sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Por que os partidos de esquerda são mais fragmentados e o PT  tem 14 ‘tendências’?

Partido do presidente Lula da Silva, o PT abriga uma variedade de grupos com visões diferentes sobre os rumos do País. Apenas no Diretório Nacional da sigla, existem 14 desses grupos. Esse modelo de organização, em teoria, oferece uma maior participação dos filiados na administração partidária, aspecto conhecido como democracia interna. Entretanto, também abre espaço para o surgimento de conflitos e expõe divergências até mesmo em decisões do governo petista.

Exemplo disso é a pressão da Articulação de Esquerda (AE), uma tendência minoritária do PT, para que Lula demita o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e o das Comunicações, Juscelino Filho.

DIREITO DOS FILIADOS 

Essa diversidade é resultado do reconhecimento, desde 1987, do direito de tendências para os filiados, uma prerrogativa que permite aos petistas se organizarem em correntes internas que defendem diferentes posições políticas.

Especialistas contam que essa característica, comum em partidos de esquerda, reflete a organização dos debates nas internacionais socialistas. Nessa dinâmica cada grupo desenvolve uma tese, apresentada aos demais membros da organização, podendo ou não ser endossada por outras tendências. No contexto brasileiro, o PSOL, que nasce a partir de uma dissidência do PT, segue a mesma lógica, garantindo o direito de tendência.

Assim como ocorre no partido de Lula, o PSOL enfrenta conflitos internos. Em junho, a Corrente Socialista de Trabalhadoras e Trabalhadores (CST), uma das tendências fundadoras do PSOL, deixou o partido devido à adesão da sigla ao governo Lula.

DESAPROVAÇÃO 

Em setembro, sete correntes do PSOL manifestaram desaprovação à escolha do marqueteiro Lula Guimarães para a pré-campanha do deputado Guilherme Boulos, rotulando o acordo como “inaceitável”. No mês seguinte, o encontro nacional do partido foi marcado por tumultos e confrontos físicos entre militantes de correntes distintas.

O cientista político Creomar de Souza, professor da Fundação Dom Cabral, sugere que a garantia do direito de tendência pode ter sido uma estratégia para evitar a fragmentação de partidos de esquerda. “Um problema com essas correntes internas é que, ao chegar ao poder, um partido não necessariamente se torna homogêneo”, conta Souza.

“As diferentes visões dentro do partido podem resultar em conflitos sobre métodos e abordagens. Pode-se observar a existência de membros do partido no governo, que apoiam a agenda governamental, e membros do partido fora do governo, que defendem os interesses e agendas partidárias”.

PCDOB PROÍBE 

Apesar de ser um modelo organizacional comum na esquerda, a presença de tendências não é assegurada em todos os partidos desse espectro político. O PCdoB, por exemplo, proíbe atividades organizadas à margem da estrutura partidária, vetando explicitamente as “tendências e facções”. Enquanto isso, PDT e PSB não mencionam o tema em seus respectivos estatutos.

Confira as tendências com representação no Diretório Nacional do PT: Construindo um Novo Brasil; Resistência Socialista; Movimento PT; Unidade na Luta; Nas Ruas e nas Redes; O Trabalho; Democracia Socialista; Militância Socialista; Avante!; Socialismo em Construção; Articulação de Esquerda; Novos Rumos; Esquerda Popular Socialista; e Todas as Lutas;

No PSOL, as tendências nacionais são: Movimento Esquerda Socialista; Revolução Solidária; Ação Popular Socialista; Insurgência; Rebelião Ecossocialista; Revolução Socialista; Subverta; Primavera Socialista; Fortalecer o PSOL; Esquerda Marxista; a Alicerce.

 

Ø  O governo em paradoxo. Por Aldo Fornazieri

 

Existe uma percepção da opinião pública, em regra conformada por pesquisas, de que quando a economia vai bem os governos são bem avaliados. Mas existem exceções. Este é o caso do primeiro ano do atual mandato de Lula. Neste sentido, o governo termina o ano em estado de paradoxo.

A situação da economia está muito melhor do que se projetava no início do ano: crescimento de 3%, juros abaixo do que o mercado projetava para o final do ano, inflação controlada mesmo com crescimento de emprego e renda, emprego em alta, trabalhadores com carteira assinada batendo o marco histórico dos 100 milhões, consumo das famílias melhorando, balança comercial favorável, taxa de câmbio saudável e a bolsa de valores batendo recordes.

Outros fatores também foram importantes: a convergência entre a política monetária e fiscal geraram confiança e credibilidade no governo. Em grande medida isto se deveu ao ministro Haddad que conseguiu viabilizar a nova política fiscal e anular o estresse na relação do governo com o Banco Central. Haddad foi o ministro do ano. Não há como não reconhecer que o esforço de Haddad salvou o governo, pois sem credibilidade na condição da economia,  o governo terminaria o ano em crise.

Com discrição, até humildade, mas com muito ativismo, Haddad conseguiu viabilizar pautas importantes do governo no Congresso. Usou a racionalidade para desfazer interesses velhacos de uns, voluntaristas de outros e confusos de terceiros. Mesmo com pressões argentinizantes vindas de setores do PT e do governo, conseguiu manter de pé a estratégia da política econômica centrada na responsabilidade fiscal e social, algo que fez melhorar a percepção de risco das agências internacionais e de investidores. A aprovação da Reforma Tributária, mesmo que precária e insuficiente, também ajudou nessa melhora.

