Qual será o impacto da desaceleração da
China no Brasil
A desaceleração da economia chinesa vem piscando
nos radares de analistas. Especialistas ouvidos pela DW avaliam que o país
asiático chegará a 2030 com um modesto crescimento de 2,5% a 4,5% por ano –
fonte de preocupação de longo prazo para exportadores brasileiros, já que a
China é hoje o maior comprador de produtos do Brasil.
O efeito da redução do ritmo da produção chinesa é
tão relevante que foi incluída neste ano pelo Fundo Monetário Internacional
(FMI) entre os atuais cinco grandes riscos para a economia global – os outro
quatro são inflação persistente, endividamento público, fragmentação
geoeconômica e precificação dos mercados financeiros globais.
Diversos motivos explicam a desaceleração da China
e o próprio governo em Pequim já está ciente deles há muitos anos, bem como da
necessidade de fazer reformas para garantir um crescimento sustentável no
futuro, diz Margaret Myers, diretora para Ásia e América Latina no think tank
Inter-American Dialogue, baseado em Washington.
“O problema é que a China fez apenas algum progresso
em relação ao avanço de sua agenda de reformas. A questão agora é se pode fazer
ajustes urgentes e politicamente difíceis a tempo de corrigir sua situação
econômica”, diz.
A desaceleração chinesa envolve questões
estruturais. Entre elas, a mudança do modelo antes centrado como polo
manufatureiro global para o eixo da inovação e os esforços do governo para
combater desequilíbrios na economia, com efeitos colaterais na atividade.
O quadro se agravou a partir do segundo trimestre
deste ano, com o avanço da crise imobiliária, em que construtoras com
endividamento elevado passaram a enfrentar dificuldades diante do vencimento de
dívidas. Por décadas um dos motores da expansão chinesa, o setor passou a
contaminar as expectativas sobre o país e a capacidade de reação pública.
A economia chinesa, depois de crescer a dois
dígitos em dez dos 19 anos de 1992 e 2010, reduziu o ímpeto nos anos seguintes.
Entre 2014 e 2019, o PIB do país cresceu entre 6% e 7%.
Algumas das dores do crescimento que a China
enfrenta hoje já foram atravessadas por outros países. A economista Alicia
García-Herrero, pesquisadora do think tank Bruegel, baseado em Bruxelas, afirma
que Coreia do Sul, Japão e Taiwan também passaram por isso quando seu PIB per
capita rompeu a barreira dos 10 mil dólares – o da China superou essa marca em
2019 e é hoje de cerca de 13 mil dólares.
Ela estima que a China não será tão bem-sucedida
como a Coreia e o Japão para manter o crescimento depois de ter atravessado
essa marca, mas se sairá melhor que outros países no mundo, como a Espanha e
Polônia. “Mas há riscos que podem piorar esse cenário. Alguns são riscos
financeiros porque há muita alavancagem na economia chinesa e outros estão,
basicamente, relacionados com a conexão entre o setor imobiliário e os governos
locais”, diz.
·
Impacto no Brasil
Em 2022, a China comprou 27% de tudo o que o Brasil
exportou e respondeu por quase metade do superávit comercial brasileiro de 62,3
bilhões de dólares. As exportações para o parceiro asiático no ano passado
foram de quase 90 bilhões de dólares, e neste ano superaram os 95 bilhões de
dólares. O capital chinês investido no país chega a 71,6 bilhões de dólares,
por meio de 235 projetos entre 2007 e 2022.
Por isso, o desempenho econômico chinês é
acompanhado com atenção pelo setor privado brasileiro. Mas o perfil das
exportações brasileiras – concentrado em alimentos e energia, produtos básicos
que atendem a necessidades cruciais do país – deve oferecer uma relativa
proteção ao Brasil de grandes impactos dessa desaceleração, diz Larissa
Wachholz, da consultoria Vallya Agro.
“O Brasil exporta commodities como o petróleo, que
tem a ver com a segurança energética da China, um tema muito prioritário. Além
da questão da segurança alimentar. A exportação de soja e mais recentemente de
milho são produtos que participam de muitas cadeias diferentes na China e serve
à produção de proteína animal no país”, afirma Wachholz.
Fabiana D’Atri, coordenadora do departamento de
pesquisas e estudos econômicos do Bradesco, tem análise semelhante. “Se o
Brasil está muito mais ligado a esse PIB de consumo, a gente está de certo modo
blindado”, diz. Ela acrescenta que a importação de alimentos seria hoje ainda
mais relevante para o parceiro asiático do que minério de ferro ou petróleo. “A
transição de crescimento chinês não impacta o Brasil no médio prazo”, diz.
