O
que a sua idade biológica pode revelar sobre sua saúde?
Pesquisadores
da China desenvolveram uma ferramenta que usa IA (inteligência artificial) para
analisar imagens do rosto, da língua e da retina de um indivíduo, a fim de
determinar sua idade biológica. A tecnologia oferece informações sobre a saúde
e a condição de nossas células, tecidos e órgãos, além do risco de doenças
crônicas.
Uma
olhada na carteira de motorista é suficiente para descobrir a idade cronológica
de alguém. Mas a idade biológica é mais difícil de ser identificada. Ao
contrário da idade cronológica, não há uma medida universalmente aceita para a
idade biológica, que pode ser afetada pelo ambiente, pelas escolhas individuais
de estilo de vida e pela genética.
Um
fumante, por exemplo, pode parecer anos mais velho do que sua idade
cronológica, enquanto um fã de atividades fitness pode passar por alguém muito
mais jovem. E a diferença é mais do que superficial – se a sua idade biológica
for maior do que a idade cronológica, você poderá ter uma doença crônica ou
sofrer um declínio cognitivo prematuro. Por outro lado, se você for
biologicamente mais jovem do que sua idade cronológica, poderá ter mais vigor
em comparação com seus colegas.
"Conhecer
sua idade biológica é importante porque, se ela estiver errada, você pode
alterar seu estilo de vida para melhorar sua saúde", afirma Michael
Snyder, geneticista da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, que não
participou do estudo atual.
As
primeiras versões dos “relógios de envelhecimento” (modelos que medem a idade
biológica) calcularam esse número observando os padrões de metilação do DNA –
marcas químicas no DNA que controlam quais genes são desligados e ligados – em
diferentes tecidos, que mudam com o tempo.
Outros
relógios mediram as quantidades de vários marcadores metabólicos (como glicose
no sangue) e de proteínas inflamatórias que os médicos frequentemente testam
durante os exames físicos anuais. Mais recentemente, os cientistas projetaram
relógios que usam imagens 3D do rosto, exames cerebrais ou níveis de proteína
no sangue para determinar a idade biológica de uma pessoa.
Todos
eles rastreiam algo que muda à medida que envelhecemos – sejam as rugas
gravadas em nossa pele ou a probabilidade crescente de doenças relacionadas à
idade, como o diabetes. Mas o envelhecimento é um processo complexo, que afeta
vários sistemas de órgãos de inúmeras maneiras.
Usar
apenas um tipo de medida para definir a idade biológica é como tentar entender
um elefante tocando apenas em sua tromba, diz Kang Zhang, médico-cientista da
Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau e coautor do artigo, publicado na
Pnas (que publica estudos científicos da National Academy of Science dos
Estados Unidos) em janeiro de 2024.
Em vez
disso, Zhang e seus colaboradores criaram uma imagem "holística" da
idade biológica com um modelo de IA que usa informações de imagens do rosto, da
língua e da retina, e emite uma idade correspondente. A metodologia, como a que
alimenta o Chat GPT, "supera a capacidade dos seres humanos de prever a
idade, pois analisa grandes quantidades de dados e descobre conexões
invisíveis", diz Zhang.
"Fiquei
impressionado tanto com o design técnico do experimento de aprendizagem
profunda quanto com o design experimental, com os conjuntos de dados que eles
usaram; os resultados são bastante convincentes", comenta James Cole,
neurocientista da University College London, na Inglaterra, que não participou
do estudo atual.
• Aprendizagem profunda e idade biológica
Apresentada
em um artigo de 2017 do Google, essa tecnologia de IA, chamada de
transformador, foi usada pela primeira vez para criar programas que pudessem
imitar a linguagem humana, como o Chat GPT. Diferentemente dos modelos de IA
mais antigos, os transformadores processam sequências inteiras de texto de uma
só vez, em vez de sequencialmente, o que os torna mais hábeis na detecção de
padrões e na compreensão do contexto.
Logo,
os pesquisadores traduziram essa abordagem para a análise de imagens, onde ela
revolucionou as tarefas de visão computacional da mesma forma que o
processamento de linguagem natural. Outra inovação que alguns transformadores –
inclusive o utilizado neste estudo – adotam é a análise de imagens em
diferentes resoluções para identificar detalhes grosseiros e finos.
Mas os
transformadores precisam de muitos dados. "Isso não é um problema para a
linguagem porque, obviamente, há muita linguagem por aí, mas para imagens
médicas é muito, muito mais difícil" encontrar exemplos suficientes, diz
Cole, cuja pesquisa aplica técnicas de IA a exames cerebrais para investigar a
relação entre envelhecimento e doenças neurodegenerativas. É ótimo que esse
grupo tenha conseguido acesso a dezenas de milhares de pessoas para seu estudo,
diz ele.
Como
acontece com muitos modelos de IA, traduzir os resultados do modelo em termos
que os humanos possam entender pode ser um ponto problemático.
"O
modelo é sutil e analisa diferenças no nível do pixel, que não conseguiremos
detectar", explica Zhang. Dito isso, suas análises parecem sugerir que o
centro da língua (imagens da língua), a região ao redor dos olhos (imagens do
rosto) e os locais na parte de trás do globo ocular onde os vasos sanguíneos
são mais densos (imagens da retina) são reflexos importantes do envelhecimento
biológico.
