Carlos Wagner: Qual o interesse não revelado do pastor
Malafaia na manifestação de Bolsonaro?
Não existe
manifestação pública de bolsonaristas sem cartazes pedindo golpe de Estado,
xingando os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), defendendo os
torturadores do golpe militar de 1964, distorcendo salmos da Bíblia, espalhando
fake news e atacando os partidos de esquerda, em especial o PT. Esse tem sido o
roteiro seguido ao logo das mais de três décadas de vida política do
ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL).
O que se assistiu no
domingo (25/02) na Avenida Paulista, centro de São Paulo, foi uma manifestação
pensada e organizada pelo pastor neopentecostal Silas Malafaia, 65 anos, da
igreja Assembleia de Deus em Cristo. Ele convenceu Bolsonaro a fazer a manifestação
e deu um roteiro de “bom comportamento” para ser seguido pelo ex-presidente.
Com o argumento de que os ministros do STF não poderiam ser atacados e muito
menos os agentes da Polícia Federal (PF) que estão trabalhado no caso da
conspiração do golpe de Estado. Bolsonaro seguiu o roteiro. Enquanto isso,
Malafaia aproveitou-se do prestígio do ex-presidente para atirar pedras no
governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Por ser um hábil
negociador dos interesses econômicos e políticos dos seus colegas
neopentecostais, Malafaia não falava pelo ex-presidente quanto atirou pedras no
governo Lula e nos ministros do STF. Falava por ele próprio e pelos seus
interesses. Lembro que o fato dele ter sido mentor e organizador da
manifestação de domingo deu-lhe um capital político que será usado em futuras
negociações econômicas e políticas. O que escrevi não é opinião. São fatos que
temos publicado nas nossas matérias sobre Malafaia. Dito isso, vamos conversar
sobre a manifestação. A ideia inicial era reunir 700 mil pessoas. Não existe um
número oficial de quantas pessoas estiveram na Paulista. Mas foram muitas.
Escrevi que considerava irrelevante o número de pessoas presentes na manifestação,
o que interessa é se elas prosseguirão e conseguirão se firmar como símbolo da
resistência do ex-presidente contra a montanha de provas que o STF tem
envolvendo-o na conspiração da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.
A maioria das provas
foi produzida pelo próprio ex-presidente e seus seguidores, como o vídeo de uma
reunião de ministros apreendido pela PF na casa do tenente-coronel Mauro Cid,
ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Cid fez deleção premiada para a PF. Aqui é
o seguinte. Uma coisa é conseguir mobilizar a opinião pública contra uma
injustiça cometida por um ministro do STF. Outra é mobilizar contra uma prova
verídica. São duas coisas bem diferentes. O que isso significa? Que o caminho
escolhido pelo ex-presidente para pressionar o STF pode se virar contra ele.
Mais uma vez digo que não é opinião. Mas fatos que estamos publicando, ditos
por advogados especializados.
O que deu para ver na
manifestação de domingo é que aliados do ex-presidente estão sugando com uma
voracidade imensa o seu prestígio político. Como são os casos do seu afilhado
político e governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. E do governador de Goiás,
Ronaldo Caiado. Já escrevi que Bolsonaro não é um gênio da política. Mas é um
cara esperto, que tem um tino de sobrevivência política muito apurado. Ele sabe
que o seu prestígio tem prazo de validade e que, quando esse prazo vencer, será
deixado à beira da estrada pelos companheiros. E que seu atual momento é muito
delicado. E que uma mudança depende de conseguir derrubar a sentença do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que o tornou inelegível por oito anos. Hoje
são mínimas as chances de derrubar a sentença do TSE. Mas a história ensina a
nós repórteres que a disputa política dá muitas voltas. Quando assumiu o
governo, em 2019, Bolsonaro estava cercado por generais e empresários que
acreditavam que conseguiriam manobrá-lo, tornando-o uma espécie de rainha da
Inglaterra, uma metáfora usada para designar um governante cujo poder é apenas
simbólico e que, na prática, não manda. Logo no início do segundo ano de
mandato, o então presidente da República conseguiu recuperar o poder, demitiu
mais de 10 generais e expurgou vários empresários do seu convívio. Os que
ficaram no governo seguiram as ordens de Bolsonaro, que desde o início sempre
defendeu um golpe de Estado. Trabalhou para que isso acontecesse. Deu no que
deu.
Durante a
manifestação, Bolsonaro pediu anistia aos presos, condenados e aos que ainda
respondem a processos pelo envolvimento nos atos golpistas de 8 de janeiro,
quando seguidores do ex-presidente invadiram e quebraram tudo que encontraram
pela frente no Palácio do Planalto, no STF e no Congresso, em Brasília (DF). Há
duas investigações da PF sobre o caso, as operações Lesa Pátria (está na sua
23ª fase), que investiga os financiadores do quebra-quebra em Brasília, e a
Tempus Veritatis, a hora da verdade em latim, que apura a arquitetura da
conspiração dos golpistas.
