A
conta de trilhões de dólares: o desafio para destravar a adaptação climática
Dados
do Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA) revelam um déficit global de
até US$ 359 bilhões em financiamento para adaptação climática, área que inclui
desde infraestrutura resiliente até sistemas de alerta contra desastres.
No
Brasil, a situação é especialmente crítica. Apenas R$ 100 milhões foram
destinados a soluções do tipo em 2024, menos de 0,1% do necessário para evitar
perdas futuras. Um estudo do Instituto Talanoa calcula que investir R$ 100
bilhões em adaptação até 2030 pouparia R$ 1 trilhão em danos.
Enquanto
fundos ESG movimentam trilhões globalmente e o Brasil expande linhas de crédito
para energia limpa, projetos de adaptação seguem esquecidos. Nenhum foi
incluído no leilão Eco Invest, que captou R$ 45 bilhões para sustentabilidade,
e só 0,06% dos empréstimos do Fundo Clima foram para essa frente.
O
governo federal alega que programas como Cidades Resilientes e AdaptaCidades
estão em execução e que a redução orçamentária pode ser compensada com créditos
extraordinários. Mas a lentidão é incompatível com a emergência climática. A
COP30 sediada no Brasil será um teste, já que o país terá de sair do discurso
no que se refere ao financiamento de adaptação.
Em
tempo:
Um
estudo da London Stock Exchange Group, repercutido pela Bloomberg, indica que
empresas que investem em adaptação climática estão colhendo benefícios
financeiros significativos, com aproximadamente 2.100 empresas gerando mais de
US$ 1 trilhão em receitas no último ano a partir de produtos e serviços
alinhados a essa estratégia. O Financial Times também destacou o estudo.
• Prejuízo das cidades com desastres
climáticos supera R$ 700 bi em 12 anos
Dados
da Confederação Nacional dos Municípios revelaram que os impactos de enchentes,
secas e outros eventos extremos somaram mais de R$ 732 bilhões de prejuízos às
cidades brasileiras, sendo R$ 92,6 bilhões apenas em 2024. Os valores podem
estar subestimados já que menos da metade dos municípios consegue registrar
seus danos no sistema federal S2iD, evidenciando a falta de estrutura técnica
para mensurar com precisão os custos da crise climática.
Entre
2013 e 2024, mesmo desconsiderando os decretos do período excepcional da
pandemia de Covid-19, houve um aumento de 64% na decretação de Situação de
Emergência ou Estado de Calamidade Pública no Brasil. Minas Gerais lidera o
ranking com 14% do total nacional, refletindo a recorrência de eventos como
chuvas intensas e rompimentos de barragens, seguido por Bahia (9,1%), Santa
Catarina (8,3%) e Rio Grande do Sul (8,3%), este último particularmente afetado
por graves inundações em abril de 2024.
Os
dados revelam que secas e estiagens (27.900 decretos) e excesso de chuvas
(20.400) foram os desastres mais frequentes no período, respondendo por 69% do
total. Esses eventos extremos impactaram mais de 473 milhões de pessoas ao
longo dos anos analisados.
O
balanço de vítimas fatais chegou a 2.978 óbitos, com 2022 registrando o ano
mais letal (607 mortes), seguido por 2019 (368) e 2024 (311). A análise
regional mostra que o Sudeste concentrou 51% do total das perdas de vidas
humanas (1.519), enquanto o Sul respondeu por 25% (749), somando juntas 76% das
mortes por desastres no período no país. Assim, as duas regiões, onde residem
cerca de 57% da população brasileira, registraram mais de 75% das perdas
humanas decorrentes do clima extremo.
A CNM
alerta que o fortalecimento das defesas civis municipais é condição essencial
para garantir a resiliência climática e proteger as cidades em risco de
desastres, exigindo que União e estados cumpram efetivamente a Política
Nacional de Proteção e Defesa Civil (Lei 12.608/2012) com repasses regulares de
recursos, programas permanentes de capacitação técnica e apoio financeiro
contínuo aos municípios.
• Como as mudanças climáticas afetam o
acesso à moradia
Na
Califórnia, estado americano com cerca de 187 mil pessoas em situação de rua, o
governo decidiu impor, entre outras medidas, um teto ao reajuste dos aluguéis
após os incêndios mortais em Los Angeles, em janeiro. Mas os preços cada vez
mais inacessíveis têm se tornado um padrão em várias cidades do mundo.
"Não
se trata de uma questão exclusivamente rural ou urbana, ou uma questão de
proprietários ou locatários", disse Sara McTarnaghan, pesquisadora do
Urban Institute, um think tank dos EUA voltado para políticas sociais. "Há
uma espécie de experiência compartilhada em que os preços das casas e dos
aluguéis continuaram a subir muito mais rápido do que a renda."
Esse
também é um problema sem restrições geográficas. Metade das cidades com os
aluguéis que aumentam mais rapidamente no mundo está no Sul Global.
• Fuga de áreas de risco piora
desigualdade
Desastres
naturais e outros eventos extremos – cada vez mais intensos e frequentes devido
à emergência climática promovida pelo uso de combustíveis fósseis e pela
degradação ambiental – estão mudando a atratividade de bairros em regiões de
risco e mudando o eixo da especulação imobiliária.
