5 líderes de empresas que erraram feio em 2023 (e o que isso ensina)
O ano de 2023 não foi fácil para os dirigentes do
mundo corporativo.
No desconhecido mundo do trabalho
pós-pandemia, com as incertezas da economia e as
rápidas mudanças de prioridades dos patrões e profissionais, os líderes das
empresas precisaram tomar decisões de alto risco sem precedentes.
"Observamos alguns líderes com dificuldades
para fazer avançar seus modelos de negócios em uma nova era de taxas de
juros mais altas e maiores exigências dos funcionários”, afirma o professor de
administração Christopher Kayes, da Escola de Negócios da Universidade George
Washington, na capital americana, Washington DC.
Para ele, "muitos estão trabalhando com a
mesma cartilha da era pré-pandemia, quando os profissionais eram muito mais
submissos e tinham menos influência."
Embora tenha havido muitos sucessos, diversos CEOs
(diretores-executivos) tropeçaram. O resultado foi que vários deles perderam
seus cargos ou seus diretores pediram que eles se demitissem em números
recorde.
Cinco desses casos se destacaram como histórias que
servem de alerta quanto às tendências da administração moderna.
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As políticas inflexíveis do Grindr
Líderes e profissionais vêm discutindo as políticas
de retorno ao escritório há anos. E, em 2023, diversos
patrões decidiram exercer seu poder.
Muitos empregadores e funcionários chegaram a um
acordo intermediário, com base em cronogramas híbridos.
Mas, em agosto, o CEO do aplicativo
de encontros Grindr, George Arison, anunciou um ultimato súbito e inflexível para o retorno
dos funcionários: venham ao escritório duas vezes por semana ou serão demitidos
em outubro.
Esta política funcionou para algumas pessoas que já
moravam perto das cidades centrais do Grindr – Nova York, Chicago, Los Angeles,
São Francisco e Washington DC, nos Estados Unidos.
Mas também fez com que grupos de profissionais
contratados para trabalho remoto precisassem correr para se mudar, sob pena de
perder seus empregos.
Kayes afirma que a chefia do Grindr deixou de
reconhecer as profundas mudanças que seu ultimato exigiria dos profissionais.
"Havia uma crença errônea, mantida por muito
tempo, de que ser o patrão simplesmente significa anunciar decretos ou
exigências e as pessoas irão seguir", explica ele.
"Com certeza, isso não funciona mais. Quando
você faz uma grande mudança de política que afeta a vida dos funcionários, você
precisa consultá-los em primeiro lugar. O Grindr falhou neste ponto."
O escritor e coach de liderança de Sydney, na
Austrália, Larry Robertson, concorda que os líderes do Grindr deixaram de
cumprir com sua obrigação de comunicar suas razões aos funcionários.
A falta de notificação e o prazo curto também
forçaram os funcionários a tomar decisões de vida importantes sob pressão.
O resultado foi que cerca da metade dos
funcionários do Grindr rejeitou o ultimato e o aplicativo enfrentou reações
negativas na imprensa.
"A realidade é que, se você não conseguir
manter os funcionários do seu lado, a sua empresa não irá prosperar",
explica Robertson.
"Com essa enorme perda de talentos e uma
imagem pública manchada, fica difícil imaginar como a mesma organização pode
seguir adiante."
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Alienação dos clientes no Reddit
Enquanto as incertezas da economia levavam as
empresas a se preocupar com seus lucros, muitas companhias buscavam fontes de
renda alternativas para equilibrar seus balanços.
Em abril, enquanto se preparava para uma oferta
pública inicial de ações, a plataforma Reddit anunciou que começaria a cobrar
pelo acesso à sua interface de programação de aplicativos (API, na sigla em
inglês), que é a estrutura que permite a construção de aplicativos de terceiros
sobre dados originais.
O acesso à API é fundamental para que os usuários
possam participar e moderar conteúdo nas sub-comunidades do Reddit.
Em uma postagem no próprio Reddit em junho, o
diretor-executivo Steve Huffman também anunciou que a plataforma de rede social
criaria limites de velocidade de dados em julho.
Este anúncio deixou os desenvolvedores de
aplicativos de terceiros em dificuldades para implementar mudanças que
permitissem que seu software continuasse funcionando na estrutura original do
Reddit.
"O Reddit precisa ser um negócio
autossustentável e, para isso, não podemos mais subsidiar entidades comerciais
que exigem uso de dados em larga escala", escreveu Huffman.
