A história da estação de esqui mais alta do mundo, que fechou por causa
do aquecimento global
Considerada a estação de esqui mais alta do mundo
desde 1939, Chacaltaya, na Bolívia, fica a
uma altitude de 5421 metros – acima até do campo
base do Everest.
No passado, ela era um grande atrativo para
estrangeiros e bolivianos que queriam aproveitar
as férias.
No entanto, as visitas ao local foram deixadas de
lado depois que o lugar foi desativado por causa de mudanças
climáticas, de acordo com especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
A geleira que fazia parte da área onde fica a
estação de esqui foi recuando, até chegar ao ponto de não ter mais neve
suficiente para a prática do
esporte.
O fenômeno não deveria ocorrer e é considerado
preocupante, segundo Pedro Côrtes, professor do Instituto de Energia e Ambiente
da Universidade de São Paulo (USP).
"Em função do aquecimento
global, nós temos um aumento das temperaturas próximas aos polos do planeta e
nas altas montanhas. É bem emblemático, já que, nessa altitude, a neve tende a
ser permanente", diz Côrtes.
Mas o derretimento
do glaciar já tinha sido previsto por cientistas que estudam as consequências
do aumento das temperaturas naquela região há alguns anos.
O que eles não imaginavam é que seria muito antes
do que eles previam.
Os pesquisadores acreditavam que a neve
desapareceria por completo no ano de 2015, mas o evento ocorreu seis anos
antes, em 2009.
Hoje, o local está praticamente abandonado e só
atrai quem deseja saber um pouco sobre a sua história ou é
adepto de caminhadas mais intensas.
·
Passeios sempre lotados
Na década de 1990, era muito comum que a região de
Chacaltaya recebesse turistas do exterior que iam visitar a Bolívia e
aproveitavam para esquiar.
O boliviano e guia de turismo Fredy Ticona Conde,
de 58 anos, atua no ramo de viagens há mais três décadas e começou a fazer
passeios para a estação de esqui em 1995.
"Tinha muita neve, era muito frio. Estava
sempre cheio de turistas", diz Conde.
Ele conta que, na alta temporada, os passeios para
o local ocorriam sempre e com pelo menos cem pessoas diariamente.
Por ser uma estação de esqui de dificuldade média
para alta e que não é recomendada para iniciantes, era mais comum ver turistas
estrangeiros ali, a maioria de origem francesa, alemã e americana.
"Quem é da Europa já sabe esquiar. Os
bolivianos iam mais para fazer boneco de neve e brincar", afirma o guia.
Os brasileiros, segundo ele, não visitam muito a
região nesta época.
O preço, segundo Conde, também era vantajoso para
quem não era da América do Sul.
"Sair com uma agência custava US$ 20. Já o
passeio privado saía US$ 50 e, com mais horas, US$ 100. Não era caro",
lembra.
Ao chegar lá, os visitantes podiam escolher esquiar
por algumas horas ou até se hospedar em um resort que ficava no topo da
montanha.
Até 30 pessoas podiam dormir no local e, segundo o
guia, o hotel sempre tinha pelo menos 50% de sua capacidade ocupada.
Também era possível comer em uma lanchonete que
vendia alguns alimentos e desfrutar da vista.
"Tinha serviço de chá de coca, chocolate
quente, sanduíches e cervejas", conta.
Por muitos anos, o turismo foi forte na região, até
que, com a chegada dos anos 2000, tudo foi mudando.
"(O glaciar) diminuiu drasticamente. As
pessoas se sentiam enganadas. Subiam e só viam uma montanha", diz o guia.
Para se ter uma ideia das alterações sofridas na
montanha, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla
em inglês), um órgão das Nações Unidas, divulgou fotos que mostram a quantidade
de neve que sumiu nos últimos 60 anos, entre 1940 e 2005.
Em 1940, a área com neve e para esquiar era de 0,22
km². Em 1982, 0,14 km ². Em 1996, 0,08 km². E, em 2005, só 0,01 km².
