Milei tem primeiro revés no mercado financeiro ao tentar vender US$ 750
milhões em títulos
A primeira oferta de uma nova modalidade de títulos
do Banco Central da Argentina, criada para quitar dívidas de importadores
do país com fornecedores no exterior, foi um fiasco.
No primeiro revés no mercado financeiro para o
recém-empossado presidente do país, o ultraliberal Javier
Milei, o BC argentino conseguiu vender apenas US$ 68 milhões de um
total de US$ 750 milhões oferecidos. Somente 34 importadores fizeram lances
pelos bônus.
O fracasso neste leilão mostra as dificuldades que
a Argentina terá para reorganizar seu mercado de importações e ocorre
após Milei ter conseguido fazer uma desvalorização relativamente
bem-sucedida do peso, emitido um volume recorde de títulos em moeda local e
aumentado as reservas internacionais do país.
A primeira derrota do novo presidente argentino nos
mercados pode dificultar ainda seus planos para segurar a inflação. A
emissão desses títulos ajudaria a absorver o excesso de pesos em circulação no
país e, assim, ajudar a controlar a alta de preços, que já supera os 160% em
termos anuais.
Os importadores argentinos devem nada menos do que
US$ 30 bilhões no exterior e quitar essa dívida é um passo importante para que
o país consiga remover os complexos controles sobre o comércio exterior
herdados do governo anterior. Liberar a economia foi a principal promessa de
campanha de Milei.
Em um comunicado, o BC afirmou confiar
que, nos próximos leilões deste tipo, "o volume de participação
aumentará", à medida que o banco "continua esclarecendo os processos
operacionais e a documentação necessária".
As autoridades monetárias planejam realizar dois
leilões por semana até o fim de janeiro de 2024.
·
Javier Milei vai conseguir aprovar suas medidas no congresso
argentino?
Depende. Há duas partes. Está o mega DNU — Decreto
de Necessidade e Urgência — e a "Lei Ônibus".
Os DNU foram utilizados por todos os presidentes
desde 1994, ano em que a forma foi habilitada pela reforma constitucional; o
uso foi maiormente cesarista. Consiste em leis criadas pelo Presidente sem
necessidade da aprovação do Legislativo; legisladores podem omitir o
tratamento, de modo que a aprovação é tácita, ou pode acontecer que uma câmara
das duas aprove o DNU e com isso baste — reforma criada por Cristina Fernández
—, ou que as duas câmaras rejeitem o DNU. O que se está vendo é uma aprovação
tácita, pois há silencio e lentitude no avanço do tratamento. Se fosse tratado,
minha impressão é que seria mais fácil aprová-lo no Senado que na câmara de
deputados.
Lamentavelmente, os legisladores, como diria Milei,
têm um sentimento de "casta" importante, e até poderia ser que deixem
passar o DNU escrito por empresários poderosos e dado a Milei. Depois, qualquer
cidadão ou instituição pode solicitar a proteção de um juiz, coisa que pode
deixar sem efeito artigos pontuais por um período até que a Corte Suprema — o
Supremo Tribunal — decida a legalidade. Isso já está acontecendo.
Uma característica peculiar do DNU de Milei e seu
tamanho e ecleticismo. Usualmente um DNU e só sobre uns poucos artigos, o de
Milei é de mais de 300. O ecleticismo é produto das fontes empresariais de onde
se origina.
Sobre a Lei Ônibus, contem 664 artigos. Isso sim
deve passar em forma obrigatória pelas duas câmaras e se pode rejeitar em
parte. Milei vai procurar desgastar a sociedade para poder someter mais
facilmente na negociação, de modo que se possa aprovar suas leis mais extremas.
Se a parte mais danosa fosse aprovada, aquela que
dá ao Presidente poderes legislativos em todas as áreas por dois anos e até
quatro, sem nenhuma intervenção do Legislativo, se haverá mudado o governo de
república a autocracia, sendo seguro que todas suas leis futuras seriam
funcionais. Os cidadãos dependeriam da independência do Judiciário, na qual eu
não confio.
