Miguel Borba de Sá: o Partido da Guerra e seus críticos
É fácil se enganar quando o assunto é política
internacional, até mesmo quando se é um estudante da matéria. Kenneth Waltz,
por exemplo, é conhecido por seu realismo estrutural, ou neorrealismo,
que marcou época nas teorias de Relações Internacionais (RI) desde a publicação
de sua obra-prima em 1979. Alvo predileto dos teóricos liberais e também
das chamadas teorias críticas (gramscianas, feministas ou
pós-modernas), a figura de Waltz foi sendo, aos poucos, associada à política
militarista dos Estados Unidos da América (EUA) durante a Guerra Fria. Mas esta
visão é, no mínimo, distorcida. E os efeitos da distorção ultrapassam os
debates acadêmicos, pois a associação imediata do realismo de RI com o Partido
da Guerra encobre a atuação de muitos daqueles que desejaram e
ensejaram importantes conflitos internacionais.
Waltz, por exemplo, já em 1967 opunha-se à
Guerra do Vietnã usando as teorias realistas que sempre defendeu: não vale a
pena “matar pessoas a fim de libertá-las”, dizia ele; nem “encobrir-se, com um
manto de justiça, em torno de uma causa nacional, para legitimar um banho de
sangue”. Além de criticar a então famosa Teoria do Dominó, Waltz
deplorava a “violência desnecessária”, a “destruição generalizada” e as
“perseguições” decorrentes das supostas “boas intenções” das grandes potências,
especialmente da mais poderosa dentre elas: os EUA. Para ele, a escalada
belicista no Vietnã era tão perigosa quanto a “escalada de justificativas”
inventadas pelos estrategistas e propagandistas da guerra em seu país.
Muito antes de Henry Kissinger negociar a derrota
em 1973 (após haver escalado a guerra de uma forma sem precedentes), Waltz já
advogava por “qualquer acordo possível” com o Vietnã do Norte como o único
“caminho que a sabedoria poderia tomar” e duvidava que alguém melhor do que Ho
Chi Minh pudesse governar o país asiático. Mas o jovem Waltz não estava
sozinho. Ninguém menos do que Hans Morgenthau igualmente opunha-se ao conflito
no sudeste asiático. Morgenthau, o grande decano da teoria realista de RI nos EUA
no pós-2ª Guerra, chegaria a abandonar seu cargo no governo de Lyndon Johnson,
sendo publicamente combatido pela Casa Branca até em programas de televisão por
conta de suas críticas ao envolvimento norte-americano no Vietnã. Na visão
de ambos os realistas, Waltz e Morgenthau, guerras ideológicas sem fim (contra
o comunismo) não eram do interesse nacional dos EUA.
Em 2003, quando o terrorismo pareceu
substituir o comunismo no auge da Guerra do Terror do governo
Bush II, Kenneth Waltz novamente manifestou-se. Tomou a dianteira na oposição
acadêmica contra a invasão do Iraque, no que foi acompanhado por notáveis
discípulos ‘neorrealistas’ como John Mearsheimer – que hoje é o maior expoente
acadêmico de RI no ocidente a opor-se à guerra da OTAN na Ucrânia. Para
Mearsheimer, a atual guerra é lamentável e era evitável, por destoar daquilo
que deveria ser o interesse estratégico dos EUA ou da União Europeia. Levar
democracia e livre-mercado para outros povos, especialmente à força, viola os
preceitos centrais do realismo. Mas está na base do programa liberal para
as relações internacionais.
Não se tratam de coincidências. Expoentes do
realismo, em geral, parecem cautelosos frente aos grandes conflitos bélicos de
suas respectivas épocas. O britânico Edward H. Carr, alegadamente o fundador do
realismo na moderna teoria de Relações Internacionais, opusera-se até mesmo à
guerra contra a Alemanha nazista, sendo um destacado defensor da política de
‘apaziguamento’ frente à ameaça hitlerista. Seu maior oponente, o liberal
Norman Angell (ganhador do prêmio Nobel da Paz em 1933), era o grande advogado da
guerra imediata. Assim, os realistas nem sempre acertam (Carr faria uma
autocrítica por subestimar aquilo de que Hitler seria capaz), mas associá-los à
guerra tout court é simplesmente errôneo.
Hoje, Mearsheimer é um crítico da destruição de
Gaza por Israel, o que lhe confere tanta antipatia no establishment político
quanto a sua rejeição da interferência da OTAN na Ucrânia. Em 2012, Waltz já
enfurecera Benjamin Netanyahu, que chamou o eminente professor de ‘estúpido’
por defender (no último artigo que escrevera em vida) que a paz no Oriente
Médio somente seria alcançada com o fim do monopólio nuclear israelense naquela
região. Os realistas, como todos os outros analistas, podem errar, claro
está. Mas encará-los como porta-vozes exclusivos do complexo industrial-militar
é, novamente, enganoso.