Por todas as
informações disponíveis a respeito da tentativa de golpe, tudo indica que o
pedido de anistia do ex-presidente não será considerado. Nós jornalistas
precisamos ficar atentos aos movimentos do pastor Malafaia na arena da disputa
política. Ele investiu muito tempo e dinheiro no evento. Claro que não fez tudo
isso por simpatia ideológica com o ex-presidente. Malafaia tem os seus próprios
interesses. Sempre teve e lutou por eles. É o que a história do pastor nos
ensinou.
A esperada luta de Malafaia com Alexandre
de Moraes. Por Moisés Mendes
Uma semana depois,
continua em lenta fermentação a pergunta sobre o papel de Silas Malafaia na
tentativa de rearticulação da extrema direita. Temos um protagonista, um
coadjuvante ou daqui a pouco apenas um figurante?
Malafaia seria o
Kleber Bambam do bolsonarismo? Bambam vai receber mais de R$ 6 milhões pelos 36
segundos em pé diante de Popó Freitas. Quanto Silas Malafaia merece por ter
chamado para a luta o ministro Alexandre de Moraes?
Bambam e Malafaia têm
coisas em comum. A primeira é o destemor para enfrentar oponentes que já
derrubaram muita gente. Popó venceu Bambam sem esforço porque prefere o nocaute
da luta decidida em pouco tempo.
Moraes está boxeando
com facções bolsonaristas desde março de 2019, quando da instalação do
inquérito das fake news. Já venceu muitas lutas, mas continua na briga. A maior
ainda está pela metade.
Enfrenta gente que já
foi investigada, denunciada, processada e condenada por sonegação, lavagem de
dinheiro e contrabando. Mas que ainda sobrevive à acusação de que é
patrocinadora de fábricas de fake news, negacionista e golpista.
Malafaia, sob a
proteção de Deus, decidiu desafiar Moraes, no discurso do dia 25 na Avenida
Paulista, citando o ministro por 16 vezes e o acusando de ter nas mãos o sangue
de um dos presos do 8 de janeiro.
É valente o pastor
Malafaia, todo mundo sabe. Tão valente que diz não ter medo de ser preso e que
não teme Polícia e Receita Federal. Malafaia só teme Deus, e Deus é seu
ajudador, como foi definido na sua fala em cima do trio elétrico.
As diferenças entre
Bambam e Malafaia começam pela constatação de que o pastor não precisa de
dinheiro. E terminam num aspecto que o desafiador de Moraes deve levar em
conta.
Bambam ganhou os R$ 6
milhões e irá desfrutá-lo, porque o custo foi o que se viu, levar bordoadas e
cair depois de 36 segundos. Bambam foi pago para apanhar. A luta acabou.
Malafaia pode
enfrentar uma luta mais longa, se decidir levar adiante, com a mesma
assertividade, a provocação a Alexandre de Moraes. O que poderia ganhar, se for
nocauteado?
Perguntam se o sistema
de Justiça, e não só Moraes, correria o risco de partir pra cima de Malafaia,
sabendo do seu poder como líder de massa de uma igreja.
Mesmo que seja de fato
uma dúvida, essa deve ser uma dúvida pequena. Não pode ser uma grande dúvida a
que induz a pensar que as instituições não farão nada contra quem tem poder
econômico e religioso.
A acusação de que
Moraes tem as mãos sujas de sangue poderia render um processo. Mas vale a pena?
A outra frente é a que foi especulada pela grande imprensa. Malafaia poderia
ser investigado pela Polícia Federal por tentar embaraçar o inquérito que apura
a tentativa de golpe.
Há quem considere que
o pastor não só financiou o ato na Paulista, mas também disseminou mentiras no
discurso para jogar seus fieis contra o Supremo. Poderia ser investigado por
incitação contra as instituições que investigam ações criminosas.
Nesse caso, o roteiro
é conhecido. Puxam o fio da meada do Malafaia e o fio pode trazer, como
aconteceu em outros casos, tudo e todos que estão submersos. Vejam os casos de
Anderson Torres e Mauro Cid.
Malafaia deve ficar de
sobreaviso. A qualquer momento pode receber a informação de que aceitaram seu
desafio, não só contra o ministro citado 16 vezes, mas contra a PF, o
Ministério Público e o Judiciário.
Malafaia pode ir
preparando as luvas. Que os parceiros o alertem de que pode ser uma luta
cansativa, massacrante, longa e muito bem calculada. E que talvez no fim ele
não ganhe nada.
Fonte: Observatório da
Imprensa/DCM
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