Por causa dessas alterações climáticas, o glaciar
desapareceu por completo em 2009. Após um ano, a estação foi desativada.
"As empresas tiveram que deixar de operar. Se
antes havia umas dez, somente três continuavam. Não havia muito serviço",
diz Conde.
·
Montanha-fantasma
Atualmente, muitas agências da cidade de La Paz
ainda oferecem visitas a Chacaltaya. Mas, agora, é impossível esquiar.
Ao procurar estabelecimentos que fazem esse tipo de
excursão, é bem comum ouvir dos atendentes que os brasileiros só procuram pelo
passeio para tentar ver um pouco da neve que sobrou.
Mas, para isso, é preciso ter sorte e não ir em
época de seca.
Para chegar até a estação de esqui, o turista
percorre um trajeto de quase uma hora e meia em uma van, passando por uma
estrada de terra com muitas curvas.
O veículo estaciona próximo ao local, e ainda é
preciso subir por uns 40 minutos a pé até chegar no topo.
A montanha virou quase uma cidade-fantasma,
atraindo apenas os turistas mais curiosos que desejam reviver a história da
estação de esqui mais alta do mundo.
É possível ver alguns cabos dos antigos teleféricos
que existiam ali e também a lanchonete, que virou um espaço abandonado.
Segundo o guia boliviano, antes de a estação ser
desativada, era muito comum a montanha receber aproximadamente 23 mil turistas
por ano. Hoje, são cerca de 2 mil.
Conde afirma ainda que o impacto no turismo foi
sentido pelos guias e profissionais da região.
"Para nós era triste, porque era
característico de La Paz. Já que era perto, muita gente vinha e gostava",
relembra, saudoso.
Na opinião dele, esse era o atrativo mais
importante da cidade.
Para amenizar as perdas no setor, as agências
atualmente vendem pacotes também para Charquini, que tem neve e ainda conta com
uma lagoa esmeralda.
·
Degelo pode ser irreversível
O aquecimento global impacta diretamente no
derretimento das geleiras ao redor do mundo.
Um estudo feito pelo Instituto Boliviano de
Montanha em conjunto com o Instituto de Geografia, da Universidade de
Neuchâtel, na Suíça, mostrou que, nos Andes bolivianos, mais de 50% da área
glaciar foi perdida nos últimos 40 anos devido às mudanças climáticas.
A formação de gelo ocorre nos polos norte e sul -
que estão sob influência do Ártico e da Antártida, respectivamente - e também
nas montanhas.
Nas montanhas, ocorre um acúmulo natural de neve
com a altitude, que favorece climas mais frios.
Segundo Luiz Henrique Rosa, professor do
departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o
aumento significativo de temperatura nessas regiões faz com que locais em que
era muito comum ter neve o ano todo apresentem pouca ou quase nenhuma
quantidade, como em Chacaltaya.
O gelo glacial vem da precipitação da neve, que vai
se compactando ao longo dos milhares de anos. Ao derreter de forma rápida,
perde-se o gelo glacial.
Dessa forma, devido às temperaturas se manterem
sempre acima da média, ocorre com frequência o derretimento dessas geleiras,
impossibilitando novos glaciares.
"Tem muita neve que é sazonal. Como as
temperaturas estão cada vez mais altas, essa neve sazonal não dura e não ocorre
o processo de formação de gelo", diz Rosa.
O especialista explica ainda que o derretimento nos
polos é irreversível, fenômeno que também já vem sendo observado nas montanhas.
Isso afeta estações de esqui, que são projetadas
com base no acúmulo de neve que se forma sobre as rochas ou também por cima de
geleiras, que são os chamados de glaciares.
No caso de Chacaltaya, ela se formou em cima de um glaciar.
Para esquiar, o ideal é pelo menos dez centímetros
de neve, quando não há muitos fragmentos ou fendas nas rochas.
