sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Qual será o impacto da desaceleração da China no Brasil

A desaceleração da economia chinesa vem piscando nos radares de analistas. Especialistas ouvidos pela DW avaliam que o país asiático chegará a 2030 com um modesto crescimento de 2,5% a 4,5% por ano – fonte de preocupação de longo prazo para exportadores brasileiros, já que a China é hoje o maior comprador de produtos do Brasil.

O efeito da redução do ritmo da produção chinesa é tão relevante que foi incluída neste ano pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) entre os atuais cinco grandes riscos para a economia global – os outro quatro são inflação persistente, endividamento público, fragmentação geoeconômica e precificação dos mercados financeiros globais.

Diversos motivos explicam a desaceleração da China e o próprio governo em Pequim já está ciente deles há muitos anos, bem como da necessidade de fazer reformas para garantir um crescimento sustentável no futuro, diz Margaret Myers, diretora para Ásia e América Latina no think tank Inter-American Dialogue, baseado em Washington.

“O problema é que a China fez apenas algum progresso em relação ao avanço de sua agenda de reformas. A questão agora é se pode fazer ajustes urgentes e politicamente difíceis a tempo de corrigir sua situação econômica”, diz.

A desaceleração chinesa envolve questões estruturais. Entre elas, a mudança do modelo antes centrado como polo manufatureiro global para o eixo da inovação e os esforços do governo para combater desequilíbrios na economia, com efeitos colaterais na atividade.

O quadro se agravou a partir do segundo trimestre deste ano, com o avanço da crise imobiliária, em que construtoras com endividamento elevado passaram a enfrentar dificuldades diante do vencimento de dívidas. Por décadas um dos motores da expansão chinesa, o setor passou a contaminar as expectativas sobre o país e a capacidade de reação pública.

A economia chinesa, depois de crescer a dois dígitos em dez dos 19 anos de 1992 e 2010, reduziu o ímpeto nos anos seguintes. Entre 2014 e 2019, o PIB do país cresceu entre 6% e 7%.

Algumas das dores do crescimento que a China enfrenta hoje já foram atravessadas por outros países. A economista Alicia García-Herrero, pesquisadora do think tank Bruegel, baseado em Bruxelas, afirma que Coreia do Sul, Japão e Taiwan também passaram por isso quando seu PIB per capita rompeu a barreira dos 10 mil dólares – o da China superou essa marca em 2019 e é hoje de cerca de 13 mil dólares.

Ela estima que a China não será tão bem-sucedida como a Coreia e o Japão para manter o crescimento depois de ter atravessado essa marca, mas se sairá melhor que outros países no mundo, como a Espanha e Polônia. “Mas há riscos que podem piorar esse cenário. Alguns são riscos financeiros porque há muita alavancagem na economia chinesa e outros estão, basicamente, relacionados com a conexão entre o setor imobiliário e os governos locais”, diz.

·        Impacto no Brasil

Em 2022, a China comprou 27% de tudo o que o Brasil exportou e respondeu por quase metade do superávit comercial brasileiro de 62,3 bilhões de dólares. As exportações para o parceiro asiático no ano passado foram de quase 90 bilhões de dólares, e neste ano superaram os 95 bilhões de dólares. O capital chinês investido no país chega a 71,6 bilhões de dólares, por meio de 235 projetos entre 2007 e 2022.

Por isso, o desempenho econômico chinês é acompanhado com atenção pelo setor privado brasileiro. Mas o perfil das exportações brasileiras – concentrado em alimentos e energia, produtos básicos que atendem a necessidades cruciais do país – deve oferecer uma relativa proteção ao Brasil de grandes impactos dessa desaceleração, diz Larissa Wachholz, da consultoria Vallya Agro.

“O Brasil exporta commodities como o petróleo, que tem a ver com a segurança energética da China, um tema muito prioritário. Além da questão da segurança alimentar. A exportação de soja e mais recentemente de milho são produtos que participam de muitas cadeias diferentes na China e serve à produção de proteína animal no país”, afirma Wachholz.

Fabiana D’Atri, coordenadora do departamento de pesquisas e estudos econômicos do Bradesco, tem análise semelhante. “Se o Brasil está muito mais ligado a esse PIB de consumo, a gente está de certo modo blindado”, diz. Ela acrescenta que a importação de alimentos seria hoje ainda mais relevante para o parceiro asiático do que minério de ferro ou petróleo. “A transição de crescimento chinês não impacta o Brasil no médio prazo”, diz.

