Suástica: como símbolo religioso se tornou emblema do nazismo
Uma cruz com
traços iguais dobrados em ângulo reto, parecidos com braços girando ou um
padrão de formas de L.
A suástica (ou a hakenkreuz — nome
em alemão para a cruz com ganchos, com formato similar) é um símbolo sagrado do
hinduísmo, do jainismo e do budismo há
séculos.
Mas também é um símbolo de ódio, que incorpora as
traumáticas e dolorosas memórias do Terceiro Reich e da Segunda
Guerra Mundial.
Símbolo do nazismo, a
suástica passou a ser associada ao genocídio e ao ódio racial, depois das
atrocidades do Holocausto.
A história da suástica é longa e complexa. Muito
mais antiga do que sua associação à Alemanha nazista, ela remonta aos tempos
pré-históricos.
O emblema foi sinal de bem-estar e longa vida e era
encontrado em toda parte — dos túmulos dos primeiros cristãos até as catacumbas
de Roma; das igrejas de pedra de Lalibela, na Etiópia, até a catedral de
Córdoba, na Espanha.
"O motivo aparentemente foi usado pela
primeira vez na Eurásia, 7 mil anos atrás, talvez para representar o movimento
do sol no céu... como símbolo de bem-estar nas sociedades antigas",
segundo a Enciclopédia do Holocausto.
A palavra suástica vem das raízes sânscritas su
(bom) e asti (prevalecer). Ela significa bem-estar, prosperidade ou boa sorte e
é empregada nas orações do Rig Veda, a mais antiga das escrituras
hindus.
A filosofia hindu afirma que ela representa
diversas coisas que vêm em grupos de quatro, como os quatro yugas ou
tempos cíclicos, os quatro propósitos ou objetivos da vida, as quatro etapas da
vida e os quatro Vedas. Swastika (Suástica) é até um nome de menina em certas
partes da Índia.
No Budismo, o emblema é conhecido pelo seu nome em
japonês, manji, e significa os passos de Buda. Para os jainistas,
ele significa um professor espiritual.
Na Índia, a suástica é um símbolo do deus sol com
orientação no sentido horário. Considerado auspicioso, o símbolo é desenhado e
frequentemente recoberto com cúrcuma, na soleira e na porta das lojas como
sinal de boas-vindas, ou em veículos, escrituras religiosas e papéis timbrados.
Ela também está presente em casamentos e outras
ocasiões festivas, para consagrar uma nova casa, e nos livros contábeis no
início de um novo ano ou na abertura de uma nova empresa.
Ajay Chaturvedi é o autor do livro Lost
Wisdom of the Swastika ("A sabedoria perdida da suástica",
em tradução livre).
Ele explica à BBC que "a suástica é um cubo em
quatro dimensões usado na matemática védica. Ela também simboliza todo um
estado de ser da filosofia indiana — o quarto estado da consciência, depois de
acordar, dormir e sonhar."
"O uso do sinal por Hitler foi
demonizante...", prossegue Chaturvedi, "e [trouxe] seu uso na
política, sem nenhuma compreensão do que ele significava na filosofia indiana,
onde os símbolos sempre são respaldados por [seu] sentido e profundo
significado."
Diferentes civilizações associam a suástica com
mãos estendidas, quatro estações, quatro direções ou com a difusão da luz em
todas as direções.
No livro do século 19 intitulado The
Swastika: The Earliest Known Symbol and its Migrations ("A
suástica: o símbolo mais antigo conhecido e suas migrações", em tradução
livre), Thomas Wilson documenta como a suástica era usada para tudo em todo o
mundo antigo, desde mantas e escudos até joalheria.
Alguns acreditam que seu formato foi inspirado por
um antigo cometa. Os gregos antigos usavam motivos de suástica para decorar
seus potes e vasos. Os antigos druidas e celtas também usavam o sinal sagrado
e, na mitologia nórdica, a suástica representava o martelo de Tor.
O Museu Nacional da História da Ucrânia abriga uma
ampla variedade de objetos com o símbolo.
O mais antigo provavelmente é uma estatueta de
pássaro, feita de marfim de mamute, com um padrão de suástica serpenteante. Ela
foi encontrada em 1908 e a datação de carbono determinou sua idade em 15 mil
anos.
Carimbos com motivos de suásticas também já foram
encontrados nas ruínas de Mohenjo Daro e Harappa, no Paquistão.
O diretor de arte americano Steven Heller, autor do
livro Swastika: Symbol Beyond Redemption? ("Suástica:
símbolo além da redenção?", em tradução livre), declarou à BBC: "Sou
designer gráfico. Os símbolos e sinais e como eles são usados e manipulados são
importantes para o meu trabalho. Existem poucos símbolos mais potentes, com
significados alternativos, do que a suástica nas suas diversas
reproduções."
