Fala de Lula sobre Vale foi recebida como
ameaça para tentar recuperar poder
Ameaça. Chantagem.
Retaliação. Ou a Vale faz o que o governo quer, ou será penalizada. Essa foi a interpretação
dada por pessoas ligadas à companhia para as falas do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) sobre a empresa.
Lula disparou críticas
à mineradora em entrevista ao programa É Notícia, da RedeTV!, que foi ao ar na
noite de terça-feira (27). O jornalista abordou o tema da sucessão na empresa e
lembrou que o governo havia trabalhado pela indicação do ex-ministro Guido
Mantega a um posto no alto comando.
O presidente afirmou
que não responderia sobre escolhas para a direção, mas fez uma série de
comentários ácidos.
"A Vale não pode
pensar que ela é dona do Brasil, não pode pensar que ela pode mais do que o
Brasil. Então o que nós queremos é o seguinte: empresas brasileiras precisam
estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro.
É isso que nós queremos", afirmou o presidente.
"A Vale está
tendo um problema no estado do Pará, está tendo um problema no estado de Minas
Gerais. A Vale não pagou as desgraças que eles causaram em Brumadinho, não
construiu as casas que prometeram. Criaram uma fundação para cuidar, e a Vale
agora fica fazendo a propaganda como se fosse a empresa que mais cuida deste
país."
Quem ouviu o
presidente contou à reportagem que é possível tirar aos menos duas importantes
conclusões das declarações.
Primeiro que, se a
Vale não manda no Brasil, Lula começou a entender que o governo já não manda na
Vale como antigamente.
Na privatização, em
1997, foi feito na Vale um acordo de acionistas com prazo de 20 anos. Enquanto
ele vigorou, passaram-se os governos Lula e Dilma Rousseff. Nesse período, quem
efetivamente mandava na companhia era o governo, exercendo influência na Valepar,
holding que agrupava os acionistas. O governo dava pitaco em tudo. Escolha de
presidente, negociação para diretoria, direcionamento para investimentos. O
conselho assinava embaixo.
Quando o acordo
expirou em 2017, na gestão de Michel Temer (MDB), foi feito um novo acordo, com
prazo de transição, para que a Vale se transformasse em uma corporate, empresa
com ações pulverizadas e sem dono. Toda a governança foi montada para não haver
interferências.
A composição do
conselho é um retrato dessa nova realidade.
Atualmente, há 13
conselheiros na Vale. Sete são independentes. Representam gestoras de
investimentos, como BlackRock. O compromisso desse grupo é qualificado como
fiduciário, pois defende em última instância a confiança dos investidores que
colocaram dinheiro na Vale via fundos.
Os demais conselheiros
representam instituições. A Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil, tem dois
conselheiros. Também têm cadeiras o banco Bradesco, o grupo Cosan, do
empresário Rubens Ometto, e o conglomerado japonês Mitsui, um dos mais
diversificados do mundo.
Por causa dessa
organização, o governo e seus emissários encontram dificuldades para conseguir
um posto para Mantega no conselho, bem como influenciar a indicação de um novo
presidente para a Vale, no lugar de Eduardo Bartolomeo. Seu mandato vence em
maio deste ano.
A votação para decidir
o futuro de Bartolomeo que o governo prefere
substituir mostra o tamanho do
desafio.
Em uma assembleia
sobre o tema, em 9 de fevereiro, houve racha. Seis conselheiros votaram contra
a recondução (os dois representantes da Previ, o do Bradesco, o representante
dos trabalhadores e dois conselheiros independentes). Seis votarem pela permanência
de Bartolomeo (cinco independentes e o representante da Mitsui). Houve uma
abstenção, a de Luis Henrique Guimarães, representante da Cosan.
Por isso, a segunda
conclusão em relação à fala de Lula é que o governo mandou recado para os
conselheiros independentes, avisando que pode tonar a vida da companhia bem
mais difícil. Nem mesmo uma Vale tem condições de ir para o tudo ou nada com o
governo, explica um executivo que conhece a companhia por dentro.
Empresas precisam
manter boas relações com governos em menor ou maior grau. No caso da mineração,
a relação é sensível. A exploração mineral é concessão do Estado, conferida
pela ANM (Agência Nacional de Mineração). A atividade também é fortemente
regulada.
No caso da Vale,
inclui-se na lista de dependências outras concessões, como portos e linhas
ferroviárias.
A subida de tom do
presidente, por exemplo, já encontrou ouvidos no Congresso. O deputado Aureo
Ribeiro (Solidariedade-RJ) disse à Folha de S.Paulo que está avaliando propor
uma CPI para apurar casos citados na fala de Lula, entre outras coisas. Pode
iniciar a coleta de assinaturas na semana que vem.
Quem acompanha a Vale
alerta que a pressão do jogo político arregimentado pelo governo tem vários
riscos, entre eles implodir o conselho da Vale, em um efeito colateral em que
todos sairiam perdendo.
Um fundo insatisfeito
com as perdas, por exemplo, poderia entrar com uma class action, termo em
inglês para ação coletiva, nos Estados Unidos, questionando a competência do
conselho para gerir a companhia, uma vez que os papéis da Vale acumulam perdas
por causa do impasse.
Apenas neste ano, a
ação já se desvalorizou quase 14%.
Também está no radar o
risco de um movimento mais enérgico ainda. Se os conselheiros independente se
unirem, alcançando 5%, teriam poder para convocar uma assembleia e colocar em
votação a destituição do conselho.