O peso dos produtos agropecuários no total das exportações brasileiras mais do que duplicou de 12% em 2010 para 25% em 2023. Hoje, nas vendas para a China, a maior concentração se dá em itens agrícolas e proteínas, ligadas ao consumo das famílias, que este ano deve crescer entre 7% e 8%, explica a coordenadora do Bradesco.

A prioridade dada por Pequim à segurança alimentar também é apontada por Myers, do Inter-American Dialogue, como algo que resguardaria o Brasil de choques mais agudos. “O crescimento da China desacelera, mas sua liderança está determinada em buscar a segurança alimentar e energética”, diz.

 

Ø  Classe média chinesa aperta o cinto do consumo

 

Em um momento de mercado imobiliário em declínio e em meio a um cenário de baixa confiança empresarial, a economia na era pós-pandemia na China tem lutado contra riscos contínuos de deflação. Milhões de membros da classe média chinesa estão “apertando o cinto” e evitando gastar dinheiro até que uma sólida recuperação econômica ocorra no país.

Apesar de uma forte poupança e dos atrativos serviços VIP oferecidos por empresas de gestão de patrimônio bancário, mesmo os chineses relativamente prósperos não estão tão dispostos a investir ou consumir como antes. Empresários chineses têm adotado cautela em meio à desaceleração dos mercados de ações e imobiliário. Dados oficiais chineses corroboram essa visão pessimista, com uma queda significativa nas vendas de imóveis nos primeiros 11 meses de 2023.

Embora as vendas no varejo na China tenham crescido em novembro, a recuperação é atribuída em grande parte às restrições rigorosas de controle da COVID-19 em muitas cidades no ano passado, resultando em uma base de comparação baixa. Especialistas, como Daniel Zipser, da McKinsey, afirmam que, embora as perspectivas do mercado de consumo sejam cautelosamente otimistas, o sentimento de mercado está “próximo do ponto mais baixo da história”. Zipser prevê uma recuperação leve no consumo chinês em 2024.

O aumento significativo na poupança dos residentes e nos depósitos bancários em 2022 é visto como um sinal promissor pelos economistas, indicando que os consumidores terão mais dinheiro para gastar quando a confiança se recuperar. No entanto, a incerteza persiste, e muitos chineses, mesmo com empregos e renda estáveis, permanecem cautelosos ao gastar, influenciados por preocupações sobre o futuro econômico.

O Banco Popular da China indicou que as economias dos residentes em todo o país aumentaram em RMB 17,8 trilhões (aproximadamente US$ 2,49 trilhões) em 2022, com um acréscimo de aproximadamente RMB 26,3 trilhões nas contas bancárias.

Apesar da estabilidade da taxa de desemprego urbano na China nos últimos meses, os jovens enfrentam desafios crescentes, com mais de um em cinco jovens de 16 a 24 anos desempregados em julho. Especialistas destacam a importância de criar um “círculo virtuoso” na economia, onde o consumo alimenta o desenvolvimento industrial, o aumento do emprego, o aumento da renda e, por sua vez, mais consumo.

É enfatizado que o potencial de liberação do consumo precisa do suporte da indústria manufatureira e de serviços para criar novas formas de indústria e consumo, de acordo com as novas demandas. A confiança empresarial é vista como crucial para desencadear investimentos que impulsionem um mercado de trabalho favorável, gerando confiança do consumidor e, subsequentemente, estimulando o consumo.

 

Ø  Disputa crescente entre Filipinas e China é subproduto dos EUA na Ásia-Pacífico, diz think tank

 

As tensões entre Pequim e Manila são alimentadas pelas ações assertivas de Washington no mar do Sul da China e podem potencialmente levar a um conflito regional, alertou o think tank Quincy Institute (QI) para políticas de Estado responsáveis, nesta quinta-feira (28).

As tensões sino-filipinas sobre o mar do Sul da China aumentaram, com Pequim alertando as Filipinas contra "causar problemas e caos".

O ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, instou Manila a agir com "cautela", enfatizando que as relações entre as nações "estão em uma encruzilhada" no dia 20 de dezembro. As observações vieram em resposta a uma série de encontros no mar do Sul da China, incluindo uma colisão de um barco filipino e um navio da guarda costeira chinesa perto das disputadas ilhas Spratly no início deste mês.

As Filipinas alegaram que "navios da Guarda Costeira da China e da Milícia Marítima Chinesa assediaram, bloquearam e executaram manobras perigosas em navios de abastecimento civil filipinos". Pequim destruiu as acusações, acusando o navio filipino de "desconsiderar vários avisos de popa" e "colidir deliberadamente" com o navio chinês.

