Advogada e latifundiária, mãe de assassino
de Pataxó na Bahia, defendeu pastora no 8 de janeiro
Preso em flagrante,
José Eugênio Fernandes Amoedo, de 19 anos, é apontado pela Polícia Militar da
Bahia como o responsável pelo assassinato da pajé Maria de Fátima Muniz,
conhecida como Nega Pataxó. O crime aconteceu no dia 21 de janeiro, na zona
rural do município de Pau Brasil (BA), durante o movimento de retomada de uma
área próxima da Terra Indígena Caramuru/Paraguaçu, localizada na Fazenda
Inhuma. Segundo os Pataxó Hã-Hã-Hãe, a região faz parte de seu território
tradicional e abriga um complexo de cemitérios indígenas.
Poucas horas após a
retomada, José Eugênio chegou na fazenda acompanhado de aproximadamente 150
homens, a maior parte deles em caminhonetes, convocados por um grupo de
WhatsApp pelo Movimento Invasão Zero. De acordo com o boletim de ocorrência do
caso, o grupo foi ameaçado pelos indígenas e respondeu abrindo fogo. Os Pataxó
negam ter iniciado o conflito e relatam torturas e espancamentos, com a
conivência da PMBA, que permitiu a ação dos pistoleiros. Além de Nega Pataxó,
seu irmão, o cacique Nailton Muniz, foi baleado nos rins e levado a um hospital
da região.
O caso ganhou grande
repercussão midiática. No dia seguinte ao assassinato, portais de notícias da
região informavam que o autor dos disparos era um “filho de fazendeiro”, sem
especificar nomes. De Olho nos Ruralistas verificou a informação e descobriu que
o patrimônio de José Eugênio não vem do pai, mas da mãe Diana Fainstein
Fernandes Amoedo, herdeira de um clã tradicional do Centro-Sul baiano. Segundo
dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a família
Fainstein possui 1.226 hectares distribuídos pelos municípios de Itambé e
Itapetinga.
Diana é advogada e
integra o movimento Advogados de Direita do Brasil (ADBR), criado em 2021 para
intervir contra as ações do Supremo Tribunal Federal (STF) no inquérito sobre
os atos antidemocráticos do dia 7 de setembro daquele ano. Partidário de Jair Bolsonaro,
o grupo tentou impedir a indicação de Cristiano Zanin ao STF e atua diretamente
na defesa dos presos pelos atentados de 8 de janeiro de 2023, em Brasília.
Segundo portais de extrema-direita, como Oeste, a ADBR ofereceu assistência
jurídica gratuita aos golpistas.
A mãe do assassino de
Nega Pataxó fez parte desse processo. Ela advogou em favor da pastora
evangélica Thereza Helena de Oliveira Souza Sena, detida durante 52 dias na
Penitenciária Estadual Feminina do Distrito Federal, conhecida como Colmeia.
Natural de Teófilo Otoni (MG), Thereza morava em Zurique, na Suíça, e chegou no
Brasil no segundo trimestre de 2022. Em 01 de novembro de 2022, ela questionou
em seu perfil no Facebook o resultado das eleições. “Depois que o Presidente se
pronunciar “aceitando o resultado das urnas” vamos mais uma vez fazer a nossa
parte e dessa vez vamos pedir a intervenção federal”, diz a mensagem, com as
últimas palavras em letras maiúsculas.
Após participar de
acampamentos golpistas em Minas Gerais, a pastora foi convocada para ir a
Brasília nos dias que antecederam o quebra-quebra na Praça dos Três Poderes. Em
maio de 2023, o deputado Delegado Ramagem (PL) — ex-diretor da Agência
Brasileira de Inteligência (Abin) e pivô do inquérito que levou ao pedido de
busca e apreensão na residência de Carlos Bolsonaro — apresentou requerimento
para Thereza depor como testemunha na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
(CPMI) dos atos antidemocráticos. O texto da convocação afirma que Thereza
esteve acampada nas imediações do Quartel General do Exército em Brasília (DF).
A pastora não chegou a prestar depoimento.
ATIRADOR É PARENTE DO
DONO DA FAZENDA ONDE PAJÉ FOI ASSASSINADA
As terras da família
Fainstein se espalham por dois municípios na região Centro-Sul da Bahia. Com
369 hectares, a Fazenda Ibitirama está registrada em nome da mãe de José
Eugênio Fernandes Amoedo e fica em Itambé. Outras duas propriedades, as
Fazendas Santa Luzia e Santa Fé, estão localizadas no mesmo município. A
primeira pertence ao advogado José Neto Fainstein Fernandes; a segunda, a Ruth
Fainstein Fernandes — respectivamente, irmão e mãe de Diana.
Ruth é também
proprietária da Fazenda Caiçara, em Itapetinga, município vizinho de Pau
Brasil, onde morreu Nega Pataxó. Sua mãe Vitória Maria Espinheira Fainstein, já
falecida, aparece como titular de um imóvel de mesmo nome. A família Fainstein
é dona da Cronos Engenharia, construtora responsável por resorts de luxo e
shoppings centers na capital baiana.
Vem também do lado
materno a conexão de José Eugênio com a Fazenda Inhuma, palco do ataque à
retomada Pataxó. Américo Araújo de Almeida, proprietário do imóvel, foi casado
até 2021 com a professora Simone Andrade Teixeira. Ela é sobrinha de Glicélia
Fainstein, uma das tias de Diana, a mãe do atirador. Os laços familiares e o
histórico de irregularidades ambientais do dono da Fazenda Inhuma são
detalhados em outra reportagem da série: “Dono de fazenda onde Nega Pataxó foi
morta recebeu multa por incendiar APP na Bahia“.
De Olho nos Ruralistas
tentou contato com Diana Fainstein, mas não obteve retorno até o fechamento da
edição.
PAI DE ATIRADOR
EXTRAÍA ARGILA EM LOTEAMENTO DOMINADO POR MILICIANOS
O pai do atirador é
Victor Luis Andrade Amoedo, dono de um depósito de materiais de construção em
Camaçari (BA), em sociedade com a esposa. No mesmo município, ele se tornou réu
por extrair ilegalmente argila no Loteamento Hilda Malícia, na Vila de Abrantes,
em um local marcado pela ação de grileiros e assassinatos praticados por
milicianos.
O caso é de 2010.
Segundo a denúncia do Ministério Público Federal, funcionários da Pôr do Sol
Comércio de Materiais de Construção e Serviços, empresa de Victor Amoedo, foram
flagrados carregando caçambas com argila retirada sem a autorização do Departamento
Nacional de Produção Mineral (DNPM, hoje ANM), causando desmatamento em Área de
Preservação Ambiental (APA). Em 2022, o empresário foi inocentado por falta de
provas.
Nos anos seguintes, o
Loteamento Hilda Malícia se tornou palco de assassinatos relacionados a
disputas fundiárias. Em 2020, Wilson Messias de Sousa, conhecido como Cidinho,
herdeiro de uma família proprietária de diversos terrenos no local, foi
assassinado por dois homens em uma moto. O crime ocorreu poucos meses após a
vítima publicar um vídeo denunciando a ação de uma milícia formada por
policiais militares liderada por Cleves Salviano da Silva.
Segundo o jornal
Correio 24 Horas, proprietários do loteamento disseram ter sido ameaçados por
PMs a mando de Cleves. O suposto líder da milícia afirmou ter adquirido os
terrenos junto a Joel Lopes da Cunha, mesmo proprietário de quem Victor Amoedo
arrendou o terreno para extração de argila.
Poucos meses depois do
assassinato de Cidinho, foram mortos no loteamento o policial militar Ítalo de
Andrade Pessoa e o ex-fuzileiro naval Cleverson Santos Ribeiro. Segundo relatos
publicados pelo portal Aratu ON, os autores do crime fazem parte da milícia que
aterrorizava os moradores locais. Entre os suspeitos, um era sargento da 59ª
Companhia Independente (CIPM/Vila de Abrantes); o outro, tenente da 31ª CIPM de
Valéria.
VÍDEO DETALHA CONEXÕES
ENTRE INVASÃO ZERO, UDR, TFP E BOLSONARO
Criado em abril de
2023, o Movimento Invasão Zero atua como uma milícia rural formada por
fazendeiros com o objetivo de coibir indígenas e movimentos do campo. Em um dos
primeiros vídeos postados no perfil do Instagram, de abril de 2023, uma mulher
filma uma carreata formada, principalmente, por caminhonetes. Ela diz: “Gente,
a união faz a força. Os sem terra invadiram a Fazenda Ouro Verde aqui no
município de Santa Luzia, na Bahia, os produtores se juntaram e estão
carregando os sem terra”. Santa Luzia fica a cerca de 50 quilômetros de Pau
Brasil, onde os fazendeiros fizeram a investida contra os Pataxó.
Apadrinhado pelo
ex-presidente Jair Bolsonaro, o Invasão Zero se conecta a uma rede de
institutos e organizações da extrema direita. Em setembro de 2023, a presidente
do movimento, a advogada baiana Dida Souza, marcou presença no 1º Congresso do
Instituto Harpia Brasil, uma organização inspirada pelo grupo Tradição, Família
e Propriedade (TFP) e presidido pelo deputado bolsonarista Vítor Hugo (PL-GO).
Bolsonaro é o presidente de honra do instituto.
Dois meses depois do
primeiro congresso, em novembro, o instituto era lançado na Bahia, sob a
liderança de Dida Souza. Além da direita bolsonarista, o Harpia Brasil se
conecta à União Democrática Ruralista (UDR), fundada por Ronaldo Caiado, atual
governador de Goiás e um dos palestrantes convidados pela organização para o
congresso.
Fonte: De Olho nos
Ruralistas
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