Washington
Araújo: A grande contradição - a IA extermina empregos ou só os reinventa?
Desde
novembro de 2022, como professor universitário, tenho dedicado meus estudos
acadêmicos à Inteligência Artificial (IA) e suas profundas implicações na
organização das sociedades. Nos últimos dois meses, para elaborar este artigo,
mergulhei em um processo intenso de escrita e reescrita, checando fontes
confiáveis, revisando publicações relevantes e desenvolvendo reflexões com colegas
da academia. O resultado é uma análise abrangente do impacto da IA no mercado
de trabalho global, que busca esclarecer tanto os desafios quanto as
oportunidades dessa transformação tecnológica.
A IA
segue remodelando o mercado de trabalho global, trazendo inovação e incertezas.
Em 2025, a narrativa alarmista de que a IA eliminará milhões de empregos
convive com uma realidade mais complexa: a tecnologia, ainda em fase inicial,
depende de supervisão humana, cria novas funções e exige adaptação
contínua.
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Longe
de ser uma ameaça apocalíptica, a IA molda um futuro onde a colaboração entre
humanos e máquinas pode impulsionar produtividade e criatividade, desde que
enfrentemos seus desafios éticos, regulatórios e sociais. Este artigo explora o
impacto global da IA no trabalho, equilibrando o sensacionalismo com a promessa
de um mercado dinâmico, inclusivo e humano.
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Um Mercado Global em Transformação
A IA
está redesenhando o trabalho em escala mundial. Segundo o World Economic Forum
(WEF) no relatório Futuro do Trabalho 2025, a automação pode eliminar 85
milhões de empregos até o fim deste ano, mas criar 97 milhões de novas funções,
especialmente em áreas que demandam interação humano-máquina.
Um
estudo da McKinsey de janeiro de 2025 revela que 75% das empresas globais
utilizam IA generativa, automatizando tarefas como análise de dados, criação de
conteúdo e atendimento ao cliente.
Nos
Estados Unidos, 68% dos profissionais usam IA diariamente, enquanto na China a
adoção em manufatura cresceu 20% desde 2023, segundo a Deloitte. Na Europa, 32%
dos empregos estão expostos à IA generativa, com 5,7% potencialmente
automatizáveis, conforme a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
No
entanto, o temor de substituição em massa é exagerado. Modelos de IA como
ChatGPT, DeepSeek, Grok, Gemini, Perplexity e Claude são propensos a
“alucinações” — respostas falsas ou absurdas geradas com aparente
convicção.
Esses
erros crassos, como informações factualmente incorretas ou irrelevantes, podem
comprometer decisões importantes. Em 2023, o ChatGPT inventou um precedente
jurídico em um tribunal americano, causando constrangimento a advogados.
Em
2024, o DeepSeek fabricou dados financeiros de uma empresa inexistente,
confundindo analistas asiáticos. O Perplexity citou um artigo acadêmico
fictício em uma pesquisa europeia, enquanto o Claude errou a data de um evento
histórico em uma consulta educacional na Austrália em 2025.
Esses
casos evidenciam a fragilidade da IA reforçando a necessidade de supervisão
humana para corrigir falhas e mitigar vieses.
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Hype Versus Realidade: Uma Revolução em Fase Inicial
A
narrativa de que a IA generativa substituirá trabalhadores em larga escala é
alimentada por manchetes sensacionalistas, ou “hype” — termo em inglês que descreve
propaganda exagerada, expectativas infladas ou promessas que superestimam as
capacidades reais de uma tecnologia.
Esse
hype sobre a IA ignora seus limites atuais, como resultados inconsistentes e
dependência de intervenção humana, promovendo uma visão distorcida de automação
total.
Na
prática, os dados apontam para um cenário nuançado. Um estudo do MIT de 2024
indica que apenas 11% dos projetos piloto de IA generativa geram resultados
significativos, e menos de 10% são aplicados em processos críticos.
Empresas
como a OpenAI empregam milhares de revisores humanos para corrigir erros,
desmentindo a ideia de automação completa. A tecnologia está em uma fase
experimental, semelhante à eletricidade no início do século 20 ou à internet
nos anos 1990, com desafios técnicos e éticos a superar.
