Pedro
Varoni: Os perfis falsos, os roubos de contas nas redes sociais e as muitas
camadas da desinformação
Tive a
minha conta do Instagram hackeada há uns dias. É um acontecimento pessoal, mas
capaz de exemplificar o universo perverso da tecnocracia das big techs. Não há
possibilidade de diálogo para resolução de problema e nem retorno para as
reclamações: as inúmeras denúncias minhas e de amigos de que minha conta estava
sendo manipulada por terceiros ecoaram no silêncio, postura que, no mínimo,
acoberta a criminalidade.
Mesmo
plataformas dedicadas às relações comerciais, como Reclame aqui revelam
sua impotência diante de empresas que não costumam dar atenção às queixas, como
é o caso da Meta, dona do Instagram e Facebook. Só consegui
resolver o problema via judicial e reaver a conta depois de 20 dias.
Recorro
a esse problema pessoal por vislumbrar nele algo além da superfície, uma
dimensão talvez pouco discutida sobre os efeitos e perigos da desinformação em
nosso tempo, ainda mais no contexto da inteligência artificial generativa. Olga
Tocarczuk, premiada escritora polonesa, em seu livro, Escrever é muito
perigoso, diz que a difusão das redes criou uma outra instância
psicológica, o narrador de si mesmo. A minha conta está longe de ser relevante
do ponto de vista quantitativo (pouco mais de 1.000 pessoas), uma comunidade
formada por ex-colegas das redações por onde passei, os conterrâneos das Minas
e Gerais, alunos e professores, parceiros musicais, família. Os posts pessoais
estão presentes, mas creio não serem predominantes. Usava a plataforma, principalmente,
para divulgar informações profissionais, como divulgação de textos e eventos
acadêmicos.
O
invasor se deparou com esse universo e se apegou à dimensão profissional para
difundir sua desinformação. Uma foto minha com a apresentadora Maria Cândida
foi usada algumas vezes para propor vantagens financeiras, circulando na forma
de stories ou mensagens às pessoas de minha restrita comunidade. A escolha do
papel social a ser ocupado pelo criminoso recai sobre o jornalista, talvez em
busca de algum signo de credibilidade profissional que o autorize a aplicar os
golpes financeiros.
Foram
os amigos que me avisaram, numa segunda-feira de manhã, de que algo estava
estranho. Desconfiaram das expressões usadas, do conteúdo, da sintaxe. Mas é
evidente que nessa comunidade de mil pessoas, nem todos poderiam ter essa
consciência. Não tenho, felizmente, notícia de alguém que caiu no golpe.
Alguns
desses amigos deram corda ao invasor em trocas de mensagens privadas. O hacker
apresenta a proposta de um investimento instantâneo, oferecendo um pix, com
retorno em cinco minutos e uma tabela de valores investidos: R$ 300 reais
garantem um retorno de R$ 1mil. Em algum momento, o meu amigo questiona o
invasor, pede que ele confirme o seu nome e diga de onde o conheceu. Diante da
negativa, meu amigo diz: “Vou falar com o Pedro de verdade. O invasor se
irrita: “Sou professor e jornalista, não tenho porque ficar de gracinha”.
Vejo
tutoriais no YouTube sobre recuperação de contas, falo com os amigos mais
jovens e descubro que tenho de agir rápido, o que significa adiar as demandas
do trabalho. Consigo recuperar e postar uma foto com as imagens falsas,
denunciando o golpe. Fiquei aliviado, mas enquanto tomava o café da manhã, o
meu post desapareceu e não consegui mais entrar na conta. Perdi algumas boas
horas nos dias seguintes: reconhecimento facial, envio de mensagens para a
plataforma, envio de mensagens em rede para os meus contatos do WhatsApp
avisando-os do hackeamento. Alguém me diz que é preciso ter, no mínimo, 300
denúncias, o que me leva a reforçar o pedido aos familiares e amigos mais
próximos.
Como
nada disso funcionou, busquei os meios judiciais para ter meus direitos
preservados e a resposta foi relativamente rápida, em menos de uma semana a
Justiça determinou que o Instagram me enviasse um e-mail para recuperação da
conta. No dia em que escrevo esse texto, recebi a mensagem na minha caixa
postal e consegui, finalmente, reaver a conta.
