Zema se equilibra entre acenos à direita e críticas de bolsonaristas
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo),
que é citado como presidenciável para 2026, passou a incluir em suas falas
acenos a bandeiras ideológicas da direita, mas enfrenta desconfiança de
apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que cobram apoio a pautas
conservadoras.
Empresário que entrou para a política e está no
segundo mandato, Zema sempre fez uma defesa reiterada do setor privado, das
desestatizações e do ideário liberal. Ele tem circulado por São Paulo e outros
lugares no Brasil e no exterior em busca de investimentos para o estado.
Um dos eventos em que o governador
"vendeu" oportunidades de negócios foi promovido pelo Lide, do
ex-governador paulista João Doria. O ex-tucano recebeu Zema em setembro para um
almoço promovido por seu grupo empresarial, que é sua principal atividade desde
que deixou a política.
Ao mesmo tempo, o mineiro colhe reações diversas
com declarações e medidas de gestão associadas pelo público de direita à
geopolítica mundial, como a disputa entre China e Estados Unidos.
Em outubro, Zema disse que "o carro elétrico é
uma ameaça" aos empregos no Brasil, mesmo sendo Minas um estado que tem
obtido recursos com o lítio, principal componente para baterias desses
veículos.
O raciocínio ecoou a posição do ex-presidente
americano Donald Trump, que ataca o estímulo a veículos elétricos adotado por
Joe Biden, seu virtual adversário na eleição de 2024. Trump sustenta a ideia de
que a transição para carros menos poluentes beneficiará a indústria chinesa.
Zema também tem estreitado relações com empresas da
China, o que criou um alerta para bolsonaristas e é motivo de críticas em redes
sociais. Em novembro, o governador foi ao país asiático para fechar um acordo
com a companhia de telecomunicações Huawei, citada em suspeitas de espionagem.
Alas radicais do bolsonarismo têm restrições à
China por ser um país sob ditadura comunista.
Outro tema espinhoso em que Zema tenta se
equilibrar entre as demandas econômicas e o alinhamento ao ideário da direita é
a agenda ESG. O incentivo a boas práticas ambientais, sociais e de governança
no setor privado sofre resistências por evidenciar temas como preservação da
natureza e diversidade.
O governador incorporou a temática a ações do
governo e já assumiu o compromisso de que o estado buscará zerar emissões de
carbono e gerar desenvolvimento sustentável com energias renováveis --termos
normalmente exaltados pela esquerda progressista.
A gestão Zema também deu sinais de apoio à Agenda
2030, um plano global da ONU (Organização das Nações Unidas) que prega eixos
como sustentabilidade, direitos humanos e combate à desigualdade. Bolsonaro já
opinou que o pacto embutiria "a nefasta ideologia de gênero e o
aborto".
Uma das crises que o governo mineiro enfrentou na
Assembleia Legislativa foi por ter enviado um projeto de reforma administrativa
que contemplava na área de educação a premissa da diversidade de gênero,
associada por conservadores ao que chamam de "ideologia de gênero".
Ao participar do Cpac Brasil 2023, encontro anual
de movimentos de direita no país, realizado em setembro na capital mineira,
Zema foi constrangido por uma mulher que, da plateia, gritou que era servidora
estadual e tinha sido demitida por se recusar a tomar vacina contra a Covid-19.
O deputado estadual Cristiano Caporezzo (PL-MG),
que propaga o discurso de que o governador promove ideias de esquerda, diz à
Folha que, como conservador, ficou decepcionado com a atuação de Zema,
"que foi claramente eleito pelo público de direita".
"Várias vezes ele tentou agradar a gregos e
troianos, se equilibrando em cima do muro", afirma o bolsonarista, que não
engoliu a participação de Zema no evento de Doria e enxergou ambiguidade no
fato de o mineiro, após ser criticado pelo entorno do ex-presidente, ter ido a
um café com Bolsonaro.
As críticas são reforçadas por Raquel Morato,
presidente do Movimento Conservadores em Ação/Minas Gerais. "Na questão
econômica, nada desabona o Zema, mas ele não é uma pessoa conservadora
ideológica, não é de direita", afirma a ativista e pré-candidata a
vereadora pelo PL.
Raquel diz que votou no representante do Novo e
acha que ele "está deixando a desejar".
Para o deputado estadual Bruno Engler (PL-MG), no
entanto, as divergências com o campo bolsonarista eram previsíveis porque o
governador "nunca se declarou conservador". O parlamentar, que é
pré-candidato a prefeito de Belo Horizonte, avalia que Zema "acerta mais
do que erra".
Os três entrevistados demonstram pouco entusiasmo
com uma eventual candidatura do governador à Presidência e acalentam o sonho de
que Bolsonaro reverta sua inelegibilidade até lá.