As
alucinações da IA decorrem de dados de treinamento imperfeitos ou
interpretações errôneas, resultando em respostas confiantes, mas falsas. Vieses
algorítmicos também preocupam: em 2018, um sistema de contratação da Amazon
favoreceu homens devido a dados históricos enviesados, um problema que persiste
em sistemas globais.
Esses
limites criam demanda por profissionais que supervisionem, corrijam e otimizem
a IA, como especialistas em ética algorítmica e gestores de dados. Um relatório
da Goldman Sachs de 2024 sugere que inovações tecnológicas historicamente criam
mais empregos do que eliminam, e a IA deve seguir esse padrão, com 300 milhões
de empregos suscetíveis à automação, mas apenas parcialmente substituídos.
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Educação e Habilidades: A Nova Moeda do Trabalho
A
rapidez das mudanças torna a requalificação profissional essencial. O WEF
alerta que, até 2027, 44% das habilidades atuais serão obsoletas, exigindo
aprendizado contínuo.
Em
Singapura, programas de upskilling capacitaram 25% da força de trabalho em
tecnologia desde 2022, segundo o Ministry of Manpower.
Na
África, a Etiópia investe em academias de codificação, enquanto no Brasil o
Pronatec Digital formou 100 mil pessoas em habilidades digitais desde 2024,
segundo o Ministério da Educação.
Na
Europa, a Alemanha lidera com iniciativas de treinamento em IA, beneficiando
15% dos trabalhadores, conforme o Bundesministerium für Arbeit.
Plataformas
de educação baseadas em IA personalizam treinamentos, ajustando conteúdos ao
ritmo de cada profissional. Nos EUA, 70% das empresas utilizam essas
ferramentas, aumentando a eficácia do aprendizado, segundo a Deloitte
(2024).
A IA
também otimiza a gestão do tempo, automatizando tarefas rotineiras e liberando
trabalhadores para atividades estratégicas. Contudo, habilidades humanas —
criatividade, pensamento crítico, empatia — permanecem insubstituíveis.
Um
estudo da Universidade de Stanford (2023) mostra que profissionais que usam IA
generativa, como consultores, melhoram a qualidade de relatórios em 40%,
evidenciando o poder da colaboração humano-máquina.
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Impactos Setoriais: Ganhadores e Perdedores
O
impacto da IA varia entre setores e regiões. Tecnologia, saúde e energias
renováveis estão em ascensão. Na Índia, a demanda por cientistas de dados
cresceu 30% desde 2023, segundo a NASSCOM. Na Europa, a transição verde
impulsiona a necessidade de engenheiros, com projeção de 15% de aumento até
2030, conforme a European Commission. Funções repetitivas, como telemarketing e
administração, enfrentam riscos maiores. A OECD estima que 27% dos empregos em
economias desenvolvidas são altamente automatizáveis, com menor impacto em
países de baixa renda, onde apenas 26% dos empregos são afetados devido à
infraestrutura limitada, segundo o FMI.
Empresas
globais que adotam IA ganham vantagens competitivas. A Zendesk relata que 60%
das organizações que implementaram IA reduziram custos operacionais, enquanto a
Amazon usa IA para otimizar logística e o Duolingo personaliza aprendizado de
idiomas.
No
entanto, a automação intensiva pode ampliar desigualdades. Na África
Subsaariana, a falta de letramento digital exclui milhões de trabalhadores,
enquanto na América Latina regiões industriais enfrentam desafios sem políticas
de inclusão digital.
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O Papel dos Sindicatos e da Sociedade
Sindicatos
globais estão se adaptando à era da IA. Na Alemanha, o IG Metall negocia
cláusulas para proteger trabalhadores contra demissões algorítmicas, enquanto
na Austrália sindicatos promovem alfabetização digital. Nos EUA, a AFL-CIO
defende regulamentações éticas para IA focando em privacidade e vieses. No
Brasil, a CUT capacitou 50 mil trabalhadores em habilidades digitais desde
2024, segundo dados internos. Sindicatos também buscam assento em comitês de
ética de IA garantindo que a tecnologia não amplifique desigualdades de gênero
ou raça. A OIT estima que 25% dos empregos globais podem ser afetados, com
maior impacto sobre mulheres.