Ø Milei não
rompe vínculos, mas relações China-Argentina começam a mostrar fissuras nas
primeiras semanas de governo
Quando candidato, o agora presidente argentino,
Javier Milei, afirmou que não promoveria a relação com países comunistas, como
a China.
Embora tenha moderado o tom nos primeiros dias
sobre o gigante asiático, a relação entre os dois países parece ter entrado em
terreno movediço.
O governo chinês não confirmou, mas a imprensa
argentina repercutiu informações do site REDD sobre uma possível suspensão do
acordo de swap cambial no valor de USD 6.5 bilhões (mais de R$ 30 bi) com o
banco central chinês. Parte do valor seria destinado ao pagamento da dívida com
o Fundo Monetário Internacional (FMI).
No dia 21 de dezembro, o governo argentino pagou a
última parcela deste ano, no valor US$ 920 milhões, com um empréstimo
extraordinário recentemente concedido pelo Banco de Desenvolvimento da América
Latina.
O mecanismo de swap cambial é um acordo firmado
entre duas partes (neste caso, os bancos centrais dos dois países), para troca
de moedas, utilizado principalmente para ter acesso a moedas estrangeiras a uma
melhor taxa de juros.
A economista argentina e integrante do coletivo
Dongsheng Gisela Cernadas explica que, para a Argentina, o swap com a China tem
um custo de 4,5% a 6,5% ao ano. Já a taxa de juros que a Argentina paga ao FMI
é de 8,2%.
Antes das eleições, a agência Reuters divulgou que
em uma reunião interna em outubro, o conselho de diretores executivos do FMI
teria criticado como o governo de Alberto Fernández geriu o programa de crédito
com a Argentina. A informação foi divulgada a dez dias do segundo turno das
eleições presidenciais.
Esse é o 22° programa do FMI com o país
sul-americano. Trata-se de um refinanciamento de uma dívida de US$ 44 bilhões
contraída pelo governo de Mauricio Macri em 2018. O empréstimo original era no
valor de US$ 57 bi, mas a instituição financeira decidiu suspender uma parte
desse montante, após o dólar disparar no dia seguinte às eleições primárias de
2019. Nessa votação, Alberto Fernández havia superado Macri com 15 pontos de
vantagem, o que teria gerado uma reação do “mercado” à eminente volta do kirchnerismo
ao governo.
Mesmo com a redução, essa se tornou a maior dívida
da história do FMI, e também tornou a Argentina o maior devedor da instituição.
Agora em dezembro, a porta-voz do FMI, Julie
Kozack, disse que a instituição apoia o primeiro pacote de medidas econômicas
do governo de Javier Milei, anunciadas pelo ministro de Economia, Luis Caputo.
As medidas de austeridade, que geraram protestos no país, incluem a terceira
maior desvalorização do peso argentino na história, de 54% frente ao dólar e a
eliminação dos investimentos públicos em cerca de 5% do PIB, o equivalente a R$
100 bilhões.
Cernadas afirma que o Fundo Monetário Internacional
“tem uma longa história de imposição de políticas monetárias e fiscais aos
nossos países”.
O crescimento destas economias, sob essas políticas
condicionadas, acaba sendo orientado ao pagamento dos juros da dívida, afirma a
economista.
“Quando estas economias não conseguem pagá-los,
contraem mais dívida com o FMI para pagar os juros da dívida com a instituição.
Essa é uma armadilha da dívida, e essa armadilha da dívida vem acompanhada por
uma armadilha do subdesenvolvimento porque todas estas políticas de austeridade
que o fundo impõe são políticas que acabam por desindustrializar os países”,
diz Cernadas.
Em comparação, ele diz, as vantagens do swap com a
China para a Argentina estão, não só no menor custo de financiamento
(mencionado anteriormente), mas no fato de a China “não impor políticas de
austeridade, nem condicionar o desenvolvimento das políticas fiscais e
monetárias da Argentina”.