O Partido da Guerra opera, nos EUA, por dentro de
ambos os partidos – Democrata e Republicano – assim como possui representantes
acadêmicos tanto entre teóricos realistas ou liberais. O maniqueísmo não
funciona aqui. Acreditar que um defenda a paz e o outro a guerra é um erro que
a esquerda não pode se dar ao luxo de cometer, pois a guerra é um assunto sério
demais para ser deixado apenas para os generais – ou para os teóricos
profissionais de relações internacionais. Se a prática é mesmo o critério da verdade,
como queria Lênin, é preciso averiguar como cada um se portou diante da
realidade da guerra antes de rejeitar esta ou aquela escola de pensamento sobre
política internacional.
Ainda mais quando se tratam de debates entre estas
duas escolas, que conjuntamente ignoram o imperialismo como categoria relevante
de análise. O intelectual palestino Edward Said afirmava que "[t]odo
império, em seu discurso oficial, disse que não era como todos os outros; que
as suas circunstâncias eram especiais, que ele tem a missão de esclarecer,
civilizar, trazer ordem e democracia, e que usa a força somente em último caso.
E, mais triste ainda, há sempre um coro de intelectuais dispostos a dizer palavras
calmantes sobre impérios benignos ou altruístas, como se não devêssemos
acreditar em nossos olhos ao observar a destruição, a miséria e a morte
trazidas pela última mission civilizatrice”. É obrigatório
perguntar, então, caso a caso, quem dançou conforme a música e quem, no coro,
teve a coragem de desafinar.
Ø Túneis do
Hamas: ‘não acredite no Exército de Israel’, afirma general israelense
A ofensiva israelense contra a Faixa de Gaza
estaria encontrando grandes dificuldades em lidar com a estratégia
do Hamas de utilizar túneis como guarida dos seus combatentes e base para
ataques surpresa contra as tropas que realizam ataque por terra.
Esse cenário descrito no parágrafo acima pode
parecer irreal, se comparado com os comunicados publicados por Tel Aviv nas
últimas semanas, mas quem o apresentou foi o general da reserva Yitzhak Brik,
ex-comandante das Forças Armadas de Israel, em seu artigo
publicado nesta quinta-feira (28/12) pelo diário Haaretz.
Conhecido como um dos mais importantes analistas
militares da imprensa local, Brik
questiona os avanços militares em Gaza que o governo do país vem anunciando
recentemente. Já o título do artigo, ele pede ao leitor que “não acredite
do Exército de Israel”.
O articulista explica que “com base nas informações
que recebi de soldados e oficiais que lutam na Faixa de Gaza desde o início da
guerra, cheguei à seguinte conclusão: o porta-voz do governo e os analistas
militares dos canais de televisão estão apresentando uma imagem falsa dos
milhares de mortos do Hamas e da luta corpo a corpo nas batalhas por terra. O
número de membros do Hamas mortos por nossas forças em campo é muito menor”.
“Os terroristas do Hamas saem das aberturas dos
túneis para plantar bombas, colocar armadilhas e lançar mísseis antitanque em
nossos veículos blindados, e depois desaparecem de volta para os túneis.
Atualmente, a forças de Israel não têm mostrado a capacidade de encontrar
soluções eficiente para essa luta corpo a corpo contra os combatentes do Hamas
que estão escondidos nos túneis”, analisou Brik.
O artigo do general israelense também critica “a
criação de imagens de vitória (por parte dos canais de televisão) antes mesmo
de chegarmos perto de atingir nossos objetivos”. Segundo ele, “isso pode ser
muito prejudicial, se a meta de destruir as capacidades do Hamas e libertar os
reféns não forem atingidos em sua totalidade”.
Em outro trecho, Brik prevê que “destruir os túneis
do Hamas levará muitos anos e custará a Israel muitas baixas”.
“O próprio governo admite agora que há centenas de
quilômetros de túneis, localizados nas profundezas do subsolo, com várias
ramificações. Alguns deles têm até mesmo vários andares, com muitos pontos
usados pelos terroristas para se preparar para um combate. O Hamas os construiu
ao longo de décadas, com a orientação de especialistas renomados. Eles ligam
toda a extensão de Gaza e também a Península do Sinai, sob a cidade de Rafah”,
analisa o general da reserva.
Brik conclui o texto dizendo que “a ideia de que o
Hamas foi dissuadido persistiu por muitos anos e levou as Forças de Israel a
descartar planos de combate em Gaza e em seus túneis”. Também afirmou que
“muitos oficiais que estão lutando agora em Gaza me disseram que será muito
difícil, se não impossível, impedir que o Hamas se reconstrua, mesmo depois de
toda a destruição que Israel tem causado em suas bases”.
“Será que os políticos e os altos funcionários da
defesa são capazes de lidar com esse cenário? Ou eles são capazes de pensar em
outras soluções criativas, nas quais não sairíamos como os grandes vencedores
com tudo o que queríamos, mas também
não seríamos os grandes perdedores?”, diz o último parágrafo do artigo.
