ANOS DE CHUMBO: Filho de Jango busca reparação para chineses torturados
na ditadura
Quase 60 anos depois, o país registra ainda em aberto
um episódio de triste memória e que remete aos anos de chumbo. É o rumoroso
caso da prisão indevida, pelos agentes da ditadura militar, de nove chineses
que estavam no país autorizados pelo então presidente João Goulart. Em 3 de
abril de 1964, com Jango deposto, eles foram presos, torturados e acusados de
serem subversivos. Estariam no Brasil para implantar o comunismo. Na verdade,
tratava-se de uma delegação diplomática, legal no país, e composta por
comerciantes, intérpretes e jornalistas.
Dos nove, apenas um deles, o jornalista Ju
Quingdong, está vivo, com 94 anos, e foi o que sofreu a mais violenta e brutal
tortura entre eles.
O grupo foi preso por policiais do Departamento de
Ordem Política e Social (Dops) da Polícia Civil do então Estado da Guanabara,
no Rio. Foram submetidos às mesmas violações cometidas contra os presos
políticos brasileiros. No mesmo ano, em dezembro, eles foram condenados a dez
anos de prisão, em primeira instância. Apelaram com um recurso no Superior
Tribunal Militar (STM), que nunca, até hoje, foi julgado. Está sobrestado. E
quem os defendeu foi o advogado Sobral Pinto, atuante em prol dos que se opuseram
aos militares que instalaram no Brasil a tortura, a morte e o desaparecimento
dos descontentes com o regime de exceção.
Agora, o ex-deputado João Vicente Goulart, filho de
Jango, tenta reparar essa falha histórica e de desonra para o Estado
brasileiro. Ele acionou não apenas o Supremo Tribunal Federal (STF), para que
conclua o julgamento e anule a sentença, como protocolou, na Comissão de
Anistia, um pedido da revisão dessa história. É o primeiro pedido coletivo de
anistia, que contempla um determinado grupo, modalidade instituída neste ano,
no terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na Suprema Corte o caso
está com o ministro Edson Fachin.
No pedido à comissão, os advogados do Instituto
João Goulart reivindicam a concessão coletiva de anistia à missão chinesa, que
seja recomendado ao STM a anulação da ação penal que os condenou e também que
seja restituído os bens e valores dos chineses subtraídos pela ditadura.
Quando foram presos, os agentes da ditadura levaram
cerca de US$ 49 mil, que, em valores atualizados, podem chegar a R$ 2 milhões.
Além de recursos em outras moedas, como cruzeiro, francos suíços, libra e
rublos. Não foi retido apenas o dinheiro. Consta na relação dos bens levados
indevidamente um anel de metal amarelo com enfeite de coração, um relógio e até
agulhas de acupuntura.
Sobre essas agulhas, o livro O caso dos nove
chineses — o escândalo internacional que transformou vítimas da ditadura
militar brasileira em heróis de Mao Tsé-tung, de 2014, dos jornalistas Murilo
Fiuza de Melo e Ciça Guedes, conta que esses objetos da tradição milenar
chinesa, viraram "agulhas envenenadas". O então secretário de
Segurança da Guanabara, coronel Gustavo Borges, "revelaria o suposto plano
diabólico dos nove chineses". Os alvos seriam, entre outros, Carlos
Lacerda (então governador da Guanabara) e o general Castelo Branco, um dos
articuladores do golpe e o primeiro presidente do regime.
No intervalo dessas seis décadas, já na vigência da
democracia, a presidente Dilma Rousseff (PT), em 2015, revogou o decreto que
expulsou os chineses do Brasil e ainda concedeu a eles a Ordem do Cruzeiro do
Sul, a mais alta honraria concedida pelo Executivo federal, medalhas que nunca
teriam chegado a essas vítimas da ditadura.
"Ocorre que esta honraria, apesar de
concedida, jamais foi entregue pelo Ministério das Relações Exteriores,
aparentemente, também por motivação política de algum agente público com pouco
zelo pela legalidade e muito apego ao universo quimérico das viúvas da
ditadura", argumentam os advogados do Instituto João Goulart à Comissão de
Anistia, vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. No pedido ao
governo, é cobrado que as medalhas cheguem aos familiares dos chineses.