O peso dos produtos agropecuários no total das
exportações brasileiras mais do que duplicou de 12% em 2010 para 25% em 2023.
Hoje, nas vendas para a China, a maior concentração se dá em itens agrícolas e
proteínas, ligadas ao consumo das famílias, que este ano deve crescer entre 7%
e 8%, explica a coordenadora do Bradesco.
A prioridade dada por Pequim à segurança alimentar
também é apontada por Myers, do Inter-American Dialogue, como algo que
resguardaria o Brasil de choques mais agudos. “O crescimento da China
desacelera, mas sua liderança está determinada em buscar a segurança alimentar
e energética”, diz.
Ø Classe
média chinesa aperta o cinto do consumo
Em um momento de mercado imobiliário em declínio e
em meio a um cenário de baixa confiança empresarial, a economia na era pós-pandemia na China tem lutado contra riscos
contínuos de deflação. Milhões de membros da classe média chinesa estão
“apertando o cinto” e evitando gastar dinheiro até que uma sólida recuperação
econômica ocorra no país.
Apesar de uma forte poupança e dos atrativos
serviços VIP oferecidos por empresas de gestão de patrimônio bancário, mesmo os
chineses relativamente prósperos não estão tão dispostos a investir ou consumir
como antes. Empresários chineses têm adotado cautela em meio à desaceleração
dos mercados de ações e imobiliário. Dados oficiais chineses corroboram essa
visão pessimista, com uma queda significativa nas vendas de imóveis nos
primeiros 11 meses de 2023.
Embora as vendas no varejo na China tenham crescido
em novembro, a recuperação é atribuída em grande parte às restrições rigorosas
de controle da COVID-19 em
muitas cidades no ano passado, resultando em uma base de comparação baixa.
Especialistas, como Daniel Zipser, da McKinsey, afirmam que, embora as
perspectivas do mercado de consumo sejam cautelosamente otimistas, o sentimento
de mercado está “próximo do ponto mais baixo da história”. Zipser prevê uma
recuperação leve no consumo chinês em 2024.
O aumento significativo na poupança dos residentes
e nos depósitos bancários em 2022 é visto como um sinal promissor pelos
economistas, indicando que os consumidores terão mais dinheiro para gastar
quando a confiança se recuperar. No entanto, a incerteza persiste, e muitos
chineses, mesmo com empregos e renda estáveis, permanecem cautelosos ao gastar,
influenciados por preocupações sobre o futuro econômico.
O Banco Popular da China indicou que as economias
dos residentes em todo o país aumentaram em RMB 17,8 trilhões (aproximadamente
US$ 2,49 trilhões) em 2022, com um acréscimo de aproximadamente RMB 26,3
trilhões nas contas bancárias.
Apesar da estabilidade da taxa de desemprego urbano
na China nos últimos meses, os jovens enfrentam desafios crescentes, com mais
de um em cinco jovens de 16 a 24 anos desempregados em julho. Especialistas
destacam a importância de criar um “círculo virtuoso” na economia, onde o
consumo alimenta o desenvolvimento industrial, o aumento do emprego, o aumento
da renda e, por sua vez, mais consumo.
É enfatizado que o potencial de liberação do
consumo precisa do suporte da indústria manufatureira e de serviços para criar
novas formas de indústria e consumo, de acordo com as novas demandas. A
confiança empresarial é vista como crucial para desencadear investimentos que
impulsionem um mercado de trabalho favorável, gerando confiança do consumidor
e, subsequentemente, estimulando o consumo.
Ø Disputa
crescente entre Filipinas e China é subproduto dos EUA na Ásia-Pacífico, diz
think tank
As tensões entre Pequim e Manila são alimentadas
pelas ações assertivas de Washington no mar do Sul da China e podem
potencialmente levar a um conflito regional, alertou o think tank Quincy
Institute (QI) para políticas de Estado responsáveis, nesta quinta-feira (28).
As tensões sino-filipinas sobre o mar do Sul da
China aumentaram, com Pequim alertando as Filipinas contra "causar
problemas e caos".
O ministro das Relações Exteriores da China, Wang
Yi, instou Manila a agir com "cautela", enfatizando que as relações
entre as nações "estão em uma encruzilhada" no dia 20 de dezembro. As
observações vieram em resposta a uma série de encontros no mar do Sul da China,
incluindo uma colisão de um barco filipino e um navio da guarda costeira
chinesa perto das disputadas ilhas Spratly no início deste mês.
As Filipinas alegaram que "navios da Guarda
Costeira da China e da Milícia Marítima Chinesa assediaram, bloquearam e
executaram manobras perigosas em navios de abastecimento civil filipinos".
