terça-feira, 13 de maio de 2025

Pedro Varoni: Os perfis falsos, os roubos de contas nas redes sociais e as muitas camadas da desinformação

Tive a minha conta do Instagram hackeada há uns dias. É um acontecimento pessoal, mas capaz de exemplificar o universo perverso da tecnocracia das big techs. Não há possibilidade de diálogo para resolução de problema e nem retorno para as reclamações: as inúmeras denúncias minhas e de amigos de que minha conta estava sendo manipulada por terceiros ecoaram no silêncio, postura que, no mínimo, acoberta a criminalidade.

Mesmo plataformas dedicadas às relações comerciais, como Reclame aqui revelam sua impotência diante de empresas que não costumam dar atenção às queixas, como é o caso da Meta, dona do Instagram e Facebook. Só consegui resolver o problema via judicial e reaver a conta depois de 20 dias.

Recorro a esse problema pessoal por vislumbrar nele algo além da superfície, uma dimensão talvez pouco discutida sobre os efeitos e perigos da desinformação em nosso tempo, ainda mais no contexto da inteligência artificial generativa. Olga Tocarczuk, premiada escritora polonesa, em seu livro, Escrever é muito perigoso, diz que a difusão das redes criou uma outra instância psicológica, o narrador de si mesmo. A minha conta está longe de ser relevante do ponto de vista quantitativo (pouco mais de 1.000 pessoas), uma comunidade formada por ex-colegas das redações por onde passei, os conterrâneos das Minas e Gerais, alunos e professores, parceiros musicais, família. Os posts pessoais estão presentes, mas creio não serem predominantes. Usava a plataforma, principalmente, para divulgar informações profissionais, como divulgação de textos e eventos acadêmicos.

O invasor se deparou com esse universo e se apegou à dimensão profissional para difundir sua desinformação. Uma foto minha com a apresentadora Maria Cândida foi usada algumas vezes para propor vantagens financeiras, circulando na forma de stories ou mensagens às pessoas de minha restrita comunidade. A escolha do papel social a ser ocupado pelo criminoso recai sobre o jornalista, talvez em busca de algum signo de credibilidade profissional que o autorize a aplicar os golpes financeiros.

Foram os amigos que me avisaram, numa segunda-feira de manhã, de que algo estava estranho. Desconfiaram das expressões usadas, do conteúdo, da sintaxe. Mas é evidente que nessa comunidade de mil pessoas, nem todos poderiam ter essa consciência. Não tenho, felizmente, notícia de alguém que caiu no golpe.

Alguns desses amigos deram corda ao invasor em trocas de mensagens privadas. O hacker apresenta a proposta de um investimento instantâneo, oferecendo um pix, com retorno em cinco minutos e uma tabela de valores investidos: R$ 300 reais garantem um retorno de R$ 1mil. Em algum momento, o meu amigo questiona o invasor, pede que ele confirme o seu nome e diga de onde o conheceu. Diante da negativa, meu amigo diz: “Vou falar com o Pedro de verdade. O invasor se irrita: “Sou professor e jornalista, não tenho porque ficar de gracinha”. 

Vejo tutoriais no YouTube sobre recuperação de contas, falo com os amigos mais jovens e descubro que tenho de agir rápido, o que significa adiar as demandas do trabalho. Consigo recuperar e postar uma foto com as imagens falsas, denunciando o golpe. Fiquei aliviado, mas enquanto tomava o café da manhã, o meu post desapareceu e não consegui mais entrar na conta. Perdi algumas boas horas nos dias seguintes: reconhecimento facial, envio de mensagens para a plataforma, envio de mensagens em rede para os meus contatos do WhatsApp avisando-os do hackeamento. Alguém me diz que é preciso ter, no mínimo, 300 denúncias, o que me leva a reforçar o pedido aos familiares e amigos mais próximos.

Como nada disso funcionou, busquei os meios judiciais para ter meus direitos preservados e a resposta foi relativamente rápida, em menos de uma semana a Justiça determinou que o Instagram me enviasse um e-mail para recuperação da conta. No dia em que escrevo esse texto, recebi a mensagem na minha caixa postal e consegui, finalmente, reaver a conta.