No mercado de forma
geral, a fala do presidente foi sentida como uma ameaça a todo o setor de
mineração. O cenário agora é de insegurança para os investidores.
Ø
Nova política industrial de Lula, alvo de
críticas, será monitorada por secretaria do Planejamento
A nova política
industrial do governo Lula, alvo de críticas e desconfiança por parte do
mercado, irá passar por um processo de monitoramento e avaliação para medir seu
impacto e verificar se os objetivos estão sendo cumpridos de modo eficiente.
A Secretaria de
Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas do Ministério do Planejamento e
Orçamento, comandada por Sergio Firpo, iniciou conversas com o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Indústria (CNDI) para selecionar ações específicas
dentro das missões que serão avaliadas ao longo da execução do programa.
Lançado no final de
janeiro e batizado de Nova Indústria Brasil, o pacote reedita políticas de antigas gestões petistas ao
prever R$ 300 bilhões em financiamentos e subsídios ao setor, até 2026, além de
uma política de obras e compras públicas, com incentivo ao conteúdo local
(exigência de compra de fornecedores brasileiros).
“O entendimento é de
que essa política, se a implementação for de fato bem construída, pode ter
impactos importantes, desde que ela monitore, avalie e dê prazo para que pontos
que eventualmente não estiverem surtindo efeito sejam extintos”, afirma Firpo em
entrevista ao Estadão.
Segundo ele, o
objetivo é “jogar luz sobre o que funciona e o que não funciona” para,
juntamente com as pastas envolvidas – com destaque para o Ministério do
Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) – estabelecer metas de
desempenho e avaliar se elas estão sendo alcançadas. “Sabemos que esse é um
plano estratégico do governo e a gente tem obrigação, como secretaria, de estar
junto”, afirmou.
A iniciativa faz parte
de uma estratégia da secretaria de colaborar com os ministérios desde o início
do desenvolvimento das políticas públicas – o que é chamado de “ex-ante” na
linguagem econômica. Ainda que o Nova Indústria Brasil já tenha sido lançado, o
objetivo é monitorar as ações daqui para frente.
“A gente tem feito um
esforço de olhar em parceria com os ministérios. Na hora que tem essa
colaboração, a gente está ajudando os gestores a transformar as políticas para
melhor e para serem mais eficientes com o uso dos recursos”, diz Firpo.
O Nova Indústria
Brasil é focado em seis áreas: cadeias agroindustriais; saúde; bem-estar das
pessoas nas cidades; transformar digitalmente; bieconomia, descarbonização e
transição e segurança energéticas; e defesa.
O programa, no
entanto, foi alvo de críticas de Lula pela falta de pontos concretos – uma vez
que as metas para as áreas desapareceram dos documentos finais e da
apresentação do vice-presidente e chefe do MDIC, Geraldo Alckmin, como mostrou
o Estadão. O motivo alegado é que elas não haviam sido levadas à
deliberação dos representantes do setor privado no CNDI.
Na semana passada,
porém, foi publicada no Diário Oficial uma resolução do CNDI determinando que
as metas aspiracionais sugeridas sejam avaliadas pelo conselho no prazo de até
90 dias. Os resultados do monitoramento deverão ser publicados periodicamente,
em linha com o trabalho elaborado pelo Ministério do Planejamento. O resultado
da avaliação de longo prazo será publicado a cada três anos.
·
Protagonismo na avaliação
O objetivo da criação
da secretaria pelo governo dentro do Ministério do Planejamento foi dar mais
protagonismo e aplicabilidade à avaliação de políticas públicas, conduzidas até
então somente pelo Cmap (Conselho de Monitoramento de Avaliação de Políticas
Públicas), criado em 2019.
A origem do órgão
interministerial, no entanto, é mais antiga: vem de 2016, quando ainda era um
comitê. Hoje, é formado por cinco ministérios: Planejamento, Gestão, Fazenda,
Casa Civil e CGU.
Apesar do extenso
material produzido ao longo dos últimos anos – com avaliação de políticas
públicas que que somam mais de R$ 1 trilhão – , de acordo com Firpo, apenas 20%
das recomendações são de fato incorporadas pelos gestores. “Eu gostaria de
inverter isso”, afirma.
“A gente quer garantir
que as avaliações sejam utilizadas para a reformulação das políticas. E por que
não está acontecendo isso? Por que essa agenda não decolou? A nossa hipótese é
que a forma como essas avaliações foram conduzidas acaba fazendo com que o
gestor não incorpore as recomendações, porque ele não entende aquela avaliação
como um processo orgânico importante”, diz o secretário.
Ele ressalta que
muitas vezes os gestores temem a avaliação de políticas públicas e a revisão de
gastos por encará-las como uma fiscalização ou como medidas fiscalistas, ou
seja, direcionadas ao corte de despesas. Ele reforça, porém, que o foco é
melhorar a política e a eficiência do gasto público, e não necessariamente
cortar gastos. Daí a importância de envolver os ministérios no processo, frisa
o secretário.
Uma mudança
implementada pela secretaria foi encurtar o período de avaliação, antes de dois
anos, para um ano – as chamadas avaliações executivas, como antecipou
o Estadão. Até junho, a secretaria irá divulgar o resultado do ciclo
2022/2023, com a avaliação de oito políticas públicas.
Fonte: FolhaPress/Agencia
Estado
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