Rostos,
línguas e retinas
Para
começar a criar uma ferramenta que pudesse determinar a idade biológica, os
pesquisadores treinaram o modelo usando imagens do rosto, da língua e da retina
de 11.223 pessoas do norte da China, para as quais se supõe que a idade
biológica seja igual à idade cronológica por serem indivíduos saudáveis. Isso
se traduziu em 300 milhões de variáveis, uma gota d'água perto do Chat GPT4,
que tem um trilhão de parâmetros.
Nossas
previsões de idade cronológica, como um indicador em pessoas saudáveis em idade
biológica, "são mais precisas – dentro de um ano – em comparação com
outros relógios de envelhecimento" que usam uma única medida, diz Zhang.
Como na
história do elefante, as informações de cada modalidade capturam uma faceta
diferente do envelhecimento. As rugas no rosto, por exemplo, indicam fatores
ambientais, como exposição ao sol e poluição; enquanto o afinamento da retina
(uma parte do sistema nervoso central) e os vasos sanguíneos danificados
refletem a saúde do cérebro e do sistema circulatório.
O
formato e o revestimento da língua, por outro lado, fornecem pistas sobre nosso
microbioma e a saúde intestinal. Os participantes do estudo foram acompanhados
com check-ups regulares de saúde – incluindo exames de sangue e urina,
questionários sobre estilo de vida e exames físicos – durante cinco anos como
parte dessa pesquisa.
Com um
relógio de envelhecimento biológico em mãos, a equipe de Zhang testou seu
modelo em indivíduos não saudáveis que sofriam de doenças crônicas, como
diabetes e doenças cardíacas, provenientes da mesma população do norte da China
usada para desenvolver o modelo; eles também incluíram pessoas de uma região
diferente no sul da China.
Como
esperado, em pessoas saudáveis, a idade biológica se aproximou da idade
cronológica. Mas se alguém tivesse hábitos não saudáveis, como fumar e levar
uma vida sedentária, ou sofresse de uma doença crônica, a idade biológica
tendia a ser maior do que a idade cronológica. Essa diferença, denominada
AgeDiff, variou de uma média de 3,16 anos para indivíduos com doença cardíaca
crônica a 5,43 anos em fumantes.
• Consequências da diferença entre as
idades biológica e cronológica
Para
determinar como o fato de ser biologicamente mais velho do que sua idade
cronológica afeta o risco de desenvolver seis doenças comuns relacionadas à
idade, como: doença cardíaca crônica, doença renal crônica, doença
cardiovascular, diabetes, hipertensão e AVC (acidente vascular cerebral).
Os
pesquisadores dividiram as 11.223 pessoas em quatro grupos, variando de AgeDiff
alto a baixo. As pessoas com AgeDiff mais alto tinham maior probabilidade de
desenvolver uma dessas doenças crônicas, com o risco aumentando à medida que o
AgeDiff aumentava.
Além do
risco de uma pessoa desenvolver uma doença ao longo da vida, Zhang também
estava interessado no que o AgeDiff poderia nos dizer sobre quando a doença
poderia se desenvolver – em outras palavras, alguém será diagnosticado com
diabetes este ano ou daqui a cinco anos? Se soubermos o momento, "isso
pode ser muito útil para projetar intervenções", diz Zhang.
O que a
equipe de Zhang descobriu foi que o AgeDiff é melhor para prever quando alguém
ficará doente do que as métricas mais tradicionais, como glicemia, IMC e
colesterol. E se você combinar o AgeDiff com esses outros fatores, a previsão
será ainda mais precisa. Não é de surpreender que os pesquisadores também
tenham descoberto que valores anormais de indicadores de saúde, como IMC e
pressão arterial, estão associados a números mais altos de AgeDiff.
O
futuro dos relógios biológicos
Atualmente,
Zhang e sua equipe estão usando o AgeDiff para identificar pessoas com alto
risco de desenvolver doenças crônicas e prescrever intervenções para cada um
desses pacientes. Ao visar métricas de saúde intimamente ligadas ao AgeDiff –
como pressão arterial e níveis de glicose no sangue, por exemplo – eles esperam
retardar sistematicamente o aparecimento de "doenças do
envelhecimento".
Eles
também estão refinando o modelo, incluindo outras variáveis, como a metilação
do DNA, e incorporando indivíduos experimentais de outros grupos étnicos.
Ferramentas
como o AgeDiff poderiam democratizar a medicina, reduzindo as despesas e o
incômodo de prevenir doenças antes que elas se instalem, explica Snyder. Para
isso, o grupo de Zhang está desenvolvendo um acessório para iPhone e
aplicativos associados que podem tirar as fotos exigidas pelo modelo, e ele
espera ter um protótipo viável até o final do ano.
Snyder,
que estuda como a medicina personalizada pode reduzir o risco de um indivíduo
desenvolver doenças crônicas, gosta dessa solução simples e acessível.
"Qualquer pessoa pode fazer isso com muita facilidade, sem precisar tirar
sangue e fazer todos os exames que as pessoas fazem atualmente", diz ele.
Fonte:
National Geographic Brasil

Nenhum comentário:
Postar um comentário