·
O posicionamento da China
Entre os motivos da possível suspensão do
instrumento financeiro, estão as incertezas que o governo chinês tem em relação
à política econômica de Milei e o que será feito com o Banco Central argentino,
instituição com a qual o acordo é feito.
Durante a campanha, Javier Milei chegou a afirmar:
“o fechamento do Banco Central não é uma questão negociável”.
Para o professor catedrático da Universidade
Soochow, Victor Gao, o swap precisa estar baseado em vários pré-requisitos. “Um
deles é a estabilidade geral das moedas envolvidas. Se estamos falando de uma
moeda que pode oscilar e flutuar enormemente, isso não é bom, não vai funcionar
para o swap de moedas porque destrói a premissa do swap de moedas já logo no
começo”, explica Gao, um dos intelectuais chineses muito respeitado dentro e
fora de seu país.
“Quando vemos a moeda argentina flutuar em mais de
50%, por exemplo, não só é muito ruim para o governo, a economia e o povo
argentino, mas também para os países que precisam negociar com a Argentina e
ter acordos de swap cambial com ela”, diz Gao, que também é vice-presidente do
laboratório de ideias (think tank) chinês Centro para a China e a Globalização.
Além das incertezas econômicas, a questão de Taiwan
também entrou em cena. Durante uma reunião na Casa Rosada justamente para falar
sobre o swap, com o enviado especial chinês, Wu Weihua, a chanceler do governo
Milei, Diana Mondino, teria feito comentários sobre “direitos soberanos” de
Taiwan, segundo o jornal La Nación.
Mondino, economista especializada em “classificação
de risco”, não possui experiência diplomática. Se de fato, ela fez um
comentário nesse sentido, a delegação chinesa deve ter ficado, no mínimo,
perplexa. A mídia argentina especula com que Mondino teria dito que gostaria de
comercializar com Taiwan, mas isso de fato já ocorre.
A questão de Taiwan vem sendo reiterada,
principalmente aos EUA, como a “primeira linha vermelha” a não ser atravessada.
Na recente reunião na Califórnia, Xi Jinping teria dito a Biden que a China se
reunificará com Taiwan, mas que não há data definida, ao contrário do que
afirmam as agências de inteligência dos EUA, que colocam 2027 como data limite.
·
O futuro das relações China-Argentina
Victor Gao afirma que a eleição no país
sul-americano é “completamente um assunto interno da Argentina e a China não
tem nada a ver com isso”, mas que algumas ideias “muito extraordinárias” do
novo presidente podem ser prejudiciais para as relações entre os dois países.
“Isso é altamente lamentável, mas será uma questão que deverá ser abordada”,
diz Gao.
Sobre um possível congelamento permanente do swap,
Cernadas afirma que isso significaria uma redução no fluxo de moedas
estrangeiras para a Argentina, “que o país poderia posteriormente usar, como
mencionei anteriormente, para financiar importações da China usando o yuan, ou
fazer novos pagamentos ao FMI”.
A questão é especialmente sensível, afirma, levando
em conta dois fatores: que o novo governo acaba de liberalizar o comércio
internacional e este ano a Argentina passou por uma seca que deve reduzir as
exportações do país.
Em relação ao primeiro ponto, a Argentina tinha até
o momento uma política de regular as importações para controlar os preços dos
produtos locais. A liberalização das importações pode intensificar ainda mais a
saída de moedas estrangeiras. Em segundo lugar, com a possível queda de
exportações, a entrada de moedas será menor. “A pressão no mercado de câmbio,
portanto, será ainda maior”, conclui a economista.
O professor Gao diz que tem esperança em que o país
sul-americano se recomponha e possa “se relacionar com o resto do mundo com
dignidade, decência e respeito mútuo”. mas que “ninguém terá paciência
suficiente para esperar que milagres aconteçam na Argentina”.
Ø Demissões,
nota de 50 mil, ensino pago: as primeiras medidas de Milei
Desde que tomou posse, no dia 10 de dezembro, o
novo presidente da Argentina, Javier Milei, tem buscado implementar propostas
polêmicas e é alvo de protestos. Na quarta-feira
(27), ele enviou ao Congresso um projeto com mais de 600 artigos que faz
profundas mudanças no
Estado.