Entre
as manifestações dos amigos, recebo a coluna de Drauzio Varella na Folha, Quadrilhas
da internet, com o relato dos perfis falsos em seu nome, cujos efeitos têm,
evidentemente, uma dimensão muito maior, tanto pela popularidade do escritor e
médico, quanto por tratarem de saúde. Drauzio revela as infrutíferas tentativas
de sua equipe em reclamar na Meta: “Concluímos que a empresa não
tinha nenhum interesse em dar fim a esse crime contra a saúde pública. Muito
pelo contrário, não apenas mantinha os vídeos no ar como acobertava a
identidade desses golpistas”, escreve.
Drauzio
observa que hoje, com a inteligência artificial, as manipulações dos perfis
falsos em seu nome se tornam cada vez mais convincentes, com o recurso que
simula a voz e a imagem da pessoa. “O que me dói é ser parado na rua por
pessoas simples que me perguntam por que não melhoram com o remédio que eu
teria recomendado. Ou que pagaram sem nunca receber a encomenda”, conclui.
A
argumentação de Dráuzio toca em um ponto central, a necessidade de
regulamentação das redes. Os multimilionários donos dessa plataforma invocam o
argumento da liberdade de expressão para se oporem à regulamentação e são
seguidos pela legião de extrema direita no Congresso, nas ruas, nas redes.
“Como assim? Associar-se a meliantes que praticam crimes contra a saúde pública
tem alguma coisa a ver com princípios democráticos?”, escreve o médico.
No
mesmo dia, circula pelos contatos de WhatsApp um manifesto pela regulação das
redes, proposto por personalidades e ex-ministros: “Se é crime no mundo físico,
também deve ser crime no mundo virtual! Internet sem regulamentação MATA”. O
texto faz referência ao caso de uma menina de oito anos do Distrito Federal que
morreu após inalar desodorante em um desafio visto na internet.
Há uma
guerra transacional de poder em jogo, que envolve os dispositivos jurídicos,
informacionais, o campo político, mas também dimensões éticas, educativas e,
principalmente, a força do capital. O meu pequeno problema pessoal é
atravessado por esses jogos. Se não há espaço para uma relação comercial
minimamente ética quando alguém se faz passar por você, o que fazer, a quem
recorrer? Nesses labirintos tecnocráticos, recebo ajuda real da comunidade, mas
daqueles que deveriam ter o mínimo de responsabilidade, só o silêncio, que não
diz, mas significa. É preciso resistir.
¨
Ética nas redes sociais. Por Marcos Fabrício Lopes da Silva
É tão
importante disseminar o conhecimento sobre os perigos do ambiente digital.
Albert Einstein (1879-1955) disse: “A ciência nos deu meios terríveis de
destruir uns aos outros, mas não a sabedoria e a ética para impedir que os
utilizássemos”. A humanidade enfrenta esse paradoxo em cada salto tecnológico —
e a internet talvez seja o maior deles. Ela se tornou em grande parte um
território perigoso. Máquinas viciantes que priorizam lucros sobre direitos e
bem-estar, as redes sociais minam o tecido democrático, disseminam conteúdos
tóxicos, fake news, ódio e todo tipo de crimes. A mesma tecnologia
que permite a uma criança acessar o conhecimento humano também pode levá-la ao
sofrimento ou ao perigo extremo.
O
advento das redes sociais e sua rápida expansão nas últimas décadas não apenas
ampliou como também gerou uma série de desafios éticos. Esses desafios podem
estar relacionados tanto às ações de indivíduos ou grupos que utilizam essas
plataformas quanto à forma pouco transparente com que as próprias empresas de
mídia social as gerenciam. A onipresença global das redes sociais oferece ainda
outra preocupação ética por causa de seu crescente poder e monopólio que já
influenciaram perigosamente as decisões políticas de países inteiros. Por essa
razão, é necessário questionar se as pretensas redes sociais são de fato
“sociais”.