Entre as manifestações dos amigos, recebo a coluna de Drauzio Varella na FolhaQuadrilhas da internet, com o relato dos perfis falsos em seu nome, cujos efeitos têm, evidentemente, uma dimensão muito maior, tanto pela popularidade do escritor e médico, quanto por tratarem de saúde. Drauzio revela as infrutíferas tentativas de sua equipe em reclamar na Meta: “Concluímos que a empresa não tinha nenhum interesse em dar fim a esse crime contra a saúde pública. Muito pelo contrário, não apenas mantinha os vídeos no ar como acobertava a identidade desses golpistas”, escreve.

Drauzio observa que hoje, com a inteligência artificial, as manipulações dos perfis falsos em seu nome se tornam cada vez mais convincentes, com o recurso que simula a voz e a imagem da pessoa. “O que me dói é ser parado na rua por pessoas simples que me perguntam por que não melhoram com o remédio que eu teria recomendado. Ou que pagaram sem nunca receber a encomenda”, conclui.

 A argumentação de Dráuzio toca em um ponto central, a necessidade de regulamentação das redes. Os multimilionários donos dessa plataforma invocam o argumento da liberdade de expressão para se oporem à regulamentação e são seguidos pela legião de extrema direita no Congresso, nas ruas, nas redes. “Como assim? Associar-se a meliantes que praticam crimes contra a saúde pública tem alguma coisa a ver com princípios democráticos?”, escreve o médico.

No mesmo dia, circula pelos contatos de WhatsApp um manifesto pela regulação das redes, proposto por personalidades e ex-ministros: “Se é crime no mundo físico, também deve ser crime no mundo virtual! Internet sem regulamentação MATA”. O texto faz referência ao caso de uma menina de oito anos do Distrito Federal que morreu após inalar desodorante em um desafio visto na internet.

Há uma guerra transacional de poder em jogo, que envolve os dispositivos jurídicos, informacionais, o campo político, mas também dimensões éticas, educativas e, principalmente, a força do capital. O meu pequeno problema pessoal é atravessado por esses jogos. Se não há espaço para uma relação comercial minimamente ética quando alguém se faz passar por você, o que fazer, a quem recorrer? Nesses labirintos tecnocráticos, recebo ajuda real da comunidade, mas daqueles que deveriam ter o mínimo de responsabilidade, só o silêncio, que não diz, mas significa. É preciso resistir.

¨      Ética nas redes sociais. Por Marcos Fabrício Lopes da Silva

É tão importante disseminar o conhecimento sobre os perigos do ambiente digital. Albert Einstein (1879-1955) disse: “A ciência nos deu meios terríveis de destruir uns aos outros, mas não a sabedoria e a ética para impedir que os utilizássemos”. A humanidade enfrenta esse paradoxo em cada salto tecnológico — e a internet talvez seja o maior deles. Ela se tornou em grande parte um território perigoso. Máquinas viciantes que priorizam lucros sobre direitos e bem-estar, as redes sociais minam o tecido democrático, disseminam conteúdos tóxicos, fake news, ódio e todo tipo de crimes. A mesma tecnologia que permite a uma criança acessar o conhecimento humano também pode levá-la ao sofrimento ou ao perigo extremo.

O advento das redes sociais e sua rápida expansão nas últimas décadas não apenas ampliou como também gerou uma série de desafios éticos. Esses desafios podem estar relacionados tanto às ações de indivíduos ou grupos que utilizam essas plataformas quanto à forma pouco transparente com que as próprias empresas de mídia social as gerenciam. A onipresença global das redes sociais oferece ainda outra preocupação ética por causa de seu crescente poder e monopólio que já influenciaram perigosamente as decisões políticas de países inteiros. Por essa razão, é necessário questionar se as pretensas redes sociais são de fato “sociais”.

