sexta-feira, 1 de março de 2024

Múmias chilenas são mais antigas que as múmias do Egito

Ouvir falar sobre múmias chilenas talvez seja algo que muitos iriam estranhar. É quase virtualmente impossível não associar de imediato múmias à imagem do Egito Antigo. Pirâmides, sarcófagos, maldições, etc; todos esses temas estão muito enraizados na cultura popular de forma que muitas das pessoas leigas irão assumir que esse é um fenômeno localizado na história daquela região. Porém a realidade não poderia ser mais diferente, pois elas já apareceram em diversas outras culturas, inclusive as próximas do Brasil.

Na América, por exemplo, existem as famosas Múmias de Guanajuato e no Peru já foram encontradas múmias que datam de períodos anteriores aos incas. O Egito já não detém nem mais o posto de exemplos de múmias mais antigas da história, pois evidências mostraram que, no Chile, povoados já mumificavam seus corpos há cerca de 7.000 anos atrás. A descoberta foi feita num velho cemitério do povo dos Chinchorros que habitaram a região que hoje é chamada de Deserto do Atacama.

Os Chinchorros foram um antigo povoado de caçadores-coletores que se estabeleceram entre o lado norte do Chile e o Sul do Peru mais ou menos por volta de 5.450 a.C. As evidências arqueológicas encontradas até hoje indicam que eles são originários da região amazônica próximos à costa e migraram em algum momento para o Chile. Chegando ao Atacama, eles iniciaram uma prática funerária que consistia em preservar seus mortos nas areias secas que hoje consistem em antigos cemitérios listados como Patrimônio Mundial da UNESCO.

Os cemitérios dos Chinchorros tem um valor arqueológico inestimável e que ajudam a entender mais das práticas daquela cultura, especialmente no contexto social e espiritual. E aqui se destaca a principal diferença entre as múmias chilenas e as egípcias. No Egito Antigo a mumificação era reservada apenas para a elite social, como os faraós, porém os Chinchorros concediam esse direito a todo o seu povoado.

·        O processo de mumificação dos Chinchorros

Além disso, o processo de mumificação dos Chinchorros também se distingue bastante dos egípcios. Primeiro as múmias chilenas tinham sua pele e órgãos removidos. Depois, assim que as cavidades dos corpos estivessem secas, eles costuravam a pele de volta. Então as múmias eram envolvidas com materiais feitos de cana, pele de leão-marinho e também lã de alpaca. Por fim, cobria-se os rostos dos mortos com uma máscara feita de argila com aberturas nos locais dos olhos e da boca. Também eram colocadas sobre as múmias perucas feitas de cabelo humano e só então elas eram enterradas no deserto para que fossem preservadas para sempre.

O arqueólogo alemão Mas Uhle foi o primeiro a documentar uma múmia dos Chinchorros. Ele descobriu os corpos em 1917 em uma praia. Porém, por conta do período da descoberta, ainda não era possível fazer determinar a idade das múmias chilenas com precisão. Isso só veio a ser possível com o desenvolvimento de técnicas de datação por carbono nas décadas seguintes. Desde então, centenas de novas múmias foram encontradas pelo Deserto do Atacama. As comunidades locais já tinham conhecimento das múmias há bastante tempo, pois como as covas não eram muito profundas os corpos eram facilmente encontrados até mesmo por animais.

·        Mudanças climáticas ameaçam as múmias chilenas

Atualmente existe uma grande preocupação com a preservação dos túmulos dos Chinchorros que estão sendo vítimas das mudanças climáticas dos últimos anos. A ação dos elementos da natureza acaba prejudicando a conservação dos corpos. Arqueólogos têm lutado para conseguir financiamento para a recuperação das múmias. Bernardo Arriaza, da Universidade de Tarapacá, deu uma entrevista ao The Guardian para chamar atenção para esses esforços.

Segundo Arriaza, nem mesmo dentro dos museus as múmias chilenas estão livres da ação das mudanças climáticas. A umidade do ambiente estimula o surgimento de mofo que acelera a decomposição dos corpos. Desde 2022 está em construção um museu com controle climático em Arica que poderá ajudar a proteger as múmias chilenas dos Chinchorros.

