Com polêmicas e mercado saturado, 'bolha' de influenciadores estourou em
2023
O escândalo das "publis" de jogos de azar
ilegais é o desfecho de um ano em que influenciadores foram colocados à prova:
• Em
março, uma maquiagem da influenciadora Virgínia Fonseca gerou polêmica pelo
preço alto e qualidade duvidosa;
• Em
maio, a CPI das Criptomoedas começou a investigar propagandas de famosos para
empresas de pirâmides financeiras;
• Em
outubro, uma publicidade com Felipe Neto foi alvo de disputa política e gerou
campanhas de boicote a uma marca de chocolate;
• Em
dezembro, o influenciador fitness Renato Cariani foi indiciado pela Polícia
Federal, suspeito de participação em um esquema de desvio de produtos químicos
para o narcotráfico;
• No
mesmo mês, a Farofa da Gkay -- evento símbolo da cultura de influência no
Brasil -- teve sua edição menos comentada.
"Nos últimos anos, teve uma saturação em
número de influenciadores, formou-se uma bolha digital e agora essa bolha
explodiu", avalia o assessor de imprensa Cacau Oliver ao g1. Conhecido
como "criador de subcelebridades" e há quase 20 anos no ramo, ele
ajudou a projetar nomes como Andressa Urach e Peladona de Congonhas. Cacau
ainda apresentou o Brasil a uma ampla gama de vencedoras do concurso Miss
Bumbum.
Um estudo da plataforma de marketing Influencity
mostrou que o investimento em publicidade digital na América Latina cresceu
cerca de quatro vezes em dois anos, passando de US$ 7,9 bilhões em 2020 para
US$ 34,7 bilhões em 2022. A maior parte do investimento do ano passado (34%)
veio do Brasil.
"O Brasil tem uma curiosidade pela vida do
outro, que é o que faz o 'BBB' ser um fenômeno aqui, mais do que em qualquer
outro lugar", analisa a publicitária Rafaela Lotto, sócia do YouPIX,
consultoria focada em discutir a cultura da internet.
"Além disso, num país desigual e com educação
ruim, a influência é vista como ferramenta de ascensão. O sucesso de
influenciadores causa uma projeção: faz com que as pessoas achem que também
podem chegar lá."
Não à toa, ela explica, empresas como o site de
apostas Blaze priorizam, em suas propagandas, famosos com perfil de quem
"venceu na vida". "Talvez, com um outro tipo de influenciador, a
audiência não comprasse tanto."
No domingo (17), uma reportagem do
"Fantástico" mostrou que a Blaze teve mais de R$ 100 milhões
bloqueados pela Justiça, após a polícia reunir indícios de que apostadores não
recebiam os prêmios.
Um dos principais jogos da plataforma é o Crash,
conhecido como "Jogo do Aviãozinho". Assim que o avião começa a voar,
o valor da premiação vai aumentando e o apostador tem que decidir a hora de
parar o voo - se antes surgir a palavra Crashed, a aposta está perdida.
O jogo, assim como outros oferecidos pelo site, é
ilegal no Brasil. As punições para a prática podem afetar empresas, apostadores
e influenciadores que fazem a divulgação da Blaze nas redes sociais. Entre
eles, estão Jon Vlogs, Viih Tube, Juju Ferrari, Mel Maia, Rico Melquiades, MC
Kauan e Juju Salimeni. Alguns se manifestaram por meio de suas defesas.
• Por
que famosos fazem 'publis' questionáveis?
Ser influenciador hoje não é o mesmo que há três
anos. O setor teve um boom a partir de 2020, com a pandemia de Covid-19. Sem a
possibilidade de realizar eventos ou de reunir equipes para gravar comerciais
de TV, as marcas se voltaram para a publicidade on-line.
Com a promessa de faturamento alto, uma legião de
internautas passou a batalhar por seguidores. "O problema é que muita
gente começou a fazer a mesma coisa", diz Cacau Oliver.
"Hoje, tem muita gente no mercado e está mais
difícil ganhar dinheiro. Por isso, alguns influenciadores ficaram mais
flexíveis para fazer coisas que não fariam. Nesse cenário, as propagandas de
joguinhos acabam sendo uma oportunidade grande de faturar."
"Eles pagam muito mais do que as marcas
normais, e de certa forma exigem pouco do influenciador", acrescenta
Rafaela Lotto.
Os valores oferecidos por publicidade variam a
depender da relevância e da quantidade de seguidores de cada influenciador.
Neste mês, o youtuber e streamer Cellbit, com mais de 6 milhões de inscritos em
seu canal, revelou que recusou uma proposta de R$ 6 milhões para divulgar um
cassino on-line.
A atriz e roteirista Ademara, com 675 mil
seguidores no Instagram, diz que "todos os dias" recebe propostas
para fazer publicidade de plataformas de apostas. "Eu nunca quis nem saber
valores. No primeiro contato, já bloqueio porque, a longo prazo, isso é muito
prejudicial para a carreira."
"Esse controle está associado a princípios
básicos de ética profissional. Quando você se torna influenciador, isso
significa que tem uma galera confiando no que você está dizendo", ela
continua.
"No caso das apostas, é muito fácil perceber o
tipo de consequência negativa que isso pode ter na vida das pessoas. Não dá
para fingir que não tem noção do impacto."
• O que
vai mudar para influenciadores em 2024?
Especialistas concordam que 2023 foi um ano de
ruptura no mercado de influência. Para o assessor Cacau Oliver, a edição
"flopada" da Farofa da Gkay é um dos símbolos do desgaste.
"A Farofa mostra a futilidade de alguns
influenciadores. As pessoas se cansam disso."
Neste ano, marcas ficaram mais cautelosas ao
avaliar resultados gerados pela publicidade digital. "A pandemia empurrou
muita gente para esse mercado, mas, agora, o tom é: espera aí, isso funciona
mesmo? As marcas que investiram muito em influenciadores estão calculando até
que ponto isso está trazendo retorno", analisa Rafaela, sócia do YouPIX.
Segundo ela, a consequência mais natural de
escândalos como o caso Blaze é que influenciadores mais responsáveis com o
próprio conteúdo ganhem relevância em 2024
"Não é que, de repente, todo mundo vai ficar
bonzinho. É uma questão de sobrevivência. As marcas estão mais críticas e quem
quiser sobreviver como influenciador vai ter que se tornar mais
profissional."
"Acho que o público vai ficar cada vez mais
crítico ao tipo de associação que os influenciadores fazem com marcas que são
prejudiciais para a audiência", acrescenta Ademara.
Para Rafaela, uma análise mais profunda aponta
ainda uma outra mudança de rumo do setor: quem trabalha com internet está
começando a prestar atenção em novas formas de monetização, para além da
publicidade.
Nomes fortes do segmento de beleza, como Bianca
Andrade, Mari Maria e Bruna Tavares, já fazem sucesso com suas próprias linhas
de maquiagem.
O empreendedorismo deve virar tendência também em
outros segmentos, afirma a publicitária. "Não tem marca para pagar 'publi'
para todo mundo, então os influenciadores estão criando suas próprias
marcas."
Fonte: g1
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