Fiscal, tributária, dólar e juros para baixo, PIB para cima: a
retrospectiva econômica de 2023
O ano começou com a terceira gestão de Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) cheia de críticas, expectativas e dúvidas sobre a
herança deixada pelo ex-presidente da República Jair Bolsonaro. Para espanto de
alguns – principalmente do mercado financeiro – a inflação, que terminou em
5,79% em 2022, fechou melhor, contra os atuais 4,68% no acumulado dos últimos
12 meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Outro horizonte positivo, também relacionado com a
queda do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), foi a trajetória de queda
da Selic, taxa básica de juros, que começou 2023 num embate político entre Lula
e Roberto Campos Neto, do Banco Central, e fechou em 11,75% ao ano. É o menor
patamar do índice desde maio de 2022.
Retrospectiva econômica: entenda como juros,
inflação, PIB e medidas do governo se relacionaram para fechar 2023:
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PIB, juros e inflação
Reginaldo Nogueira, PhD em Economia e diretor
sênior do Ibmec, recorda que o fluxo inflacionário acompanhou muito a tendência
mundial a partir do final da pandemia de 2020. Ao entrar em 2021, a inflação do
planeta inteiro começa a subir, puxada por alguns fatores, o primeiro tinha
sido colapso das cadeias de produção durante a pandemia e a guerra da Rússia x
Ucrânia, colocando pressão sobre commodities agrícolas, considerando que ambos
países são exportadores relevantes. O cenário fez com que as taxa de juros no
mundo ficaram elevadas, no Brasil chegando próximo dos 14% ao ano.
“Os índices de inflação começaram a arrefecer, e a
expectativas para 2024 começaram a melhorar. Os juros seguem caindo, porém
continuamos com expectativa dentro da meta, mas fora do centro de 3%”, avalia.
Junto a isso, acrescenta o professor, temos ao
redor desse tema, a taxa de crescimento econômica. O Produto Interno Bruto
(PIB) brasileiro registrou alta de 0,1% no terceiro trimestre de 2023 ante o
segundo trimestre de 2023. O índice cresceu 0,9% no 2° trimestre do ano, de
acordo com o IBGE.
“O PIB projeta crescer em torno de 3%, mas ele
claramente vem esfriando na margem. O consumo das famílias e o consumo do
governo tem mantido o PIB, mas o investimento privado tem caído. Uma parte
disso é a própria taxa de juros; com ela reduzindo, libera o efeito de
investimento”, diz Nogueira.
Três temas são conectados ao cenário de juros, com
queda favorável, mas que começou de forma tardia, tendo um banco central mais
conservador e defensor da máxima ‘conter a inflação para baixar os juros’.
Marco Rocha, economista e professor do Instituto de Economia da Unicamp,
enumera alguns pontos:
“Primeiro foi o espaço aberto pela redução no
começo do ano da taxa de juros norte-americana e a redução também da inflação
global depois do pior momento do pico e do preço da energia por conta do conflito
da Ucrânia. Os preços de energia e dos alimentos também começaram a ceder um
pouco. A inflação internacional passou pelo mesmo processo, isso permitiu, de
certa forma, abrir espaço também para a redução da taxa de juros no Brasil”,
afirma.
O comportamento da balança comercial também foi
favorecida pelo comportamento de preço tanto do agro quanto a indústria
extrativa foi mais um desses componentes que repercutiu positivamente
na formação do PIB, criando também maior horizonte de certeza sobre o
comportamento da taxa de câmbio e dos juros futuros.
Para além disso, tem o comportamento dos preços
internos. “O Brasil teve uma safra de alimentos muito boa, o que significou
menores pressões sobre o item Alimentação nos índices de inflação, e isso
também possibilitou uma redução da taxa de juros, lembrando que o item
Alimentos foi um dos fatores que pressionaram as inflações em anos anteriores”,
defende Rocha.
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Dólar abaixo de R$ 5
Para melhorar, o tão criticado dólar também
se movimentou em consequência aos pontos acima. Na reta final de 2023, a
moeda segue performando diferente das expectativas do mercado há 11 meses,
quando o Boletim Focus anunciava projeção do câmbio na casa dos R$ 5,30. Na
primeira quinzena de dezembro, a pesquisa do Relatório de Mercado mostrou que a
expectativa é outra: o câmbio em 2023 passou para R$ 4,95 e em 2024, para R$ 5.
“Tudo isso contribuiu, de certa forma, para a
redução da taxa de juros e também para a redução do câmbio; no fundo, o
comportamento da economia norte-americana e a acomodação de certas tensões
globais também possibilitaram dólar um tanto mais barato, o que contribui, por
sua vez, também para os itens em que o dólar repercute dentro do índice de
inflação”, esclarece o economista.
