quinta-feira, 15 de maio de 2025

Pedro do Coutto: Caso Stefanutto expõe as fissuras na máquina previdenciária brasileira

A operação da Polícia Federal que investiga um esquema bilionário de desvios na folha de pagamento de aposentados e pensionistas do INSS não apenas abalou os alicerces da maior autarquia federal, como trouxe à tona mais uma crise política silenciosa — e sintomática. No centro do escândalo, o ex-presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, que deixou o cargo em abril após ser afastado por ordem judicial, agora tenta se descolar do epicentro do furacão.

Em entrevista à CNN Brasil, Stefanutto adotou um discurso de surpresa e indignação. Disse ter sido acordado pela PF em uma cena “inesperada e difícil”, e garantiu que nunca havia se envolvido em qualquer investigação policial ao longo de sua carreira no serviço público. O tom, no entanto, pareceu mais de defesa do que de esclarecimento. Diante da gravidade dos fatos — e das cifras bilionárias em jogo —, o silêncio ou a surpresa não bastam.

DESCONTOS

A retórica do ex-presidente foca em medidas administrativas supostamente adotadas durante sua gestão para conter os chamados “descontos associativos” — um eufemismo, aliás, para a engrenagem de fraudes que agora se revela. Stefanutto faz questão de destacar que muitos dos mecanismos de segurança hoje utilizados foram criados por ele. Ainda assim, o escândalo estourou sob sua presidência, e a profundidade da suposta fraude levanta dúvidas incômodas sobre a real eficácia — ou seriedade — dessas medidas.

Seu afastamento e posterior demissão pelo presidente Lula da Silva foram lidos por muitos como uma tentativa do Planalto de conter o dano político antes que ele contaminasse o discurso de reconstrução institucional que o governo tenta sustentar. Stefanutto, por sua vez, parece ter entendido o gesto, afirmando que considera “natural” sua substituição diante do “desgaste”. Mas, como se sabe, em política, gestos raramente são apenas simbólicos.

CADERNOS

O caso ganhou contornos ainda mais delicados com a revelação, feita pelo jornal O Globo, da existência de cadernos apreendidos pela PF. Neles, constariam anotações que ligam Stefanutto a pagamentos indevidos — incluindo a enigmática menção “Stefa 5%”, supostamente uma alusão à sua parte no esquema. O ex-presidente preferiu não comentar, alegando que sua defesa ainda não teve acesso ao material. Uma resposta protocolar, mas que deixa no ar uma névoa de desconfiança.

A esta altura, o caso vai além da figura de Stefanutto. Ele escancara uma crise sistêmica no INSS, cujos processos internos parecem vulneráveis a esquemas que drenam recursos públicos enquanto milhões de brasileiros aguardam meses por um benefício. Mais do que uma operação da PF, o episódio é um retrato de como a combinação entre burocracia opaca e interesses corporativos pode abrir caminho para a corrupção — mesmo (ou especialmente) quando acompanhada de discursos sobre “legalidade e ordem jurídica”.

O caso Stefanutto é mais do que um episódio isolado de suspeita de corrupção; ele é sintomático de um problema estrutural que atravessa décadas na administração pública brasileira: a fragilidade dos mecanismos de controle interno, a captura institucional por interesses corporativos e a complacência do sistema político com zonas de opacidade administrativa. A folha de pagamentos do INSS, historicamente vulnerável, virou território fértil para esquemas que prosperam na conivência e na negligência.

DESAFIO

O governo Lula, embora tenha reagido com rapidez ao demitir Stefanutto, enfrenta agora o desafio de provar que há real intenção de reformar essas engrenagens corroídas. A substituição de nomes, por si só, não basta. O discurso anticorrupção só será crível se vier acompanhado de uma reforma técnica e profunda nos fluxos de auditoria, nos critérios de nomeações e no monitoramento de entidades conveniadas — muitas vezes operando à margem do interesse público.

Ao fim, o episódio revela o quão distante ainda estamos de um Estado verdadeiramente transparente, onde o zelo com o dinheiro público não dependa apenas da integridade pessoal de ocupantes de cargos-chave, mas de sistemas robustos, impessoais e fiscalizados com rigor. A pergunta que fica, portanto, não é apenas sobre a responsabilidade de Stefanutto — mas sobre o que será feito para que o próximo nome não repita, consciente ou inconscientemente, o mesmo roteiro.

•        Na caixa-preta dos descontos indevidos, por que complicar o que já está claro?

