Como saúde da pele pode ajudar a prever
doenças
Estou no sul da França,
atravessando de canoa as gargantas de Ardèche. E as pessoas estão me lançando
olhares curiosos.
É início da tarde em
um dia quente de julho, no verão europeu. O céu parece um manto perfeito de tom
azul-cobalto.
O rio é protegido nas
duas margens por altos rochedos e escarpas de calcário com até 300 metros de
altura. Mesmo assim, a exuberante radiação solar nunca esteve tão clara para
mim.
Os raios do sol
transformaram a superfície da água em uma trilha sinuosa de luz cintilante –
seu brilho é tão forte que cega a visão. E, para evitar qualquer risco, escolhi
minhas roupas com mesma seriedade de um explorador caminhando no deserto do
Saara.
Meu namorado define o
conjunto das minhas roupas como “extraordinário”. E sua intenção não é fazer um
elogio.
Meus braços, pernas e
tronco estão totalmente cobertos com uma camiseta de mangas longas com proteção
solar que comprei pela internet. Minha cabeça é protegida pela sombra de um
chapéu macio de pescador, com proteção de tecido para o rosto.
Como toque final,
apliquei diversas camadas de protetor solar de alto fator – o que deixou minha
pele exposta com aquele pálido e doentio brilho branco-titânio – e, claro, não
esqueci os óculos de sol.
Com tudo isso, estou
vestida como um enorme bebê, como meu parceiro se diverte em repetir a cada 10
minutos. Mas minha vaidade não tem limites e estou decidida a evitar que o sol
envelheça minha pele.
Será que essas medidas
extremas podem trazer outros benefícios desconhecidos? É possível que minha
obsessão em manter a pele saudável seja um golpe de mestre do acaso?
A resposta é “sim”.
Pesquisas recentes
indicam que a nossa pele não é apenas um espelho do nosso estilo de vida, que
reflete os anos de fumo, bebida, sol e estresse, oferecendo indicações da nossa
saúde interna.
Não, neste novo mundo
cheio de inovações, a pele – o maior órgão do corpo humano – tem influência
ativa sobre o nosso bem-estar físico. É uma nova e estranha realidade, em que
as rugas, a pele seca e as manchas causadas pelo sol são as causas do envelhecimento
– e não o contrário.
• Estranha revelação
Em 1958, os Estados
Unidos aprovaram a lei que estabeleceu a criação da Nasa e levou à chegada dos
seres humanos à Lua. Mas, naquele mesmo ano, outro projeto foi silenciosamente
concebido.
O Estudo Longitudinal
de Baltimore seria apenas mais uma pesquisa científica sobre o envelhecimento,
não fosse sua premissa ousada e um tanto não ortodoxa.
Até então, a prática
científica padrão era tentar coletar informações sobre a fisiologia das pessoas
vivas através de cadáveres doados – uma prática que remonta à antiga tradição
de profanação de túmulos no século 19. Mas, desta vez, os participantes seriam
selecionados um pouco antes, com seus corações ainda batendo e seus corpos
ainda com vida.
A pesquisa acompanhou
por décadas milhares de homens adultos (e, depois, mulheres) para observar o
desenvolvimento da sua saúde e como ela era influenciada pelos seus genes e
pelo ambiente ao seu redor.
Com apenas duas
décadas, os cientistas já haviam atingido progressos fascinantes, desde a
descoberta de que homens emocionalmente menos estáveis apresentam mais
propensão a serem diagnosticados com doenças cardíacas até a revelação de que a
nossa capacidade de solução de problemas é reduzida apenas levemente com a
idade.
Mas uma das
descobertas mais surpreendentes confirmou o que as pessoas suspeitavam há muito
tempo: sua aparência jovial é uma expressão impressionantemente precisa da sua
saúde interna.
Em 1982, a maioria dos
homens que, no início do estudo (ou seja, 20 anos antes), possuíam aparência
considerada avançada para sua idade já havia morrido. E esta observação foi
confirmada por outra pesquisa mais recente, que concluiu que, dos pacientes com
aparência considerada pelo menos 10 anos acima do normal, 99% tinham problemas
de saúde.
