sábado, 30 de dezembro de 2023

Apesar de aceno ao ‘Ocidente civilizado’, especialista prevê Milei mudando de rumo ‘quando a realidade se impor’

Empossado há menos de um mês, o novo presidente da Argentina já estreou medidas políticas e econômicas, polêmicas o suficientes, para levantar massivos protestos pelas principais ruas do país.

Em um cenário de explícita insatisfação popular, os olhos de Javier Milei se voltam ao exterior como uma saída de fuga para estancar a inflação que ultrapassa os 142%.

Poucos dias após ser nomeado oficialmente como o chefe de Estado argentino, o governo do ultradireitista enviou uma carta à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conhecido popularmente como o “clube dos ricos”, que chamou a atenção da comunidade internacional. Foi exatamente numa quarta-feira (13/12) que o mandatário solicitou formalmente o início das negociações de adesão ao grupo, pedindo que isso seja feito “o mais rápido possível”.

A postura de Milei não é apenas um gesto diplomático para se aproximar ao que ele próprio chama de “Ocidente civilizado”. De acordo com André Roncaglia, doutor em Economia do Desenvolvimento pela FEA-USP e professor da Unifesp, dessa solicitação, o argentino espera “conseguir mais recursos que possam vir de bancos unilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI)” — organismos com os quais a Argentina já tem uma dívida muito grande. A missão do líder novato é tentar, de forma curta e grossa, conseguir recursos nessa nova aliança e, a partir disso, tentar reduzir o câmbio e amenizar as pressões inflacionárias.

No entanto, vale ressaltar que, apesar de um visível desespero em tentar estancar a crise econômica, existe a questão ideológica por trás de seus passos: uma visão clara de querer se aliar aos países do "Norte Global".

Ao longo da campanha eleitoral, por muitas vezes Milei deu declarações de distanciamento, como por exemplo, de saída a eliminação do Mercosul, fora as fortes ameaças diplomáticas e econômicas com países como o Brasil, liderado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — por quem o acusou de "corrupto" —, e a "China comunista".

Também é importante voltar a alguns anos atrás. Em 2016, durante a gestão Macri, a Argentina chegou a se candidatar, pela primeira vez, a membro da OCDE, mas decidiu congelar o processo depois que Alberto Fernández assumiu a presidência em 2019.

“O governo Alberto Fernandez se aproxima evidentemente do Brasil e dessa agenda de fortalecimento do Mercosul. Evidentemente isso implica um certo afastamento do país de relações que seriam mais bilaterais ou até acordos que são feitos mais diretos, e que a adesão à OCDE implicaria. Então acho que tem um pouco de aspecto ideológico e político de visão de mundo sobre qual é o eixo do movimento mais relevante”, avaliou Roncaglia a Opera Mundi.

A base ideológica é uma questão que pesa para Milei e que, por consequência, pesará no bolso da população. Logo após os resultados das urnas, a própria ministra das Relações Exteriores, Diana Mondino, afirmou que a Argentina não ingressaria aos Brics.

“Ele [Milei] deixa nítido que não quer se aliar aos países do Sul Global, e também particularmente à China. A gente tem outros países que ele não tem muito interesse, como a Arábia Saudita e outros que têm regimes políticos com os quais ele entra em flagrante conflito do ponto de vista discursivo”, afirmou o economista, acrescentando que o mandatário tem uma “visão elitista no âmbito geopolítico”.

Embora a chancelaria argentina tenha dado declarações oficiais à não entrada aos Brics, Roncaglia avalia ainda ser prematuro definir se, de fato, essa decisão se concretizará, uma vez que Milei ainda pode ver as necessidades de diversificar as fontes de financiamento se a “realidade se impor”.

Há uma semana, o governo da China decidiu suspender o financiamento de US$ 6,5 bilhões (R$ 31,6 bilhões) a partir de linha de swap cambial para a Argentina, parte de um acordo entre o então presidente argentino Alberto Fernández e seu homólogo chinês, Xi Jinping. Parte desse valor seria utilizado para pagar as dívidas com o FMI. O país asiático decidiu congelar esse empréstimo até que Milei prove ter boas relações diplomáticas.

“É evidente que não participar dos Brics corta um eixo importante de alívio e amenização dos problemas que a gente viu recentemente, como a renovação do swap de moedas que a Argentina fez com a China. Uma adesão aos Brics facilitaria esse tipo de acordo”, reforçou Roncaglia.

À medida que parte da população — esta que sente a instabilidade econômica no bolso —  se manifeste contra a ineficácia, inação ou violação do governo, ou que parte se sinta "enganada" pelas expectativas frente ao governo não atendidas, há uma tendência de que as pautas prioritárias do país falem mais alto do que a natureza ideológica de Milei e de seus aliados. Como denomina o especialista, o “discurso incendiário” tende a ser “domesticado” uma vez que cresce o número de pessoas nas ruas para pressionar o mandatário e, por consequência, a necessidade de estabelecer um relacionamento sadio com a comunidade internacional.

“Agora ele está se vendo em uma situação em que a realidade se impõe e que precisa de dinheiro da China, precisa restabelecer relações comerciais com blocos, precisa do Brasil para pensar em alternativas de financiamento às exportações”, explica Roncaglia. “O discurso vai continuar incendiário para manter as bases engajadas, mas as instabilidades tendem a constranger o governo, deixando as ações afastadas daquilo que o discurso prega”.

