Pedro
do Coutto: Caso Stefanutto expõe as fissuras na máquina previdenciária
brasileira
A
operação da Polícia Federal que investiga um esquema bilionário de desvios na
folha de pagamento de aposentados e pensionistas do INSS não apenas abalou os
alicerces da maior autarquia federal, como trouxe à tona mais uma crise
política silenciosa — e sintomática. No centro do escândalo, o ex-presidente do
INSS, Alessandro Stefanutto, que deixou o cargo em abril após ser afastado por
ordem judicial, agora tenta se descolar do epicentro do furacão.
Em
entrevista à CNN Brasil, Stefanutto adotou um discurso de surpresa e
indignação. Disse ter sido acordado pela PF em uma cena “inesperada e difícil”,
e garantiu que nunca havia se envolvido em qualquer investigação policial ao
longo de sua carreira no serviço público. O tom, no entanto, pareceu mais de
defesa do que de esclarecimento. Diante da gravidade dos fatos — e das cifras
bilionárias em jogo —, o silêncio ou a surpresa não bastam.
DESCONTOS
A
retórica do ex-presidente foca em medidas administrativas supostamente adotadas
durante sua gestão para conter os chamados “descontos associativos” — um
eufemismo, aliás, para a engrenagem de fraudes que agora se revela. Stefanutto
faz questão de destacar que muitos dos mecanismos de segurança hoje utilizados
foram criados por ele. Ainda assim, o escândalo estourou sob sua presidência, e
a profundidade da suposta fraude levanta dúvidas incômodas sobre a real
eficácia — ou seriedade — dessas medidas.
Seu
afastamento e posterior demissão pelo presidente Lula da Silva foram lidos por
muitos como uma tentativa do Planalto de conter o dano político antes que ele
contaminasse o discurso de reconstrução institucional que o governo tenta
sustentar. Stefanutto, por sua vez, parece ter entendido o gesto, afirmando que
considera “natural” sua substituição diante do “desgaste”. Mas, como se sabe,
em política, gestos raramente são apenas simbólicos.
CADERNOS
O caso
ganhou contornos ainda mais delicados com a revelação, feita pelo jornal O
Globo, da existência de cadernos apreendidos pela PF. Neles, constariam
anotações que ligam Stefanutto a pagamentos indevidos — incluindo a enigmática
menção “Stefa 5%”, supostamente uma alusão à sua parte no esquema. O
ex-presidente preferiu não comentar, alegando que sua defesa ainda não teve
acesso ao material. Uma resposta protocolar, mas que deixa no ar uma névoa de
desconfiança.
A esta
altura, o caso vai além da figura de Stefanutto. Ele escancara uma crise
sistêmica no INSS, cujos processos internos parecem vulneráveis a esquemas que
drenam recursos públicos enquanto milhões de brasileiros aguardam meses por um
benefício. Mais do que uma operação da PF, o episódio é um retrato de como a
combinação entre burocracia opaca e interesses corporativos pode abrir caminho
para a corrupção — mesmo (ou especialmente) quando acompanhada de discursos
sobre “legalidade e ordem jurídica”.
O caso
Stefanutto é mais do que um episódio isolado de suspeita de corrupção; ele é
sintomático de um problema estrutural que atravessa décadas na administração
pública brasileira: a fragilidade dos mecanismos de controle interno, a captura
institucional por interesses corporativos e a complacência do sistema político
com zonas de opacidade administrativa. A folha de pagamentos do INSS,
historicamente vulnerável, virou território fértil para esquemas que prosperam
na conivência e na negligência.
DESAFIO
O
governo Lula, embora tenha reagido com rapidez ao demitir Stefanutto, enfrenta
agora o desafio de provar que há real intenção de reformar essas engrenagens
corroídas. A substituição de nomes, por si só, não basta. O discurso
anticorrupção só será crível se vier acompanhado de uma reforma técnica e
profunda nos fluxos de auditoria, nos critérios de nomeações e no monitoramento
de entidades conveniadas — muitas vezes operando à margem do interesse público.
Ao fim,
o episódio revela o quão distante ainda estamos de um Estado verdadeiramente
transparente, onde o zelo com o dinheiro público não dependa apenas da
integridade pessoal de ocupantes de cargos-chave, mas de sistemas robustos,
impessoais e fiscalizados com rigor. A pergunta que fica, portanto, não é
apenas sobre a responsabilidade de Stefanutto — mas sobre o que será feito para
que o próximo nome não repita, consciente ou inconscientemente, o mesmo
roteiro.
• Na caixa-preta dos descontos indevidos,
por que complicar o que já está claro?
