Quem
ganha e quem perde com a alta do preço do café?
Eventos
climáticos extremos, como falta de chuva no Brasil e Vietnã, além de novas
exigências de sustentabilidade, pressionam cadeia produtora e elevam preços –
mas há quem lucre com essa dinâmica.
Por
trás da xícara de café fumegante que chega à mesa, há uma cadeia complexa
desde a lavoura até o supermercado ou a cafeteria. São muitos os fatores,
portanto, que contribuem para a escalada dos preços do produto que ocorre no
mundo desde 2021. No Brasil, a inflação do café moído
foi de 80% nos últimos 12 meses, a maior alta em 30 anos.
A causa
mais evidente tem a ver com a crise climática e fenômenos
como secas prolongadas, inundações, tempestades e furacões que prejudicam
colheitas. Além da menor oferta, há custos operacionais e de transporte mais
altos, incertezas do mercado e o aumento da demanda.
O
Brasil é o maior produtor, responsável por 35% da oferta global, seguido pelo
Vietnã (15%). Juntos, eles produzem metade do café consumido no mundo. Ao lado
de Indonésia, Colômbia e de alguns países da África e da América Central, eles
determinam a disponibilidade do grão, explica à DW Jorge Mario Martínez,
diretor do escritório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
(Cepal) no México. Outros produtores latino-americanos relevantes são Honduras,
Peru, Guatemala e México.
Martínez
aponta que o cenário de inflação se deve sobretudo a "condições secas e
quentes no Brasil e no Vietnã e por chuvas excessivas na Indonésia nos últimos
anos, que causaram perdas e danos às plantações e cuja recuperação não é
imediata, além de custos de produção mais altos".
Como
consequência, as exportações gerais registraram um declínio. Em janeiro deste
ano, elas caíram 14,2% em comparação com o mesmo mês de 2024, de acordo com
dados da Organização Internacional do Café (OIC), sobretudo na América do Sul.
Além do
impacto do clima, Victor Bautista, um dos diretores da ProColombia (organização
colombiana de promoção do comércio e turismo), menciona as altas tarifas de
importação impostas pelos Estados Unidos ao Vietnã, que chegam a 46%. "Não
se sabe se elas são de longo ou médio prazo. Isso traz instabilidade, o que não
é bom para os mercados. O planejamento da safra e o processo de produção
precisam de estabilidade", diz.
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Demanda
crescente
Em
2024, o preço do café verde (em seu estado natural) aumentou 38,8% em relação
ao ano anterior, levando em conta o indicador composto (I-CIP), uma das
referências mais usadas pela indústria cafeeira.
Esse
aumento não foi totalmente repassado ao consumidor final. Nesse período, o
preço de venda ao consumidor aumentou 6,6% nos Estados Unidos e 3,8% na União Europeia – os principais
importadores.
Mesmo
assim, a procura pela bebida está em alta, após um declínio na pandemia. Isso
se explica, em parte, pela demanda "inelástica" do produto – no
jargão econômico, quer dizer que quem bebe café não está disposto a mudar esse
hábito, o que é facilitado pela ampla gama de variedades e preços disponíveis.
Mas
essa demanda vem com novas exigências, como sustentabilidade ou o uso de
fertilizantes orgânicos, o que implica mais custos e investimentos, ressalta
Martínez.
"É
mais conveniente para nós vender para a Europa, porque é um mercado mais justo,
que gosta e conhece a qualidade dos cafés, e eles nos pagam por todo o esforço
seletivo que fazemos", afirma Jorge Utrilla, diretor geral do Instituto do
Café de Chiapas (Incafech), no México.
A
especialidade da região é o café cultivado à sombra. Utrilla explica que isso
ajuda a manter temperaturas mais controladas, reduz a erosão do solo e facilita
a coexistência com a flora e a fauna locais.
Outro
motivo a ser levado em conta é o aumento das compras por países europeus, que
buscaram se antecipar à entrada em vigor da lei
antidesmatamento.
Após adiamento, a lei está prevista para começar em 2026 e pretende endurecer
as normas ambientais para quem vende ao mercado europeu.
·
Oportunidades
e desafios para produtores
Desde a
plantação, passando pelo comprador ou exportador, transporte, torrefação e
alfândega, até o consumidor, cada intermediário acrescenta trabalho e valor ao
café. Uma libra (455 gramas) de café verde, cotado a cerca de 3,54 dólares em
fevereiro – o maior valor em 50 anos – pode render mais de 50 xícaras em uma
cafeteria na Europa, onde o cliente paga mais de três euros por xícara.
Para
Utrilla, a alta dos preços do café tem favorecido o trabalho no campo.
"Este é o ano do produtor. Para o cafeicultor local, este ciclo de
colheita foi excelente porque os preços subiram. Hoje, como nunca na história,
ele é o maior beneficiário da cadeia", diz.
"Para
os produtores, há um retorno maior, o que é positivo, porque são eles que têm
de fazer os investimentos em seus cultivos e processos de produção, o que lhes
permite melhorar a competitividade", diz Bautista, da ProColombia. Em seu
país, o café é responsável por quase 60% do território cultivado. "Mais de
meio milhão de famílias se dedicam a ele. São produtores de pequeno e médio
porte que dependem dessa cultura, e esse preço nos ajuda".
Entretanto,
preços mais altos impõem também desafios, observa. Cerca de 95% do café
colombiano é exportado e enfrenta a competição com outros mercados. Outro
efeito da demanda externa aquecida é a menor oferta do produto nos países
produtores.
"O
alto preço nos mercados internacionais, o mais alto dos últimos 35 anos,
incentivou as exportações e os produtores e distribuidores preferem vender
nesses mercados. Isso pressiona os preços no mercado local", explica
Utrilla.
