terça-feira, 5 de março de 2024

Carlos Wagner:  Qual o interesse não revelado do pastor Malafaia na manifestação de Bolsonaro?

Não existe manifestação pública de bolsonaristas sem cartazes pedindo golpe de Estado, xingando os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), defendendo os torturadores do golpe militar de 1964, distorcendo salmos da Bíblia, espalhando fake news e atacando os partidos de esquerda, em especial o PT. Esse tem sido o roteiro seguido ao logo das mais de três décadas de vida política do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL).

O que se assistiu no domingo (25/02) na Avenida Paulista, centro de São Paulo, foi uma manifestação pensada e organizada pelo pastor neopentecostal Silas Malafaia, 65 anos, da igreja Assembleia de Deus em Cristo. Ele convenceu Bolsonaro a fazer a manifestação e deu um roteiro de “bom comportamento” para ser seguido pelo ex-presidente. Com o argumento de que os ministros do STF não poderiam ser atacados e muito menos os agentes da Polícia Federal (PF) que estão trabalhado no caso da conspiração do golpe de Estado. Bolsonaro seguiu o roteiro. Enquanto isso, Malafaia aproveitou-se do prestígio do ex-presidente para atirar pedras no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Por ser um hábil negociador dos interesses econômicos e políticos dos seus colegas neopentecostais, Malafaia não falava pelo ex-presidente quanto atirou pedras no governo Lula e nos ministros do STF. Falava por ele próprio e pelos seus interesses. Lembro que o fato dele ter sido mentor e organizador da manifestação de domingo deu-lhe um capital político que será usado em futuras negociações econômicas e políticas. O que escrevi não é opinião. São fatos que temos publicado nas nossas matérias sobre Malafaia. Dito isso, vamos conversar sobre a manifestação. A ideia inicial era reunir 700 mil pessoas. Não existe um número oficial de quantas pessoas estiveram na Paulista. Mas foram muitas. Escrevi que considerava irrelevante o número de pessoas presentes na manifestação, o que interessa é se elas prosseguirão e conseguirão se firmar como símbolo da resistência do ex-presidente contra a montanha de provas que o STF tem envolvendo-o na conspiração da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.

A maioria das provas foi produzida pelo próprio ex-presidente e seus seguidores, como o vídeo de uma reunião de ministros apreendido pela PF na casa do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Cid fez deleção premiada para a PF. Aqui é o seguinte. Uma coisa é conseguir mobilizar a opinião pública contra uma injustiça cometida por um ministro do STF. Outra é mobilizar contra uma prova verídica. São duas coisas bem diferentes. O que isso significa? Que o caminho escolhido pelo ex-presidente para pressionar o STF pode se virar contra ele. Mais uma vez digo que não é opinião. Mas fatos que estamos publicando, ditos por advogados especializados.

O que deu para ver na manifestação de domingo é que aliados do ex-presidente estão sugando com uma voracidade imensa o seu prestígio político. Como são os casos do seu afilhado político e governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. E do governador de Goiás, Ronaldo Caiado. Já escrevi que Bolsonaro não é um gênio da política. Mas é um cara esperto, que tem um tino de sobrevivência política muito apurado. Ele sabe que o seu prestígio tem prazo de validade e que, quando esse prazo vencer, será deixado à beira da estrada pelos companheiros. E que seu atual momento é muito delicado. E que uma mudança depende de conseguir derrubar a sentença do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que o tornou inelegível por oito anos. Hoje são mínimas as chances de derrubar a sentença do TSE. Mas a história ensina a nós repórteres que a disputa política dá muitas voltas. Quando assumiu o governo, em 2019, Bolsonaro estava cercado por generais e empresários que acreditavam que conseguiriam manobrá-lo, tornando-o uma espécie de rainha da Inglaterra, uma metáfora usada para designar um governante cujo poder é apenas simbólico e que, na prática, não manda. Logo no início do segundo ano de mandato, o então presidente da República conseguiu recuperar o poder, demitiu mais de 10 generais e expurgou vários empresários do seu convívio. Os que ficaram no governo seguiram as ordens de Bolsonaro, que desde o início sempre defendeu um golpe de Estado. Trabalhou para que isso acontecesse. Deu no que deu.

Durante a manifestação, Bolsonaro pediu anistia aos presos, condenados e aos que ainda respondem a processos pelo envolvimento nos atos golpistas de 8 de janeiro, quando seguidores do ex-presidente invadiram e quebraram tudo que encontraram pela frente no Palácio do Planalto, no STF e no Congresso, em Brasília (DF). Há duas investigações da PF sobre o caso, as operações Lesa Pátria (está na sua 23ª fase), que investiga os financiadores do quebra-quebra em Brasília, e a Tempus Veritatis, a hora da verdade em latim, que apura a arquitetura da conspiração dos golpistas.