No início do século 20, a suástica era amplamente
empregada na Europa como símbolo de boa sorte. Suásticas entrelaçadas eram
usadas em tecidos e na arquitetura.
"O sinal era usado de muitas formas antes que
Hitler o adaptasse", explica Heller. "Um sinal de boa sorte,
fertilidade, felicidade e do Sol, que recebeu importância espiritual, além do
valor comercial quando utilizado como marca ou logotipo."
No início do século 20, a suástica era empregada
como símbolo de boa sorte na publicidade, arquitetura e joalheria. O fabricante
de cervejas Carlsberg, com sede na capital da Dinamarca, Copenhague, usou o
símbolo como logotipo entre 1881 e os anos 1930, até abandoná-lo devido à
associação com os nazistas.
Até
recentemente, a Força Aérea Finlandesa usava uma suástica como parte do seu emblema.
Já o escritor Rudyard Kipling (1865-1936), criador do personagem Mogli, incluiu
o símbolo em várias capas dos seus livros devido à sua associação com a Índia.
A suástica foi usada como símbolo pelos escoteiros
britânicos até 1935. Como fez Kipling, o fundador do escotismo, Robert
Baden-Powell (1857-1941), pode ter trazido o símbolo da Índia.
Para os povos Navajo, nos Estados Unidos, a
suástica voltada à direita era um símbolo de amizade, que eles abandonaram
depois da Segunda Guerra Mundial.
Grupos religiosos e organizações culturais hindus
tentaram explicar que os nazistas não usavam a suástica, mas uma cruz com
ganchos. A suástica nazista tinha os braços voltados a 45 graus, o que faz com
que o símbolo fique inclinado, enquanto as suásticas do hinduísmo aparecem com
o braço de base plano.
·
História complexa
Quando Adolf Hitler procurava um símbolo para seu
novo partido, ele decidiu usar a hakenkreuz, girando a suástica
para a direita e omitindo seus quatro pontos. O emblema do partido foi adotado
desta forma em 1920.
Em maio de 1933, o ministro da Propaganda de
Hitler, Joseph Goebbels, criou uma lei que proibia o uso comercial não
autorizado da cruz com ganchos.
Já se sugeriu que Hitler pode ter adotado o símbolo
porque os alemães encontravam similaridades entre o seu idioma e o sânscrito,
chegando à conclusão de que indianos e alemães eram descendentes dos mesmos
ancestrais e da linhagem ariana "pura".
Em 1871, durante suas extensas escavações, o
arqueólogo alemão Heinrich Schliemann (1822-1890) descobriu 1,8 mil variações
da cruz com ganchos em fragmentos de cerâmica no local da antiga cidade
de Troia. Esses
sinais eram similares aos artefatos históricos alemães.
"Isso foi considerado [pelos nazistas] uma
evidência de continuidade racial e uma prova de que os habitantes do local
haviam sido arianos todo o tempo", escreve a antropóloga austríaca
Gwendolyn Leick.
É claro que a apropriação cultural costuma
prejudicar a cultura original.
O orientalista alemão Max Müller (1823-1900)
escreveu para Schliemann, aconselhando que ele deixasse de usar a palavra
"suástica" para descrever os ícones.
"Suástica é uma palavra de origem indiana e
tem sua história e significado definido na Índia", explicou Müller.
"Sei que é grande a tentação de transferir nomes que nos são familiares
para objetos parecidos que vêm antes de nós... a ocorrência dessas cruzes em
diferentes partes do mundo pode ou não indicar uma origem comum."
Mas nem todos concordaram com esta interpretação.
No seu livro The Sign of the Cross: From
Golgotha to Genocide ("O sinal da cruz: do calvário ao
genocídio", em tradução livre), o especialista em cristandade Daniel
Rancour-Laferriere sugere que a decisão de Hitler de usar a hakenkreuz como
símbolo do partido nazista "pode ter se originado na sua criação no
Monastério Beneditino na Áustria durante a infância, onde ele viu repetidamente
a cruz com ganchos em muitos lugares".
Mas, ao longo das décadas, a suástica se tornou um
ícone cultural controverso e problemático.
No seu livro The Swastika and Symbols of
Hate ("A suástica e símbolos de ódio", em tradução livre),
Heller afirma que "a suástica é um símbolo antigo que foi sequestrado e
pervertido, transformado na realização gráfica da intolerância."
Em muitos países europeus, incluindo a Alemanha, a
exibição pública de símbolos nazistas é proibida por lei e a violação desses
termos é considerada crime.