Pequim destruiu as acusações, acusando o navio filipino de "desconsiderar
vários avisos de popa" e "colidir deliberadamente" com o navio
chinês.
Na última segunda-feira (25), o Diário do Povo, um
jornal estatal chinês, culpou os EUA pela escalada das tensões, argumentando
que "as Filipinas dependem do apoio de forças externas, ignoram a boa
vontade e a contenção da China e provocam repetidamente os princípios e
princípios básicos da China".
O think tank Quincy Institute, com sede em
Washington, acredita que a posição da China tem certo mérito.
A disputa que se desenrola entre a China e as
Filipinas está longe de ser o único palco das disputas marítimas em curso em
Pequim. No entanto, a situação aumentou em um grau maior do que muitos outros,
afirma um artigo publicado pelo grupo, citando Sarang Shidore, diretor do
programa Sul Global do QI. Segundo Shidore, a resposta assertiva de Manila às
táticas da China no mar do Sul da China, que é quase inteiramente reivindicada
por Pequim, é "em parte um subproduto da presença norte-americana na região".
"Penso que o envolvimento dos EUA é uma grande
razão — o fato de os EUA estarem presentes no teatro, e de haver um compromisso
de aliança, torna a situação não apenas uma questão China-Filipinas, mas uma
questão China-EUA, e é aí que tudo muda da perspectiva chinesa", disse o
estudioso. "Acho que os chineses estão mais preocupados com os EUA neste
momento do que com as Filipinas."
Na verdade, os EUA reforçaram a cooperação militar
com Manila depois de o presidente filipino, Ferdinand Marcos, ter assumido as
rédeas do governo. Sob Marcos, as relações de Manila com Pequim se tornaram
tensas, enquanto sob o seu antecessor Rodrigo Duterte, a maioria das disputas
entre Filipinas e China foram resolvidas rotineiramente.
Marcos também é conhecido por sua postura
pró-Ocidente e anunciou no início de 2023 que seu governo estava considerando
um pacto de segurança trilateral com os EUA e o Japão.
Em fevereiro, a administração Marcos concedeu aos
militares dos EUA acesso a quatro bases militares filipinas adicionais, além
dos cinco locais existentes ao abrigo do Acordo de Cooperação Reforçada em
Defesa de 2014 entre os EUA e as Filipinas.
Em agosto, surgiram relatos dizendo que os
militares dos EUA estavam em negociações para desenvolver um porto nas ilhas
Batanes, no noroeste das Filipinas, que poderia dar a Washington algum controle
sobre o canal de Bashi – uma parte do estreito de Luzon entre o mar da China
Oriental e o mar do Sul da China. O canal é considerado um ponto de
estrangulamento para os navios chineses que se deslocam entre o Pacífico
Ocidental e o mar do Sul da China.
"Eles [os chineses] percebem que os riscos
para eles são muito altos. Acredito que toda esta tensão com as Filipinas é uma
consequência da tensão de Taiwan", disse Lyle Goldstein, diretor de
Engajamento Asiático em Prioridades de Defesa, ao think tank com sede nos EUA.
Segundo Goldstein, o estreito de Luzon se tornou
uma parte "cada vez mais importante" dos preparativos dos EUA para
uma "contingência em Taiwan" em meio às crescentes tensões entre
Pequim e Washington sobre a ilha. "Os EUA têm tentado estabelecer as bases
para se prepararem para o dia em que terão de enviar forças de forma
significativa para Luzon", disse o acadêmico norte-americano.
O think tank observou que Pequim vê o grande
desígnio de Washington e continua a alertar Manila sobre as consequências
potencialmente desastrosas da cooperação EUA-Filipinas no cenário de Taiwan.
De acordo com o grupo, os EUA não deveriam
encorajar Manila a se envolver em um conflito direto com a China, não só porque
é provável que termine muito mal para as Filipinas, mas porque corre o risco de
os EUA serem arrastados para o conflito. O Tratado de Defesa Mútua
EUA-Filipinas de 1951 exige que ambas as nações se apoiem mutuamente caso outra
parte as ataque.
"Minha opinião é que não deveríamos sequer
considerar entrar em guerra por causa de rochas e recifes ou por diferentes
interpretações da lei do mar. Isso seria extremamente tolo e imprudente, e
seria muito difícil de explicar aos contribuintes americanos", alertou
Goldstein.
Embora a atual disputa sino-filipina ainda não se
tenha traduzido em uma crise grave, tornou-se "um agente cada vez mais
perigoso e um potencial ponto de ignição" para as tensões latentes entre
os EUA e a China, concluiu o artigo do think tank.
Fonte: Deutsche Welle/Exame/Sputnik Brasil
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