Por
que legado de Malcom X permanece atual
Ativista
ainda é inspiração contra opressão dos negros, 100 anos após seu nascimento. Em
meio aos esforços de Trump de branquear história dos EUA, palavras de Malcolm X
estão mais relevantes do que nunca.
"O
que você acha que faria depois de 400 anos de escravidão, Jim Crow e
linchamentos? Você acha que responderia de forma não violenta?" Essas
foram algumas das principais perguntas que Malcolm X fez à sociedade americana.
Embora
a escravidão tenha sido abolida nos Estados Unidos em 1865, as chamadas leis
Jim Crow continuaram a consolidar a discriminação cotidiana contra os negros
até 1964. Eles não tinham permissão para votar ou sentar-se ao lado de brancos
em ônibus ou restaurantes. Viviam em guetos e tinham empregos precários.
"Malcolm
X abordou exatamente as questões que estavam fervilhando na mente dos
afro-americanos oprimidos", disse Britta Waldschmidt-Nelson, autora da
biografia Malcolm X: The Black Revolutionary.
Sua
mensagem para os afro-americanos foi clara: tenham autoconfiança! Lutem por
seus direitos da forma que for necessária – até mesmo com violência, se
preciso.
Na
biografia de Malcom X escrita pelo jornalista americano e ganhador do Prêmio
Pulitzer Les Payne (1941-2018), ele relembrou como um discurso do ativista em
1963 o libertou, como um "golpe de espada", do "sentimento
condicionado de inferioridade como homem negro" profundamente enraizado em
sua psique.
Esse
era exatamente o objetivo declarado de Malcom X.
• Infância marcada pelo racismo
Nascido
em 19 de maio de 1925, em Omaha, Nebraska, com o nome de Malcolm Little, o
ativista passou a infância perto de Detroit, em meio à pobreza e violência.
Ele
tinha seis anos de idade quando seu pai foi encontrado morto, assassinado por
supremacistas brancos, segundo relatos. Completamente sobrecarregada, com sete
filhos e pouco dinheiro, a mãe de Malcom enfrentou problemas de saúde mental.
Malcolm foi, então, submetido a várias famílias adotivas e instituições. Mais
tarde, em sua autobiografia, ele falou sobre o "terror dos assistentes
sociais muito brancos".
Apesar
de início de vida difícil, ele era um bom aluno, o único negro de sua classe.
Uma experiência em particular teve um impacto profundo sobre ele: seu professor
favorito lhe perguntou o que ele queria ser quando crescesse. Malcolm respondeu
que gostaria de estudar direito. Mas o professor, dirigindo-se a ele com um
insulto racista, disse que essa não era uma meta realista para um garoto como
ele.
Depois
desse episódio, suas notas caíram drasticamente. Aos 15 anos, Malcolm X se
mudou para Boston para morar com sua meia-irmã Ella Collins e, mais tarde, para
Nova York. Ele se sustentava fazendo bicos, até passar a cometer pequenos
crimes. Aos 20 e poucos anos, foi preso por vários roubos.
"Aqui
está um homem negro enjaulado atrás das grades, provavelmente por anos,
colocado lá pelo homem branco", escreveu mais tarde em sua autobiografia.
"Você permite que esse homem negro enjaulado comece a perceber, como eu
fiz, que desde o primeiro desembarque desse primeiro navio negreiro, os milhões
de homens negros na América têm sido como ovelhas em um covil de lobos. É por
isso que os prisioneiros negros se tornam muçulmanos tão rapidamente quando os
ensinamentos de Elijah Muhammad entram em suas jaulas por meio de outros
condenados muçulmanos."
O
mentor a que Malcolm X se refere, Elijah Muhammad, era um separatista negro e
líder da Nação do Islã, uma organização político-religiosa de afro-americanos
fora da ortodoxia islâmica.
• Luta contra os "demônios
brancos"
A Nação
do Islã "afirma que todos os negros são inerentemente filhos de Deus e
bons, e todos os brancos são inerentemente maus e filhos do demônio",
explica a biógrafa Waldschmidt-Nelson. "O que tornou isso muito atraente
para Malcolm e muitos outros presos, é claro, é que alguém viria e diria:
'Vocês não são culpados por sua miséria; foram os demônios de olhos azuis que
os fizeram se desviar'."
Depois
de entrar para a organização, ele começou a se chamar Malcolm X, porque os
sobrenomes dos afro-americanos eram historicamente atribuídos por seus
proprietários de escravos. Portanto, os membros da Nação do Islã rejeitavam
seus nomes de escravos e se chamavam simplesmente de "X".