Em
cidades costeiras como Miami, tem diminuído o interesse por propriedades à
beira-mar, à medida que o nível do mar aumenta como resultado do aquecimento
das temperaturas globais e pela ameaça de furacões.
"Há
pessoas de alta renda em áreas costeiras baixas que são vulneráveis a
inundações e que agora estão procurando áreas mais elevadas", disse Zac
Taylor, especialista em finanças climáticas da Universidade Tecnológica de
Delft, na Holanda. Por sua vez, essa mudança nos padrões de investimento está
"deslocando os moradores de baixa renda existentes".
Embora
as propriedades à beira-mar em bairros como Miami Beach continuem populares, os
preços em áreas de baixa renda longe da costa, como Little Haiti, estão subindo
mais rapidamente do que no resto da cidade. Os imóveis em áreas mais elevadas
de Miami estão se valorizando mais rapidamente nos EUA. Os especialistas chamam
isso de "gentrificação climática".
"Conversei
com incorporadores imobiliários que me disseram que sim, eles pensam na
elevação agora quando compram propriedades para desenvolvimento de longo
prazo", disse Taylor. "Portanto, sabemos que a pressão de
deslocamento nessas comunidades está sendo em certa medida ampliada por uma
preocupação com o clima."
• Desastres alimentam especulação
Desastres
climáticos exercem uma pressão de curto prazo sobre a oferta de aluguéis ao
destruir moradias, o que tem ocorrido em cidades e circunstâncias diversas.
Os
recentes incêndios florestais em Los Angeles destruíram 16 mil estruturas,
incluindo casas, afetando instantaneamente o que já era um dos mercados
imobiliários mais caros do país.
"Muitas
vezes pensamos no sucesso da recuperação de desastres como a recuperação das
unidades habitacionais, mas não há muita visibilidade para saber se essa
unidade habitacional é acessível ou se continua ocupada pela mesma
pessoa", disse McTarnaghan.
Em Nova
Orleans, os preços das moradias aumentaram 33% após a passagem do furacão
Katrina, em 2005. A tempestade causou danos de 125 bilhões de dólares e matou
1.392 pessoas.
Em
Porto Rico, os custos de moradia aumentaram 22% após a passagem do furacão
Maria, em 2017 – o mais mortal da história recente dos EUA, com 3.000 mortos
somente em Porto Rico, e danos da ordem de 90 bilhões de dólares. A
reconstrução, o redesenvolvimento e os aumentos de preço após o desastre
transformaram completamente bairros inteiros.
Os
custos de seguro também estão disparando para mais de 1,2 bilhão de pessoas no
mundo altamente expostas a pelo menos um risco climático crítico.
Nos
EUA, o custo médio anual do seguro residencial quase triplicou entre 2001 e
2021, subindo de 536 para 1.411 dólares, principalmente por conta do aumento
dos riscos de desastres ligados ao aquecimento do planeta.
Na
Alemanha, onde as enchentes estão se tornando cada vez mais frequentes, é
previsto que o valor do seguro residencial dobre na próxima década.
Na
Austrália – frequentemente atingida por incêndios florestais e inundações – 15%
das famílias sofrem de "estresse de acessibilidade ao seguro
residencial", o que significa que pagam mais de quatro semanas de sua
renda anual com seguro.
• Planejamento urbano voltado para o clima
McTarnaghan
argumenta que mais moradias ajudarão a lidar com o aumento da demanda
pós-desastres.
Essa
flexibilidade ajudaria as pessoas afetadas por desastres a se beneficiarem de
"uma maior oferta de moradias que pode acomodar melhor as mudanças e os
surtos que ocorrem com os desastres", disse ela.
A
expansão do número de moradias também proporcionaria, de modo geral, mais
opções para locatários e proprietários de imóveis, ajudando na crise mais ampla
de acessibilidade de moradias. Ainda assim, a mudança climática apresenta
desafios únicos que não podem ser resolvidos apenas com um estoque ampliado.
"Há
uma necessidade realmente urgente de transformar nosso estoque para reduzir sua
pegada de carbono, mas também para reduzir a vulnerabilidade física aos riscos
climáticos", disse McTarnaghan.
O
planejamento urbano focado em áreas de baixo risco pode ajudar. Além disso, a
modernização voltada para o clima, como telhados resistentes ao fogo ou
laterais robustas em regiões propensas a furacões e tufões, pode ajudar a
proteger contra desastres.
Zac
Taylor argumenta que a redução de riscos deve ser vista como parte de uma
abordagem social mais ampla em relação à acessibilidade da moradia e ao
enfrentamento das mudanças climáticas.
"Precisamos
de uma visão mais clara da sociedade em que queremos viver. O que queremos
proteger e investir? Qual é a importância de moradias seguras e econômicas?
Precisamos pensar sobre isso se quisermos redesenhar nossas instituições para
enfrentar esses riscos", defende.
Fonte:
ClimaInfo/DW Brasil

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