Antes
de darmos prosseguimento a essa reflexão, convém considerar uma frequente
objeção que precipitadamente é apresentada quando se debate sobre os limites
éticos de qualquer tecnologia. Trata-se do argumento de que a tecnologia seria
um fenômeno aético, ou seja, alheio à ética. Primeiramente, é necessário
considerar que o próprio conceito de liberdade é problemático. Tendemos, na
cultura atual, a entender e “con-fundir” liberdade com autonomia ou
livre-arbítrio. O ser livre do ser humano não é um atributo exclusivo do
indivíduo. Trata-se de um conceito intrinsecamente relacional: ser livre com os
outros e para os outros. A liberdade é o espaço de construção de nossa
identidade que só pode ser realizada socialmente.
Tratar
de mídias sociais implica refletir também sobre o público e o privado na era
pós-moderna, bem como em suas consequências para o homem. Nesse sentido, convém
mencionar a importância da ética, que, por sua vez, se baseia em conjunto de
valores e princípios que norteiam nossa vivência em sociedade. Em 2022,
estima-se a população global de nosso planeta em 7,97 bilhões de pessoas.
Segundo as estatísticas da empresa Statista, os usuários de redes
sociais no mundo somam 4,6 bilhões de pessoas, o que representa 57,72% da
população global. Em média, esses usuários gastam diariamente 147 minutos com
as redes sociais.
Não por
acaso, em artigo chamado O desafio aponta o caminho, o pediatra
Daniel Becker faz uma recomendação importante: “Educação midiática é
fundamental. As famílias precisam saber da importância de postergar a entrega
do celular e a entrada nas redes sociais, ao menos até o fim do ensino
fundamental. Precisam supervisionar, garantir o respeito ao estudo, sono,
leitura, esporte e convívio com pares. Educadores e familiares precisam ajudar
os jovens a entender os riscos do algoritmo, a respeitar o próximo, a desenvolver
pensamento crítico sobre o conteúdo tóxico” (O Globo, Rio de Janeiro,
20-04-2025). O conhecimento precisa ser desenvolvido e trabalhado para não
passar de um aglomerado de informações sem importância.
Regular
a inteligência artificial não significa travar o futuro — significa garantir
que ele seja ético, seguro e inclusivo. Mais do que celebrar os avanços
tecnológicos, o poeta e jornalista angolano João Melo, em O que fazer
diante do fim?, traz uma análise criteriosa sobre como a Inteligência
Artificial (IA) está moldando o mundo em ritmo acelerado, sacrificando o
diferencial humano que se encontra no pensamento crítico, na criatividade e na
capacidade de adaptação:
“Aqui
estamos/perto do fim/O mundo está a arder/Os que falam de liberdade/querem
sufocá-la/com as suas mãos translúcidas/Sujas/Os que lutam/para exorcizar os
pecados da História/dividem-se e fragmentam-se/orgulhosamente/em paradas
festivas/Não se dão conta/de que marcham ao som das trombetas/do inimigo/Alguns
sonham/convictamente/com a conversão dos algoritmos/em novas moedas bíblicas/Ó
revolucionários virtuais,/contabilistas de likes e
partilhas!/O espetro de novas guerras/desenha-se no fundo da noite/Não há,
contudo/nenhum universo desconhecido/para onde escapar,/nem outra linguagem
qualquer/para exprimir este ambíguo sentimento/que nos acomete no tempo que nos
cabe,/entre o nojo,/a fúria/e a renúncia/Por isso, resistamos!/Antes que a
poesia/seja literalmente deglutida/e das metáforas/restem apenas lembranças
inócuas” (Os sonhos nunca são velhos, 2024).
·
A estética do grotesco como estratégia de comunicação da
extrema direita. Por Carlos Castilho
A
publicação da foto dos intestinos de Jair Bolsonaro mostrou que entramos de vez
na era do grotesco em matéria de manipulação de informações com fins
político-eleitorais. O site Poder 360 chegou a desfocar
a crueza da foto e acrescentar
um rótulo “Imagens Fortes”, mas os três maiores jornais impressos do país
preferiram evitar chocar seus leitores.
