Borges afirma que o ministro Alexandre de
Moraes, que relata as apurações sobre 8 de janeiro, já declarou no julgamento
de Silveira que não seria possível indultar esses investigados.
"Essa questão já
foi enfrentada pelo STF quando o tribunal invalidou o ato de graça concedido
pelo ex-presidente Bolsonaro em favor do ex-deputado Daniel Silveira", diz
o especialista.
"Moraes afirmou
expressamente que a Constituição não permitiria indulto coletivo para aqueles
condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro. A tese fixada pelo STF naquela
oportunidade foi a de que não é possível conceder graça ou anistia pelos crimes
contra o Estado democrático de Direito."
• Pacheco e base de Lula no Senado barram
pressão por anistia após ato bolsonarista
Apesar do apelo de
bolsonaristas por anistia aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro, aliados
do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmam que a chance de a
pauta avançar é nula, e até mesmo a oposição pondera que o tema depende de
apoio popular.
Senadores da base de
Lula (PT) se colocam de forma taxativa contra o projeto de lei pró-anistia
apresentado pelo senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e afirmam que é
preciso responsabilizar as pessoas que agiram contra a democracia.
Parte do grupo também
aponta que o perdão seria encarado como um sinal de reprovação do Congresso ao
STF (Supremo Tribunal Federal) --especialmente ao relator dos casos, ministro
Alexandre de Moraes-- e defende a continuidade das investigações.
"Nós somos o
Supremo do Supremo? Não faz sentido. É a Justiça que deve entrar nesses
detalhes [de quem fez o quê]", afirma o senador Marcelo Castro (MDB-PI).
"Atentou contra a
democracia tem que ir para os rigores da lei. Tem que pagar. Perdão por quê? E
se esses caras tivessem implantado uma ditadura? O que eles têm direito?
Contraditório, ampla direita, juiz justo."
O líder do governo no
Senado, Jaques Wagner (PT-BA), diferencia a situação dos golpistas da de
militares que foram perdoados após a ditadura militar e diz que não havia uma
situação excepcional no Brasil em 2023.
"Você tinha um
regime de exceção [durante a ditadura], então cabe uma anistia para
'repacificar'. A nação está pacificada. Teve uma eleição, o presidente tomou
posse. Alguém que não gostou da situação, eu não vejo por que anistiar. Se a
pena está forte ou fraca, não é comigo, eu não sou do Judiciário."
Outro argumento no
entorno do governo é com a imagem que o Brasil passaria aos demais países com o
perdão a pessoas que invadiram a sede de seus Poderes. Alguns lembram que até
mesmo presentes protocolares foram destruídos.
Bolsonaristas batem na
tecla de que nem todas as pessoas presas em Brasília participaram da invasão e
da destruição do Palácio do Planalto, do Supremo e do Congresso Nacional.
Na justificativa do
projeto de lei, Mourão afirma ainda que os presos estão sendo julgados na
última instância do Judiciário, o STF, e que a corte tem sido incapaz de
individualizar a conduta de cada um deles.
Líder da oposição no
Senado, Rogério Marinho (PL-RN) afirma que o processo de anistia "faz
parte da tradição do Brasil", mas avalia que a pauta precisa de
mobilização popular para avançar no Congresso.
"Um tema como
esse depende muito da forma como a população reage. Depende do humor das ruas,
da pressão da sociedade, da conexão que os parlamentares têm com seus
eleitores. É um processo natural."
O pedido de anistia
foi vocalizado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na manifestação do dia 25
de fevereiro convocada por ele na avenida Paulista. O ex-mandatário falou em
conciliação e disse que "há pobres coitados" presos em Brasília, além
de "órfãos de pais vivos".
"Nós já
anistiamos no passado quem fez barbaridades no Brasil. Agora nós pedimos a
todos 513 deputados, 81 senadores, um projeto de anistia para que seja feita
justiça em nosso Brasil", afirmou Bolsonaro aos apoiadores no dia.
Em entrevista ao
programa "É Notícia", da RedeTV!, Lula criticou o pedido feito por
Bolsonaro: "Quando o cidadão lá pede anistia, ele está dizendo: 'Não,
perdoe os golpistas'. Está confessando o crime".
Líder do PSD no
Senado, Otto Alencar (BA) diz concordar com a avaliação do presidente Lula e
declara ser "totalmente contrário" à anistia das pessoas que
participaram da intentona golpista.
"Aquele que agiu
contra a democracia, com violência, depredação do patrimônio público, deve
responder como qualquer cidadão comum. Não posso anistiar quem atuou daquela
forma, quem quis fazer um ato cênico para que o golpe militar pudesse acontecer
pelas Forças Armadas."
O projeto apresentado
por Mourão diz que a lei não alcançaria acusações e condenações "por dano
qualificado, deterioração de patrimônio tombado e associação criminosa,
porventura ocorridas em razão das manifestações" de 8 de janeiro.