Questões
Jurídicas e Éticas
A
adoção da IA levanta dilemas legais globais: privacidade, responsabilidade por
decisões automatizadas e discriminação algorítmica. A União Europeia lidera com
a AI Act, que entra em vigor em 2025, estabelecendo regras para transparência e
ética. Nos EUA, a ausência de diretrizes federais cria incertezas, enquanto a
China prioriza controle estatal sobre IA. No Brasil, a Lei Geral de Proteção de
Dados (LGPD) regula dados, mas carece de especificidade para IA, com 61% das
empresas enfrentando dificuldades regulatórias, segundo a Deloitte (2025).
Normas da OIT, como a Convenção 87 (liberdade sindical) e a Convenção 155
(segurança no trabalho), reforçam a proteção dos trabalhadores.
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Perspectivas para o Futuro
A
revolução da IA está apenas começando. Até 2030, 30% das horas trabalhadas
globalmente podem ser automatizadas, segundo a McKinsey, mas as falhas da IA
garantem a centralidade humana. O WEF projeta 170 milhões de novos empregos até
2030, contra 92 milhões extintos, resultando em um ganho líquido de 78 milhões
de vagas. A MIT Technology Review (maio de 2025) reforça que a colaboração
humano-máquina é o caminho, com a IA amplificando a produtividade.
Governos,
empresas e universidades devem atuar juntos. Singapura e Coreia do Sul investem
bilhões em requalificação, enquanto a África precisa de infraestrutura digital.
Na América Latina, políticas como o Pronatec Digital são passos iniciais, mas
insuficientes. Marcos regulatórios éticos, como os debatidos na ONU, são
cruciais para garantir transparência e inclusão. Redes de proteção social, como
renda mínima, podem suavizar transições, especialmente em economias emergentes.
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Construindo um Futuro Colaborativo
A IA
não é uma ameaça iminente, mas uma ferramenta poderosa que exige
responsabilidade. Seus limites — alucinações, vieses, dependência humana —
criam oportunidades para trabalhadores qualificados e sistemas éticos. Como
disse Andrew Ng, “a IA não substituirá pessoas, mas pessoas que usam IA
substituirão aquelas que não a usam”. Contudo, é natural que o ser humano se
sinta desafiado ao sair da zona de conforto.
Na
década de 1980, gerações que dominavam máquinas de escrever Remington e
Olivetti enfrentaram a transição para computadores com teclados e mouses; em
poucos anos, as máquinas tornaram-se peças de museu. Nos anos 1990, o hábito
secular de enviar cartas foi substituído por e-mails e, a partir dos anos 2010,
por mensagens instantâneas como WhatsApp e Telegram. Enciclopédias como Barsa e
Delta Larousse, indispensáveis até os anos 2000, foram superadas por
ferramentas de busca como Google e Yahoo. Até a profissão de ascensorista,
comum até os anos 1970, foi extinta por elevadores inteligentes que, hoje, com
vozes automatizadas, guiam passageiros aos andares desejados.
Esses
exemplos mostram que o progresso exige deixar o conforto para trás. Essa
verdade vale para o indivíduo, sua geração e a sociedade, impulsionando-nos a
abraçar a IA com coragem e responsabilidade para construir um futuro de
trabalho global inovador e inclusivo.
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Projeto de Trump suspende regulações de IA e favorece Big
Techs: alerta para o Brasil. Por Reinaldo José Aragon Gonçalves
O
Congresso norte-americano deu um passo decisivo rumo à consolidação de uma
agenda legislativa alinhada aos interesses das grandes corporações
tecnológicas. Aprovado por margem apertada na Câmara dos Deputados, o projeto
batizado por Donald Trump de "One Big Beautiful Bill" representa uma
reconfiguração profunda nas políticas públicas, fiscais e regulatórias dos
Estados Unidos. Embalado sob o discurso de reconstrução nacional e combate à
burocracia, o projeto impõe uma moratória de dez anos para que estados
norte-americanos legislem sobre inteligência artificial, desmonta regulações
estaduais já existentes e congela mais de 60 propostas em tramitação que
buscavam mitigar os riscos de algoritmos enviesados, proteger dados sensíveis
da população e estabelecer limites ao uso de IA por parte de governos e
empresas.