A
fotografia a cores foi tirada, obviamente, com o consentimento do
ex-presidente, depois da intervenção cirúrgica a que ele foi submetido no dia
13 de abril para corrigir uma obstrução intestinal. O procedimento gerou uma
enorme polêmica porque envolveu situações controvertidas desde a
espetacularização da transferência para o hospital e a escolha do médico, até
condutas heterodoxas de auxiliares e parentes na Unidade de Tratamento
Intensivo (UTI). Isto sem falar na intimação judicial assinada por Bolsonaro em
aparente violação dos procedimentos de desinfecção hospitalar.
O
episódio da foto dos intestinos aconteceu quase ao mesmo tempo em que o site da
Casa Branca, na plataforma X, divulgou uma
bizarra ilustração do presidente Donald Trump vestido de papa, num momento em
que a opinião pública mundial ainda estava sob o impacto da morte de Francisco.
Foi quase unânime a interpretação de que a montagem fotográfica foi autorizada
por Trump para reduzir o impacto da cobertura mundial da eleição de um novo
papa, este sim autêntico.
Para a
maioria dos católicos foi uma brincadeira grotesca. Mas Trump viu o episódio de
outra forma: “Alguém fez isso por diversão. Está tudo bem. Temos de nos
divertir um pouco, não acha?”, disse. “Minha esposa achou fofo. Ela disse: não
é legal? Na verdade, eu não poderia me casar. Até onde é do meu conhecimento,
papas não podem se casar”, afirmou o presidente norte-americano na
plataforma Truth, que ele controla.
O
grotesco como estratégia de comunicação pública visa desqualificar e
desmoralizar a cultura política vigente na maioria dos países ocidentais e que
se inspira na estética puritana e conservadora. O filósofo e historiador social
francês Michel Foucault foi um dos poucos intelectuais a estudar o fenômeno que
ele chamou de ‘soberania do grotesco’ (1), e definiu como um processo de
“maximização dos efeitos do poder a partir da desqualificação de quem os
produz”, ou seja, do poder dos seus opositores.
·
O
papel da imprensa
Quando
Bolsonaro escandaliza até os seus seguidores na extrema direita ao exibir seus
intestinos no abdômen aberto na sala de cirurgia, ele procura desqualificar a
cultura política vigente no país e tenta criar a imagem de um homem capaz de
superar qualquer problema físico. O político que já se autodefiniu como
“imbrochável”, usa agora a estética do grotesco para se mostrar “imbatível”. O
presidente argentino Javier Milei é outro adepto do grotesco ao empunhar sua
ridícula motosserra como símbolo de força política.
A
estética do grotesco na comunicação é o recurso usada com frequência crescente
por políticos de extrema direita para obter visibilidade, ao chocar a opinião
pública com atos e declarações que contrariam frontalmente os comportamentos e
valores de seus adversários ou desafetos no campo liberal democrático. O
objetivo não é mudar estes valores e sim colocar-se em evidência pelo maior
tempo possível nas mídias. Os especialistas em comunicação sabem que quanto
mais tempo uma personalidade ficar nas manchetes maior a chance de conquistar
as simpatias do público.
Por
esta razão, a imprensa desempenha um papel-chave no êxito ou fracasso da
aplicação da estratégia do grotesco na comunicação política. A visibilidade
pública depende basicamente da imprensa e, agora, também dos algoritmos das
plataformas digitais. Em ambos os casos o objetivo é captar a atenção das
pessoas para criar audiências que por sua vez geram receitas publicitárias. A
necessidade de cativar audiências para sobreviver economicamente é a grande
responsável pela frequência com que ocorrem desvios na orientação editorial da
imprensa.
Como os
jornais afirmam que sua missão é fornecer informações para as pessoas tomarem
decisões e se tornarem bons cidadãos, a grande pergunta é: Como a estética do
grotesco contribui para este objetivo? A resposta é: Nada, fora o estímulo ao
voyeurismo e a morbidez. A única justificativa plausível seria atrair
publicidade paga usando indivíduos curiosos ou doentios. Se a imprensa e as
plataformas publicam fotos como as do intestino de Bolsonaro ou as palhaçadas
de Donald Trump, ambas acabam colaborando, consciente ou inconscientemente, com
quem prega o negacionismo dos valores liberal-democráticos.
Fonte:
Observatório da Imprensa

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