sábado, 30 de dezembro de 2023

Vijay Prashad: a normalização com Israel cessou devido à sua brutal guerra contra Gaza

No dia 14 de dezembro de 2023, o Congresso dos EUA aprovou a Lei de Autorização de Defesa Nacional, que incluía uma cláusula interessante: a criação, pelo presidente dos EUA, de um enviado especial para os Acordos de Abraão, o Fórum do Negev e outras plataformas relacionadas. Esta cláusula surgiu ao mesmo tempo em que o governo norte-americano se preocupava com o colapso de toda a sua agenda no Oriente Médio, bem como com as ameaças que o Líbano e o Iêmen representavam para Israel. Até há alguns meses atrás, os altos funcionários dos Estados Unidos gabavam-se das suas manobras políticas para levar os estados árabes a normalizarem as suas relações com Israel e para diluir a influência da China na região. Todos estes esquemas desmoronaram nas ruínas da agressiva campanha de bombardeio de Israel contra os palestinos em Gaza. Atualmente, todas as estruturas criadas pelos Estados Unidos – começando pelos Acordos de Abraão – parecem ter perdido sua solidez. Embora a questão da Palestina tenha começado a sair do radar dos Estados árabes, agora ela foi forçada a voltar ao centro das atenções pelas ações do Hamas e de outras facções armadas palestinas em 7 de outubro.

·        Os Acordos de Abraão

O presidente dos EUA, Donald Trump, nunca se interessou pelo direito internacional ou pelos pormenores da diplomacia. No que diz respeito a Israel, Trump era claro ao afirmar que queria resolver o conflito com os palestinos – que pareciam enfraquecidos pela política israelense de assentamentos e isolamento de Gaza – em benefício de Tel Aviv. Em janeiro de 2020, Trump divulgou o seu plano "Paz para a Prosperidade", que efetivamente desconsiderou as reivindicações dos palestinos e fortaleceu o Estado israelense do apartheid. O símbolo desta política rígida foi o fato de Trump ter mudado a embaixada dos Estados Unidos de Tel Aviv para Jerusalém, uma medida provocativa que derrubou a reivindicação palestina de que a cidade deveria ser o centro do seu Estado. "Fiz muito por Israel", disse Trump em uma coletiva de imprensa realizada em 28 de janeiro, na qual anunciou este plano, com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, ao seu lado. "Nenhum palestino ou israelense será arrancado de sua casa", disse Trump, embora seu plano observasse que "as transferências de terras fornecidas pelo Estado de Israel poderiam incluir tanto áreas povoadas quanto despovoadas". A contradição não importava. Era claro que Trump iria apoiar a anexação do Território Palestino Ocupado, acontecesse o que acontecesse.

Alguns meses depois, Trump anunciou os Acordos de Abraão, que eram um conjunto de acordos bilaterais entre Israel e quatro países (Bahrein, Marrocos, Sudão e Emirados Árabes Unidos). Estes acordos prometiam continuar o caminho de normalização das relações dos Estados árabes com Israel, um processo que se iniciou com o Egito em 1978 e depois com a Jordânia em 1994. Em janeiro de 2023, a administração do Presidente dos EUA, Joe Biden, deu continuidade a esta dinâmica, criando o Grupo de Trabalho do Fórum do Negev, que reuniu estes Estados (Bahrein, Egito, Marrocos e Emirados Árabes Unidos) em conjunto com Israel em uma plataforma para "construir pontes" na região. De fato, este Fórum fazia parte do projeto abrangente de conduzir um processo para que os Estados árabes tivessem um relacionamento público com Israel. O que escapou a Israel e aos Estados Unidos foi a Arábia Saudita, que é um país altamente influente na região. Se os sauditas aderissem a este processo, e se o Qatar também aderisse, a causa palestina seria significativamente enfraquecida.

·        A estrada indiana

Em julho de 2022, Biden foi a Jerusalém para sentar-se ao lado do primeiro-ministro israelense Yair Lapid e organizar uma reunião virtual com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o presidente dos Emirados Árabes Unidos, o xeique Mohammed bin Zayed Al Nahyan. Nesta reunião, os quatro homens anunciaram a criação da "i2u2", ou seja, uma plataforma de projetos comerciais a serem desenvolvidos em conjunto pela Índia, Israel, Emirados Árabes Unidos e Estados Unidos. Esta plataforma colocou a Índia diretamente nos planos de normalização das relações entre Israel e os Estados Árabes.

No ano seguinte, à margem da reunião do G20 em Délhi, vários chefes de governo anunciaram a criação do Corredor Econômico Índia-Oriente Médio-Europa (IMEC). Este corredor tinha a intenção declarada de contestar a Iniciativa "Cinturão e Rota", liderada pela China, bem como de ser um instrumento para levar a Arábia Saudita à normalização com Israel. O IMEC deveria começar em Gujarate (Índia) e terminar na Grécia, com uma rota que o levaria a atravessar a Arábia Saudita e Israel. Uma vez que tanto a Arábia Saudita como Israel fariam parte deste corredor, isso significaria o reconhecimento de fato de Israel pela Arábia Saudita. Funcionários diplomáticos israelenses começaram a viajar para a Arábia Saudita, sugerindo que a normalização estava prestes a acontecer (inclusive com o príncipe herdeiro saudita Mohammed Bin Salman afirmando à Fox News, em setembro de 2023, que a normalização estava "mais próxima").

A guerra em Gaza paralisou todo o processo. Mohammed Bin Salman fez uma ligação telefônica com Biden no final de outubro, na qual afirmou que os EUA deveriam pedir um cessar-fogo, o que era improvável. Como parte do telefonema, as autoridades sauditas afirmaram que o príncipe herdeiro tinha mencionado a possibilidade de reiniciar o diálogo de normalização após a guerra. Mas havia pouco entusiasmo em suas vozes. Poucos dias depois deste telefonema, Biden disse: "Estou convencido de que uma das razões pelas quais o Hamas atacou na ocasião, e não tenho provas disso, apenas o meu instinto me diz, é por causa do progresso que estávamos fazendo para a integração regional de Israel". No dia seguinte, a Casa Branca declarou que Biden havia sido mal interpretado.

·        Ansar Allah e Hezbollah

Dias depois de Israel ter começado a bombardear impiedosamente Gaza, abriram-se duas novas frentes de batalha. No sul do Líbano, os combatentes do Hezbollah começaram a disparar foguetes contra Israel, provocando a evacuação de 80 mil israelenses. Israel contra-atacou, inclusive com o uso de fósforo branco – que é ilegal. No início de novembro, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, disse aos seus seguidores que os seus combatentes dispunham de novas armas para ameaçar não só Israel, mas também os seus colaboradores, os Estados Unidos. Os navios de guerra norte-americanos estacionados no Mediterrâneo oriental, disse Nasrallah, "não nos assustam e não nos assustarão". Os seus combatentes, disse ele, "se preparam para as frotas com as quais vocês nos ameaçam". A presença de mísseis Yakhont de fabricação russa certamente dá  ao Hezbollah a credibilidade para dizer que é capaz de atacar um navio de guerra norte-americano que se encontra a menos de 300 quilômetros da costa do Levante.

No discurso, Nasrallah parabenizou o Ansar Allah – também conhecidos como  Houthis – pelos mísseis que dispararam contra Israel e contra navios que tentavam chegar ao Canal de Suez. Estes ataques do Ansar Allah travaram a ação de muitas companhias de navegação, que simplesmente não querem entrar neste conflito (a OOCL de Hong Kong, por exemplo, decidiu que os seus navios evitarão a região e não abastecerão Israel). Em represália, os Estados Unidos anunciaram uma coalizão marítima para patrulhar o Mar Vermelho. O Ansar Allah respondeu dizendo que transformaria as águas em um"cemitério", pois essa coalizão não visava a liberdade marítima, mas sim permitir o reabastecimento "imoral" de Israel.

As ações do Hezbollah e do Ansar Allah enviaram uma mensagem às capitais árabes de que pelo menos algumas forças políticas estão dispostas a oferecer solidariedade material aos palestinos. Isto inspirará as populações árabes a exercerem mais pressão sobre os seus governos. A normalização com Israel parece estar fora de questão. Mas, se esta pressão aumentar, países como o Egito e a Jordânia poderão ser forçados a reconsiderar também os seus tratados de paz.

 

Ø  Israel admite escalada de ataques do Hezbollah na fronteira com o Líbano

 

O ministro israelense Benny Gantz, membro do Gabinete de Guerra conformado por Tel Aviv para enfrentar o conflito com o Hamas, afirmou nesta quinta-feira (28/12) que o país vem enfrentando dificuldades na região da fronteira com o Líbano, devido a uma série de ataques realizados pelo grupo xiita Hezbollah nos últimos dias.

Em entrevista coletiva à imprensa local, o ministro qualificou o ataque perpetrado pelo Hezbollah nesta quarta-feira (27/12) como o maior que se teve registro desde outubro. A ação se insere em uma escalada de ataques similares iniciada pouco antes do natal.

Segundo Gantz, o Gabinete de Guerra chegou a realizar uma reunião de emergência nesta mesma quarta-feira para tratar do assunto, e decidiu que enviar tropas para a região e prepará-las para uma eventual operação para conter os ataques.