O que ocorre é que a
saúde da pele pode ser usada para prever uma série de fatores aparentemente não
relacionados, que variam desde a densidade óssea até o risco de desenvolver
doenças neurodegenerativas ou de morrer de enfermidades cardiovasculares.
Mas, quando as
evidências começaram a se acumular, a história sofreu uma virada surpreendente.
Será que a pele é um simples registro vivo dos danos acumulados por nós ou
estamos falando de algo mais complexo? Será que, na verdade, ela seria capaz de
manter as pessoas saudáveis ou agravar problemas de saúde já existentes?
• Outro tipo de aniversário
Existem duas formas
principais de calcular a idade de uma pessoa.
A primeira é o método
padrão, conhecido como idade cronológica, que conta as revoluções da Terra em
torno do Sol. Mas existe também a idade biológica, que indica a velocidade do
seu envelhecimento físico – a maturidade dos seus órgãos e células.
A idade biológica pode
apresentar variações imensas entre diferentes pessoas e até entre diferentes
partes do mesmo corpo.
A cultura popular
afirma que, com o passar dos anos, nossa idade cronológica irá eventualmente
alcançar nossa aparência. A pele se torna mais fina, sua coloração é mais
irregular e a elasticidade é reduzida, à medida que as células responsáveis
pela produção de pigmento e colágeno morrem ou se tornam “senescentes”, ou
seja, elas deixam de se renovar e continuam a existir em uma espécie de estado
dormente.
Mas o ambiente à nossa
volta é que tende a causar os verdadeiros danos.
A radiação
ultravioleta B (UVB) pode danificar o nosso DNA, gerando queimaduras solares,
mutações e câncer de pele. Mas 95% da radiação UV que atinge a superfície da
Terra é composta de ultravioleta A (UVA).
Esta parcela dos raios
solares possui comprimento de onda mais longo, o que permite que a radiação UVA
penetre profundamente na derme, onde decompõe o colágeno e estimula as células
a produzir melanina.
Em nível microscópico,
a pele fotoenvelhecida – que sofreu envelhecimento pelo sol – é mais espessa,
com um emaranhado de fibras de colágeno e elastina deformadas. No nível
visível, muitas vezes, sua pigmentação é irregular e a quantidade de rugas é
significativa.
Isso acontece quer
você tenha pele muito clara (incapaz de se bronzear, conhecida como tipo 1 da escala
de Fitzpatrick), ou pele muito escura, do tipo 6 da mesma escala. A
classificação de Fitzpatrick descreve este tipo de pele, de forma imprecisa,
como a pele que nunca se queima.
Na verdade, mesmo a
pele profundamente pigmentada pode se queimar e é suscetível ao
fotoenvelhecimento, embora leve mais tempo para o surgimento de rugas.
Acredita-se que
fatores intrínsecos sejam menos responsáveis pela clássica aparência
“envelhecida” da pele, enquanto a luz UV causa mais de 80% das mudanças
visíveis. Ou seja, se você passar toda a sua vida dentro de casa com as
cortinas fechadas, é possível que você não observe alterações significativas da
pele até atingir os 80 anos de idade.
Mas, fundamentalmente,
além desses efeitos, a pele sofre transformações químicas que podem causar
impactos profundos para a nossa saúde em geral.
• Coquetel químico
Em 2000, no raiar do
novo século, surgiu um conceito radicalmente novo.
Observando a forma em
que a maior parte dos organismos reage ao estresse, um grupo de cientistas da
Universidade de Bolonha, na Itália, sugeriu uma nova forma de pensar sobre o
envelhecimento.
Em pessoas jovens e
saudáveis, o sistema imunológico é mobilizado rotineiramente para manter a
ordem, corrigindo danos e curando infecções. No entanto, à medida que
envelhecemos ou quando temos problemas de saúde, essas reações inflamatórias
podem ultrapassar um certo limite crítico. Elas entram em marcha acelerada,
liberando uma série de substâncias poderosas que causam alvoroço no organismo,
destruindo células saudáveis e mutilando nosso DNA.
Surge, assim, o
cenário de inflamações latentes que acompanha o processo de envelhecimento.
E é aí que a pele
entra em cena.