O senador americano Todd Kaminsky apresentou um
projeto de lei no Senado de Nova York em 2021, que exigiria que as escolas do
Estado ensinassem que a suástica é um exemplo de símbolo de ódio.
Devido às implicações nacionais do projeto de lei,
organizações como o Conselho Mundial Hindu da América pressionaram o Senado de
Nova York a diferenciar entre a suástica original e a hakenkreuz nazista.
O diretor de ativismo e consciência do Conselho
Mundial Hindu da América (VHPA), Utsav Chakrabarty, afirmou a respeito:
"Reconhecemos a forma horrível em que a suástica foi mal utilizada e mal
interpretada... Nos últimos 70 anos, a suástica continua sendo um símbolo
difamado e amaldiçoado. Isso precisa ser corrigido. Em vez de censurar o
símbolo, precisamos celebrar sua história positiva."
Os próprios membros da comunidade judaica já
destacaram em diversas ocasiões a forma em que o símbolo foi erroneamente
utilizado.
"Uma versão distorcida desse símbolo sagrado
foi indevidamente apropriada pelo Terceiro Reich na Alemanha e explorada como
um emblema para a perpetração de crimes hediondos contra a humanidade,
particularmente contra o povo judeu. Os participantes reconhecem que esse
símbolo é e sempre foi sagrado para os hindus há milênios, antes da sua
apropriação indevida", diz a declaração publicada na Segunda Cúpula da
Liderança Judaica Hindu, realizada em Jerusalém (Israel) em fevereiro de 2008.
·
Tentativas de desestigmatização
As suásticas foram levadas para filmes históricos e
para a produção de videogames.
Artistas tentaram redimir a imagem ao longo dos
anos. O símbolo foi incluído em um vídeo da pop star Madonna em 2012, com a
música Nobody Knows Me. Madonna declarou posteriormente que usou a
suástica para demonstrar o aumento da intolerância das pessoas a outros povos e
comunidades.
Em 1993, uma artista judia chamada Edith Altman
(que perdeu seus avós durante o Holocausto) criou uma exposição chamada Reclaiming
the Symbol: The Art of Memory ("Reivindicando o símbolo: a arte
da memória", em tradução livre). Ela pintou uma suástica dourada sobre uma
parede acima de uma suástica nazista preta no piso.
"Eu quis neutralizar a suástica, retirar sua
associação com o mal, para que ninguém mais precisasse ter medo dela",
contou a artista ao jornal alternativo Chicago Reader.
Mas o uso antissemita da suástica não terminou com
o fim da Segunda Guerra. Até hoje, gangues racistas e neonazistas empregam o
símbolo para profanar túmulos ou casas de oração judaicas. E algumas pessoas
acreditam que o tabu aumentou o apelo da suástica entre os grupos de ódio.
"Os últimos números da polícia, de 2021, das
duas cidades com maior população judaica — Nova York e Los Angeles [EUA] —
demonstram que as duas cidades tiveram um ano recorde de crimes de ódio, com os
judeus sendo os mais atacados em Nova York e o terceiro grupo mais atacado em
Los Angeles", afirma o professor de justiça criminal Brian Levin, diretor
do Centro de Estudos do Ódio e Extremismo (CSHE, na sigla em inglês).
Em 2020, a estudante indiana de 21 anos Simran
Tatuskar, moradora dos Estados Unidos, enfrentou reações negativas nas redes
sociais, depois que tentou retratar a suástica como um símbolo de paz que
deveria ser incluído no currículo escolar.
Um grupo tuitou em resposta que "na Alemanha
nazista, uma das primeiras coisas que os antissemitas fizeram foi apagar a
história e a perseguição dos judeus, minimizar suas lutas e se apropriar dos
seus seres. A normalização da suástica repete aquele ciclo vicioso."
Por fim, Tatuskar precisou esclarecer sua posição a
esse respeito e pedir desculpas por qualquer mal-entendido não intencional.
Antes dos Jogos Olímpicos de 2021 em Tóquio, no
Japão, a decisão de substituir a suástica
japonesa (manji) usada para indicar templos nos mapas turísticos por
um ícone de pagode gerou insatisfação entre as pessoas. Aparentemente, quando
os elementos de uma cultura são adotados fora de contexto, sua história e
patrimônio ficam prejudicados.
Para Brian Levin, "infelizmente, mas de forma
correta, o uso mais recente e disseminado da suástica como símbolo do ódio e
genocídio dos nazistas deixará para sempre uma sombra indelével sobre a sua
longa história e seu outro significado."
"Mas é importante observar que ampliar o nosso
ensino de história e civismo pode incorporar não só as origens dos símbolos,
mas como eles podem ser aliciados e remodelados com o mais cruel dos
propósitos."
Fonte: BBC News Brasil
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