Mortes de civis durante distribuição de
ajuda em Gaza geram indignação mundial
A França e a China
condenaram nesta sexta-feira (01/03) a morte de cerca de 112 pessoas durante
uma distribuição de ajuda humanitária em Gaza, após ataques do Exército
israelense. O incidente também teria deixado pelo menos 760 feridos, segundo o
grupo Hamas.
A França pediu a
abertura "de uma investigação independente" nesta sexta-feira após a
tragédia ocorrida nesta quinta-feira (29/02) no enclave palestino. Os disparos
israelenses atingiram a multidão faminta, que aguardava a distribuição de mantimentos.
Em um comunicado
oficial divulgado nesta sexta-feira o Ministério das Relações Exteriores
francês pediu um cessar-fogo duradouro e a investigação do caso. Em entrevista
à rádio France Inter, o chanceler francês, Stéphane Séjourné, reiterou a
necessidade de esclarecer o drama.
"Quero que fique
claro: pediremos explicações e uma investigação independente para determinar o
que aconteceu", disse. O ministro francês também lembrou que não poderia
haver “dois pesos e duas medidas na reação da França.”
Segundo ele, "a
França diz o que pensa. Ela se pronuncia quando qualifica o Hamas de
organização terrorista. Mas também se pronuncia quando acontecem atrocidades em
Gaza”, alfinetou.
O presidente francês,
Emmanuel Macron, já havia publicado uma mensagem na rede X (ex-Twitter) na
madrugada desta sexta, condenando o tiroteio de civis "atingidos por
soldados israelenses". O chefe de Estado francês pediu "verdade"
e "justiça".
O Ministério das
Relações Exteriores chinês também condenou a tragédia. “A China está
profundamente triste com este incidente e o condena de maneira firme”, declarou
a porta-voz da chancelaria chine, Mao Ning.
Houve uma forte
indignação nos países árabes: a Arábia Saudita denunciou "um ataque a
civis sem defesa" e os Emirados Árabes Unidos lembrou que o incidente
ocorreu em um momento em que "as pessoas esperavam ajuda
humanitária".
A Jordânia afirma que
o massacre ocorre em um momento em que não há um posicionamento internacional
para acabar com a guerra.
Segundo um oficial do
Exército israelense, os soldados se sentiram ameaçados e, na debandada geral,
dezenas de moradores acabaram sendo mortos e feridos, “alguns atropelados por
caminhões de ajuda”.
O drama, reconheceu o
presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, complicará as negociações para obter
uma trégua no território palestino, destruído após quase cinco meses de
conflito e ameaçado pela fome.
Nesta quinta-feira, o
embaixador palestino na ONU também pediu ao Conselho de Segurança que
condenasse a tragédia." O Conselho de Segurança deveria dizer basta",
declarou Riyad Mansour à imprensa.
"Este massacre
mostra que, enquanto o Conselho de Segurança estiver paralisado e for vetado,
estará destruindo povo palestino", afirmou.
Os Estados Unidos,
membro do Conselho permanente, utilizou três vezes seu poder de veto para
impedir a aprovação de resoluções pedindo um cessar-fogo imediato no enclave
palestino. O país é o maior aliado de Israel.
Mansour disse que se
reuniu mais cedo nesta quinta-feira com a embaixadora norte-americana na ONU,
Linda Thomas-Greenfield. "Implorei para que o Conselho de Segurança
condene esta matança e puna os responsáveis por este massacre", contou. "O
Conselho de Segurança precisa ter coragem e determinação para impedir que estes
massacres se repitam, precisamos é de um cessar-fogo", afirmou.
O Conselho de
Segurança se reuniu em caráter de urgência na tarde desta quinta-feira, a
portas fechadas, a pedido da Argélia, para discutir a situação em Gaza. O
conflito já é, de longe, o pior dos cinco que ocorreram entre Israel e o Hamas
desde que o movimento islâmico tomou o poder em Gaza, em 2007.
O chefe da ONU,
António Guterres, pediu "uma investigação independente eficaz" para
identificar os responsáveis e se disse “chocado” com os acontecimentos.
·
Surto de violência
De acordo com a ONU,
2,2 milhões de pessoas, a grande maioria da população, estão passando fome na
Faixa de Gaza, principalmente no norte, onde os palestinos relataram contaram
ter sido obrigados a abater animais usados em carroças e outros veículos para
comer.
O Exército israelense
tem bombardeado o enclave sem trégua e lançou uma ofensiva terrestre em 27 de
outubro. A guerra também levou a um surto de violência na Cisjordânia,
território palestino ocupado por Israel desde 1967.
Em Gaza, civis são
diariamente alvo de combates e bombardeios israelenses que devastaram bairros
inteiros e forçaram 1,7 milhão de pessoas a fugir de suas casas. Segundo a ONU,
quase 1,5 milhão de deslocados fugiram para Rafah, e a população agora está acuada
nesta cidade perto da fronteira fechada com o Egito.
O primeiro-ministro
israelense, Benjamin Netanyahu, no entanto, diz que está determinado a lançar
uma ofensiva terrestre no que diz ser um "último reduto".
