sábado, 2 de março de 2024

Fala de Lula sobre Vale foi recebida como ameaça para tentar recuperar poder

Ameaça. Chantagem. Retaliação. Ou a Vale faz o que o governo quer, ou será penalizada. Essa foi a interpretação dada por pessoas ligadas à companhia para as falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a empresa.

Lula disparou críticas à mineradora em entrevista ao programa É Notícia, da RedeTV!, que foi ao ar na noite de terça-feira (27). O jornalista abordou o tema da sucessão na empresa e lembrou que o governo havia trabalhado pela indicação do ex-ministro Guido Mantega a um posto no alto comando.

O presidente afirmou que não responderia sobre escolhas para a direção, mas fez uma série de comentários ácidos.

"A Vale não pode pensar que ela é dona do Brasil, não pode pensar que ela pode mais do que o Brasil. Então o que nós queremos é o seguinte: empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro. É isso que nós queremos", afirmou o presidente.

"A Vale está tendo um problema no estado do Pará, está tendo um problema no estado de Minas Gerais. A Vale não pagou as desgraças que eles causaram em Brumadinho, não construiu as casas que prometeram. Criaram uma fundação para cuidar, e a Vale agora fica fazendo a propaganda como se fosse a empresa que mais cuida deste país."

Quem ouviu o presidente contou à reportagem que é possível tirar aos menos duas importantes conclusões das declarações.

Primeiro que, se a Vale não manda no Brasil, Lula começou a entender que o governo já não manda na Vale como antigamente.

Na privatização, em 1997, foi feito na Vale um acordo de acionistas com prazo de 20 anos. Enquanto ele vigorou, passaram-se os governos Lula e Dilma Rousseff. Nesse período, quem efetivamente mandava na companhia era o governo, exercendo influência na Valepar, holding que agrupava os acionistas. O governo dava pitaco em tudo. Escolha de presidente, negociação para diretoria, direcionamento para investimentos. O conselho assinava embaixo.

Quando o acordo expirou em 2017, na gestão de Michel Temer (MDB), foi feito um novo acordo, com prazo de transição, para que a Vale se transformasse em uma corporate, empresa com ações pulverizadas e sem dono. Toda a governança foi montada para não haver interferências.

A composição do conselho é um retrato dessa nova realidade.

Atualmente, há 13 conselheiros na Vale. Sete são independentes. Representam gestoras de investimentos, como BlackRock. O compromisso desse grupo é qualificado como fiduciário, pois defende em última instância a confiança dos investidores que colocaram dinheiro na Vale via fundos.

Os demais conselheiros representam instituições. A Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil, tem dois conselheiros. Também têm cadeiras o banco Bradesco, o grupo Cosan, do empresário Rubens Ometto, e o conglomerado japonês Mitsui, um dos mais diversificados do mundo.

Por causa dessa organização, o governo e seus emissários encontram dificuldades para conseguir um posto para Mantega no conselho, bem como influenciar a indicação de um novo presidente para a Vale, no lugar de Eduardo Bartolomeo. Seu mandato vence em maio deste ano.

A votação para decidir o futuro de Bartolomeo que o governo prefere substituir mostra o tamanho do desafio.

Em uma assembleia sobre o tema, em 9 de fevereiro, houve racha. Seis conselheiros votaram contra a recondução (os dois representantes da Previ, o do Bradesco, o representante dos trabalhadores e dois conselheiros independentes). Seis votarem pela permanência de Bartolomeo (cinco independentes e o representante da Mitsui). Houve uma abstenção, a de Luis Henrique Guimarães, representante da Cosan.

Por isso, a segunda conclusão em relação à fala de Lula é que o governo mandou recado para os conselheiros independentes, avisando que pode tonar a vida da companhia bem mais difícil. Nem mesmo uma Vale tem condições de ir para o tudo ou nada com o governo, explica um executivo que conhece a companhia por dentro.

Empresas precisam manter boas relações com governos em menor ou maior grau. No caso da mineração, a relação é sensível. A exploração mineral é concessão do Estado, conferida pela ANM (Agência Nacional de Mineração). A atividade também é fortemente regulada.

No caso da Vale, inclui-se na lista de dependências outras concessões, como portos e linhas ferroviárias.

A subida de tom do presidente, por exemplo, já encontrou ouvidos no Congresso. O deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) disse à Folha de S.Paulo que está avaliando propor uma CPI para apurar casos citados na fala de Lula, entre outras coisas. Pode iniciar a coleta de assinaturas na semana que vem.

Quem acompanha a Vale alerta que a pressão do jogo político arregimentado pelo governo tem vários riscos, entre eles implodir o conselho da Vale, em um efeito colateral em que todos sairiam perdendo.

Um fundo insatisfeito com as perdas, por exemplo, poderia entrar com uma class action, termo em inglês para ação coletiva, nos Estados Unidos, questionando a competência do conselho para gerir a companhia, uma vez que os papéis da Vale acumulam perdas por causa do impasse.

Apenas neste ano, a ação já se desvalorizou quase 14%.

Também está no radar o risco de um movimento mais enérgico ainda. Se os conselheiros independente se unirem, alcançando 5%, teriam poder para convocar uma assembleia e colocar em votação a destituição do conselho.