Arcabouço e metas
Ao mesmo tempo, a atual equipe econômica travou
embates no Congresso Nacional para aprovar duas propostas essenciais para o
país: o arcabouço fiscal, que substitui o antigo teto de gastos; e a reforma tributária, discutida há pelo menos 30 anos, e que simplifica
impostos sobre o consumo.
Para Rocha, a grande vitória do governo Lula 3
até agora foi a PEC da Transição, responsável por bancar programas sociais
prioritários, como o Bolsa Família, Farmácia Popular, entre outros. Também é
responsável pelo cenário econômico, segundo especialista.
“Ela está garantindo, de certa forma, um bom
crescimento esse ano, além do comportamento das exportações, de forma geral,
mas ela que está acomodando uma série de políticas que estão permitindo uma
certa ao governo realizar certas medidas que, no final das contas, estão
contribuindo também para um resultado positivo acima do esperado na economia”,
explica.
A nova regra, promulgada em agosto, autoriza o
aumento de despesas acima da inflação, diferentemente do teto de gastos. Com
ela, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deu start para a busca pelo
déficit zero nas contas do governo de olho em 2024. A medida também era uma
‘demanda para acalmar o mercado’.
“O novo arcabouço fiscal tem o mérito de colocar um
horizonte de segurança sobre o comportamento da dívida e das contas públicas,
que era uma demanda sobretudo do mercado financeiro, e com isso o governo
conseguiu criar um horizonte, vamos dizer assim, de negociação com esse setor e
de uma certa boa vontade, que acabou tendo repercussão nas taxas de juros de
longo prazo”, diz Rocha.
Para ele, no entanto, o arcabouço é pouco
anticíclico. “Quando a economia está crescendo, o governo consegue acomodar
gastos, consegue recuperar a sua capacidade de realizar política; com a
economia entrando em estagnação ou entrando em crise, a capacidade fiscal de
fazer políticas contra a crise e contra a estagnação econômica, por conta da
própria forma que funciona o novo arcabouço, fica também um tanto prejudicada.
O limite mínimo de despesas, pelo menos na minha leitura, é muito pouco, no
caso, por exemplo, de uma crise ou de um processo de estagnação. E aí acaba a
capacidade da política fiscal agindo nesses momentos também ficando
prejudicada”, analisa o professor.
·
Reforma Tributária
A Câmara dos Deputados aprovou a reforma tributária
(PEC 45/19), que simplifica impostos sobre o consumo, prevê fundos para o
desenvolvimento regional e para bancar créditos do ICMS até 2032,
além de unificar a legislação dos novos tributos.
A reforma unifica
cinco tributos para dois: Imposto sobre Produtos Industrializados
(IPI), Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento
da Seguridade Social (Cofins) serão unificados em uma Contribuição sobre Bens e
Serviços (CBS), do Governo Federal. Já o Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto sobre Serviços (ISS) serão unificados
no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a cargo de estados e municípios.
Uma das maiores polêmicas, com idas e vindas entre
as Casas Legislativas, foi a criação da cesta básica nacional, com tributo
zero. Aguarda-se ainda uma Proposta de Emenda Constitucional para definir a
lista de ‘itens essenciais para alimentação’.
Outro ponto importante foi manter o IPI para os
produtos da Zona Franca de Manaus, sendo uma exceção em relação aos produtos
das demais regiões, garantindo assim incentivos fiscais.
A aprovação também prevê criar o Imposto
Seletivo, chamado de “imposto do pecado”, sobre bens e serviços que prejudiquem
a saúde e o meio ambiente, como cigarros e bebidas alcóolicas, visando
desestimular o consumo desses produtos; a cobrança de impostos para quem possui
jatinhos e iates e lanches, por meio de IPVA, além de tributar heranças.
Para alguns especialistas, o impacto pode não ser
100% positivo.
“Não diria que a reforma tributária teria força
para mudar os rumos do país, mas terá efeitos positivos na economia em
razão da modernização e simplificação do sistema. O cidadão comum não vai
sentir diretamente os efeitos da reforma, uma vez que a simplificação não trará
diminuição da carga tributária, pelo contrário, poderá acarretar um aumento da
tributação no setor de serviços em geral. A expectativa é de que produzirá
efeitos positivos com menos litigiosidade, complexidade e conflito entre os
entes tributastes (União, Estados e Municípios)”, avalia Eduardo Maneira, do
Escritório Maneira Advogados.
Nogueira, do Ibmec, alerta que a reforma é aprovada
em momento de crise fiscal grave e necessidade de geração de receita.
“É uma reforma que ela oferece, principalmente com
o potencial de geração, de aumento de tributação sobre o setor de serviços.
Traz simplificação para um sistema que é reconhecidamente complexo, o grande
ponto utilizado para sua aprovação e é o grande motivo pela sua aceitação. Por
outro lado ela deve gerar um aumento da carga tributária brasileira”, finaliza
o professor.
Fonte: IstoÉ
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