O ministro advertiu, porém, que o governo enviou um ultimato ao governo do Líbano, advertindo sobre o assunto. Gantz afirmou que Tel Aviv espera uma reação de Beirute para tomar novas decisões sobre o tema. “O tempo para encontrar uma solução diplomática está se esgotando”, acrescentou.

No entanto, o general Herzi Halevi, comandante das Forças Armadas de Israel, também se pronunciou sobre os problemas na fronteira com o Líbano nesta mesma quinta-feira, e apresentou uma versão menos otimista.

Segundo o líder militar, as forças israelenses estão “em total prontidão” para uma ação contra os ataques do Hezbollah, mas que essa possível operação pode ser prejudicial para os atuais objetivos do país, já que também poderia se tornar um confronto de longa duração.

“A primeira tarefa neste momento é restaurar a sensação de segurança dos moradores do norte do país, e isso irá levar tempo”, admitiu Halevi.

Hezbollah e Hamas

Desde o início da ofensiva israelense contra a Faixa de Gaza, em 7 de outubro passado, o Hezbollah tem se mostrado solidário com o grupo de resistência palestina Hamas e com a população do território que enfrenta os bombardeios lançados por Tel Aviv.

Em novembro, Sayyed Hassan Nasrallah, um dos líderes do grupo xiita, afirmou que o ataque realizado pelo Hamas em 7 de outubro foi uma ação “correta, sábia e corajosa, realizada no momento certo”, e que estabeleceu “uma nova fase histórica na batalha com Israel”.

Nasrallah não assegurou que o Hezbollah entraria no conflito para apoiar o Hamas, mas tampouco descartou essa possibilidade. “Todas as opções estão abertas”, comentou.

 

Ø  África do Sul abre processo contra Israel perante tribunal da ONU sobre situação em Gaza

 

A África do Sul entrou com uma ação contra Israel por genocídio, nesta sexta-feira (29), perante o Tribunal Internacional de Justiça de Haia, principal órgão judicial da Organização das Nações Unidas (ONU), devido à situação na Faixa de Gaza.

De acordo com o tribunal a ação alega uma série de "violações por parte de Israel das suas obrigações em relação à Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de genocídio contra os palestinos na Faixa de Gaza".

A ação judicial do país sul-africano afirma ainda que as ações e omissões de Israel constituem um “genocídio, pois são cometidas com a intenção específica de eliminar os palestinos da Faixa de Gaza” e pede que o tribunal exija que Israel cumpra os seus compromissos.

"O demandante pede ao Tribunal que ordene medidas provisórias para proteger de futuros danos graves e irreparáveis ​​aos direitos do povo palestino sob a Convenção do Genocídio", destaca a nota.

De 24 de Novembro a 1 de Dezembro, durante uma trégua humanitária acordada entre Israel e Hamas, 80 reféns israelenses que estavam sob o poder do Hamas, na sua maioria mulheres e crianças, foram trocados por 240 prisioneiros palestinos. Também foram libertados 30 cativos, a maioria tailandeses que viviam em Israel. Cerca de 130 reféns ainda estão sendo mantidos em cativeiro em Gaza.

Com o fim da trégua, em 1º de dezembro, as operações de guerra foram retomadas e o fluxo de ajuda humanitária que chegava ao sul do enclave palestino proveniente do Egito foi reduzido a um quinto do que Gaza recebia antes da guerra, segundo a ONU.

O enclave passa por uma crise humanitária muito grave, na qual dezenas de milhares de pessoas se encontram sem água potável e acesso à comida. Cerca de 85% da população de Gaza, 2,3 milhões de pessoas, tiveram de fugir de casa por culpa da guerra.

As autoridades palestinas estimam que até o momento o conflito deixou mais de 21,3 mil mortos e mais de 55.2 mil feridos na região, desde o início do conflito, em 7 de outubro, quando o grupo palestino Hamas fez um ataque surpresa contra Israel causando a morte de mais de 1,2 mil pessoas e deixando cerca de 5,5 mil feridos e capturando cerca de 240 reféns.

Em resposta, Israel declarou guerra ao Hamas e iniciou ataques massivos a instalações em Gaza, incluindo instalações civis, e realizou bloqueio total ao enclave palestino, cortando o fornecimento de água, alimentos, medicamentos, eletricidade e combustível. Em 27 de Outubro, Israel lançou uma incursão terrestre em grande escala na Faixa de Gaza.

O número de soldados israelenses mortos desde o início da operação terrestre contra o Hamas na Faixa de Gaza atingiu 97 na primeira semana de dezembro. Na semana passada, as Forças de Defesa de Israel (FDI) anunciaram ter perdido dez soldados em um único dia.

 

Fonte: Globetrotter/Opera Mundi/Sputnik Brasil

 

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