João Vicente classifica a perpetuação desse caso
como uma vergonha para o Brasil e afirmou que não era possível deixar o caso em
aberto e, por ser filho de quem é, tem também esse papel de mexer nesse
passado.
"É uma missão que corresponde a todo
brasileiro que sofreu com a ditadura militar. Tratava-se de uma delegação
comercial, e não de um grupo que queria implementar uma ditadura comunista no
Brasil. Para nosso desconforto, eles foram presos, torturados e depois
expulsos, o que criou um mal-estar internacional. Jango foi o primeiro líder
ocidental a visitar a China e abriu os caminhos. Estive com um embaixador
chinês uma vez que me disse: 'Nós, chineses, nunca esquecemos, quando bebemos
um copo de água, quem nos ajudou a furar o poço'. Tomamos as medidas para que
essa vergonha cometida pela ditadura brasileira não se perpetue", disse
João Vicente.
·
Repercussão internacional
O caso de tortura dos chineses foi um escândalo
internacional. Eles retornaram ao país e foram recebidos como heróis na China,
com toda a pompa. Para a jornalista Ciça Guedes, o país está diante de uma
oportunidade, talvez a última, ressalta, de resolver esse
"contencioso", como as autoridades chinesas entendem o episódio.
"Temos essa oportunidade até porque temos um
único sobrevivente, que foi justamente o mais torturado na prisão. Temos diante
da gente essa chance, de pedir desculpas à China pelo tratamento absolutamente
desumano a esses nove trabalhadores, que estavam legalmente no país, com visto
emitido pelo governo. É uma questão de humanidade. Essas pessoas foram
torturadas e presas e ainda levaram seus bens. Todos se tornaram altos
funcionários do governo chinês. O Brasil tem a chance de se livrar dessa pecha
do primeiro escândalo internacional de violação dos direitos humanos",
afirmou Ciça Guedes.
Sobral Pinto entendeu o episódio como uma maneira
de se atingir João Goulart.
"O que se pretende (eu), então, com este
processo iníquo, é culpar, às custas da inocência dos apelantes, o governo do
presidente João Goulart", disse o advogado à época.
Os advogados do instituto argumentam na ação
protocolada no governo que "tem-se mantida arbitrária condenação e o
sobrestamento eterno do julgamento do recurso, legitimando-se que, até o
presente dia, viúvas da ditadura militar arvoram a legitimidade do regime
pós-1964 como justificável em virtude de uma mentira deslavada reforçada por um
erro judiciário histórico", dizem os advogados Victor Neiva Mendonça e
Fabrizio Teixeira.
"A única motivação dos atos praticados contra
o grupo foram os fatos de serem eles chineses, comunistas e estarem no
Brasil", entendem os advogados.
Ciça Guedes lembra que o jornalista Ju Quingdong
prestou depoimento à Comissão Nacional da Verdade, que fez uma profunda
apuração das atrocidades ocorridas na ditadura.
"Ele se recordou das torturas, das
humilhações. Os chineses têm uma visão prática, não é obstáculo, mas sempre foi
uma grande mágoa", diz a jornalista.
João Vicente gostaria que o caso fosse julgado na
Comissão de Anistia no início de abril de 2024, no exato dia que o caso
completa 60 anos.
Os nove chineses presos e torturados no Brasil
foram: Wang Wei Chen, jornalista; ChunChin Tung, jornalista; Hou Fa Tseng,
comerciante; Wang Chih, comerciante; Su Tse Ping, comerciário; Chang Pau Sheng,
intérprete; Wang Yao Ting, administrador de indústria de tecidos; May Yao
Tseng, comerciário e Sung Kuei Pao, intérprete.