No mercado de forma geral, a fala do presidente foi sentida como uma ameaça a todo o setor de mineração. O cenário agora é de insegurança para os investidores.

 

Ø  Nova política industrial de Lula, alvo de críticas, será monitorada por secretaria do Planejamento

 

A nova política industrial do governo Lula, alvo de críticas e desconfiança por parte do mercado, irá passar por um processo de monitoramento e avaliação para medir seu impacto e verificar se os objetivos estão sendo cumpridos de modo eficiente.

A Secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas do Ministério do Planejamento e Orçamento, comandada por Sergio Firpo, iniciou conversas com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Indústria (CNDI) para selecionar ações específicas dentro das missões que serão avaliadas ao longo da execução do programa.

Lançado no final de janeiro e batizado de Nova Indústria Brasil, o pacote reedita políticas de antigas gestões petistas ao prever R$ 300 bilhões em financiamentos e subsídios ao setor, até 2026, além de uma política de obras e compras públicas, com incentivo ao conteúdo local (exigência de compra de fornecedores brasileiros).

“O entendimento é de que essa política, se a implementação for de fato bem construída, pode ter impactos importantes, desde que ela monitore, avalie e dê prazo para que pontos que eventualmente não estiverem surtindo efeito sejam extintos”, afirma Firpo em entrevista ao Estadão.

Segundo ele, o objetivo é “jogar luz sobre o que funciona e o que não funciona” para, juntamente com as pastas envolvidas – com destaque para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) – estabelecer metas de desempenho e avaliar se elas estão sendo alcançadas. “Sabemos que esse é um plano estratégico do governo e a gente tem obrigação, como secretaria, de estar junto”, afirmou.

A iniciativa faz parte de uma estratégia da secretaria de colaborar com os ministérios desde o início do desenvolvimento das políticas públicas – o que é chamado de “ex-ante” na linguagem econômica. Ainda que o Nova Indústria Brasil já tenha sido lançado, o objetivo é monitorar as ações daqui para frente.

“A gente tem feito um esforço de olhar em parceria com os ministérios. Na hora que tem essa colaboração, a gente está ajudando os gestores a transformar as políticas para melhor e para serem mais eficientes com o uso dos recursos”, diz Firpo.

O Nova Indústria Brasil é focado em seis áreas: cadeias agroindustriais; saúde; bem-estar das pessoas nas cidades; transformar digitalmente; bieconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas; e defesa.

O programa, no entanto, foi alvo de críticas de Lula pela falta de pontos concretos – uma vez que as metas para as áreas desapareceram dos documentos finais e da apresentação do vice-presidente e chefe do MDIC, Geraldo Alckmin, como mostrou o Estadão. O motivo alegado é que elas não haviam sido levadas à deliberação dos representantes do setor privado no CNDI.

Na semana passada, porém, foi publicada no Diário Oficial uma resolução do CNDI determinando que as metas aspiracionais sugeridas sejam avaliadas pelo conselho no prazo de até 90 dias. Os resultados do monitoramento deverão ser publicados periodicamente, em linha com o trabalho elaborado pelo Ministério do Planejamento. O resultado da avaliação de longo prazo será publicado a cada três anos.

·        Protagonismo na avaliação

O objetivo da criação da secretaria pelo governo dentro do Ministério do Planejamento foi dar mais protagonismo e aplicabilidade à avaliação de políticas públicas, conduzidas até então somente pelo Cmap (Conselho de Monitoramento de Avaliação de Políticas Públicas), criado em 2019.

A origem do órgão interministerial, no entanto, é mais antiga: vem de 2016, quando ainda era um comitê. Hoje, é formado por cinco ministérios: Planejamento, Gestão, Fazenda, Casa Civil e CGU.

Apesar do extenso material produzido ao longo dos últimos anos – com avaliação de políticas públicas que que somam mais de R$ 1 trilhão – , de acordo com Firpo, apenas 20% das recomendações são de fato incorporadas pelos gestores. “Eu gostaria de inverter isso”, afirma.

“A gente quer garantir que as avaliações sejam utilizadas para a reformulação das políticas. E por que não está acontecendo isso? Por que essa agenda não decolou? A nossa hipótese é que a forma como essas avaliações foram conduzidas acaba fazendo com que o gestor não incorpore as recomendações, porque ele não entende aquela avaliação como um processo orgânico importante”, diz o secretário.

Ele ressalta que muitas vezes os gestores temem a avaliação de políticas públicas e a revisão de gastos por encará-las como uma fiscalização ou como medidas fiscalistas, ou seja, direcionadas ao corte de despesas. Ele reforça, porém, que o foco é melhorar a política e a eficiência do gasto público, e não necessariamente cortar gastos. Daí a importância de envolver os ministérios no processo, frisa o secretário.

Uma mudança implementada pela secretaria foi encurtar o período de avaliação, antes de dois anos, para um ano – as chamadas avaliações executivas, como antecipou o Estadão. Até junho, a secretaria irá divulgar o resultado do ciclo 2022/2023, com a avaliação de oito políticas públicas.

 

Fonte: FolhaPress/Agencia Estado

 

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