Esta pode ter sido uma boa ideia para a
lucratividade a longo prazo, mas trouxe prejuízos para o relacionamento com os
clientes.
Aplicativos populares fecharam em seguida, a
comunidade do Reddit protestou e moderadores de sub-comunidades promoveram
apagões (fechamento das comunidades ao público por um determinado período de
horas ou dias).
Para Kayes, a decisão de Huffman fazia sentido,
financeiramente falando, mas alienou parte da sua base de usuários dedicados,
talvez de forma permanente.
"Plataformas gratuitas como o Reddit precisam
fazer mudanças comerciais inteligentes se quiserem gerar fundos e atrair
investidores", diz ele.
"Mas devem também incluir a voz do consumidor
sobre a forma em que irão seguir adiante – o problema, aqui, foi a
implementação e como ela foi comunicada", acrescenta.
Robertson acredita que a explicação de Huffman
deveria ter ido além.
"Se você fizer uma mudança importante em uma
oferta aos consumidores, especialmente uma que seja muito popular, você precisa
comunicar como ela irá beneficiá-los no longo prazo", afirma.
"Por isso, não basta apenas se defender ao
tomar uma decisão definitiva, é preciso também explicar ao consumidor como ele
pode receber um serviço ainda melhor no futuro", conclui o especialista em
liderança.
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3. Solidariedade entre profissionais subestimada na
GM
Em 2023, a organização coletiva atingiu seu nível
mais alto desde 2019. Isso resultou em uma onda de
greves significativas.
Em outubro, a diretora-executiva da General Motors,
Mary Barra, tornou-se a primeira dos "Três Grandes" fabricantes de
automóveis dos EUA – grupo que inclui Fiat Chrysler e Ford, além da própria GM
– a negociar um acordo com o sindicato United Auto Workers (UAW), seis semanas
antes de uma greve geral.
À época, a empresa já havia sofrido perdas de mais
de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 4,8 bilhões). E chegar a um acordo – amplamente
considerado uma imensa vitória dos trabalhadores – ajudou a GM a estancar a
perda de receita, já que seus funcionários voltaram ao trabalho.
Mas, mesmo que os profissionais e a gerência tenham
conseguido suspender a paralisação do trabalho, Robertson afirma que Barra
deixou de examinar inicialmente as exigências e o poder do sindicato.
E esta falha resultou em grandes perdas de receita,
à medida que a greve se arrastava.
Acrescente-se ainda que Barra trabalhou na empresa
por toda a sua carreira.
"Muitas vezes, nas grandes corporações, os
CEOs são contratados para o cargo e recebem altos salários para mudar de
companhias", afirma ele.
"Mas Barra realmente cresceu com a empresa –
ela deveria ter compreendido o senso de lealdade, pertencimento e comunidade
entre os profissionais da área automotiva."
Em vez disso, Robertson acredita que Barra
interpretou erroneamente a determinação da UAW.
"Eles foram subestimados. Na verdade, os
profissionais têm mais poder agora do que no passado. Uma CEO de uma importante
corporação sindicalizada deveria ser capaz de colocar a liderança dos
trabalhadores de lado mais cedo, ouvi-la e entender fundamentalmente o que os
motiva."
"É possível encontrar pontos em comum,
[assegurar] que todos estão trabalhando juntos para benefício da organização e
ajudar a construir relacionamentos – sem se tornarem adversários", orienta
Robertson.
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4. Dramático corte de custos na Warner Bros
Discovery
Às vezes, os CEOs são forçados a movimentar o status
quo de uma corporação.
Em 2022, David Zaslav supervisionou a fusão da
Warner Bros com sua empresa menor de TV a cabo, a Discovery. Mas sua tática
incomodou muitas pessoas que trabalham no setor.
Imbuído da tarefa de transformar em lucro uma
dívida de mais de US$ 55 bilhões (R$ 265 bilhões), Zaslav começou a distribuir
cortes em todo o estúdio, incluindo cancelamentos de filmes que já haviam sido
produzidos e demissões em massa que duraram todo o ano de 2023.
Em junho, Zaslav anunciou que a Warner Bros
Discovery eliminaria o canal Turner Classic Movies, extremamente popular entre
os cinéfilos.
A comunidade ficou tão abalada com a notícia que os
lendários cineastas de Hollywood Steven Spielberg, Martin Scorsese e Paul
Thomas Anderson realizaram uma reunião de cúpula com Zaslav.
