Apesar de aceno ao ‘Ocidente civilizado’, especialista prevê Milei
mudando de rumo ‘quando a realidade se impor’
Empossado há menos de um mês, o novo presidente da
Argentina já estreou medidas políticas e econômicas, polêmicas o suficientes,
para levantar massivos protestos pelas principais ruas do país.
Em um cenário de explícita insatisfação popular, os
olhos de Javier Milei se voltam ao exterior como uma saída de fuga para
estancar a inflação que ultrapassa os 142%.
Poucos dias após ser nomeado oficialmente como o
chefe de Estado argentino, o governo do ultradireitista enviou uma carta à
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conhecido
popularmente como o “clube dos ricos”, que chamou a atenção da comunidade
internacional. Foi exatamente numa quarta-feira (13/12) que o mandatário
solicitou formalmente o início das negociações de adesão ao grupo, pedindo que
isso seja feito “o mais rápido possível”.
A postura de Milei não é apenas um gesto
diplomático para se aproximar ao que ele próprio chama de “Ocidente
civilizado”. De acordo com André Roncaglia, doutor em Economia do
Desenvolvimento pela FEA-USP e professor da Unifesp, dessa solicitação, o argentino
espera “conseguir mais recursos que possam vir de bancos unilaterais, como o
Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI)” — organismos com os
quais a Argentina já tem uma dívida muito grande. A missão do líder novato é
tentar, de forma curta e grossa, conseguir recursos nessa nova aliança e, a
partir disso, tentar reduzir o câmbio e amenizar as pressões inflacionárias.
No entanto, vale ressaltar que, apesar de um
visível desespero em tentar estancar a crise econômica, existe a questão
ideológica por trás de seus passos: uma visão clara de querer se aliar aos
países do "Norte Global".
Ao longo da campanha eleitoral, por muitas vezes
Milei deu declarações de distanciamento, como por exemplo, de saída a
eliminação do Mercosul, fora as fortes ameaças diplomáticas e econômicas com
países como o Brasil, liderado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —
por quem o acusou de "corrupto" —, e a "China comunista".
Também é importante voltar a alguns anos atrás. Em
2016, durante a gestão Macri, a Argentina chegou a se candidatar, pela primeira
vez, a membro da OCDE, mas decidiu congelar o processo depois que Alberto
Fernández assumiu a presidência em 2019.
“O governo Alberto Fernandez se aproxima
evidentemente do Brasil e dessa agenda de fortalecimento do Mercosul.
Evidentemente isso implica um certo afastamento do país de relações que seriam
mais bilaterais ou até acordos que são feitos mais diretos, e que a adesão à
OCDE implicaria. Então acho que tem um pouco de aspecto ideológico e político
de visão de mundo sobre qual é o eixo do movimento mais relevante”, avaliou
Roncaglia a Opera Mundi.
A base ideológica é uma questão que pesa para Milei
e que, por consequência, pesará no bolso da população. Logo após os resultados
das urnas, a própria ministra das Relações Exteriores, Diana Mondino, afirmou
que a Argentina não ingressaria aos Brics.
“Ele [Milei] deixa nítido que não quer se aliar aos
países do Sul Global, e também particularmente à China. A gente tem outros
países que ele não tem muito interesse, como a Arábia Saudita e outros que têm
regimes políticos com os quais ele entra em flagrante conflito do ponto de
vista discursivo”, afirmou o economista, acrescentando que o mandatário tem uma
“visão elitista no âmbito geopolítico”.
Embora a chancelaria argentina tenha dado
declarações oficiais à não entrada aos Brics, Roncaglia avalia ainda ser
prematuro definir se, de fato, essa decisão se concretizará, uma vez que Milei
ainda pode ver as necessidades de diversificar as fontes de financiamento se a
“realidade se impor”.
Há uma semana, o governo da China decidiu suspender
o financiamento de US$ 6,5 bilhões (R$ 31,6 bilhões) a partir de linha de swap
cambial para a Argentina, parte de um acordo entre o então presidente argentino
Alberto Fernández e seu homólogo chinês, Xi Jinping. Parte desse valor seria
utilizado para pagar as dívidas com o FMI. O país asiático decidiu congelar
esse empréstimo até que Milei prove ter boas relações diplomáticas.
“É evidente que não participar dos Brics corta um
eixo importante de alívio e amenização dos problemas que a gente viu
recentemente, como a renovação do swap de moedas que a Argentina fez com a
China. Uma adesão aos Brics facilitaria esse tipo de acordo”, reforçou
Roncaglia.
À medida que parte da população — esta que sente a
instabilidade econômica no bolso — se
manifeste contra a ineficácia, inação ou violação do governo, ou que parte se
sinta "enganada" pelas expectativas frente ao governo não atendidas,
há uma tendência de que as pautas prioritárias do país falem mais alto do que a
natureza ideológica de Milei e de seus aliados. Como denomina o especialista, o
“discurso incendiário” tende a ser “domesticado” uma vez que cresce o número de
pessoas nas ruas para pressionar o mandatário e, por consequência, a
necessidade de estabelecer um relacionamento sadio com a comunidade
internacional.
“Agora ele está se vendo em uma situação em que a
realidade se impõe e que precisa de dinheiro da China, precisa restabelecer
relações comerciais com blocos, precisa do Brasil para pensar em alternativas
de financiamento às exportações”, explica Roncaglia. “O discurso vai continuar
incendiário para manter as bases engajadas, mas as instabilidades tendem a
constranger o governo, deixando as ações afastadas daquilo que o discurso
prega”.