Antes de darmos prosseguimento a essa reflexão, convém considerar uma frequente objeção que precipitadamente é apresentada quando se debate sobre os limites éticos de qualquer tecnologia. Trata-se do argumento de que a tecnologia seria um fenômeno aético, ou seja, alheio à ética. Primeiramente, é necessário considerar que o próprio conceito de liberdade é problemático. Tendemos, na cultura atual, a entender e “con-fundir” liberdade com autonomia ou livre-arbítrio. O ser livre do ser humano não é um atributo exclusivo do indivíduo. Trata-se de um conceito intrinsecamente relacional: ser livre com os outros e para os outros. A liberdade é o espaço de construção de nossa identidade que só pode ser realizada socialmente.

Tratar de mídias sociais implica refletir também sobre o público e o privado na era pós-moderna, bem como em suas consequências para o homem. Nesse sentido, convém mencionar a importância da ética, que, por sua vez, se baseia em conjunto de valores e princípios que norteiam nossa vivência em sociedade. Em 2022, estima-se a população global de nosso planeta em 7,97 bilhões de pessoas. Segundo as estatísticas da empresa Statista, os usuários de redes sociais no mundo somam 4,6 bilhões de pessoas, o que representa 57,72% da população global. Em média, esses usuários gastam diariamente 147 minutos com as redes sociais.

Não por acaso, em artigo chamado O desafio aponta o caminho, o pediatra Daniel Becker faz uma recomendação importante: “Educação midiática é fundamental. As famílias precisam saber da importância de postergar a entrega do celular e a entrada nas redes sociais, ao menos até o fim do ensino fundamental. Precisam supervisionar, garantir o respeito ao estudo, sono, leitura, esporte e convívio com pares. Educadores e familiares precisam ajudar os jovens a entender os riscos do algoritmo, a respeitar o próximo, a desenvolver pensamento crítico sobre o conteúdo tóxico” (O Globo, Rio de Janeiro, 20-04-2025). O conhecimento precisa ser desenvolvido e trabalhado para não passar de um aglomerado de informações sem importância.

Regular a inteligência artificial não significa travar o futuro — significa garantir que ele seja ético, seguro e inclusivo. Mais do que celebrar os avanços tecnológicos, o poeta e jornalista angolano João Melo, em O que fazer diante do fim?, traz uma análise criteriosa sobre como a Inteligência Artificial (IA) está moldando o mundo em ritmo acelerado, sacrificando o diferencial humano que se encontra no pensamento crítico, na criatividade e na capacidade de adaptação: 

“Aqui estamos/perto do fim/O mundo está a arder/Os que falam de liberdade/querem sufocá-la/com as suas mãos translúcidas/Sujas/Os que lutam/para exorcizar os pecados da História/dividem-se e fragmentam-se/orgulhosamente/em paradas festivas/Não se dão conta/de que marcham ao som das trombetas/do inimigo/Alguns sonham/convictamente/com a conversão dos algoritmos/em novas moedas bíblicas/Ó revolucionários virtuais,/contabilistas de likes e partilhas!/O espetro de novas guerras/desenha-se no fundo da noite/Não há, contudo/nenhum universo desconhecido/para onde escapar,/nem outra linguagem qualquer/para exprimir este ambíguo sentimento/que nos acomete no tempo que nos cabe,/entre o nojo,/a fúria/e a renúncia/Por isso, resistamos!/Antes que a poesia/seja literalmente deglutida/e das metáforas/restem apenas lembranças inócuas” (Os sonhos nunca são velhos, 2024).

·        A estética do grotesco como estratégia de comunicação da extrema direita. Por Carlos Castilho

A publicação da foto dos intestinos de Jair Bolsonaro mostrou que entramos de vez na era do grotesco em matéria de manipulação de informações com fins político-eleitorais. O site Poder 360 chegou a desfocar a crueza da foto e acrescentar um rótulo “Imagens Fortes”, mas os três maiores jornais impressos do país preferiram evitar chocar seus leitores.

