sábado, 30 de dezembro de 2023

Nanismo: desafios e conquistas de uma comunidade que inspira

Imagine viver em um mundo em que você é constantemente julgado, discriminado e desconsiderado devido à sua altura. Para milhares de pessoas no Brasil e em todo o mundo, essa é a realidade diária devido ao nanismo, uma condição física rara e complexa, muitas vezes mal compreendida. 

A condição é decorrente de uma mutação genética que se caracteriza por uma deficiência no crescimento dos ossos, resultando em indivíduos com estatura abaixo da média nacional, chegando à fase adulta entre 70cm e 145cm de altura. No Brasil, existem 32 centros de referência em doenças raras — no Distrito Federal, o Hospital de Apoio de Brasília e o Hospital Materno Infantil.

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Em 20 e 21 de outubro foi realizado o Simpósio Brasileiro de Nanismo, no Rio de Janeiro, e de acordo com informações da Annabra (Associação Nanismo Brasil) — organizadora do evento —, existem mais de 400 tipos diferentes de nanismo, alguns ligados a questões hormonais e outros à displasias ósseas (falha na organização normal das células). As duas principais formas de nanismo são a acondroplasia e a hipocondroplasia (deficiência do hormônio de crescimento).

"Tivemos avanços significativos na luta contra o preconceito desde a implementação da Lei nº 13.472/17, em 2017, que instituiu o Dia Nacional do Combate ao Preconceito às Pessoas com Nanismo. Mas ainda há a necessidade de enfrentar o preconceito estrutural, que persiste. Ressalto a importância da união, disseminação de informações e participação ativa em eventos para promover o entendimento e apoio às minorias, visando que todos se sintam acolhidos e amados", destaca Kenia Maria Rio, presidente da Annabra.

Não existem pesquisas ou estatísticas que apontem a proporção da população brasileira com nanismo. Estima-se que a cada 15 mil nascimentos, uma criança tem algum tipo de nanismo. Essa falta de dados torna ainda mais importante a conscientização e o combate ao preconceito.

A expressão "anão" é considerada pejorativa e inapropriada, carregando uma bagagem de estereótipos prejudiciais. O termo correto é pessoa com nanismo. O capacitismo é considerado crime, conforme o artigo 88 da Lei Brasileira de Inclusão (nº 13.146), com pena de reclusão de um a três anos.

O Dia Nacional do Combate ao Preconceito às Pessoas com Nanismo, celebrado em 25 de outubro, é uma homenagem ao ator e ativista americano Billy Barty, criador de uma associação que, na década de 1950, lutava pelo direito das pessoas com nanismo e por tratamento médico adequado. No mês de outubro, tornou-se tradição iluminar em verde, que representa o nanismo, diversos pontos turísticos em todo o Brasil. Essa ação é realizada em conjunto com a Annabra e os delegados de cada estado, reforçando a busca pelo reconhecimento e respeito à condição.

·        Diagnóstico

Segundo o médico geneticista Juan Clinton LLerena Junior, do Centro de Genética Médica e Serviço de Referência para Doenças Raras da Fiocruz, o nanismo pode ser detectado ainda na gestação, por meio de exames específicos, mas o diagnóstico definitivo é, geralmente, estabelecido após o nascimento, por meio de testes genéticos.

"É importante realizar estudos controlados, nos quais coletamos dados sobre a vida cotidiana dos pacientes ao longo de um período específico para avaliar medicamentos para acondroplasia e monitorar o crescimento ósseo. Isso enfatiza a necessidade de ajustar os tratamentos conforme as necessidades evoluem", explica. Além disso, faz-se necessária a atenção constante a possíveis complicações e o envolvimento de diversas especialidades médicas para garantir cuidados ao longo da vida, incluindo riscos como morte súbita infantil, dores crônicas e atrasos no desenvolvimento.

·        Tratamento

De acordo com Ana Paula Bordalllo, endocrinologista pediátrica da Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o tratamento do nanismo visa proporcionar uma melhor qualidade de vida, especialmente devido às cormobidades associadas às displasias ósseas. “Para isso, recomenda-se um acompanhamento genético e multidisciplinar ao longo da vida da pessoa com nanismo.”