Por todas as informações disponíveis a respeito da tentativa de golpe, tudo indica que o pedido de anistia do ex-presidente não será considerado. Nós jornalistas precisamos ficar atentos aos movimentos do pastor Malafaia na arena da disputa política. Ele investiu muito tempo e dinheiro no evento. Claro que não fez tudo isso por simpatia ideológica com o ex-presidente. Malafaia tem os seus próprios interesses. Sempre teve e lutou por eles. É o que a história do pastor nos ensinou.

 

       A esperada luta de Malafaia com Alexandre de Moraes. Por Moisés Mendes

 

Uma semana depois, continua em lenta fermentação a pergunta sobre o papel de Silas Malafaia na tentativa de rearticulação da extrema direita. Temos um protagonista, um coadjuvante ou daqui a pouco apenas um figurante?

Malafaia seria o Kleber Bambam do bolsonarismo? Bambam vai receber mais de R$ 6 milhões pelos 36 segundos em pé diante de Popó Freitas. Quanto Silas Malafaia merece por ter chamado para a luta o ministro Alexandre de Moraes?

Bambam e Malafaia têm coisas em comum. A primeira é o destemor para enfrentar oponentes que já derrubaram muita gente. Popó venceu Bambam sem esforço porque prefere o nocaute da luta decidida em pouco tempo.

Moraes está boxeando com facções bolsonaristas desde março de 2019, quando da instalação do inquérito das fake news. Já venceu muitas lutas, mas continua na briga. A maior ainda está pela metade.

Enfrenta gente que já foi investigada, denunciada, processada e condenada por sonegação, lavagem de dinheiro e contrabando. Mas que ainda sobrevive à acusação de que é patrocinadora de fábricas de fake news, negacionista e golpista.

Malafaia, sob a proteção de Deus, decidiu desafiar Moraes, no discurso do dia 25 na Avenida Paulista, citando o ministro por 16 vezes e o acusando de ter nas mãos o sangue de um dos presos do 8 de janeiro.

É valente o pastor Malafaia, todo mundo sabe. Tão valente que diz não ter medo de ser preso e que não teme Polícia e Receita Federal. Malafaia só teme Deus, e Deus é seu ajudador, como foi definido na sua fala em cima do trio elétrico.

As diferenças entre Bambam e Malafaia começam pela constatação de que o pastor não precisa de dinheiro. E terminam num aspecto que o desafiador de Moraes deve levar em conta.

Bambam ganhou os R$ 6 milhões e irá desfrutá-lo, porque o custo foi o que se viu, levar bordoadas e cair depois de 36 segundos. Bambam foi pago para apanhar. A luta acabou.

Malafaia pode enfrentar uma luta mais longa, se decidir levar adiante, com a mesma assertividade, a provocação a Alexandre de Moraes. O que poderia ganhar, se for nocauteado?

Perguntam se o sistema de Justiça, e não só Moraes, correria o risco de partir pra cima de Malafaia, sabendo do seu poder como líder de massa de uma igreja.

Mesmo que seja de fato uma dúvida, essa deve ser uma dúvida pequena. Não pode ser uma grande dúvida a que induz a pensar que as instituições não farão nada contra quem tem poder econômico e religioso.

A acusação de que Moraes tem as mãos sujas de sangue poderia render um processo. Mas vale a pena? A outra frente é a que foi especulada pela grande imprensa. Malafaia poderia ser investigado pela Polícia Federal por tentar embaraçar o inquérito que apura a tentativa de golpe.

Há quem considere que o pastor não só financiou o ato na Paulista, mas também disseminou mentiras no discurso para jogar seus fieis contra o Supremo. Poderia ser investigado por incitação contra as instituições que investigam ações criminosas.

Nesse caso, o roteiro é conhecido. Puxam o fio da meada do Malafaia e o fio pode trazer, como aconteceu em outros casos, tudo e todos que estão submersos. Vejam os casos de Anderson Torres e Mauro Cid.

Malafaia deve ficar de sobreaviso. A qualquer momento pode receber a informação de que aceitaram seu desafio, não só contra o ministro citado 16 vezes, mas contra a PF, o Ministério Público e o Judiciário.

Malafaia pode ir preparando as luvas. Que os parceiros o alertem de que pode ser uma luta cansativa, massacrante, longa e muito bem calculada. E que talvez no fim ele não ganhe nada.

 

Fonte: Observatório da Imprensa/DCM

 

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