A fotografia a cores foi tirada, obviamente, com o consentimento do ex-presidente, depois da intervenção cirúrgica a que ele foi submetido no dia 13 de abril para corrigir uma obstrução intestinal. O procedimento gerou uma enorme polêmica porque envolveu situações controvertidas desde a espetacularização da transferência para o hospital e a escolha do médico, até condutas heterodoxas de auxiliares e parentes na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Isto sem falar na intimação judicial assinada por Bolsonaro em aparente violação dos procedimentos de desinfecção hospitalar.

O episódio da foto dos intestinos aconteceu quase ao mesmo tempo em que o site da Casa Branca, na plataforma X, divulgou uma bizarra ilustração do presidente Donald Trump vestido de papa, num momento em que a opinião pública mundial ainda estava sob o impacto da morte de Francisco. Foi quase unânime a interpretação de que a montagem fotográfica foi autorizada por Trump para reduzir o impacto da cobertura mundial da eleição de um novo papa, este sim autêntico.

Para a maioria dos católicos foi uma brincadeira grotesca. Mas Trump viu o episódio de outra forma: “Alguém fez isso por diversão. Está tudo bem. Temos de nos divertir um pouco, não acha?”, disse. “Minha esposa achou fofo. Ela disse: não é legal? Na verdade, eu não poderia me casar. Até onde é do meu conhecimento, papas não podem se casar”, afirmou o presidente norte-americano na plataforma Truth, que ele controla.

O grotesco como estratégia de comunicação pública visa desqualificar e desmoralizar a cultura política vigente na maioria dos países ocidentais e que se inspira na estética puritana e conservadora. O filósofo e historiador social francês Michel Foucault foi um dos poucos intelectuais a estudar o fenômeno que ele chamou de ‘soberania do grotesco’ (1), e definiu como um processo de “maximização dos efeitos do poder a partir da desqualificação de quem os produz”, ou seja, do poder dos seus opositores.

·        O papel da imprensa

Quando Bolsonaro escandaliza até os seus seguidores na extrema direita ao exibir seus intestinos no abdômen aberto na sala de cirurgia, ele procura desqualificar a cultura política vigente no país e tenta criar a imagem de um homem capaz de superar qualquer problema físico. O político que já se autodefiniu como “imbrochável”, usa agora a estética do grotesco para se mostrar “imbatível”. O presidente argentino Javier Milei é outro adepto do grotesco ao empunhar sua ridícula motosserra como símbolo de força política.

A estética do grotesco na comunicação é o recurso usada com frequência crescente por políticos de extrema direita para obter visibilidade, ao chocar a opinião pública com atos e declarações que contrariam frontalmente os comportamentos e valores de seus adversários ou desafetos no campo liberal democrático. O objetivo não é mudar estes valores e sim colocar-se em evidência pelo maior tempo possível nas mídias. Os especialistas em comunicação sabem que quanto mais tempo uma personalidade ficar nas manchetes maior a chance de conquistar as simpatias do público.

Por esta razão, a imprensa desempenha um papel-chave no êxito ou fracasso da aplicação da estratégia do grotesco na comunicação política. A visibilidade pública depende basicamente da imprensa e, agora, também dos algoritmos das plataformas digitais. Em ambos os casos o objetivo é captar a atenção das pessoas para criar audiências que por sua vez geram receitas publicitárias. A necessidade de cativar audiências para sobreviver economicamente é a grande responsável pela frequência com que ocorrem desvios na orientação editorial da imprensa.

Como os jornais afirmam que sua missão é fornecer informações para as pessoas tomarem decisões e se tornarem bons cidadãos, a grande pergunta é: Como a estética do grotesco contribui para este objetivo? A resposta é: Nada, fora o estímulo ao voyeurismo e a morbidez. A única justificativa plausível seria atrair publicidade paga usando indivíduos curiosos ou doentios. Se a imprensa e as plataformas publicam fotos como as do intestino de Bolsonaro ou as palhaçadas de Donald Trump, ambas acabam colaborando, consciente ou inconscientemente, com quem prega o negacionismo dos valores liberal-democráticos.

 

Fonte: Observatório da Imprensa

 

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