Durante
os sete anos em que passou na prisão, ele buscou mais conhecimento e permaneceu
como membro da Nação do Islã por 14 anos. O líder Elijah Muhammed apreciava a
perspicácia intelectual e as habilidades oratórias do jovem e o tornou o
porta-voz da organização.
Em seus
discursos, Malcolm X denunciou várias vezes os "demônios brancos".
Embora vivesse nos estados do norte dos EUA – espécie de "terra
prometida" para os negros dos estados do sul, ainda mais restritivos –,
ele também não depositava mais nenhuma esperança nos "liberais"
brancos de lá. Afinal de contas, ele havia experimentado pessoalmente como os
negros eram tratados como cidadãos de segunda classe em todos os Estados
Unidos.
Malcolm
X há muito tempo desdenhava do movimento pelos direitos civis de Martin Luther
King Jr. Ele criticou o famoso discurso de King na Marcha sobre Washington, em
1963, que falava de uma América livre e unida, que ultrapassasse todas as
barreiras raciais, por considerá-lo irrealista. "Não, eu não sou
americano. Sou um dos 22 milhões de negros que são vítimas do americanismo.
[...] E vejo os Estados Unidos com os olhos da vítima. Não vejo nenhum sonho
americano; vejo um pesadelo americano."
Elijah
Muhammad, fundador e líder da Nação do Islã, à direita, apresenta Malcolm X em
Chicago, em 1961Foto: picture alliance/AP Photo
• Peregrinação a Meca e mudança de atitude
Depois
de ficar desiludido com o líder da organização, Malcolm X rompeu com a Nação do
Islã em março de 1964.
Naquele
mesmo ano, ele fez uma peregrinação a Meca, e sua impressão a respeito dos
"demônios brancos" começou a mudar. "Ele ficou profundamente
impressionado com a hospitalidade e a cordialidade com que foi recebido, até
mesmo por muçulmanos brancos na Arábia Saudita", escreve Britta
Waldschmidt-Nelson em sua biografia. "E então, no último ano de sua vida,
ele se afastou dessa doutrina racista", disse ela à DW.
Ele se
lançou a um novo propósito: "Malcolm X queria criar uma aliança de todas
as pessoas de cor oprimidas contra a opressão colonial branca", diz a
biógrafa.
Em uma
viagem à África, os governos elogiaram sua intenção, mas ele não podia contar
com o apoio deles: "É claro que todos eles dependiam da ajuda ao
desenvolvimento dos EUA, e a maioria dos governos africanos não teria agido
abertamente contra os EUA naquela época."
Martin
Luther King Jr. e Malcolm X na única vez em que se encontraram, em Washington,
D.C., em março de 1964Foto: Henry Griffin/AP Photo/picture alliance
Em vez
disso, Malcolm X tornou-se o foco da CIA, o serviço de inteligência americano.
A Nação do Islã também estava em seu encalço. "Ele sabia que seria
assassinado, e foi uma decisão consciente de sua parte enfrentá-la", diz
Waldschmidt-Nelson. "Ele provavelmente disse a si mesmo: 'Não posso
desistir agora'. Depois de sua experiência em Meca, Malcolm embarcou em um
caminho completamente novo, aberto a colaborar com o movimento de direitos
civis de King e, se necessário, também com os brancos."
Mas
isso nunca aconteceu. Em 21 de fevereiro de 1965, ele foi morto a tiros durante
uma palestra, por membros da Nação do Islã. Ele tinha apenas 39 anos de idade.
• Legado atual
Na
década de 1980, artistas de hip-hop celebraram o legado de Malcolm X citando
trechos de seus discursos em suas músicas: "Tudo isso teve muita
ressonância", disse Michael E. Sawyer, professor de literatura e cultura
afro-americana na Universidade de Pittsburgh.
"Foi
uma maneira de criar esse tipo de ressurgimento da identidade negra como também
uma identidade política." As músicas serviam como declarações políticas de
guerra contra o racismo branco, a brutalidade policial e o empobrecimento dos
negros marginalizados.
Em
1992, Spike Lee adaptou a autobiografia de Malcolm X em um filme estrelado por
Denzel Washington, o que também contribuiu para transformar a figura
revolucionária num ícone que forjou a identidade cultural de muitos negros.
Hoje,
como o esforço do atual governo dos EUA em branquear a história e subestimar as
consequências do racismo na formação do país, e com o movimento Make America
Great Again (MAGA) se opondo a qualquer crítica à suposta glória passada dos
Estados Unidos, as palavras de Malcolm X estão mais relevantes do que nunca:
"Você não deve ficar tão cego de patriotismo que não consiga encarar a
realidade. O errado é errado, não importa quem o faça ou o diga."
Fonte:
DW Brasil

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