A Annabra destaca que em 2022, a Amvisa aprovou o uso da medicação Voxzogo (vosoritida) para tratar a acondroplasia em pacientes a partir de 2 anos de idade e que existem programas de pesquisa que continuam explorando novas terapias para diversos distúrbios médicos.

“A aprovação do tratamento no Japão revela que a eficácia em crianças diminui ao longo do tempo; por isso, estudos de vida real e nos mais jovens são essenciais. Além disso, há esperança de que o tratamento medicamentoso possa evitar cirurgias de alongamento de membros em casos de acondroplasia, que são procedimentos complexos. A mutação na acondroplasia afeta as curvas de crescimento, a placas de crescimento e a via do receptor da FGFM3”, explica a especialista.

·        Acondroplasia

A acondroplasia é uma condição rara que afeta cerca de um a cada 25 mil nascimentos, caracterizada por baixa estatura desproporcional, curvatura da coluna, macrocefalia e problemas de saúde, como apneia, obesidade, perda auditiva e mobilidade reduzida.

Conforme o especialista em Neurologia Pediátrica Antonio Bellas, do Instituto Fernandes Figueira — Fiocruz, a acondroplasia frequentemente envolve questões neurocirúrgicas. “O tratamento cirúrgico pode aliviar sintomas, como a descompressão do estreitamento do canal ósseo na base do crânio, por onde passa a medula espinhal, e problemas respiratórios devido a características físicas específicas, como a caixa torácica pequena e a obstrução das vias aéreas.”

<<<< Palavra do especialista - Glaucia Vieira Ferreira Guimarães é endocrinologista do Hospital DF Star, da Rede D’Or

·        Quais são as principais causas do nanismo e como a endocrinologia desempenha um papel no diagnóstico e tratamento dessas condições?

O nanismo tem diversas causas, algumas relacionadas a problemas na gestação, doenças cromossômicas, desnutrição, doenças crônicas e privação psicossocial. O endocrinologista é o especialista para avaliar e tratar casos de baixa estatura, considerando curvas de crescimento padronizadas e a altura dos pais. O diagnóstico é feito com base em critérios como estatura menor que -2 DP (desvios-padrão) ou menor que o percentil 3 para idade e sexo, ou estatura menor que -2 DP para o canal de crescimento da estatura-alvo, que varia de acordo com a altura dos pais. Não há uma altura única para diagnosticar nanismo.

·        Como a deficiência de hormônio do crescimento afeta o desenvolvimento de uma criança e quais são as opções de tratamento disponíveis para crianças com nanismo relacionado a essa deficiência?

A deficiência de hormônio de crescimento (Growth Hormone) causa o nanismo e pode ser congênita ou adquirida. Causas adquiridas incluem tumores, lesões hipofisárias, trauma, infecções, infarto hipofisário e radioterapia craniana. A deficiência de GH pode ocorrer isoladamente ou com outras deficiências hipofisárias. O tratamento com GH pode ser benéfico em diversas condições, como deficiência de GH, síndrome de Turner, insuficiência renal crônica, síndrome de Prader-Willi, para os pequenos para idade gestacional (PIGs) e alguns casos de baixa estatura idiopática. A dosagem e a duração do tratamento devem ser determinadas por um endocrinologista.

·        Além do hormônio do crescimento, que outros hormônios podem desempenhar um papel no crescimento e no desenvolvimento das crianças com nanismo, e como eles são avaliados e tratados?

O crescimento é único para cada indivíduo e é influenciado por fatores genéticos, sistema nervoso central, sistema endócrino, cartilagem de crescimento, ambiente e nutrição. Além do hormônio do crescimento (GH), outros hormônios como IGFs, hormônios tireoidianos, hormônios sexuais, glicocorticoides e insulina desempenham papéis cruciais. O diagnóstico envolve histórico clínico, exame físico e exames complementares, com tratamento recomendado por um endocrinologista. O crescimento é um processo complexo e único, e em caso de suspeita de baixa estatura, os pais devem procurar um endocrinologista para avaliação e definição de tratamento.

 

Fonte: Correio Braziliense

 

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