<<<< Veja quais medidas o novo
presidente já implementou ou está tentando implementar nas primeiras semanas de
mandato:
·
*Fim do home office e dispensa de funcionários públicos*
Milei editou um decreto dispensando funcionários
públicos que foram contratados em 2023. Os acordos de trabalho, que vencem no
dia 31 de dezembro, não serão renovados.
A imprensa argentina afirma que 7 mil pessoas devem
ser atingidas. Funcionários que têm deficiência ou são trans não serão
dispensados.
O governo promete fazer uma avaliação para
possíveis novos cortes e redução de salários. Há em torno de 45 mil
funcionários públicos com mais de um ano de trabalho.
Diante da medida, sindicatos ameaçam uma greve
geral.
Milei também exigiu que os funcionários públicos
trabalhem presencialmente em 100% da jornada.
·
*Corte de ministérios e cargo para irmã*
Uma das primeiras medidas de Milei foi cortar o
número de ministérios de 18 para 9. As pastas que permaneceram foram as
seguintes: Interior, Relações Exteriores e Comércio Internacional, Defesa,
Economia, Infraestrutura, Justiça, Segurança, Saúde e Capital Humano.
O presidente argentino também revogou uma lei que
não permitia a indicação de familiares para cargos no governo. Com isso, ele
nomeou a irmã, Karina Milei, como secretária de governo.
·
*Privatizações e lei trabalhista*
No dia 20 de dezembro, Milei anunciou, em um
pronunciamento na TV, um decreto que tem 366 artigos. O texto revoga leis e
promove a desregulação da economia.
Entre as medidas está o fim da lei que impede
privatizações. Isso abre caminho, por exemplo, para a venda da Aerolíneas
Argentinas.
O texto também desregulamenta os serviços de
internet via satélite e o setor do turismo. Pelo decreto, clubes de futebol
poderão se tornar sociedades anônimas.
Ainda há alterações na lei trabalhista. O decreto
reduz a base de remuneração e aumenta o período de experiência dos
trabalhadores de três para oito meses.
O decreto revogou o observatório de preços do
Ministério da Economia, retirando as restrições dos valores. Como resultado,
deve haver uma aceleração da inflação.
As medidas precisam passar pela apreciação do
Congresso. Milei não tem maioria, e já ameaçou convocar um plebiscito caso o
texto não seja aprovado.
·
*Emissão de notas*
O próprio Milei admitiu que suas primeiras medidas
devem gerar estagflação na economia argentina. Ou seja, o país deve passar por
uma combinação entre estagnação econômica e alta de preços.
Ele confirmou que o Banco Central vai emitir notas
de 20 mil e 50 mil pesos, por causa da alta dos preços. Nos últimos 12 meses, a
Argentina teve inflação de 142,7%. A pobreza atinge mais de 40% da população.
·
*Novo pacote*
Em complemento ao megadecreto, Milei enviou ao
Congresso mais um pacote, com 664 artigos e 183 páginas. O texto foi batizado
de "Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos
Argentinos".
Reforma política, privatizações e o endurecimento
de penas contra protestos estão incluídos no texto. Segundo o jornal Página 12,
há uma mudança no Código Penal da Argentina para prever pena de dois a cinco
anos de prisão para quem liderar protesto que impeça a "circulação de
transporte público e privado".
Entre os artigos há um trecho prevendo a
possibilidade de cobrança de mensalidades de estrangeiros que estudam em
universidades argentinas. Isso pode afetar os mais de 10 mil estudantes
brasileiros que vivem no país a maioria
estuda medicina de forma gratuita em Buenos Aires.
O pacote também precisará passar pelo Congresso. O
texto estabelece que o presidente teria uma "carta branca" em várias
áreas, que poderia valer por até quatro anos.
Fonte: Bloomberg/Quora/DCM/FolhaPress
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