Kayes sugere que o plano comercial de Zaslav era
ingênuo.
Para ter sucesso, ele precisaria fazer cortes em um
setor famoso pelo talento dos seus superastros, produções bem sucedidas,
profissionais e consumidores emocionalmente envolvidos.
"Esta abordagem pode funcionar no setor de TV
a cabo, onde as estrelas têm menos poder e influência, mas Hollywood é muito
diferente", explica ele.
"Aqui, parecia que ele estava brigando com
todos."
Para Kayes, a impressão desfavorável do público em
relação à liderança de Zaslav também pode ter ajudado a fortalecer as greves
dos sindicatos Writers Guild of America (WGA) e Screen Actors Guild (SAG),
que paralisaram
o setor por grande parte do ano.
"No fim, Zaslav chegou a enfrentar os
diretores cinematográficos, algumas das pessoas mais poderosas, influentes e
populares do mundo. Como resultado, ele se tornou o vilão de Hollywood."
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5. Transferência de poder hostil no X
Desde o fechamento do acordo, em novembro de
2022, a
transferência do Twitter para Elon Musk foi marcada por diversas decisões
comerciais questionáveis.
Ao longo de todo o ano de 2023, o bilionário
fundador da Tesla e da SpaceX mudou o
nome da plataforma de rede social para "X", demitiu
cerca de 80% dos funcionários e perdeu
cerca de US$ 75 milhões (R$ 362 milhões) em publicidade após
endossar uma teoria da conspiração antissemita, no final de novembro.
Robertson acredita que a liderança não convencional
de Musk fracassou em uma empresa que já tinha uma cultura de trabalho
estabelecida e singular.
"Na SpaceX e na Tesla, que ele fundou, ele
conseguiu construir do zero e fazer crescer uma comunidade de seguidores leais
enquanto avançava no espaço e com veículos ecléticos", explica ele.
"Mas o Twitter era uma organização que tinha
suas próprias características, com funcionários acostumados a um estilo de
liderança muito diferente."
Kayes descreve a tomada de decisões como
"errática".
Isso inclui os recentes ataques às marcas que
deixaram de anunciar no X e a retirada dos títulos de links para notícias
postados na plataforma.
"As pessoas talvez não se importem em observar
comportamentos não convencionais dos líderes quando fazem com que eles pareçam
ser únicos e visionários", afirma Kayes.
"Mas, quando entram em território emocional e
imprevisível, completamente afastado das normas comerciais convencionais, eles
se tornam perturbadores."
Kayes acrescenta que o X ainda tem muitos problemas
para resolver em 2024.
"Permanece a ambiguidade sobre quem realmente
são seus líderes", destaca ele.
"Sua nova CEO [Linda Yaccarino] foi anunciada
em junho, mas é Musk quem ainda parece estar apertando os botões e fazendo
declarações públicas. Isso aumentou as preocupações, reduzindo o número mensal
de usuários ativos e fazendo as receitas de publicidade caírem em mais da
metade."
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Lições para levar para 2024
À medida que o mundo dos negócios evolui, muda
também o papel dos líderes.
Antes se esperava que os executivos simplesmente
cuidassem dos lucros e prejuízos. Mas, agora, eles enfrentam exigências maiores
de todas as partes interessadas, enquanto as condições econômicas e a cultura
do ambiente de trabalho continuam em evolução.
"É mais difícil ser líder hoje em dia",
afirma John Clifton, diretor-executivo da empresa de consultoria e análises
globais Gallup, com sede em Washington DC.
"De certa forma, este período após a pandemia
tem sido mais difícil até do que 2020 – inflação
disparando em descontrole, questões sobre o trabalho híbrido e uma força de
trabalho que se sente mais solitária do que nunca", prossegue ele.
"É uma época incrivelmente desafiadora para os
executivos, sem dúvida."
Mas os fracassos corporativos de 2023 podem
fornecer alguma orientação, mesmo que seja simplesmente sobre o que não deve
ser feito.
"Os líderes servem à organização – e isso
inclui os funcionários", afirma Larry Robertson.
Para ele, "o mundo mudou muito, mas muitas
táticas de liderança não acompanharam as mudanças. Muito disso se resume à
comunicação, ouvir e ter conversas objetivas para que as pessoas se sintam
incluídas, respeitadas e ouvidas. Caso contrário, o ressentimento se acumula e
a confiança desaparece."
Fonte: BBC Worklife
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