O Governo de Minas Gerais, em nota, diz que a
gestão Zema "não desenvolve políticas públicas pautadas por preferências
ideológicas ou por 'acenos eleitorais'" e que suas decisões "são
embasadas em análises de gestão essencialmente técnicas e na racionalização do
uso dos recursos públicos".
A assessoria defendeu a missão do governador à
China em novembro, afirmando que foi um exemplo "da diversificação dos
investimentos que a atual gestão tem atraído para o estado, ao fechar uma
parceria com a empresa Huawei para levar wi-fi de qualidade a 1,3 milhão de
alunos da rede estadual".
Segundo o comunicado, a gestão "está alinhada
às melhores práticas de ESG da atualidade, por ter ciência de que essas ações
não são políticas partidárias restritas a um grupo ideológico". O
entendimento é o de que "o desenvolvimento sustentável e a preservação do
meio ambiente são condições indispensáveis para a atuação de governos e
empresas em qualquer lugar do mundo".
O governo reiterou seu espírito liberal,
argumentando que "em diversas atividades o setor privado tem maior
capacidade de atuar que o poder público". Disse que o Estado deve atuar em
segurança, saúde e educação, mas favorecer empresas com menos burocracia em
nome de geração de emprego e renda.
A nota atribui a Zema a seguinte declaração:
"Não abro mão de dar tratamento igualitário a todos. Política pública
também se faz conversando com os que pensam diferente da gente, ouvindo e
ponderando". Em outro trecho, há a afirmação creditada ao governador de
que ele busca "melhorar a vida dos mineiros", sem se "preocupar
com dogmas".
Ø Tarcísio
cumpre 12% de promessas em 1º ano; as paradas e lentas somam 45%
O governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), conseguiu cumprir neste ano 12% de todas as promessas
feitas durante a campanha eleitoral de 2022. Das 124 propostas catalogadas pela
Folha, 44% estão em andamento, 19%, paradas, e 26%, em ritmo lento.
Tarcísio, então, cumpriu 1 compromisso a cada 30
dias de mandato mais lento
que uma hipotética média ideal, de 12 dias, para cumprir até o fim de seu mandato todas as
iniciativas anunciadas no pleito passado, tanto no programa de governo quanto
em entrevistas e debates.
Em termos absolutos, foram 15 propostas concluídas,
54 em andamento, 32 lentas e 23 paradas neste primeiro ano. O maior número de
propostas concluídas está na economia, com 5, e nas ideias para digitalização
do governo e para as mulheres, com 3 cada.
Já a maioria das paradas está em economia (5),
saúde (4) e segurança (4). Entre os temas com mais propostas em andamento estão
infraestrutura, com 10 promessas, saúde, com 7, e área social, com 6.
O ex-ministro da Infraestrutura de Jair Bolsonaro
(PL) também tem o tema em que trabalhou no governo federal como o maior número
de compromissos em lentidão são 5 no
total.
Procurado pela Folha de S.Paulo, o Governo de São
Paulo, por meio da Secretaria de Comunicação, enviou quais foram as ações da
administração relativas a cada promessa, o que foi considerado na classificação
do progresso e nas observações referentes a cada uma.
Em relação a políticas para mulheres, Tarcísio
concluiu 3 das 5 propostas apresentadas na TV e no rádio, durante propaganda
eleitoral a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres, a criação do programa Saúde Mulher Paulista, realizada pelo
governador em setembro deste ano, e o uso de tornozeleira eletrônica para agressores de mulheres, em
acordo firmado com o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo).
Quanto às outras 2, uma está parada: o aumento da
quantidade de delegacias para as mulheres com funcionamento 24 horas; e a outra
está com o andamento lento: a ampliação de abrigos regionais protegidos para as
mulheres vítimas de violência. Como mostrou a Folha de S.Paulo, a pasta teve
estrutura limitada e baixo Orçamento.
Na TV e no rádio, Tarcísio só listou cinco
propostas que não constavam de seu plano de governo, voltadas especificamente
para o eleitorado feminino. Ele foi criticado à época por não discutir o tema
no plano de governo nem abordar políticas para a população negra ou LGBTQIA+.
Outra promessa já executada pelo então candidato
foi o reajuste do salário mínimo estadual para além do índice inflacionário,
chegando a cerca de R$ 1.550. A ideia, originalmente de seu adversário Fernando
Haddad (PT), foi anunciada pelo aliado de Bolsonaro durante o debate de segundo
turno na TV Globo.
Também cumpriu o compromisso de realizar reforma
administrativa no estado, alterando o formato de classificação de cargos
comissionados e extinguindo funções nas secretarias, além da regulamentação da
Lei da Liberdade Econômica em São Paulo e a reorganização de filas de cirurgia.