Mas, se o terreno é muito rochoso e bastante
irregular, é necessário pelo menos 30 centímetros de neve para praticar o
esporte.
Sem uma quantidade expressiva, esquiar se torna
impraticável.
"O degelo nas montanhas situadas em latitudes
menores tende a ser maior exatamente porque elas estão mais próximas do
Equador, onde as temperaturas são mais elevadas do que os polos", explica
Côrtes, da USP.
"Mas, em condições normais, isso não
ocorreria, não a ponto de provocar esse degelo, da maneira que ocorreu nessa
montanha especificamente."
·
Consequências graves
Além do impacto direto nas estações de esqui e no
turismo, o degelo nas montanhas influencia diretamente no abastecimento de água
para a população, porque a água produzida pelo derretimento vai para muitas
regiões.
"O gelo alimenta todas as comunidades que
vivem na planície e nas encostas dos andes", diz Maria Elisa Siqueira,
doutora em Meteorologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
"Mas, com essa falta, a agricultura vai
diminuindo e gera um impacto social e econômico muito grande."
Em uma situação normal, é possível ter um acúmulo
maior de neve durante o inverno, e os cursos d’água são abastecidos na
primavera e verão.
Porém, quando não ocorre a produção de neve, não há
uma quantidade expressiva para o abastecimento de rios, impactando regiões que
dependem desse processo.
No caso de Chacaltaya, a cidade de La Paz era
beneficiada com o degelo.
"A longo prazo, cidades vão ser extintas. Têm
algumas cidades andinas que já estão sofrendo com isso", destaca Rosa, das
UFMG.
O problema não é percebido só na Bolívia. Países
como Chile e Argentina também já sofrem com os impactos.
"A região de Santiago, no Chile, passou por um
período com escassez de água no ano passado por falta de neve nesta
região", ressalta Côrtes.
"Como não acumulava neve suficiente no
inverno, no verão, reduzia muito o suprimento de água."
O degelo nesses locais também contribui para a
proliferação de novos microorganismos que emitem gases nocivos ao planeta.
"Depois desse descongelamento, eles podem
surgir e liberar metano, aumentando ainda mais o efeito estufa", afirma
Rosa.
·
Há solução?
Para recuperar o gelo em regiões afetadas pelo
aquecimento global e ainda tentar frear o aumento das temperaturas, será
preciso um trabalho de anos.
As previsões de institutos e especialistas que
estudam essas alterações no planeta não são as mais otimistas.
"O gelo nas montanhas só vai voltar se a
temperatura média global baixar", diz Siqueira, que também é professora do
Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da USP.
"Isso é a longo prazo, mas nos próximos anos
só vejo aquecimento. O estrago já está feito."
Segundo o sexto relatório de avaliação do IPCC, a
última década foi a mais quente do que qualquer período nos últimos 125 mil
anos.
O trabalho mostrou ainda que os países em
desenvolvimento sofrerão mais, já que pessoas em áreas vulneráveis têm até 15
vezes mais probabilidade de morrer em inundações, secas, tempestades em
comparação com aquelas que não vivem em regiões de risco.
Para melhorar esse prognóstico, é necessário ainda
que diversas nações se comprometam com mudanças no campo energético, buscando
fontes renováveis.
"Os países que poluem mais não querem diminuir
porque impacta a economia. O ideal seria investir em fontes limpas de energia,
isso é o que irá salvar", diz Rosa.
"Só temos a Terra. Se não cuidarmos dela, não
tem plano B."
Mas ainda não são todos os países que estão
tratando a questão com a urgência necessária, dizem os especialistas.
"Pelo que verifiquei na última COP [cúpula do
clima das Nações Unidas], parece que os países estão mais preocupados com a
segurança energética do que lidar com as mudanças climáticas", diz Côrtes.
"Eles não estão dando a devida atenção a essa
situação. Só tende a se agravar nas próximas décadas."
Fonte: BBC News Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário