terça-feira, 5 de março de 2024

Jeferson Miola: Golpe foi diretriz institucional das cúpulas das Forças Armadas

As provas coletadas nas investigações da Polícia Federal fornecem informações importantes para a reconstituição do plano golpista. E confirmam o envolvimento institucional das Forças Armadas com o golpe.

São fartas as evidências de que não ocorreram apenas atitudes isoladas de alguns indivíduos fardados, porque foi um empreendimento arquitetado e cadenciado na hierarquia militar.

O golpe era o trampolim para a longevidade do projeto de poder militar.

Após a vitória do Lula na eleição de 30 de outubro, o comando golpista incorporou um forte “dispositivo popular” – os acampamentos nas áreas dos quartéis com extremistas de direita, militares da ativa, da reserva, fundamentalistas religiosos e integrantes da família militar.

O comunicado de 11 de novembro de 2022 “Às Instituições e ao Povo Brasileiro”, no qual os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica contrariaram ordens judiciais, afrontaram o STF e defenderam a permanência dos acampamentos, traduziu a coesão e a unidade institucional dos comandantes militares.

Divulgado 11 dias após a eleição, o provocativo comunicado assinado pelo general Freire Gomes, pelo brigadeiro Batista Júnior e almirante Garnier Santos definiu os acampamentos como “manifestações populares” de pessoas que defendem “demandas legais e legítimas da população”.

Financiados por empresários e apoiadores, e com infraestrutura assegurada das próprias áreas militares, os acampamentos foram considerados ilegais e criminosos por ministros do STF.

O acampamento do Quartel-General do Exército funcionava como logística estratégica de/para ações terroristas e golpistas. Isso ficou evidente nos atos terroristas de 12 e 24 de dezembro de 2022 em Brasília e nos atentados de 8 de janeiro de 2023.

Evento importante na cronologia dos acontecimentos foi a decisão do então comandante do Exército, general Freire Gomes, que hoje se diz legalista e herói da democracia, mas que no dia 29 de dezembro de 2022 impediu o desmonte do acampamento golpista no QG do Exército.

Hordas saíram do QG para aterrorizar a capital federal no dia da diplomação de Lula e Alckmin [12/12] e, semanas depois, para vandalizar as sedes dos poderes da República no 8 de janeiro.

Pretendiam, com isso, justificar a convocação de operações GLO e de medidas de exceção, como concebido na minuta de golpe.

A repercussão da vitória do Lula no país e no exterior, ao lado da oposição do governo Biden ao golpe quebrou o consenso golpista – ou arrefeceu a posição golpista majoritária – na caserna, comprometendo a unidade de ação e a coesão das cúpulas militares.

Apesar disso, a articulação golpista não se encerrou. A expectativa de concretização do golpe ainda com Bolsonaro na Presidência durou pelo menos até o dia 27 de dezembro de 2022, quando faltavam apenas quatro dias para o fim oficial do governo.

Prova disso é o intercâmbio de mensagens do general Braga Netto, candidato a vice na chapa militar, com o capitão Sérgio Rocha Cordeiro, então integrante da equipe de segurança do Bolsonaro, que queria conseguir um cargo no governo para uma pessoa.

Braga Netto então respondeu: “Cordeiro, se continuarmos, poderia enviar para a Sec. Geral. Fora isso vai ser foda” [grifo meu].

Este diálogo surreal, em que um general 4 estrelas do Exército ainda tinha alguma expectativa de continuidade do Bolsonaro no poder apesar do resultado da eleição, o que somente seria possível com uma ruptura institucional, aconteceu 15 dias depois da diplomação de Lula e Alckmin pelo TSE e a apenas quatro dias do término do governo.

Antes da posse do presidente Lula, os comandantes das três Forças deram outra demonstração cabal de insubordinação institucional ao se recusarem permanecer nos respectivos comandos até a transmissão do cargo no novo governo.

Recusaram-se bater continência para Lula, pois não aceitaram o resultado da eleição e não o reconheceram como o eleito soberanamente comandante supremo das Forças Armadas.

Neste contexto de evidências significativas do envolvimento institucional dos altos comandos militares com o golpe, é pouco fiável a hipótese de que a conspiração foi atitude isolada de alguns oficiais.

No depoimento à PF [29/2], o general Estevam Theóphilo disse que se reuniu com Bolsonaro em 9 de dezembro de 2022 para tratar do golpe a pedido do general Freire Gomes.

Ao invocar obediência à hierarquia para protagonizar um ato criminoso, o general Theóphilo arrastou para a cena do crime a instituição militar, confirmando que o golpe foi, de fato, uma diretriz institucional das cúpulas das Forças Armadas.

O avanço das investigações da PF, inclusive com a análise do conteúdo do celular do general Lorena Cid, pai do tenente-coronel Mauro Cid, pode revelar outras camadas do plano golpista e alcançar também aqueles oficiais do Alto Comando que continuam incólumes, além da própria institucionalidade militar.

Há uma mensagem implícita no depoimento do general Theóphilo, com um claro recado à cúpula: ou salvam-se todos os golpistas fardados, ou caem todos em desgraça.

A bandeira da anistia, lançada por Bolsonaro no ato da avenida Paulista em 25 de fevereiro, poderá ser usada como tábua de salvação das cúpulas militares. Se isso acontecer, estará instalado o impasse no país.

 

Ø  Minuta do golpe: saiba as diferenças entre estados de sítio e defesa

 

As recentes descobertas da Polícia Federal (PF) revelaram uma tentativa de elaboração de fundamentação jurídica para legitimar um golpe de Estado, articulado por pessoas próximas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), após a derrota nas eleições presidenciais de 2022.

A operação da PF, realizada no último 8 de fevereiro, resultou na descoberta de uma minuta na sala de Bolsonaro, na sede do PL, em Brasília. Este documento previa a declaração de estado de sítio, após eventual derrota eleitoral.

A avaliação de integrantes da Polícia Federal sugere que o discurso proferido por Bolsonaro, no último domingo (25/2), em um ato na Avenida Paulista reforçou a suspeita de uma trama para um golpe de Estado.

Bolsonaro, em sua fala diante de milhares de apoiadores, se defendeu das acusações, admitindo a existência de minutas de texto que buscavam invalidar a eleição do presidente Lula (PT).

“O que é golpe? É tanque na rua, é arma, conspiração. Nada disso foi feito no Brasil. Agora, o golpe é porque tem uma minuta do decreto de estado de defesa. Golpe usando a Constituição? Tenha paciência”, disse.

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À CNN Brasil Bolsonaro refutou as alegações de conspiração enquanto estava no poder, alegando que a defesa dele não teve acesso ao processo.

“Não sabemos o que está lá. O estado de sítio começa convocando os conselhos da República e da Defesa, incluindo autoridades políticas. Nada disso foi feito, sequer o primeiro passo foi dado”, alegou o ex-presidente.

·        Estado de defesa x estado de sítio

O estado de defesa e de sítio são dois instrumentos constitucionais que permitem ao presidente da República ampliar os poderes em situações de crise social, conflitos internos ou externos.

Enquanto o estado de defesa é mais específico, visando a preservação da ordem pública em casos de perturbação grave, como mencionado na minuta relacionada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE)o estado de sítio é mais abrangente, sendo acionado em situações de guerra, como medidas extremas para garantir a segurança nacional.

Ambos as medidas conferem ao governo a possibilidade de restringir direitos e liberdades individuais, embora em graus diferentes, em prol da manutenção da estabilidade e da segurança do país.

>>>> Compreenda mais detalhes das diferenças:

·        Estado de defesa

O estado de defesa, um dos instrumentos previstos na Constituição Federal, pode ser instituído pelo presidente após ouvir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional. A medida deve ser aplicada caso existam conflitos capazes de ameaçar gravemente a ordem institucional e social.

O Conselho da República é um órgão de consulta do presidente, composto por membros como o vice-presidente, os presidentes da Câmara e do Senado, líderes partidários, entre outros.