O incidente desta
quinta se soma ao total de mortes de palestinos que, segundo o Ministério da
Saúde de Gaza, superou 30.000, a maioria mulheres e crianças.
A guerra começou em 7
de outubro com um ataque sem precedentes do Hamas que causou a morte de cerca
de 1.160 pessoas em Israel, a maioria civis, segundo números israelenses.
Ø O que se sabe sobre mortes de palestinos durante entrega de
ajuda humanitária em Gaza
Mais de 112 palestinos teriam sido
mortos enquanto tentavam desesperadamente obter ajuda básica no norte de Gaza.
Multidões de civis que
esperavam ajuda cercaram um comboio de caminhões com doações depois que ele
passou por um posto de controle militar israelense a oeste da
Cidade de Gaza.
Os militares de Israel
disseram que as tropas dispararam tiros de advertência, mas não atingiram os
caminhões. Segundo eles, muitos dos mortos foram pisoteados ou atropelados.
O Hamas rejeitou o
relato de Israel, dizendo que havia evidências “inegáveis” de “disparos diretos
contra cidadãos”.
Pelo menos 112 pessoas
morreram e 760 ficaram feridas no incidente, disse o porta-voz do Ministério da
Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, Ashraf al-Qudra, em comunicado na tarde
de quinta-feira (29/2).
O Conselho de
Segurança da ONU marcou uma reunião de emergência a portas fechadas para
discutir o incidente. Durante o encontro, a Argélia – o representante árabe no
órgão – apresentou um projeto de declaração culpando as forças israelenses por
“abrirem fogo”.
Embora 14 dos 15
membros do Conselho tenham apoiado a moção, os EUA a vetaram, de acordo com a
agência de notícias AP, que cita o embaixador palestino na ONU, Riyad Mansour.
O enviado dos EUA, Robert Wood, disse que os fatos do incidente permanecem
obscuros.
Anteriormente, o
presidente dos EUA, Joe Biden, expressou preocupação de que o incidente
complicaria os esforços de negociação para um cessar-fogo temporário na guerra
entre Israel e o Hamas. A França disse que "o disparo de soldados
israelenses contra civis que tentavam ter acesso a alimentos" era
"injustificável".
O Hamas alertou que as
negociações no Catar para tentar garantir um novo cessar-fogo, juntamente com a
libertação dos reféns israelenses que mantém, podem agora estar comprometidas.
O governo brasileiro
também se pronunciou, por meio de uma nota divulgada pelo Ministério das
Relações Exteriores.
"As aglomerações
em torno dos caminhões que transportavam a ajuda humanitária demonstram a
situação desesperadora a que está submetida a população civil da Faixa de Gaza
e as dificuldades para obtenção de alimentos no território. Trata-se de uma situação
intolerável, que vai muito além da necessária apuração de responsabilidades
pelos mortos e feridos de ontem", diz o pronunciamento.
O governo brasileiro
também afirmou que a inação da comunidade internacional diante da tragédia humanitária
em Gaza "continua a servir como velado incentivo para que o governo
Netanyahu continue a atingir civis inocentes e a ignorar regras básicas do
direito humanitário internacional"
O governo Netanyahu
volta a mostrar, por ações e declarações, que a ação militar em Gaza não tem
qualquer limite ético ou legal. E cabe à comunidade internacional dar um basta
para, somente assim, evitar novas atrocidades. A cada dia de hesitação, mais inocentes
morrerão", diz ainda a nota, que pede a implementação das medidas
cautelares emitidas pela Corte Internacional de Justiça, para que Israel tome
todas as medidas ao seu alcance para impedir a prática de todos os atos
considerados como genocídio.
Imagens aéreas
dramáticas divulgadas pelos militares israelenses mostram milhares de pessoas
dentro e ao redor dos caminhões, enquanto vídeos das consequências postados nas
redes sociais mostraram alguns dos mortos carregados em caminhões de ajuda
vazios e em uma carroça puxada por burros.
O incidente aconteceu
horas antes de o Ministério da Saúde local anunciar que mais de 30 mil pessoas,
incluindo 21 mil crianças e mulheres, tinham sido confirmadas como mortas em
Gaza desde o início do conflito.
Cerca de 7 mil outras
pessoas foram dadas como desaparecidas e 70.450 foram tratadas de ferimentos
nos últimos quatro meses, de acordo com o ministério.
"Isso é
profundamente chocante porque se somarmos o número de pessoas feridas e o
número de pessoas desaparecidas temos mais de 100 mil pessoas, o que representa
5% da população", disse Philippe Lazzarini, chefe da agência da ONU para
refugiados palestinos (Unrwa), à BBC.
A ONU também alerta
para uma fome iminente no norte do território, onde cerca de 300 mil pessoas
vivem com pouca comida ou água potável.
Os militares
israelenses lançaram uma campanha aérea e terrestre em grande escala para
destruir o Hamas - que é considerado uma organização terrorista por Israel,
pelo Reino Unido e outros - depois dos seus homens armados terem matado cerca
de 1.200 pessoas no sul de Israel, em 7 de outubro, e levado outras 253 pessoas
para Gaza como reféns.
