Por que os partidos de esquerda são mais fragmentados e o PT tem 14 ‘tendências’?
Partido do presidente Lula da Silva, o PT abriga uma
variedade de grupos com visões diferentes sobre os rumos do País. Apenas no
Diretório Nacional da sigla, existem 14 desses grupos. Esse modelo de
organização, em teoria, oferece uma maior participação dos filiados na
administração partidária, aspecto conhecido como democracia interna.
Entretanto, também abre espaço para o surgimento de conflitos e expõe
divergências até mesmo em decisões do governo petista.
Exemplo disso é a pressão da Articulação de
Esquerda (AE), uma tendência minoritária do PT, para que Lula demita o ministro
da Defesa, José Múcio Monteiro, e o das Comunicações, Juscelino Filho.
DIREITO DOS FILIADOS
Essa diversidade é resultado do reconhecimento,
desde 1987, do direito de tendências para os filiados, uma prerrogativa que
permite aos petistas se organizarem em correntes internas que defendem
diferentes posições políticas.
Especialistas contam que essa característica, comum
em partidos de esquerda, reflete a organização dos debates nas internacionais
socialistas. Nessa dinâmica cada grupo desenvolve uma tese, apresentada aos
demais membros da organização, podendo ou não ser endossada por outras
tendências. No contexto brasileiro, o PSOL, que nasce a partir de uma
dissidência do PT, segue a mesma lógica, garantindo o direito de tendência.
Assim como ocorre no partido de Lula, o PSOL
enfrenta conflitos internos. Em junho, a Corrente Socialista de Trabalhadoras e
Trabalhadores (CST), uma das tendências fundadoras do PSOL, deixou o partido
devido à adesão da sigla ao governo Lula.
DESAPROVAÇÃO
Em setembro, sete correntes do PSOL manifestaram
desaprovação à escolha do marqueteiro Lula Guimarães para a pré-campanha do
deputado Guilherme Boulos, rotulando o acordo como “inaceitável”. No mês
seguinte, o encontro nacional do partido foi marcado por tumultos e confrontos
físicos entre militantes de correntes distintas.
O cientista político Creomar de Souza, professor da
Fundação Dom Cabral, sugere que a garantia do direito de tendência pode ter
sido uma estratégia para evitar a fragmentação de partidos de esquerda. “Um
problema com essas correntes internas é que, ao chegar ao poder, um partido não
necessariamente se torna homogêneo”, conta Souza.
“As diferentes visões dentro do partido podem
resultar em conflitos sobre métodos e abordagens. Pode-se observar a existência
de membros do partido no governo, que apoiam a agenda governamental, e membros
do partido fora do governo, que defendem os interesses e agendas partidárias”.
PCDOB PROÍBE
Apesar de ser um modelo organizacional comum na
esquerda, a presença de tendências não é assegurada em todos os partidos desse
espectro político. O PCdoB, por exemplo, proíbe atividades organizadas à margem
da estrutura partidária, vetando explicitamente as “tendências e facções”.
Enquanto isso, PDT e PSB não mencionam o tema em seus respectivos estatutos.
Confira as tendências com representação no
Diretório Nacional do PT: Construindo um Novo Brasil; Resistência Socialista;
Movimento PT; Unidade na Luta; Nas Ruas e nas Redes; O Trabalho; Democracia
Socialista; Militância Socialista; Avante!; Socialismo em Construção;
Articulação de Esquerda; Novos Rumos; Esquerda Popular Socialista; e Todas as
Lutas;
No PSOL, as tendências nacionais são: Movimento
Esquerda Socialista; Revolução Solidária; Ação Popular Socialista; Insurgência;
Rebelião Ecossocialista; Revolução Socialista; Subverta; Primavera Socialista;
Fortalecer o PSOL; Esquerda Marxista; a Alicerce.
Ø O governo
em paradoxo. Por Aldo Fornazieri
Existe uma percepção da opinião pública, em regra
conformada por pesquisas, de que quando a economia vai bem os governos são bem
avaliados. Mas existem exceções. Este é o caso do primeiro ano do atual mandato
de Lula. Neste sentido, o governo termina o ano em estado de paradoxo.
A situação da economia está muito melhor do que se
projetava no início do ano: crescimento de 3%, juros abaixo do que o mercado
projetava para o final do ano, inflação controlada mesmo com crescimento de
emprego e renda, emprego em alta, trabalhadores com carteira assinada batendo o
marco histórico dos 100 milhões, consumo das famílias melhorando, balança
comercial favorável, taxa de câmbio saudável e a bolsa de valores batendo
recordes.
Outros fatores também foram importantes: a
convergência entre a política monetária e fiscal geraram confiança e
credibilidade no governo. Em grande medida isto se deveu ao ministro Haddad que
conseguiu viabilizar a nova política fiscal e anular o estresse na relação do
governo com o Banco Central. Haddad foi o ministro do ano. Não há como não
reconhecer que o esforço de Haddad salvou o governo, pois sem credibilidade na
condição da economia, o governo terminaria o ano em crise.
Com discrição, até humildade, mas com muito
ativismo, Haddad conseguiu viabilizar pautas importantes do governo no
Congresso. Usou a racionalidade para desfazer interesses velhacos de uns,
voluntaristas de outros e confusos de terceiros. Mesmo com pressões
argentinizantes vindas de setores do PT e do governo, conseguiu manter de pé a
estratégia da política econômica centrada na responsabilidade fiscal e social,
algo que fez melhorar a percepção de risco das agências internacionais e de
investidores. A aprovação da Reforma Tributária, mesmo que precária e
insuficiente, também ajudou nessa melhora.