As últimas pesquisas
indicam que a pele com rugas, doente ou lesionada passa a fazer parte desse
sistema inflamatório, liberando um coquetel de substâncias que causa ainda mais
danos e inflamações.
“A pele
cronologicamente envelhecida exibe níveis de expressão mais altos de todo um
quadro de citocinas e quimiocinas inflamatórias”, segundo o cientista e
pesquisador Mao-Qiang Man, da Universidade da Califórnia em São Francisco, nos
Estados Unidos. Ele afirma que o mesmo é válido para a pele fotoenvelhecida.
Localmente, essas
substâncias degradam o colágeno e a elastina, causando ainda mais redução da
espessura da pele, rugas e perda de elasticidade, segundo explica Tuba Musarrat
Ansary, pesquisadora em pós-doutorado da Universidade Médica Jichi, no Japão.
“Elas [também]
prejudicam a barreira da pele, aumentando a perda de água e a suscetibilidade a
fatores de estresse”, afirma ela.
Este circuito de
feedback é agravado pelas células senescentes na pele, criadas pelo
envelhecimento natural ou por lesões causadas por UV, que também liberam suas
próprias substâncias inflamatórias. Mas este é apenas o começo.
Por ser o maior órgão
do corpo, a pele pode ter impactos profundos. As substâncias liberadas pela
pele doente e alterada entram rapidamente no fluxo sanguíneo, onde são
distribuídas e prejudicam outros tecidos.
E, em meio à
inflamação sistêmica decorrente, essas substâncias podem atingir e prejudicar
órgãos aparentemente sem relação com a pele, incluindo o coração e o cérebro.
Como resultado, surge o envelhecimento acelerado e o maior risco de desenvolver
a maioria das doenças relacionadas com esta condição – e, possivelmente, todas
elas.
A pele doente ou
envelhecida já foi relacionada ao surgimento de doenças cardiovasculares,
diabetes tipo 2 e comprometimento cognitivo, como mal de Alzheimer e Parkinson.
Todos nós conhecemos
os riscos de fumar, beber, comer em excesso e da falta de exercícios físicos,
mas você pode alegar que as más condições de saúde da pele são o elefante na
sala – o fator que todos nós costumamos ignorar. A boa notícia é que muitas ações
podem ser tomadas para tentar evitar esta situação.
• Questão de umidade
A primeira etapa para
proteger a pele – e, portanto, a saúde em geral, segundo esta nova teoria – é
sair do sol. E o método mais famoso é o protocolo “Slip, Slop, Slap”
(cobrir-se, usar protetor solar e procurar a sombra).
Lançado na Austrália
em 1981, este método foi ampliado e agora inclui cinco pilares centrais: usar
camiseta (e, idealmente, outras roupas protetoras), passar protetor solar de
alto fator, colocar um chapéu de abas largas, usar óculos de sol e procurar a sombra.
Além disso, se a
relação entre as doenças da pele e as relativas à idade não for suficiente para
convencer as pessoas a usar seus chapéus de pescador e protetor solar, existem
outras duas razões importantes. A primeira é que proteger a pele do sol é extremamente
eficaz para prevenir os sinais visíveis do envelhecimento.
Em um estudo inicial,
pessoas que usaram filtro solar FPS 15 de amplo espectro diariamente por quatro
anos e meio não mostraram nenhum sinal de envelhecimento da pele durante esse
período.
E este é um fator de
proteção baixo, que tipicamente protege contra queimaduras solares por apenas
15 vezes mais tempo do que sem aplicação de filtro. Ou seja, se a sua pele
normalmente começa a ficar vermelha em 10 minutos, você deverá poder ficar no
sol por apenas 150 minutos (duas horas e meia).
Além disso, o filtro
solar do experimento não especificava o nível de proteção contra a radiação
UVA, responsável por gerar o envelhecimento da pele.
Na maior parte do
mundo, para serem considerados de amplo espectro, os produtos devem demonstrar
que eles não apenas absorvem ou refletem a radiação UVB (indicada pelo FPS),
mas também UVA. E o seu grau de eficiência varia substancialmente.
Os dermatologistas
recomendam sempre verificar no rótulo a avaliação UVA, que normalmente é
indicada por FP-UVA ou PPD.