Ø Gayer é
condenado por assediar funcionários para votar em Bolsonaro
O juiz Celismar Coelho de Figueiredo, da 7ª Vara do
Trabalho de Goiânia, condenou o deputado Gustavo Gayer (PL-GO) ao pagamento de
R$ 80 mil por danos morais por assédio eleitoral a funcionários de empresas do
Estado. A avaliação do magistrado é a de que o parlamentar coagiu moralmente os
trabalhadores a votarem no ex-presidente Jair Bolsonaro 'como meio de
manutenção e criação dos empregos, caso referido candidato fosse reeleito'.
Nas redes sociais, Gayer chamou a condenação de
'esdrúxula'. Ele atacou a procuradora do Trabalho, responsável pela ação, a
quem chamou de 'petista histérica'.
O parlamentar informou que vai recorrer da
sentença, sob o argumento de que não há 'nenhuma prova' sobre o suposto assédio
eleitoral. Gayer sustenta que 'não pediu voto para ninguém, consultou seus
advogados e foi condenado por falar o plano de governo dos candidatos, o ladrão
e o Bolsonaro'.
Na sentença, o juiz Celismar Coelho de Figueiredo
reforçou uma liminar que já havia dado, ainda durante as eleições, para que o
deputado se abstivesse de promover reuniões em empresas, com convocação de
trabalhadores, visando aliciar o voto deles. No entendimento do magistrado, as
condutas atribuídas ao deputado 'são consideradas assédio moral eleitoral por
constranger trabalhadores em sua liberdade política e de voto'.
A decisão foi assinada na segunda-feira, 25, no
bojo de uma ação proposta pelo Ministério Público do Trabalho contra a Narciso
e Athayde Lanchonete e Mercearia e Panificadora Ltda e o deputado.
Posteriormente, a panificadora fechou um acordo com a Procuradoria do Trabalho
e o processo prosseguiu apenas com relação ao parlamentar.
A ação partiu de uma denúncia anônima que narrava
que o deputado bolsonarista 'reuniu-se com vários empresários goianos e agora
está indo às empresas assediar os trabalhadores'. A Procuradoria apontou
'conduta refratária e reiterada' do parlamentar de 'ir até aos ambientes de
trabalho das empresas para admoestar os trabalhadores e induzi-los (aliciá-los)
a votar em determinado candidato' - o que configura assédio moral eleitoral.
No processo, Gayer afirmou que foi até a
panificadora a convite do proprietário, 'não com o intuito de assediar os
trabalhadores da sobredita sociedade empresária a votarem em seu candidato à
Presidência da República, mas tão somente para debaterem a atual conjuntura
política do país, em especial nos dias que antecederam a realização do segundo
turno das eleições presidenciais'.
A avaliação do juiz do Trabalho é a de que os
documentos apresentados pelo Ministério Público 'deixam clara a prática de
assédio moral eleitoral no ambiente de trabalho perpetrada pelo requerido
(Gayer) contra trabalhadores de diversas sociedades empresárias sediadas nesta
Capital (Goiânia), coagindo-os moralmente a votarem em um candidato específico
como meio de manutenção e criação dos empregos, caso referido candidato fosse
reeleito'.
"Embora o requerido negue a ocorrência do
assédio moral eleitoral o arcabouço probatório, em especial os documentais,
trazido aos autos pelo requerente (Procuradoria do Trabalho) com a inicial
evidenciam o contrário", ressaltou o juiz.
Celismar Coelho de Figueiredo destacou que
publicações registraram reuniões de Gayer com funcionários de diferentes
empresas falando em 'conquistar votos'.
Segundo o juiz, as mensagens publicadas por Gayer
nas redes sociais deixam evidente que o deputado estava realizando reuniões com
colaboradores, no ambiente de trabalho deles, em horário de trabalho, sendo o
'constrangimento dos trabalhadores em tais situações evidente'.
"A inobservância da legislação pátria causou
danos a toda a coletividade de trabalhadores das sociedades empresárias onde
ocorreram as 'reuniões políticas comandadas pelo requerido (Gustavo Gayer),
configurando-se, portanto, dano moral coletivo passível de compensação",
sentenciou o juiz da 7.ª Vara do Trabalho de Goiânia.
Fonte: Correio Braziliense
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