O
representante da Cepal aponta para uma particularidade do mercado internacional
de café: há muitos produtores e poucas empresas que dominam as transações
internacionais. Os altos preços atuais beneficiam o intermediário internacional
que consegue controlar grandes quantidades de café para processamento e
comércio, assim como "os médios e grandes produtores e aqueles que
pertencem a cooperativas ou associações que têm maior poder de barganha".
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Estabilidade
à vista?
Nos
últimos meses, entretanto, houve uma ligeira queda no I-CIP, o índice de
referência da OIC. As exportações, com exceção da América do Sul, registraram
um aumento. "Historicamente, depois que os preços do café sobem, vem um
processo de ajuste para baixo, quando a demanda se estabiliza, e a produção se
recupera. Os dados de março e abril podem indicar que esse processo de ajuste
já começou", observa Martinez.
Entretanto,
"é incerto se o declínio será rápido ou lento. O que se pode prever é o
aumento da volatilidade dos preços internacionais devido a fatores climáticos
nos países produtores, onde as secas e inundações estão se tornando mais
frequentes", diz ele.
O
consumo crescente de café e a necessidade de aumentar a produção são uma
oportunidade para os produtores, com preços que recompensam seu investimento,
"mas também é importante crescer de forma sustentável", ressalta o
representante da ProColombia.
"As
condições climáticas nos fazem ver que precisamos falar sobre sustentabilidade
no processo de produção. Estamos intimamente ligados a seguir boas práticas
ambientais e a ter mais certificações orgânicas e de comércio justo. Essas são
condições importantes para o processo de produção, assim como a criação de uma
estrutura regulatória que não aumente muito os preços", enfatiza.
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Físicos revelam segredo para extrair mais sabor do café
Uma
simples mudança na forma de despejar a água pode intensificar o sabor do café filtrado, que é tão popular no Brasil. Com o aumento do preço dos grãos moídos no país e no mundo,
evitar o desperdício pode ajudar o consumidor a economizar.
Físicos
pesquisaram como obter uma bebida forte com a menor quantidade de café possível
com um filtro manual, também conhecido como coador entre os brasileiros. O
principal conselho dos especialistas é verter a água de uma altura considerável
e de forma contínua sobre o pó de café.
Embora
nunca tenha saído de moda no Brasil, o café filtrado tem ganhado popularidade
no exterior. Neste método, a água quente é tradicionalmente despejada lenta e
circularmente sobre o café moído, que repousa sobre um coador de cerâmica ou
plástico, coberto com um filtro de papel.
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Método ideal para um café forte
Os
bules conhecidos como "pescoço de ganso", que tem o bico em formato
curvado, permitem o despejo preciso de uma altura considerável, melhorando a
extração do sabor.
Conforme
explicam os pesquisadores, que publicaram os resultados na revista
científica Physics of Fluids, este é instrumento ideal para verter
a água, porque permite atingir a altura e a vazão necessárias.
Mas
eles argumentam que um jato de água forte e concentrado, ao invés de lento e
circular, cria uma espécie de avalanche no café moído: o café deslocado circula
enquanto a água flui mais profundamente no leito do café. Isso resulta em uma
mistura mais intensa de água e café moído e, portanto, num café mais forte.
"Se
o jato for fino, ele tende a se desfazer em gotículas. É isso que você quer
evitar em derramamentos, porque o jato não consegue misturar o café de forma
eficaz", explicou a coautora Margot Young, da Universidade da Pensilvânia.
Além do
café moído, a equipe usou partículas transparentes iluminadas por laser em um
funil de vidro para rastrear e analisar a dinâmica da mistura. Em geral, é
possível aprender muito de física e química na cozinha, explicou o coautor
Arnold Mathijssen, da Universidade da Pensilvânia. "Isso leva a novas
descobertas científicas onde menos se espera."
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Brasil é o segundo maior consumidor
A cada
ano, o mundo consome vários bilhões de quilos de café em todo o mundo, de
acordo com especialistas do setor nos Estados Unidos (EUA).
A
Associação Brasileira de Indústrias de Café (Abic) diz que o Brasil é o segundo
país que mais consome café em termos absolutos, ficando atrás apenas dos EUA.
Mas os brasileiros superam os americanos no consumo per capita, tomando em
média 1.430 xícaras ao ano.
Entretanto,
o preço do café tem subido drasticamente globalmente — incluindo no
Brasil, onde os alimentos em geral ficaram mais caros. Para os
brasileiros, o aumento chegou a 66% em doze meses, de acordo com o Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) divulgado em março.
Já a
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) reportou que
o preço mundial do café subiu quase 40% no ano passado.
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Mudanças climáticas por trás
A FAO
atribui a subida nos preços ainda à limitação das exportações do Vietnã,
produção reduzida na Indonésia, condições climáticas adversas no Brasil e
aumento dos custos de transporte.
O
avanço das mudanças climáticas ameaça o cultivo do café. Áreas
adequadas para as lavouras estão sendo perdidas, e eventos climáticos extremos
prejudicam a as safras.
"No
Brasil, as condições climáticas secas e quentes levaram a sucessivas revisões
para baixo das previsões de produção para 2023/24, com as estimativas oficiais
caindo de um aumento de 5,5% em relação ao ano anterior para uma redução de
1,6%", afirmou a organização.
Ainda
segundo a FAO, os preços de exportação do café poderão subir ainda mais em 2025
se as principais regiões produtoras sofrerem novas reduções significativas da
oferta. Ao mesmo tempo, a demanda global está aumentando, especialmente na
Ásia, o que contribui para a tendência de encarecimento.
Fonte:
DW Brasil

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