Além
do pacotaço de Milei, argentinos enfrentam aumento de casos de dengue e medo da
encefalite equina
Os primeiros casos autóctones de dengue estão sendo
notificados pelas autoridades sanitárias da Argentina. O surto da doença assola
principalmente o nordeste do país, além de algumas províncias das regiões
centro e noroeste. O cenário está sendo alertado pelo Ministério da Saúde à
população, o que, portanto, deflagra mais uma questão a ser enfrentada pela
gestão Milei.
A pasta explica que o problema, que já tem
ascendido a curva epidemiológica nas últimas quatro semanas, decorre da
“abundância de chuvas e das altas temperaturas associadas ao fenômeno El Niño”,
gerando condições favoráveis para a proliferação de mosquitos que causam a
dengue .
No entanto, o apelo do órgão governamental para a
adoção de “medidas extremas de prevenção e cuidados” ao recomendar o uso
contínuo de repelentes entra em contradição com a realidade.
De acordo com o portal Página 12, os argentinos
reclamam do aumento nos valores desses produtos, isso se os encontram nas
farmácias e em supermercados.
“Fui comprar um ‘Off’ para levar ao trabalho e
custou 4,6 mil [pesos argentinos, equivalente a quase 28 reais]”, comentou um
internauta nesta sexta-feira (29/12).
Segundo o cadastro do Mercado Track, um serviço
online independente que rastreia e revela variações de preços de produtos da
platafoma Mercado Livre, de outubro a dezembro, o preço da clássica marca de
repelentes “Off!” tamanho família, de 131 gramas, passou de 1.5 mil pesos
argentinos para quase 4.2 mil — o que respectivamente corresponde a cerca de 9
reais para 25, configurando uma inflação de 277%.
O valor mínimo para o spray de mosquitos de 170
gramas pode ser encontrado por nada menos que 4 mil pesos argentinos (24 reais)
em uma das redes de farmácias mais famosas de Buenos Aires.
• Relação
dos mosquitos com a encefalite equina
O aumento dos transmissores de dengue na região
metropolitana de Buenos Aires se explica pela concentração massiva da espécie
Aedes albifasciatus, conhecido como "mosquito da enchente". Esta, por
sua vez, transmite a Encefalite Equina Ocidental (EEO), que atualmente está
registrando um surto em cavalos no centro e norte da Argentina, como informam
especialistas.
“Temos um grande pico de abundância de uma espécie
que chamamos de mosquitos de enchente devido ao tipo de estratégia e ciclo de
vida que possui”, afirmou Sylvia Fischer, diretor do Grupo de Estudos de
Mosquitos da Faculdade de Ciências Exatas e Naturais da Universidade de Buenos
Aires (UBA), explicando que a principal característica do organismo, que está
em toda a Argentina, é que “as fêmeas depositam seus ovos em locais que podem
ser alagados quando chove”.
No momento, a Argentina está em sua principal época
de chuvas, o que beneficia o acúmulo de ovos em locais que alagam.
“Diria que a picada do Aedes albifasciatus é
inofensiva, mas neste momento estamos tendo um surto de EEO em cavalos no
centro e norte do nosso país”, explicou o pesquisador, preocupado com a ligação
do mosquito com a transmissão do vírus da encefalite equina.
Causada por um Alphavírus homônimo, a EEO é uma
doença neurológica que é transmitida por meio de picadas de mosquitos e, embora
o principal alvo sejam os cavalos, seres humanos também podem contrair de forma
sintomática.
Até o momento, o Ministério da Saúde argentino
detectou um único caso em humano neste mês, por um homem de 27 anos, residente
da cidade de Reconquista, em Santa Fé.
Pacote
econômico de Milei pode prejudicar mais de 20 mil estudantes brasileiros na
Argentina
Milhares de estudantes brasileiros podem ser
impactados pelo novo pacote enviado ao Congresso da Argentina pelo presidente
Javier Milei, eleito há menos de um mês.
Um dos itens da Lei de Bases e Pontos de Partida
para a Liberdade dos Argentinos que tem mais de 664 artigos possibilita a
cobrança pelo ensino universitário, atualmente gratuito. O pacote contabiliza
mais de mil leis.
Segundo dados do Ministério da Educação da
Argentina, a vasta maioria dos universitários estrangeiros (96%) são
latino-americanos e uma das carreiras mais populares é a Medicina. O Brasil
ocupa o primeiro lugar da lista, com mais de 22 mil alunos matriculados em
instituições públicas e privadas.
Se o pacote de Milei for aprovado, as instituições
estarão habilitadas a cobrar mensalidade dos estrangeiros que não tiverem
residência no país.
A mais recente "Síntese de Informação
Estatísticas Universitárias", elaborada pela pasta, mostra que, em 2021,
havia cerca de 117,8 mil estudantes estrangeiros matriculados em universidades
argentinas, de um total de 2,73 milhões de estudantes.
Uma paralisação foi anunciada nesta quinta-feira
(28) pela Confederação Geral do Trabalho, a principal central sindical
argentina, para protestar contra a "Lei Ómnibus", um dos projetos de
lei enviado por Milei ao Congresso.
O pacote também estabelece superpoderes para Milei
até dezembro de 2025, podendo ser prorrogadO por mais dois anos, até o fim do
mandato do atual presidente.
Ontem, Milei anunciou que o Banco Central da
Argentina vai emitir notas de 20 mil e 50 mil pesos argentinos, em um esforço
para reduzir a quantidade de cédulas em circulação no país.
Em entrevista concedida ao jornal La Nación, Milei
disse que o objetivo da medida é acabar com o que chamou de
"tortura", que é carregar grande quantidade de cédulas devido à
inflação que avançou 160,9% em novembro e já é a mais alta em 32 anos.
Fonte: Opera Mundi/Sputnik Brasil
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