A segunda razão é que
existem fortes evidências de que o filtro solar pode evitar a maior parte das
inflamações que ocorrem quando a pele é exposta ao sol – a primeira etapa do
desenvolvimento de doenças relativas à idade.
Mas esta não é a única
forma de manter a sua pele em boas condições. Na verdade, a maneira mais fácil
de melhorar a saúde da pele, de longe, é mantê-la umedecida. E existem
evidências diretas de que a umidade reduz as inflamações e pode ajudar a evitar
demência.
Além do tom de pele
irregular e das rugas, a pele cronológica e fotoenvelhecida é
significativamente mais seca.
Os níveis de umidade
da pele humana atingem seu pico aos 40 anos de vida. Após essa idade, a umidade
despenca, devido à produção cada vez menor dos seus umectantes naturais –
lipídios, filagrina, gordura e glicerol. Este é um problema, pois a pele desidratada
é uma barreira menos eficaz entre o lado interno do corpo e o mundo exterior.
Quando nossa a pele
está ressecada e coberta de escamas, sua função natural de afastar os agentes
infecciosos, toxinas ambientais e alérgenos, além de manter a umidade, fica
significativamente prejudicada.
Mas não é muito
complicado repor a umidade perdida, ao contrário do que parecem sugerir os
anúncios de cosméticos. E, no campo do envelhecimento, esta intervenção simples
vem mostrando resultados notáveis.
Em um estudo, uma
equipe de pesquisadores internacionais, incluindo Mao-Qiang Man, solicitou a
voluntários idosos que aplicassem um hidratante local duas vezes por dia, por
um mês. E, em comparação com participantes idosos que não receberam tratamento,
a pele dos voluntários foi significativamente restaurada, com redução dos
níveis de três classes diferentes de substâncias inflamatórias.
Estes resultados
promissores foram rapidamente seguidos por outro estudo da mesma equipe, que
envolveu o tratamento de adultos com mais de 65 anos de idade com um creme
hidratante duas vezes por dia, por três anos.
Os pesquisadores
avaliaram as funções cognitivas dos participantes no início e no final do
estudo. E, após três anos, as condições do grupo controle se deterioraram
significativamente, mas os participantes que hidrataram sua pele não sofreram
deterioração cognitiva.
“A redução dos níveis
de hidratação do estrato córneo [a camada mais externa da epiderme]
provavelmente é a maior causa das inflamações que ocorrem no envelhecimento”,
segundo Man.
O cientista explica
que, como a pele seca tende a sofrer níveis mais altos de inflamação, pode
ocorrer coceira. E, se você ceder ao impulso de se coçar – como já deve ter
adivinhado –, a inflamação se agrava.
Mas Man afirma que
muitos ingredientes naturais podem ajudar, como glicerol, petrolato, ácido
hialurônico e lipídios que, normalmente, seriam encontrados nesta camada da
pele. E estas substâncias são componentes comuns até dos hidratantes mais
básicos.
É possível que
simplesmente beber mais água também possa ajudar a hidratar a pele, mas as
evidências a respeito são contraditórias. Alguns estudos indicam que ainda não
existe confirmação desta possibilidade, enquanto outros afirmam que sim, beber
mais água pode ajudar na hidratação da pele. E ainda não se estudou diretamente
o aumento do consumo de água como forma de evitar inflamações ou doenças
relacionadas.
Para visualizar o
quanto a pele pode afetar o resto do corpo, é preciso lembrar a quantidade de
pele que nós temos. Em seguida, lembre-se de que, naturalmente, temos dentro do
corpo exatamente a mesma extensão de pele que podemos ver no lado externo. E, quando
a pele tem problemas, cada centímetro dela pode liberar substâncias tóxicas.
Por isso, realmente
compensa proteger a pele do sol, mas não se esqueça de também usar o
hidratante.
Bem, agora, desculpe,
mas vou pegar meu filtro solar, os óculos de sol, o guarda-sol e aquele
ridículo chapéu de pescador... preciso cuidar do meu jardim.
Fonte: Por Zaria
Gorvett, da BBC Future
Nenhum comentário:
Postar um comentário