 

Ø  Pinturas rupestres na Patagônia passaram informações para 130 gerações diferentes

 

Mesmo antes da escrita ser desenvolvida o ser humano encontrava formas de registrar e repassar a sua história. Uma das formas mais antigas são as pinturas rupestres, também chamadas de arte rupestre. Pinturas rupestres eram representações artísticas pré-históricas realizadas em paredes, tetos e outras superfícies de cavernas e até mesmo em rochas ao ar livre. Tais registros são valiosos achados arqueológicos para se compreender a história da humanidade em tempos imemoriais. Recentemente, na Patagônia, uma nova arte rupestre impressionou pesquisadores.

O achado se encontra na Cueva Huenul 1, num deserto ao noroeste da Patagônia no território da Argentina. Esse ano, também na Patagônia, paleontólogos encontraram uma nova espécie de dinossauro que habitou a América do Sul. As artes rupestres da Cueva Huenul 1 se agrupam em mais de 800 pinturas diferentes. Mas não é a quantidade que impressiona os pesquisadores e sim a linha do tempo. Essas pinturas rupestres datam de pelo menos 8.200 até 3.000 anos atrás, ou seja, cerca de 130 gerações humanas passaram por aquelas artes, adicionando novas pinturas nas paredes e no teto da caverna. 

A descoberta foi feita por um grupo de antropólogos e arqueólogos que publicaram o estudo na revista Science Advances. Dentre os autores está Guadalupe Romera Villanueva, arqueóloga que trabalha para o CONICET, Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Técnica da Argentina. Segundo Guadalupe, as pinturas se mostraram milênios mais antigas do que ela e os outros pesquisadores esperavam. Na Amazônia já foram encontradas pinturas rupestres que datam de mais de 12.000 anos atrás. Ainda assim, as pinturas da Patagônia configuram algumas das artes rupestres à base de pigmentos mais antigas conhecidas no continente.

Além da idade das pinturas, algo que chama atenção dos pesquisadores, como disse o co-autor Ramiro Barberena que também é um arqueólogo do CONICET, é que elas dividem o mesmo motif, ou seja, o mesmo padrão ao longo das eras. Um dos principais propósitos das artes rupestres era de preservar os conhecimentos culturais daquele povoado e transmiti-lo para as gerações seguintes e para isso alguns padrões em comum foram se estabelecendo.

Nas pinturas da Cueva Huenul 1, os pesquisadores notaram diversas formas geométricas: pontos, círculos, linhas paralelas e até polígonos. Todos foram pintados usando-se a cor vermelha. Havia também silhuetas humanas, rostos, animais como aves e parentes próximos das lhamas. Algumas pinturas também continham tintas brancas, amarelas e pretas.

No caso da tinta preta, os arqueólogos conseguiram determinar que ela foi feita à base de madeira queimada, provavelmente de cactos e arbustos da região. Também havia outros materiais vegetais que, graças às técnicas de datação com o isótopo de carbono-14, permitiram que o grupo conseguisse datar as pinturas. Segundo Barbarena, sem a presença de um componente orgânico fica extremamente difícil determinar a idade dessas pinturas rupestres.

Ao conseguirem determinar a idade de três pinturas diferentes, os pesquisadores puderam deduzir que as imagens retratam um período de seca naquela região, que obrigou os caçadores-coletores daquela época a se espalharem mais, além de torná-los mais vulneráveis às adversidades climáticas.

O padrão que se repete ao longo das pinturas leva a crer que elas foram utilizadas entre as gerações que passaram pela aquela região para compartilhar seus conhecimentos. Os pesquisadores acreditam que a Cueva Huenul 1 deveria ser uma espécie de local cultural onde os povos voltavam ao longo dos tempos, quase como uma rede social pré-histórica. Sendo assim os grupos dispersos conseguiam repassar conhecimentos importantes que ajudariam outros grupos semelhantes a sobreviver naquele ambiente hostil. 

Outros arqueólogos, como Andrés Troncoso da Universidade do Chile, concordam que o achado do grupo irá contribuir para o entendimento de como os humanos conseguiram lidar com mudanças climáticas no passado.

 

Fonte: Só Cientifica

 

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