 

       Além do pacotaço de Milei, argentinos enfrentam aumento de casos de dengue e medo da encefalite equina

 

Os primeiros casos autóctones de dengue estão sendo notificados pelas autoridades sanitárias da Argentina. O surto da doença assola principalmente o nordeste do país, além de algumas províncias das regiões centro e noroeste. O cenário está sendo alertado pelo Ministério da Saúde à população, o que, portanto, deflagra mais uma questão a ser enfrentada pela gestão Milei.

A pasta explica que o problema, que já tem ascendido a curva epidemiológica nas últimas quatro semanas, decorre da “abundância de chuvas e das altas temperaturas associadas ao fenômeno El Niño”, gerando condições favoráveis para a proliferação de mosquitos que causam a dengue .

No entanto, o apelo do órgão governamental para a adoção de “medidas extremas de prevenção e cuidados” ao recomendar o uso contínuo de repelentes entra em contradição com a realidade.

De acordo com o portal Página 12, os argentinos reclamam do aumento nos valores desses produtos, isso se os encontram nas farmácias e em supermercados.

“Fui comprar um ‘Off’ para levar ao trabalho e custou 4,6 mil [pesos argentinos, equivalente a quase 28 reais]”, comentou um internauta nesta sexta-feira (29/12).

Segundo o cadastro do Mercado Track, um serviço online independente que rastreia e revela variações de preços de produtos da platafoma Mercado Livre, de outubro a dezembro, o preço da clássica marca de repelentes “Off!” tamanho família, de 131 gramas, passou de 1.5 mil pesos argentinos para quase 4.2 mil — o que respectivamente corresponde a cerca de 9 reais para 25, configurando uma inflação de 277%.

O valor mínimo para o spray de mosquitos de 170 gramas pode ser encontrado por nada menos que 4 mil pesos argentinos (24 reais) em uma das redes de farmácias mais famosas de Buenos Aires.

•        Relação dos mosquitos com a encefalite equina

O aumento dos transmissores de dengue na região metropolitana de Buenos Aires se explica pela concentração massiva da espécie Aedes albifasciatus, conhecido como "mosquito da enchente". Esta, por sua vez, transmite a Encefalite Equina Ocidental (EEO), que atualmente está registrando um surto em cavalos no centro e norte da Argentina, como informam especialistas.

“Temos um grande pico de abundância de uma espécie que chamamos de mosquitos de enchente devido ao tipo de estratégia e ciclo de vida que possui”, afirmou Sylvia Fischer, diretor do Grupo de Estudos de Mosquitos da Faculdade de Ciências Exatas e Naturais da Universidade de Buenos Aires (UBA), explicando que a principal característica do organismo, que está em toda a Argentina, é que “as fêmeas depositam seus ovos em locais que podem ser alagados quando chove”.

No momento, a Argentina está em sua principal época de chuvas, o que beneficia o acúmulo de ovos em locais que alagam.

“Diria que a picada do Aedes albifasciatus é inofensiva, mas neste momento estamos tendo um surto de EEO em cavalos no centro e norte do nosso país”, explicou o pesquisador, preocupado com a ligação do mosquito com a transmissão do vírus da encefalite equina.

Causada por um Alphavírus homônimo, a EEO é uma doença neurológica que é transmitida por meio de picadas de mosquitos e, embora o principal alvo sejam os cavalos, seres humanos também podem contrair de forma sintomática.

Até o momento, o Ministério da Saúde argentino detectou um único caso em humano neste mês, por um homem de 27 anos, residente da cidade de Reconquista, em Santa Fé.

 

       Pacote econômico de Milei pode prejudicar mais de 20 mil estudantes brasileiros na Argentina

 

Milhares de estudantes brasileiros podem ser impactados pelo novo pacote enviado ao Congresso da Argentina pelo presidente Javier Milei, eleito há menos de um mês.

Um dos itens da Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos que tem mais de 664 artigos possibilita a cobrança pelo ensino universitário, atualmente gratuito. O pacote contabiliza mais de mil leis.

Segundo dados do Ministério da Educação da Argentina, a vasta maioria dos universitários estrangeiros (96%) são latino-americanos e uma das carreiras mais populares é a Medicina. O Brasil ocupa o primeiro lugar da lista, com mais de 22 mil alunos matriculados em instituições públicas e privadas.

Se o pacote de Milei for aprovado, as instituições estarão habilitadas a cobrar mensalidade dos estrangeiros que não tiverem residência no país.

A mais recente "Síntese de Informação Estatísticas Universitárias", elaborada pela pasta, mostra que, em 2021, havia cerca de 117,8 mil estudantes estrangeiros matriculados em universidades argentinas, de um total de 2,73 milhões de estudantes.

Uma paralisação foi anunciada nesta quinta-feira (28) pela Confederação Geral do Trabalho, a principal central sindical argentina, para protestar contra a "Lei Ómnibus", um dos projetos de lei enviado por Milei ao Congresso.

O pacote também estabelece superpoderes para Milei até dezembro de 2025, podendo ser prorrogadO por mais dois anos, até o fim do mandato do atual presidente.

Ontem, Milei anunciou que o Banco Central da Argentina vai emitir notas de 20 mil e 50 mil pesos argentinos, em um esforço para reduzir a quantidade de cédulas em circulação no país.

Em entrevista concedida ao jornal La Nación, Milei disse que o objetivo da medida é acabar com o que chamou de "tortura", que é carregar grande quantidade de cédulas devido à inflação que avançou 160,9% em novembro e já é a mais alta em 32 anos.

 

Fonte: Opera Mundi/Sputnik Brasil

 

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