A ideia de abrir mão da meta de déficit zero para 2024 seria desastrosa. O governo ficaria sem estratégia e o Congresso não assumiria compromissos de apoiar o esforço do ministério da Fazenda de melhorar a arrecadação. Se a meta será atingida ou não é algo que terá que se ver. Mas o fundamental é que o governo tem uma estratégia, um objetivo.

Se as coisas estão muito melhor do que as projeções na economia, então onde está o estado de paradoxo? Na percepção que a sociedade tem do governo. As seis ou sete pesquisas de avalição do governo neste final do ano apresentam a seguinte síntese: de modo geral existe uma estabilidade de janeiro a dezembro, mas com tendência de queda, tanto na avalição do governo, quanto do desempenho do presidente Lula. A situação não é desastrosa, mas é preocupante.

Existem duas áreas nevrálgicas em que o governo não vai bem: a articulação política e a Comunicação. Os principais expoentes da Câmara e do Senado, aqueles que efetivamente decidem, chegam a ignorar a articulação politica. Buscam uma interlocução direta com Lula e com Haddad. As coisas estão mal aparadas e Lula, provavelmente, fará mudanças.

O Congresso é o nó górdio do governo. Com fortes investidas sobre o orçamento, buscando um controle crescente de recursos, o Congresso no seu conjunto e o centrão em particular, cobram pesadas contrapartidas para que o governo consiga viabilizar suas pautas no Legislativo. A precária base parlamentar original dos partidos que formaram a coalizão que elegeu Lula está na raiz das dificuldades do governo no Congresso. O saldo do ano nesta área, contudo, não é negativo. As negociações evitaram derrotas significativas.

Quanto à Comunicação, alguns analistas argumentam que ela está dificultada porque o governo não consegue tornar visível um projeto claro e coerente rumo ao futuro. Admita-se que isto é verdade. Mesmo assim, o que o governo realizou de positivo neste ano indica que a avaliação deveria ser melhor. Os formatos da comunicação do presidente Lula não emplacaram. A comunicação está sendo mal feita.

O desempenho das outras áreas ministeriais, algumas com resultados mais positivos, outras com resultados regulares, não comprometeram o governo. É preciso considerar que em algumas áreas, a exemplo do Meio Ambiente, Cultura e Saúde, o governo Bolsonaro deixou terra arrasada.

Lula fez um esforço necessário e extraordinário para recolocar o Brasil no cenário e nos fóruns internacionais. Ocorreram muitos acertos e alguns resvalos, a exemplo da guerra na Ucrânia e o tratamento dado a Maduro. Lula acertou no caso da guerra de Gaza: o Hamas cometeu um ato terrorista que merece dura condenação. Mas Israel vem conduzindo  uma guerra de vingança, um terrorismo de Estado, que tem como principal alvo crianças, mulheres e idosos. Mas os estrategistas do governo precisam considerar que, muitas vezes, os esforços internacionais de um presidente não se traduzem em resultados positivos internos. Para o próximo ano, Lula deveria dedicar maior atenção às questões internas.

Diante deste quadro, uma das conclusões possíveis é o de que o governo está errando na política. O slogan  “União e Reconstrução” é equivocado. Lula, como presidente, precisa pregar a união do povo brasileiro. No quadro de polarização que está em vigor, não há eficácia em falar numa “união” genérica. Existem inimigos inconciliáveis com o atual governo. Inimigos que ficaram desorientados logo após o 8 de janeiro, mas que foram se reconstituindo ao longo dos meses, tanto no Congresso, quanto nas redes sociais e na opinião pública.

O governo, o PT e as esquerdas tiveram uma oportunidade de ouro para derrotar politicamente o bolsonarismo após a tentativa de golpe. O enfrentamento forte não foi feito e o momento foi perdido. O único que parece ter percebido esta necessidade foi Flávio Dino. Sua ida para o STF deixará um vácuo político enorme no governo.

Os papeis políticos e os desempenhos retóricos do presidente Lula, dos ministros, do PT, dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais precisam ser específicos e diferenciados no que diz respeito ao enfrentamento político e ideológico com o bolsonarismo e com a extrema-direita. Não se pode pressupor que não deva haver enfrentamento político e ideológico – disputa de hegemonia. Isto implica também que se deve buscar cindir as bases sociais e eleitorais da extrema-direita.

O fato é que não se consegue visualizar qual é a estratégia política do governo, do PT e dos partidos de esquerda no atual quadro de disputas políticas e ideológicas do país. Parece que existem problemas de conteúdo e de forma, de retórica persuasiva e de uso adequado dos meios digitais, de comunicação e de mediação. Existe um problema do que dizer, do como dizer e do quando dizer. Existe um problema de quem diz o que. Um governo não pode ser visto como alguém que fica prescrevendo receitas para a sociedade. Um governo e sua base partidária e política precisam ser, também, política e ideologicamente ativos.

 

Fonte: Agencia Estado/Jornal GGN

 

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