"Essas pessoas
estão sendo julgadas na última instância, não foi obedecido o princípio do juiz
natural, as condutas não são individualizadas", disse Mourão em entrevista
à Folha em novembro do ano passado.
Outras propostas com o
mesmo objetivo tramitam na Câmara. Eles foram anexados a um projeto de 2022 que
pede anistia às pessoas que bloquearam rodovias, acamparam em frente aos
quartéis ou participaram de qualquer manifestação após a vitória de Lula.
O texto, no entanto,
diz que a medida valeria do dia 30 de outubro de 2022 até a entrada em vigor da
lei --o que contemplaria os envolvidos no ataque de 8 de janeiro.
A relatora na CCJ
(Comissão de Constituição e Justiça), deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP),
já rechaçou as propostas. "No Estado democrático de Direito não há lugar
para a edição de leis que contrariem o interesse da coletividade", escreveu.
O apocalipse segundo Michelle
No discurso de
abertura da manifestação bolsonarista de domingo passado, Michelle Bolsonaro
tratou como um triunfo do “mal” o fato de haver no Brasil a devida separação
entre política e religião. “Por um tempo, fomos negligentes ao ponto de dizer
que não poderiam misturar política com religião”, disse a ex-primeira-dama. “E
o mal tomou, e o mal ocupou o espaço. Chegou o momento, agora, da libertação.
‘Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará’”, concluiu Michelle,
reproduzindo o versículo da Bíblia que serviu como mote da campanha de seu
marido à reeleição.
Ao questionar a
laicidade do Estado, a ex-primeira-dama explicitamente atenta contra essa
conquista civilizatória da sociedade brasileira, que remonta ao fim do século
19, e é uma das cláusulas pétreas da Constituição de 1988. Nada disso causa
surpresa nem é novidade, dada a sistemática campanha do bolsonarismo para
transformar os anseios cristãos, particularmente evangélicos, em arma política.
Mas o apelo escatológico de Michelle Bolsonaro neste momento sugere que o
bolsonarismo pretende caracterizar as agruras do ex-presidente Jair Bolsonaro
na Justiça como parte da luta do bem – Bolsonaro, é claro – contra o mal, isto
é, o Supremo Tribunal Federal e, particularmente, o ministro Alexandre de
Moraes.
Ao trazer
explicitamente a questão política e jurídica para o terreno do fundamentalismo
religioso, o bolsonarismo não admite heresias: para ter a bênção de Bolsonaro,
é preciso demonstrar fé inabalável em sua doutrina e em seu evangelho. Quando
diz e repete que ganhou a eleição de 2022, Bolsonaro não precisa apresentar
provas: por sair da boca de um sujeito que se julga escolhido por Deus, sua
palavra basta.
“Aprouve ao Senhor nos
colocar à frente desta nação. Aprouve a Deus nos colocar na Presidência da
República”, disse Michelle na manifestação. Portanto, conforme essa exegese, se
Deus pôs, só Deus poderia tirar. Não à toa, uma pesquisa da USP com participantes
da manifestação bolsonarista mostrou que, para nada menos que 88% dos
entrevistados, Jair Bolsonaro venceu a eleição de 2022 e só não foi empossado
porque uma fraude o impediu. Sem qualquer respaldo em fatos concretos, tal
conclusão só pode ser resultado de fé absoluta, a mesma que move os 94% dos
presentes que, conforme a mesma pesquisa, disseram acreditar que o Brasil vive
sob uma “ditadura” em razão do que qualificam como “excessos e perseguições” da
Justiça. O fato de que participavam de uma manifestação política de oposição ao
atual governo sem serem incomodados pelas forças do Estado, algo que por si só
desmente a conclusão de que vivemos sob uma “ditadura”, não parece ter sido
suficiente para importar alguma dúvida – prevaleceu a certeza mística produzida
pelo bolsonarismo radical.
Diante disso, a aposta
de Michelle numa abordagem sobrenatural e escatológica, numa ideia de que
estamos testemunhando a luta final do “bem” contra o “mal”, como se a política
fosse uma guerra santa de aniquilação, revela-se muito eficaz, sobretudo diante
do iminente encontro de Bolsonaro com seu inexorável destino jurídico-penal.
Nada, pois, é fortuito.
O fanatismo religioso
é, por óbvio, a negação da política. Para os fanáticos, não há adversários
políticos a contestar, e sim inimigos demoníacos a eliminar. Não existem
dúvidas, apenas certezas, estabelecidas por Deus por intermédio de seus
profetas iluminados. O apelo ao mistério é a repulsa aos fatos, sobre os quais
é preciso haver consenso mínimo para estabelecer qualquer forma de diálogo. A
prevalecer o místico – instrumentalizado por lideranças políticas ou partidos
de quaisquer inclinações ideológicas –, tem-se o fim da concertação civilizada
entre os interesses em disputa numa sociedade plural e democrática. Certamente
é isso o que pretendem os fanáticos bolsonaristas, e é contra isso que devem
lutar os que prezam a democracia e a liberdade.
Fonte:
FolhaPress/Agencia Estado
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