Na última segunda-feira (25), o Diário do Povo, um jornal estatal chinês, culpou os EUA pela escalada das tensões, argumentando que "as Filipinas dependem do apoio de forças externas, ignoram a boa vontade e a contenção da China e provocam repetidamente os princípios e princípios básicos da China".

O think tank Quincy Institute, com sede em Washington, acredita que a posição da China tem certo mérito.

A disputa que se desenrola entre a China e as Filipinas está longe de ser o único palco das disputas marítimas em curso em Pequim. No entanto, a situação aumentou em um grau maior do que muitos outros, afirma um artigo publicado pelo grupo, citando Sarang Shidore, diretor do programa Sul Global do QI. Segundo Shidore, a resposta assertiva de Manila às táticas da China no mar do Sul da China, que é quase inteiramente reivindicada por Pequim, é "em parte um subproduto da presença norte-americana na região".

"Penso que o envolvimento dos EUA é uma grande razão — o fato de os EUA estarem presentes no teatro, e de haver um compromisso de aliança, torna a situação não apenas uma questão China-Filipinas, mas uma questão China-EUA, e é aí que tudo muda da perspectiva chinesa", disse o estudioso. "Acho que os chineses estão mais preocupados com os EUA neste momento do que com as Filipinas."

Na verdade, os EUA reforçaram a cooperação militar com Manila depois de o presidente filipino, Ferdinand Marcos, ter assumido as rédeas do governo. Sob Marcos, as relações de Manila com Pequim se tornaram tensas, enquanto sob o seu antecessor Rodrigo Duterte, a maioria das disputas entre Filipinas e China foram resolvidas rotineiramente.

Marcos também é conhecido por sua postura pró-Ocidente e anunciou no início de 2023 que seu governo estava considerando um pacto de segurança trilateral com os EUA e o Japão.

Em fevereiro, a administração Marcos concedeu aos militares dos EUA acesso a quatro bases militares filipinas adicionais, além dos cinco locais existentes ao abrigo do Acordo de Cooperação Reforçada em Defesa de 2014 entre os EUA e as Filipinas.

Em agosto, surgiram relatos dizendo que os militares dos EUA estavam em negociações para desenvolver um porto nas ilhas Batanes, no noroeste das Filipinas, que poderia dar a Washington algum controle sobre o canal de Bashi – uma parte do estreito de Luzon entre o mar da China Oriental e o mar do Sul da China. O canal é considerado um ponto de estrangulamento para os navios chineses que se deslocam entre o Pacífico Ocidental e o mar do Sul da China.

"Eles [os chineses] percebem que os riscos para eles são muito altos. Acredito que toda esta tensão com as Filipinas é uma consequência da tensão de Taiwan", disse Lyle Goldstein, diretor de Engajamento Asiático em Prioridades de Defesa, ao think tank com sede nos EUA.

Segundo Goldstein, o estreito de Luzon se tornou uma parte "cada vez mais importante" dos preparativos dos EUA para uma "contingência em Taiwan" em meio às crescentes tensões entre Pequim e Washington sobre a ilha. "Os EUA têm tentado estabelecer as bases para se prepararem para o dia em que terão de enviar forças de forma significativa para Luzon", disse o acadêmico norte-americano.

O think tank observou que Pequim vê o grande desígnio de Washington e continua a alertar Manila sobre as consequências potencialmente desastrosas da cooperação EUA-Filipinas no cenário de Taiwan.

De acordo com o grupo, os EUA não deveriam encorajar Manila a se envolver em um conflito direto com a China, não só porque é provável que termine muito mal para as Filipinas, mas porque corre o risco de os EUA serem arrastados para o conflito. O Tratado de Defesa Mútua EUA-Filipinas de 1951 exige que ambas as nações se apoiem mutuamente caso outra parte as ataque.

"Minha opinião é que não deveríamos sequer considerar entrar em guerra por causa de rochas e recifes ou por diferentes interpretações da lei do mar. Isso seria extremamente tolo e imprudente, e seria muito difícil de explicar aos contribuintes americanos", alertou Goldstein.

Embora a atual disputa sino-filipina ainda não se tenha traduzido em uma crise grave, tornou-se "um agente cada vez mais perigoso e um potencial ponto de ignição" para as tensões latentes entre os EUA e a China, concluiu o artigo do think tank.

 

Fonte: Deutsche Welle/Exame/Sputnik Brasil

 

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