Paulo
Nogueira Batista Jr: Os rumos do Banco Central
Gabriel
Galípolo e os demais indicados pelo presidente Lula para o comando do Banco
Central ainda não disseram a que vieram. São economistas competentes e, pelo
que se sabe, de orientação econômica menos ortodoxa.
Mas até
agora pouco mudou – talvez nada. Visto de fora, é como se o Banco Central
continuasse a ser presidido por Roberto Campos Neto – com a diferença de que o
governo agora não tem mais o bode expiatório.
Não
quero exagerar, entretanto. A visão de fora pode não captar mudanças ocultas,
em gestação. E a verdade é que pouco tempo se passou desde a saída do
presidente anterior.
Pode-se
supor que Galípolo e os novos diretores ainda estejam tomando pé da situação.
Afinal, como ignorar que o Banco Central é uma instituição grande e complexa?
Não se dá cavalo-de-pau num transatlântico. Vamos então dar o benefício da
dúvida a Galípolo e cia.
Para
entender a situação do comando do Banco Central neste momento é fundamental ter
em conta, entre outros fatores, o seguinte fato básico: a política econômica
obedece em alguma medida à influência do ciclo político.
A
perspectiva de eleições influencia inevitavelmente a condução da política
econômica, inclusive a monetária.
Do
ponto de vista do governo brasileiro, faz sentido praticar políticas monetária
e fiscal razoavelmente apertadas entre o final de 2024 e meados de 2025, de
forma a conter um pouco a inflação, para em seguida relaxar a política
econômica, no final de 2025 e início de 2026, ajudando a criar um clima mais
propicio à reeleição de Lula (ou à eleição de quem ele resolver indicar em seu
lugar).
Isso
significaria começar a reduzir a taxa básica de juro nos próximos meses.
Um
economista ortodoxo discordará e dirá certamente que o Banco Central tem
autonomia em relação ao governo e não deve subordinar a seus objetivos
político-eleitorais. Isso é teoria, entretanto.
Na
prática, os bancos centrais quase nunca são totalmente autônomos em relação ao
poder político. Acabam refletindo em alguma medida, de forma não declarada, a
orientação geral do governo pelo qual os seus dirigentes foram indicados.
Evidentemente,
o mandato do Banco Central requer obediência às metas de inflação estabelecidas
pelo Conselho Monetário Nacional.
Ora, a
inflação e as expectativas de inflação estão “desancoradas”, isto é, superam o
centro da meta (3%). A política monetária deve então, argumenta-se, fazer a
inflação convergir para a meta (ou, pelo menos, situá-la dentro do intervalo
previsto no regime de metas).
Porém,
um risco central, sempre presente, é que alcançar a meta de inflação pode
cobrar um preço proibitivo dos pontos de vista social e político.
De que
adiantaria colocar a inflação no centro da meta e entregar o país de mão
beijada para a direita ou a ultradireita em 2026? Quando se considera o
baixíssimo nível da oposição, tanto a bolsonarista, como a direita tradicional,
a perspectiva é aterradora.
Parte
do problema que estamos enfrentando, leitor ou leitora, está na definição da
meta de inflação – 3% com intervalo de 1,5 ponto percentual para cima ou para
baixo. Estabelecer metas ambiciosas como essa contribui para forçar o Banco
Central a praticar juros muito elevados.
O
responsável por essa definição, recorde-se en passant, foi o
presidente do Banco Central Ilan Goldfajn no governo Temer, uma das várias
figurinhas carimbadas que exerceram esse cargo ao longo das décadas recentes.
Na
época, o argumento “científico” era que a Colômbia e o Chile tinham meta de 3%.
Por que não o Brasil? – argumentavam Goldfajn e seus asseclas. Como dizia
Brizola, a elite brasileira é um lixo.
O
governo Lula deveria ter revisto a meta de inflação logo no seu início em 2023,
como parecia querer o próprio Presidente da República.
Diversos
economistas, inclusive eu mesmo, argumentaram que seria conveniente elevar o
cento da meta para 3,5% ou 4%, aumentando ao mesmo tempo o intervalo entre o
piso e o teto da banda de 1,5 para 2 pontos percentuais.
O teto
para a meta ficaria em 5,5% ou 6%, o que permitiria absorver choques de oferta
sem praticar juros exorbitantes. Manteve-se entretanto a meta ambiciosa, com as
consequências que estamos vendo.
Não há
dúvida de que uma taxa básica de juro elevada pode ajudar no combate à
inflação. Como?
Primeiramente,
porque tende a gerar apreciação do real, favorecendo o controle dos preços dos
bens e serviços comerciáveis internacionalmente.
Em
segundo lugar, porque derruba o nível de atividade e de emprego, comprimindo os
preços dos bens e serviços transacionados domesticamente.
O
problema, como se sabe, é que a redução ou desaceleração da atividade
econômica, ao afetar o emprego e a renda, provoca deterioração do quadro social
e prejudica o governo do ponto de vista político.
Além
disso, tende a reduzir a arrecadação tributária, piorando o resultado primário
das contas públicas.
Ainda
mais importante do ponto de vista das finanças governamentais: a taxa básica de
juro aumenta direta ou indiretamente o custo da dívida, que é majoritariamente
interna.
A
despesa líquida de juros do setor público consolidado já supera os 8% do PIB!
O
propalado crescimento do déficit e da dívida do governo tem muito mais a ver
com essa carga de juros do que com o déficit primário (que está em torno de
0,6% do PIB) – contrariamente ao que sustentam ou insinuam os economistas da
Faria Lima e a mídia tradicional.
Não se
pode esquecer, além disso, que os juros altos concentram a renda nacional. Não
é por acaso que a turma da bufunfa defende uma política monetária apertada.
Quem
embolsa os juros pagos pelo governo? Os ricos e super-ricos com elevada
poupança financeira aplicada em títulos públicos.
O Banco
Central está desfazendo, pelo menos em parte, o considerável progresso feito em
termos de distribuição de renda pelo governo Lula em 2023 e 2024.
Um
último ponto, nem sempre notado: a taxa de juro exorbitante coloca dinheiro nas
mãos daqueles que têm meios de remeter recursos para o exterior quando bem
entenderem.
Com a
liberdade que se concedeu mandar dinheiro para fora, a turma da bufunfa faz o
que bem entende, entrando e saindo do país quando lhe convém – um legado da
desastrosa gestão Fernando Henrique Cardoso, que promoveu a liberalização
prematura da conta de capitais. Algo que a China, por exemplo, jamais fez.
Depois
do último aumento da Selic, a taxa real de juros ex ante se
aproxima de 10%! Preciso dizer mais? Por todos esses motivos econômicos,
sociais e políticos, Galípolo e cia. não podem demorar a reduzir os juros.
Fonte:
Viomundo

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