Esse
movimento não ocorre isoladamente. Ao mesmo tempo, em que o projeto canaliza
bilhões de dólares para tecnologias de vigilância de fronteiras, amplia
investimentos em segurança e reduz drasticamente incentivos para energias
renováveis, saúde pública e programas sociais, ele também expande os benefícios
fiscais herdados da era Trump, como as isenções tributárias para grandes
fortunas e o chamado “Trump Accounts” — uma poupança automatizada para
recém-nascidos que isenta dividendos de impostos. A peça orçamentária
representa uma síntese do tecno-libertarianismo que caracteriza o núcleo duro
do trumpismo, colocando em prática a ideia de que o Estado deve recuar diante
da iniciativa privada, especialmente quando esta é representada pelas
plataformas digitais e empresas de tecnologia do Vale do Silício.
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Analistas
apontam que esse modelo de governança, embora justificado pela promessa de
inovação e desburocratização, fragiliza a soberania informacional do país e
transfere poderes tradicionalmente públicos às corporações privadas. O bloqueio
da regulação de IA pelos estados significa, na prática, um sinal verde para
empresas como OpenAI, Google, Amazon e Meta desenvolverem e aplicarem
tecnologias altamente sensíveis sem a mediação de critérios locais de
transparência, segurança ou justiça algorítmica. O que se configura é uma
blindagem institucional que favorece o domínio absoluto das big techs em um
setor estratégico para a governança democrática do século XXI.
As
consequências desse tipo de política ultrapassam as fronteiras dos Estados
Unidos. No Brasil, cresce o risco de mimetização desse modelo por meio de
pressões articuladas por parlamentares ligados à chamada “bancada do like” e
pela recém-estruturada Frente Parlamentar Mista da Economia Digital e Inovação,
conhecida informalmente como “frentecyber”. Ambos os grupos operam com forte
influência de think tanks e representantes do setor privado digital, que atuam
no Congresso para evitar regulações consideradas “restritivas” para o
crescimento das plataformas e da economia baseada em dados. Nos bastidores,
multinacionais do setor tecnológico pressionam por um ambiente regulatório mais
“flexível”, frequentemente argumentando que qualquer limitação pode afastar
investimentos e prejudicar a inovação nacional.
Esse
cenário é ainda mais preocupante quando se observa que algumas propostas
brasileiras em tramitação seguem a mesma lógica desregulatória da legislação
trumpista. Há tentativas de restringir a atuação de estados e municípios na
definição de normas sobre proteção de dados, regulação de algoritmos e uso
ético de IA. Além disso, discursos políticos e campanhas institucionais vêm
sendo pautados por uma visão que transforma a soberania informacional em um
obstáculo ao “progresso digital”, invertendo os termos do debate e promovendo o
apagamento da centralidade dos direitos humanos e do bem comum.
A
importação acrítica desse modelo de governança digital, impulsionado por
políticas como o “One Big Beautiful Bill”, representa uma ameaça concreta à
capacidade do Brasil de definir seu próprio rumo no campo da inteligência
artificial, da proteção de dados e da regulação das plataformas. Não se trata
de rejeitar a inovação, mas de reconhecer que sem garantias de soberania
informacional, o país corre o risco de se transformar em um território de
experimentação das big techs, com pouca ou nenhuma capacidade defensiva
institucional contra abusos, manipulações informacionais e desequilíbrios
econômicos e políticos.
A
ofensiva que hoje avança nos Estados Unidos sob o segundo fôlego político de
Trump — ainda que este não esteja formalmente no poder — serve de alerta para
que o Brasil fortaleça suas instituições reguladoras, proteja as iniciativas
estaduais e municipais que buscam garantir transparência e justiça algorítmica,
e resista às pressões de grupos políticos que, em nome da liberdade econômica,
favorecem a captura da política pública por interesses privados globais. Em
tempos de guerra híbrida e manipulação informacional massiva, como já
denunciado por inúmeros pesquisadores brasileiros, garantir soberania
informacional é mais do que uma medida preventiva — é uma exigência
democrática.
Fonte:
Brasil 247

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