A ideia de abrir mão da meta de déficit zero para
2024 seria desastrosa. O governo ficaria sem estratégia e o Congresso não
assumiria compromissos de apoiar o esforço do ministério da Fazenda de melhorar
a arrecadação. Se a meta será atingida ou não é algo que terá que se ver. Mas o
fundamental é que o governo tem uma estratégia, um objetivo.
Se as coisas estão muito melhor do que as projeções
na economia, então onde está o estado de paradoxo? Na percepção que a sociedade
tem do governo. As seis ou sete pesquisas de avalição do governo neste final do
ano apresentam a seguinte síntese: de modo geral existe uma estabilidade de
janeiro a dezembro, mas com tendência de queda, tanto na avalição do governo,
quanto do desempenho do presidente Lula. A situação não é desastrosa, mas é
preocupante.
Existem duas áreas nevrálgicas em que o governo não
vai bem: a articulação política e a Comunicação. Os principais expoentes da
Câmara e do Senado, aqueles que efetivamente decidem, chegam a ignorar a
articulação politica. Buscam uma interlocução direta com Lula e com Haddad. As
coisas estão mal aparadas e Lula, provavelmente, fará mudanças.
O Congresso é o nó górdio do governo. Com fortes
investidas sobre o orçamento, buscando um controle crescente de recursos, o
Congresso no seu conjunto e o centrão em particular, cobram pesadas
contrapartidas para que o governo consiga viabilizar suas pautas no
Legislativo. A precária base parlamentar original dos partidos que formaram a
coalizão que elegeu Lula está na raiz das dificuldades do governo no Congresso.
O saldo do ano nesta área, contudo, não é negativo. As negociações evitaram
derrotas significativas.
Quanto à Comunicação, alguns analistas argumentam
que ela está dificultada porque o governo não consegue tornar visível um
projeto claro e coerente rumo ao futuro. Admita-se que isto é verdade. Mesmo
assim, o que o governo realizou de positivo neste ano indica que a avaliação
deveria ser melhor. Os formatos da comunicação do presidente Lula não
emplacaram. A comunicação está sendo mal feita.
O desempenho das outras áreas ministeriais, algumas
com resultados mais positivos, outras com resultados regulares, não
comprometeram o governo. É preciso considerar que em algumas áreas, a exemplo
do Meio Ambiente, Cultura e Saúde, o governo Bolsonaro deixou terra arrasada.
Lula fez um esforço necessário e extraordinário
para recolocar o Brasil no cenário e nos fóruns internacionais. Ocorreram
muitos acertos e alguns resvalos, a exemplo da guerra na Ucrânia e o tratamento
dado a Maduro. Lula acertou no caso da guerra de Gaza: o Hamas cometeu um ato
terrorista que merece dura condenação. Mas Israel vem conduzindo uma
guerra de vingança, um terrorismo de Estado, que tem como principal alvo
crianças, mulheres e idosos. Mas os estrategistas do governo precisam
considerar que, muitas vezes, os esforços internacionais de um presidente não
se traduzem em resultados positivos internos. Para o próximo ano, Lula deveria
dedicar maior atenção às questões internas.
Diante deste quadro, uma das conclusões possíveis é
o de que o governo está errando na política. O slogan “União e
Reconstrução” é equivocado. Lula, como presidente, precisa pregar a união do
povo brasileiro. No quadro de polarização que está em vigor, não há eficácia em
falar numa “união” genérica. Existem inimigos inconciliáveis com o atual
governo. Inimigos que ficaram desorientados logo após o 8 de janeiro, mas que
foram se reconstituindo ao longo dos meses, tanto no Congresso, quanto nas redes
sociais e na opinião pública.
O governo, o PT e as esquerdas tiveram uma
oportunidade de ouro para derrotar politicamente o bolsonarismo após a
tentativa de golpe. O enfrentamento forte não foi feito e o momento foi
perdido. O único que parece ter percebido esta necessidade foi Flávio Dino. Sua
ida para o STF deixará um vácuo político enorme no governo.
Os papeis políticos e os desempenhos retóricos do
presidente Lula, dos ministros, do PT, dos partidos de esquerda e dos
movimentos sociais precisam ser específicos e diferenciados no que diz respeito
ao enfrentamento político e ideológico com o bolsonarismo e com a
extrema-direita. Não se pode pressupor que não deva haver enfrentamento
político e ideológico – disputa de hegemonia. Isto implica também que se deve
buscar cindir as bases sociais e eleitorais da extrema-direita.
O fato é que não se consegue visualizar qual é a
estratégia política do governo, do PT e dos partidos de esquerda no atual
quadro de disputas políticas e ideológicas do país. Parece que existem
problemas de conteúdo e de forma, de retórica persuasiva e de uso adequado dos
meios digitais, de comunicação e de mediação. Existe um problema do que dizer,
do como dizer e do quando dizer. Existe um problema de quem diz o que. Um
governo não pode ser visto como alguém que fica prescrevendo receitas para a
sociedade. Um governo e sua base partidária e política precisam ser, também,
política e ideologicamente ativos.
Fonte: Agencia Estado/Jornal GGN
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