Enquanto o escândalo dos descontos não autorizados em benefícios do INSS ainda repercute nos corredores de Brasília, o governo parece optar por um desvio burocrático quando o caminho direto está bem diante dos seus olhos. O vice-presidente e atual ministro da Indústria, Geraldo Alckmin, anunciou que a Caixa Econômica Federal está estudando a possibilidade de prestar atendimento presencial aos aposentados e pensionistas prejudicados — uma tentativa de dar resposta à crise que a Operação Sem Desconto revelou ao país.

Segundo as investigações da Polícia Federal em conjunto com a Controladoria-Geral da União, o rombo pode chegar a R$ 6,3 bilhões. Um número assombroso, sustentado por práticas de entidades ditas representativas que, na verdade, agiam como sanguessugas — muitas delas, suspeita-se, criadas apenas para fraudar. Mais grave ainda é a hipótese de conivência de servidores públicos, para quem a propina teria sido parte do esquema.

DADOS MAPEADOS

Agora, diante de dados amplamente mapeados e digitalizados pelo próprio INSS, surge a proposta de usar a rede física da Caixa para mediar um processo que, em tese, poderia ser resolvido em poucos cliques — se o objetivo fosse, de fato, resolver. A justificativa apresentada por Alckmin é de que muitos beneficiários não têm acesso à internet. Até aí, justo. Mas daí a criar um novo protocolo presencial, quando já se tem tecnologia e histórico de movimentação de cada benefício, é transformar agilidade em morosidade.

A Caixa, por sua vez, emitiu aquela nota genérica, reafirmando seu papel como braço operacional do governo, mas sem esclarecer o que fará, quando ou como. Enquanto isso, o INSS corre para devolver R$ 292,6 milhões entre o fim de maio e o começo de junho — uma fração perto do total estimado.

CONTRASSENSO

O que não se diz é que cerca de nove milhões de brasileiros foram afetados. Destes, quatro milhões estariam diretamente ligados a fraudes. E mesmo assim, os beneficiários é que terão de informar se autorizaram ou não os débitos. Um contrassenso. Os sistemas do INSS sabem muito bem quais autorizações existem e quais não. Inventar mais uma etapa — presencial, burocrática, descentralizada — soa mais como estratégia de adiamento do que de solução.

O governo, que deveria ser a instância de reparação, se arrisca a parecer cúmplice pela lentidão. No fundo, o que está em jogo é mais do que ressarcir aposentados enganados. É saber se o Estado brasileiro será capaz de proteger seus cidadãos mais vulneráveis — ou se, mais uma vez, vai empurrar o problema para debaixo do balcão da Caixa.

•        Na farra do INSS, falta bloquear bens e passaportes e fazer logo as prisões

A Controladoria-Geral da União (CGU) enviou um ofício para a Advocacia-Geral da União (AGU) solicitando a inclusão do ex-diretor de Benefícios do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), André Fidélis, seu filho, Eric Douglas, além de outras sete empresas na ação do órgão que tenta bloquear os bens de envolvidos no esquema de descontos fraudulentos.

A ação cautelar foi anunciada pela AGU numa coletiva de imprensa convocada pelo governo federal para atualizar o caso da “farra do INSS”.

BLOQUEAR BENS

O objetivo da ação é alcançar os bens dos investigados na Operação Sem Desconto para custear a devolução dos descontos indevidos na folha de pagamento de aposentados e pensionistas do INSS, um problema que tem gerado pressão no governo.

Além de André e Eric Fidélis, também estão incluídos na lista de aditamento da ação empresas ligadas a supostos operadores do esquema, como Antonio Carlos Camilo Antunes, o “careca do INSS”, e a advogada Cecília Rodrigues Mota.

O escândalo do INSS foi revelado pelo Metrópoles em uma série de reportagens publicadas a partir de dezembro de 2023. Três meses depois, o portal mostrou que a arrecadação de 29 entidades com descontos de mensalidade de aposentados havia disparado, chegando a R$ 2 bilhões em um ano, enquanto elas respondiam a milhares de processos por fraude nas filiações de segurados.

INQUÉRITO DA PF

As reportagens do Metrópoles levaram à abertura de inquérito pela PF e abasteceram as apurações da CGU. Ao todo, 38 matérias do portal foram listadas pela PF na representação que deu origem à Operação Sem Desconto, deflagrada no dia 23/4 e que culminou nas demissões do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e do ministro da Previdência, Carlos Lupi.