Ø A escalada
de ataques do Hezbollah a Israel que eleva temor de expansão do conflito
Se os ataques do Hezbollah continuarem, Israel tomará
ações para remover o grupo da sua fronteira
com o Líbano, advertiu o ministro israelense Benny Gantz.
Gantz afirmou que o Exército israelense irá
intervir se os membros do Hezbollah não
pararem de atirar em direção ao norte de Israel.
O tempo para encontrar uma solução diplomática está
se esgotando, segundo ele.
Paralelamente, o chefe das Forças de Defesa de
Israel (IDF, na sigla em inglês) também declarou que suas tropas estão "em
total prontidão" para novos combates no norte do país.
"Nossa primeira tarefa é restaurar a segurança
e a sensação de segurança dos moradores do norte, e isso irá levar tempo",
afirmou o chefe do Estado-Maior das IDF, o general Herzi Halevi.
As trocas de disparos entre os dois lados da
fronteira vêm aumentando desde os ataques do
Hamas a Israel, em 7 de outubro.
Na quarta-feira (27/12), o Hezbollah lançou o maior
número de ataques na fronteira em um único dia desde 8 de outubro, segundo
declararam fontes de segurança à agência de notícias Reuters.
Os incidentes trouxeram preocupações de que o
conflito na Faixa de
Gaza possa se espalhar pela região.
"A situação na fronteira norte de Israel exige
mudanças", afirmou Gantz em entrevista coletiva, na noite de quarta-feira.
"O cronômetro para uma solução diplomática
está quase zerado. Se o mundo e o governo libanês não agirem para evitar os
disparos sobre os habitantes do norte de Israel e afastar o Hezbollah da
fronteira, as IDF o farão."
No início de dezembro, o primeiro-ministro
israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou, em visita às tropas perto da
fronteira, que Israel "transformaria unilateralmente Beirute e o sul do
Líbano, a pouca distância daqui, em Gaza e Khan Yunis [cidade no sul da Faixa
de Gaza]" se o Hezbollah começasse uma guerra aberta.
O Hezbollah é uma organização xiita considerada
terrorista pelos Estados do Ocidente, Israel, países árabes do Golfo Pérsico e
pela Liga Árabe.
Financiado pelo Irã, é uma das
forças militares não estatais mais fortemente armadas do mundo.
Em 2006, uma guerra generalizada entre o Hezbollah
e Israel teve início quando o grupo conduziu um ataque mortal através da
fronteira e tropas israelenses invadiram o sul do Líbano.
·
Mortes nos dois lados da fronteira
Na fronteira, os disparos de foguetes e o uso de
drones armados pelo Hezbollah aumentaram esta semana.
Os aviões de guerra israelenses responderam
rapidamente.
Na quinta-feira (28/12), forças israelenses
declararam terem interceptado um drone que cruzou a fronteira com o Líbano e
entrou no seu território.
Antes, na quarta, a imprensa estatal do Líbano
informou que um combatente do Hezbollah e dois dos seus parentes foram mortos
por um ataque aéreo israelense.
O ataque teria atingido uma residência na cidade
libanesa de Bint Jbeil, a cerca de 2 km da fronteira com Israel.
Segundo uma declaração do Hezbollah, uma das
vítimas, Ibrahim Bazzi, era um cidadão australiano que visitava sua família.
Mais de cem pessoas já foram mortas no Líbano desde
outubro. A maioria eram combatentes do Hezbollah, mas também existem civis
entre os mortos, incluindo três jornalistas.
No lado israelense, sabe-se que pelo menos quatro
civis e nove soldados morreram na fronteira com o Líbano desde o início das
hostilidades.
Milhares de civis residentes em dezenas de
comunidades da região foram evacuados pelo exército.
Enquanto isso, a Unifil – a força de manutenção de
paz das Nações Unidas que opera no sul do Líbano desde 1978 – convocou as
autoridades libanesas para pedir esclarescimentos após uma de suas unidades ser
atacada no sul do país.
A Unifil afirma que "um grupo de homens
jovens" atacou uma patrulha na vila de Taybeh. Um veículo também ficou
danificado.
Os líderes do Hezbollah elogiaram
o ataque sem precedentes lançado por atiradores do Hamas contra o sul
de Israel em 7 de outubro.
Pelo menos 1,2 mil pessoas foram mortas no ataque –
a maioria delas, civis – e outras cerca de 240 foram tomadas como reféns -
parte delas já libertadas em acordo negociado para trégua temporária no
conflito.
Desde então, mais de
21,1 mil pessoas foram mortas pelas forças israelenses na Faixa
de Gaza – a maioria delas, mulheres e crianças – em 11 semanas de combates,
segundo o ministério da Saúde administrado pelo Hamas.
No momento, milhares de famílias palestinas na
Faixa de Gaza tentam encontrar abrigo, enquanto Israel amplia sua ofensiva por
terra pelo centro e o sul do território.
Fonte: Opera Mundi/BBC News Mundo
Nenhum comentário:
Postar um comentário