O incidente desta
quinta-feira ocorreu pouco depois das 4h, horário local, passando por um posto
de controle militar israelense na rua Rashid, que segue ao longo da costa do
Mediterrâneo. Fontes palestinas informaram que a localização era a rotatória de
Nabulsi, no extremo sudoeste da Cidade de Gaza.
Um comboio de 30
caminhões que transportava doações do Egito dirigia-se para norte ao longo do
que as Forças de Defesa de Israel (IDF) descreveram como um “corredor
humanitário” quando foi cercado por civis, com pessoas subindo nos veículos.
“Alguns começaram a
empurrar violentamente e até atropelar outros habitantes de Gaza até a morte,
saqueando os suprimentos humanitários”, disse o porta-voz principal das FDI, o
contra-almirante Daniel Hagari. “O infeliz incidente resultou em dezenas de habitantes
de Gaza mortos e feridos.”
Os tanques
israelenses, disse ele, "tentaram cautelosamente dispersar a multidão com
alguns tiros de advertência", mas recuaram "quando as centenas se
tornaram milhares e as coisas saíram do controle".
“Nenhum ataque das FDI
foi conduzido contra o comboio de ajuda”, disse ele, insistindo que os
militares israelenses estavam tentando ajudar os veículos a chegar ao seu
destino.
Uma testemunha
palestiniana, em declarações à BBC, descreveu o pânico na multidão e entre os
motoristas, que tentaram avançar. A maioria dos que morreram foram atropelados,
acrescentou a testemunha.
Dezenas de vítimas em
estado grave foram levadas para o Hospital al-Shifa, na cidade de Gaza. Médicos
afirmaram não conseguir lidar com o número e a gravidade dos casos.
Um homem no hospital
que segurava o corpo de seu amigo morto, Tamer Shinbari, disse à BBC que foi à
rotatória de Nabulsi na esperança de conseguir um saco de farinha para sua
família.
Ele disse que os
soldados israelenses abriram fogo “e o caminhão de ajuda atropelou os corpos”.
Todas ou a maioria das
vítimas tratadas em dois outros hospitais, Kamal Adwan e al-Awda, foram
declaradas pelas autoridades como feridas por bala ou estilhaços.
·
'Civis desesperados'
As FDI disseram em
comunicado que "cada vítima civil é uma tragédia".
"Apesar das
circunstâncias muito difíceis (causadas pela decisão do Hamas de entrar em
guerra contra Israel), continuamos trabalhando para facilitar a entrega de
ajuda humanitária aos civis em toda a Faixa de Gaza", acrescentou.
"Vamos aprender
com esse duro incidente para tentar encontrar melhores soluções para a
transferência de ajuda para aqueles que dela necessitam."
Mas o Hamas e o
presidente palestino, Mahmoud Abbas, baseado na Cisjordânia ocupada, culparam
as forças israelenses pelo que chamaram de "massacre hediondo".
"A morte deste
grande número de vítimas civis inocentes que arriscaram a sua subsistência é
considerada parte integrante da guerra genocida cometida pelo governo de
ocupação contra o nosso povo", disse Abbas num comunicado, acrescentando
que Israel tem "total responsabilidade".
Um porta-voz do
secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que o líder da organização
"condenou" o incidente.
"Os civis
desesperados em Gaza precisam de ajuda urgente, incluindo aqueles no norte
sitiado, onde as Nações Unidas não conseguem entregar ajuda há mais de uma
semana", disse Stephane Dujarric, acrescentando que Guterres reiterou o
seu apelo a "uma ajuda humanitária imediata", cessar-fogo e a
libertação incondicional de todos os reféns.
O norte de Gaza sofreu
uma devastação generalizada depois de ter sido o foco da primeira fase da
ofensiva terrestre israelense.
O país esteve em
grande parte isolado da assistência humanitária durante vários meses, apesar de
alguns esforços por parte das agências de ajuda da ONU.
Na semana passada, o
Programa Alimentar Mundial disse que foi forçado a suspender as entregas de
ajuda ao norte de Gaza depois que o seu primeiro comboio em três semanas ter
sido cercado por multidões de pessoas famintas perto do posto de controle
militar israelense em Wadi Gaza, e depois ter enfrentado tiros na Cidade de
Gaza.
Outro comboio
enfrentou o que chamou de "completo caos e violência devido ao colapso da
ordem civil". Vários caminhões foram saqueados no centro de Gaza e um
motorista foi espancado.
Na terça-feira, um
alto funcionário humanitário da ONU alertou que pelo menos 576 mil pessoas em
toda a Faixa de Gaza – um quarto da população – enfrentavam níveis
catastróficos de insegurança alimentar e corriam o risco de fome.
Ele também alertou que
uma em cada seis crianças com menos de dois anos de idade no norte sofria de
desnutrição aguda.
Na quarta-feira, o
Ministério da Saúde de Gaza disse que seis crianças morreram de desidratação e
desnutrição em hospitais no norte de Gaza. Duas das mortes ocorreram em
al-Shifa e quatro em Kamal Adwan, acrescentou.
Fonte: RFI/BBC
News Mundo
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