Enquanto
o escândalo dos descontos não autorizados em benefícios do INSS ainda repercute
nos corredores de Brasília, o governo parece optar por um desvio burocrático
quando o caminho direto está bem diante dos seus olhos. O vice-presidente e
atual ministro da Indústria, Geraldo Alckmin, anunciou que a Caixa Econômica
Federal está estudando a possibilidade de prestar atendimento presencial aos
aposentados e pensionistas prejudicados — uma tentativa de dar resposta à crise
que a Operação Sem Desconto revelou ao país.
Segundo
as investigações da Polícia Federal em conjunto com a Controladoria-Geral da
União, o rombo pode chegar a R$ 6,3 bilhões. Um número assombroso, sustentado
por práticas de entidades ditas representativas que, na verdade, agiam como
sanguessugas — muitas delas, suspeita-se, criadas apenas para fraudar. Mais
grave ainda é a hipótese de conivência de servidores públicos, para quem a
propina teria sido parte do esquema.
DADOS
MAPEADOS
Agora,
diante de dados amplamente mapeados e digitalizados pelo próprio INSS, surge a
proposta de usar a rede física da Caixa para mediar um processo que, em tese,
poderia ser resolvido em poucos cliques — se o objetivo fosse, de fato,
resolver. A justificativa apresentada por Alckmin é de que muitos beneficiários
não têm acesso à internet. Até aí, justo. Mas daí a criar um novo protocolo
presencial, quando já se tem tecnologia e histórico de movimentação de cada
benefício, é transformar agilidade em morosidade.
A
Caixa, por sua vez, emitiu aquela nota genérica, reafirmando seu papel como
braço operacional do governo, mas sem esclarecer o que fará, quando ou como.
Enquanto isso, o INSS corre para devolver R$ 292,6 milhões entre o fim de maio
e o começo de junho — uma fração perto do total estimado.
CONTRASSENSO
O que
não se diz é que cerca de nove milhões de brasileiros foram afetados. Destes,
quatro milhões estariam diretamente ligados a fraudes. E mesmo assim, os
beneficiários é que terão de informar se autorizaram ou não os débitos. Um
contrassenso. Os sistemas do INSS sabem muito bem quais autorizações existem e
quais não. Inventar mais uma etapa — presencial, burocrática, descentralizada —
soa mais como estratégia de adiamento do que de solução.
O
governo, que deveria ser a instância de reparação, se arrisca a parecer
cúmplice pela lentidão. No fundo, o que está em jogo é mais do que ressarcir
aposentados enganados. É saber se o Estado brasileiro será capaz de proteger
seus cidadãos mais vulneráveis — ou se, mais uma vez, vai empurrar o problema
para debaixo do balcão da Caixa.
• Na farra do INSS, falta bloquear bens e
passaportes e fazer logo as prisões
A
Controladoria-Geral da União (CGU) enviou um ofício para a Advocacia-Geral da
União (AGU) solicitando a inclusão do ex-diretor de Benefícios do Instituto
Nacional de Seguro Social (INSS), André Fidélis, seu filho, Eric Douglas, além
de outras sete empresas na ação do órgão que tenta bloquear os bens de
envolvidos no esquema de descontos fraudulentos.
A ação
cautelar foi anunciada pela AGU numa coletiva de imprensa convocada pelo
governo federal para atualizar o caso da “farra do INSS”.
BLOQUEAR
BENS
O
objetivo da ação é alcançar os bens dos investigados na Operação Sem Desconto
para custear a devolução dos descontos indevidos na folha de pagamento de
aposentados e pensionistas do INSS, um problema que tem gerado pressão no
governo.
Além de
André e Eric Fidélis, também estão incluídos na lista de aditamento da ação
empresas ligadas a supostos operadores do esquema, como Antonio Carlos Camilo
Antunes, o “careca do INSS”, e a advogada Cecília Rodrigues Mota.
O
escândalo do INSS foi revelado pelo Metrópoles em uma série de reportagens
publicadas a partir de dezembro de 2023. Três meses depois, o portal mostrou
que a arrecadação de 29 entidades com descontos de mensalidade de aposentados
havia disparado, chegando a R$ 2 bilhões em um ano, enquanto elas respondiam a
milhares de processos por fraude nas filiações de segurados.
INQUÉRITO
DA PF
As
reportagens do Metrópoles levaram à abertura de inquérito pela PF e abasteceram
as apurações da CGU. Ao todo, 38 matérias do portal foram listadas pela PF na
representação que deu origem à Operação Sem Desconto, deflagrada no dia 23/4 e
que culminou nas demissões do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e do
ministro da Previdência, Carlos Lupi.