Já o Conselho de Defesa Nacional é responsável por assuntos relacionados à soberania nacional e à defesa do Estado democrático, formado por autoridades como o vice-presidente, os presidentes da Câmara e do Senado, ministros e comandantes militares.

Com restrições geográficas, o estado de defesa não pode ser aplicado em todo o território nacional. O presidente deve especificar as áreas abrangidas e indicar medidas que restringem direitos fundamentais, como o sigilo de correspondência e a liberdade de reunião.

Congresso Nacional deve votar a validade do ato, aprovando-o com maioria absoluta, e a duração é de 30 dias, prorrogável uma vez se a instabilidade persistir.

·        Estado de sítio

estado de sítio é um instrumento mais extremo, utilizado somente em casos de declaração de guerra, resposta a ataques de outros países ou instabilidades extremas que não podem ser resolvidas com o estado de defesa.

A medida requer autorização do Congresso Nacional, que deve votá-la, aprovando-a com maioria absoluta, mesmo em período de recesso. Não há restrição geográfica, podendo ser instituída em todo o país, e pode ser ilimitada em caso de declaração de guerra.

Além disso, o estado de sítio amplia os poderes do presidente, permitindo a suspensão de mais direitos individuais, como busca e apreensão sem mandado, toques de recolher, restrições à imprensa e suspensão da liberdade de reunião.

“O estado de sítio é a medida mais grave possível dentro da tentativa de garantia da ordem constitucional. A Constituição indica, por exemplo, que é preciso demonstrar a ineficácia do estado de defesa para justificar o estado de sítio”, explica o cientista político e advogado Nauê Bernardo.

A minuta descoberta na sede do PL, que previa a declaração de estado de sítio após a derrota nas eleições, representaria uma interferência indevida do Executivo na esfera da Justiça Eleitoral, extrapolando os limites constitucionais estabelecidos.

·        Tentativa de atentado no aeroporto de Brasília

Na manhã de 24 de dezembro de 2022, houve uma tentativa de atentado no Aeroporto Internacional de Brasília. Uma bomba havia sido acoplada a um caminhão-tanque, abastecido com 60 mil litros de querosene de aviação, prestes a entrar na área do terminal.

Os responsáveis por arquitetar o plano, identificados como Wellington Macedo de Souza, George Washington de Oliveira Souza e Alan Diego dos Santos Rodrigues, queriam provocar o que chamavam de “comoção social” capaz de desencadear o decreto de estado de sítio e intervenção militar.

A motivação seria a insatisfação com a vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro. Os criminosos achavam que essa seria a solução para tirar o petista do poder.

Segundo Nauê Bernardo, uma grave perturbação à ordem institucional, como o quase atentado no aeroporto, poderia ser uma razão para invocar o estado de sítio devido à gravidade do evento.

“Isso entraria numa hipótese de abalo institucional grave. Poderiam acusar o sistema de segurança de grave falha, por exemplo, e contribuir para minar a confiança da população nesses órgãos. Num contexto de ânimos acirrados, isso seria riscar um fósforo numa sala cheia de gás”, explica o especialista.

 

Ø  PGR prepara novas denúncias contra financiadores do 8 de Janeiro

 

A Procuradoria-Geral da República (PGR) prepara novas denúncias contra acusados de financiar os atos golpistas do 8 de Janeiro de 2023.

Segundo apurou a coluna, as novas denúncias devem atingir desde os pequenos financiadores das invasões golpistas até os mais graúdos.

Sob reservada, integrantes da PGR dizem que os financiadores dos atos são o foco da atuação do Ministério Público Federal no momento.

A primeira denúncia contra um acusado de financiar as invasões do 8 de Janeiro foi apresentada pela PGR em 14 de dezembro de 2023.

O alvo foi um morador de Londrina (PR) que fretou quatro ônibus para levar manifestantes golpistas até Brasília por um custo de R$ 59,2 mil.

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Na denúncia, o Ministério Público Federal diz que ele teria cometido cinco crimes, cujas penas máximas somadas passam de 30 anos de reclusão.

 

Fonte: Viomundo/Metrópoles

 

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