Algumas promessas do governador voltadas à
militância bolsonarista não foram levadas à frente. As mais emblemáticas são a
retirada de obrigatoriedade das vacinas em crianças e em servidores públicos
estaduais, que continuam precisando se imunizar.
O governo aprovou o fim da obrigatoriedade do
chamado "passaporte de vacina", ou seja, a necessidade de apresentar
o comprovante de imunização à Covid-19 para entrar em locais públicos e
privados. A medida, porém, não avança para a necessidade de imunização de
nenhum público.
Já a privatização da Sabesp (Companhia de
Saneamento Básico do Estado de São Paulo) está em andamento, com a aprovação do
projeto que autoriza a desestatização da empresa pela Assembleia paulista.
Agora, Tarcísio definirá o formato da venda da empresa e a oferecerá na Bolsa
de Valores.
Essa, inclusive, era um dos temas trazidos durante
o pleito em que Tarcísio recuou parcialmente após ser confrontado por Haddad. O
petista capitalizou a proposta, afirmando que os preços da conta de água
subiriam a exemplo do que ocorreu no Rio de Janeiro o estado foi escolhido porque Tarcísio é carioca.
A estratégia começou a fazer efeito, e o então
candidato do Republicanos precisou recuar da proposta, afirmando que estudaria
a desestatização, mas só a implementaria caso fosse vantajoso para o estado.
Outra grande promessa do atual governador em
andamento é a transferência da sede do governo do Palácio dos Bandeirantes, no
Morumbi, na zona oeste da capital, para os Campos Elíseos, no centro.
A administração já criou plano para a
transferência, e agora planeja a série de desapropriações e construções de
novos prédios para integrar todo o Executivo na região.
Tarcísio chegou a recuar de recuos, como na retirada
de câmeras dos uniformes dos policiais militares. Embora o governador tenha
desistido oficialmente da ideia, ele vem promovendo medidas que enfraquecem
essa política pública.
Após dizer que revisaria o programa durante a
campanha e sofrer pressões, afirmou que manteria os equipamentos depois de
eleito, mas neste ano a gestão descontinuou estudo avaliando impacto do item no
comportamento dos PMs no estado e cortou financiamento de novas câmeras.
Ainda, em 30 de outubro passado, Tarcísio afirmou
não ter planos para comprar novas câmeras. A declaração veio no momento em que
a letalidade policial cresceu 86% no terceiro trimestre no estado de São Paulo
em comparação com o mesmo período do ano anterior.
Para Uriã Fancelli, analista de política e mestre
pelas universidades de Groningen, nos Países Baixos, e Estrasburgo, na França,
o governador saiu vitorioso, especialmente com a autorização da privatização da
Sabesp, mesmo com algumas dificuldades, como a falta de experiência em um cargo
no Executivo e uma inicial inabilidade na articulação política.
Para ele, a quantidade de promessas cumpridas por
Tarcísio reflete o caráter deste primeiro ano de mandato, dedicado em seus
primeiros meses a uma adaptação no Palácio dos Bandeirantes e aquisição de
experiência na articulação e convencimento.
"Prova disso são as emendas enviadas à Alesp
[Assembleia Legislativa] logo antes da votação para privatização da Sabesp.
Isso mostra que Tarcísio tem aprendido, mesmo que lentamente, a jogar o jogo da
política."
Assim, segundo Fancelli, 2024 deve ser um ano com
maior facilidade de aprovações para o aliado de Bolsonaro. Ele cita ainda o
pleito municipal, afirmando ver a necessidade de maiores compromissos
realizados para evitar que um possível não cumprimento seja usado como munição
por rivais.
"Pode ser que o governo, que em 2024 deseja
focar em segurança e saúde, tenha um número maior de projetos até mesmo para mostrar serviço mas que ao
mesmo tempo sejam menos ambiciosos, o que facilitaria suas aprovações", conclui o analista.
Já o professor de administração pública da FGV
Marco Antonio Teixeira vê 2024 como um ano de maiores esforços do governador
junto ao Legislativo paulista, já que vários processos de concessão e
privatização serão votados, a exemplos de linhas de metrô e da CPTM (Companhia
Paulista de Trens Metropolitanos).
Teixeira cita ainda a heterogeneidade do
comportamento dos parlamentares estaduais e a necessidade de distribuição de
emendas como forma de negociação política.
"Ele tem uma boa base parlamentar quando se
somam todos os partidos que o apoiam, mas a gente sabe que há descontentamento
na base, sobretudo por parte do bolsonarismo, e isso cria uma certa lentidão na
apreciação da própria Assembleia."
Fonte: FolhaPress
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