Veja as
empresas incluídas no pedido da CGU: Eric Fidelis Advocacia; Rodrigues e Lima
Advogados Associados; Xavier Fonseca Consultoria; ACCA Consultoria Empresarial;
Arpar Administração, Participação e Empreendimento; WM System Informática e
BF01 Participações Societárias
A
empresa que estaria ligada a Cecília é a Rodrigues e Lima Advogados Associados.
Segundo relatório da PF, a empresa teria enviado R$ 630 mil à Xavier Fonseca
Consultoria – outra empresa que consta na lista de aditamento.
IRMÃ DO
PROCURADOR
A
Xavier Fonseca é a empresa da irmã de Virgílio Antonio Ribeiro de Oliveira
Filho, procurador afastado do órgão depois da operação da PF e que, como
mostrou a coluna, teria recebido R$ 11,9 milhões de alvos da Sem Desconto.
Outra é
a Eric Fidelis Sociedade Individual, empresa do filho de André Fidelis que
teria sido usada, segundo a Polícia Federal (PF), para receber pagamentos
relacionados ao esquema.
André,
ex-diretor do INSS, foi demitido do cargo em julho de 2024, depois da
divulgação de reportagens sobre o caso divulgadas pelo Metrópoles.
MAIOR
ENVOLVIDA
Já a
BF01 teria ligação com o ex-procurador e sua esposa, Thaisa Hoffmann. Segundo a
PF, a BF01 é a ” é a maior destinatária de valores da Curitiba Consultoria,
tendo recebido R$ 1.175.831,30 por meio de 5 pix”.
A
Curitiba Consultoria, por sua vez, tem como um dos sócios Thaisa Hoffman. E as
demais (ACCA, Arpar e WM System) têm ligação com o “careca do INSS”, o
empresário Antônio Carlos Camilo Antunes.
No
documento enviado à Advocacia-Geral, a CGU afirma que, “o avanço das análises
nesta CGU levou à identificação de outras empresas intermediárias de pagamento
de vantagens indevidas que não foram referidas no ofício acima, mas sobre as
quais pesam igualmente fortes elementos de envolvimento no ilícitos”.
• Lula ignora vítimas de fraude no INSS e
prefere falar para “extraterrestres”. Por Carlos Andreazza
Lula
falou – pela primeira vez – sobre o roubo bilionário ao INSS. Foi a propósito
do 1º de maio, num discurso gravado. Forma de evitar contato com o mundo real,
donde com mais um evento vazio, e discorrer – desde o palácio – sobre um “País
bom de se viver”. Seria o Brasil – o da violência e da inflação.
Evitou
também o constrangimento de subir em palanque pelo dia do trabalhador enquanto
os trabalhadores de uma vida inteira descobrem a roubalheira a suas
aposentadorias. Preferiu falar a extraterrestres chegados de repente à Terra e
então convencidos de que o governo descobrira ontem o assalto a aposentados e
pensionistas, contra o qual agiu energicamente – e com o qual nada teria a ver.
A alternativa à hipótese “extraterrestre” seria nos tirar por idiotas.
ALERTAS
INÚTEIS
A
realidade se impõe lastreada em auditorias, atas e alertas variados; o governo
Lula informado acerca da roubalheira no INSS (pelo menos) desde junho de 2023,
quando uma integrante do Conselho Nacional da Previdência Social denunciou a
Carlos Lupi a safadeza em curso. Nada seria feito – até março de 2024.
Naquela
altura, e não sem ajuda do Parlamento, o esquema – que tem rastro desde 2016 –
já batia em bilhão de reais. O volume de descontos concedidos quase dobrara de
2022 para 23, primeiro ano deste governo, e mais que dobraria de 23 para 24.
Mesmo assim, o Planalto defende haver tomado providências contra as fraudes. No
melhor cenário, admissão de incompetência: caso em que medidas para fazer
cessar a corrupção teriam feito crescer a corrupção.
BATEU
RECORDE
É fato:
o esquema – que avançara período Bolsonaro adentro – cresceu sob Lula. Outro
fato: a Polícia Federal não investiga um escândalo de incompetência. Define a
PF:
“O
único interesse em voga e observado pela direção do INSS foi o das entidades
associativas”. Direção nomeada por Lupi, nomeado por Lula, como outrora por
Dilma – e que caíra por suspeita de malfeitos no Ministério do Trabalho.
Lula
contratou o pacote Lupi e ficará com a “responsabilidade institucional” pelo
INSS que Lupi rejeita para si. É na hora em que a polícia vai a campo que as
autarquias se tornam “independentes”. Não terá sido dessa maneira quando se
exerceu o poder para distribuir os cargos de comando à rapaziada.
Fonte:
Tribuna da Internet/Metrópoles/Agencia Estado

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