Veja as empresas incluídas no pedido da CGU: Eric Fidelis Advocacia; Rodrigues e Lima Advogados Associados; Xavier Fonseca Consultoria; ACCA Consultoria Empresarial; Arpar Administração, Participação e Empreendimento; WM System Informática e BF01 Participações Societárias

A empresa que estaria ligada a Cecília é a Rodrigues e Lima Advogados Associados. Segundo relatório da PF, a empresa teria enviado R$ 630 mil à Xavier Fonseca Consultoria – outra empresa que consta na lista de aditamento.

IRMÃ DO PROCURADOR

A Xavier Fonseca é a empresa da irmã de Virgílio Antonio Ribeiro de Oliveira Filho, procurador afastado do órgão depois da operação da PF e que, como mostrou a coluna, teria recebido R$ 11,9 milhões de alvos da Sem Desconto.

Outra é a Eric Fidelis Sociedade Individual, empresa do filho de André Fidelis que teria sido usada, segundo a Polícia Federal (PF), para receber pagamentos relacionados ao esquema.

André, ex-diretor do INSS, foi demitido do cargo em julho de 2024, depois da divulgação de reportagens sobre o caso divulgadas pelo Metrópoles.

MAIOR ENVOLVIDA

Já a BF01 teria ligação com o ex-procurador e sua esposa, Thaisa Hoffmann. Segundo a PF, a BF01 é a ” é a maior destinatária de valores da Curitiba Consultoria, tendo recebido R$ 1.175.831,30 por meio de 5 pix”.

A Curitiba Consultoria, por sua vez, tem como um dos sócios Thaisa Hoffman. E as demais (ACCA, Arpar e WM System) têm ligação com o “careca do INSS”, o empresário Antônio Carlos Camilo Antunes.

No documento enviado à Advocacia-Geral, a CGU afirma que, “o avanço das análises nesta CGU levou à identificação de outras empresas intermediárias de pagamento de vantagens indevidas que não foram referidas no ofício acima, mas sobre as quais pesam igualmente fortes elementos de envolvimento no ilícitos”.

•        Lula ignora vítimas de fraude no INSS e prefere falar para “extraterrestres”. Por Carlos Andreazza

Lula falou – pela primeira vez – sobre o roubo bilionário ao INSS. Foi a propósito do 1º de maio, num discurso gravado. Forma de evitar contato com o mundo real, donde com mais um evento vazio, e discorrer – desde o palácio – sobre um “País bom de se viver”. Seria o Brasil – o da violência e da inflação.

Evitou também o constrangimento de subir em palanque pelo dia do trabalhador enquanto os trabalhadores de uma vida inteira descobrem a roubalheira a suas aposentadorias. Preferiu falar a extraterrestres chegados de repente à Terra e então convencidos de que o governo descobrira ontem o assalto a aposentados e pensionistas, contra o qual agiu energicamente – e com o qual nada teria a ver. A alternativa à hipótese “extraterrestre” seria nos tirar por idiotas.

ALERTAS INÚTEIS

A realidade se impõe lastreada em auditorias, atas e alertas variados; o governo Lula informado acerca da roubalheira no INSS (pelo menos) desde junho de 2023, quando uma integrante do Conselho Nacional da Previdência Social denunciou a Carlos Lupi a safadeza em curso. Nada seria feito – até março de 2024.

Naquela altura, e não sem ajuda do Parlamento, o esquema – que tem rastro desde 2016 – já batia em bilhão de reais. O volume de descontos concedidos quase dobrara de 2022 para 23, primeiro ano deste governo, e mais que dobraria de 23 para 24. Mesmo assim, o Planalto defende haver tomado providências contra as fraudes. No melhor cenário, admissão de incompetência: caso em que medidas para fazer cessar a corrupção teriam feito crescer a corrupção.

BATEU RECORDE

É fato: o esquema – que avançara período Bolsonaro adentro – cresceu sob Lula. Outro fato: a Polícia Federal não investiga um escândalo de incompetência. Define a PF:

“O único interesse em voga e observado pela direção do INSS foi o das entidades associativas”. Direção nomeada por Lupi, nomeado por Lula, como outrora por Dilma – e que caíra por suspeita de malfeitos no Ministério do Trabalho.

Lula contratou o pacote Lupi e ficará com a “responsabilidade institucional” pelo INSS que Lupi rejeita para si. É na hora em que a polícia vai a campo que as autarquias se tornam “independentes”. Não terá sido dessa maneira quando se exerceu o poder para distribuir os cargos de comando à rapaziada.

 

Fonte: Tribuna da Internet/Metrópoles/Agencia Estado

 

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