O
que é a síndrome de Williams, que nos torna exageradamente simpáticos
Imagine
andar pela rua e sentir o amor e o calor de cada pessoa que passa.
Esta é
uma experiência familiar para pessoas com síndrome de Williams (SW), uma doença
genética rara que afeta aproximadamente 1 em cada 7,5 mil pessoas.
Os
afetados, muitas vezes classificados como "autistas", têm um desejo
inato de abraçar e fazer amizade com estranhos. Eles são extremamente
afetuosos, empáticos e falantes. Eles tratam todos que conhecem como seus novos
melhores amigos.
Ser tão
amigável tem desvantagens. Eles geralmente têm dificuldade em manter amizades
próximas e são propensos ao isolamento e à solidão.
Além
disso, às vezes eles são muito abertos e confiantes com estranhos e não
percebem quando estão em perigo, o que os torna vulneráveis a abusos e
assédios.
"É
muito fácil para alguém com síndrome de Williams ser enganado e explorado
porque ele é muito crédulo", diz Alysson Muotri, professor de Pediatria e
Medicina Celular e Molecular na Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD).
"Eles
aceitam todos sem preconceito, o que parece uma característica encantadora,
mas, no fim das contas, há uma razão pela qual o cérebro humano evoluiu para
ser um pouco cauteloso com pessoas novas. Você não sabe se elas vão te machucar
ou te amar, e elas [as pessoas com a síndrome] não conseguem fazer essa
distinção", explica ele.
Poucas
pessoas com síndrome de SW vivem de forma independente na idade adulta, e
muitas sofrem de ansiedade severa.
Há
também problemas de saúde que acompanham a doença, como doenças
cardiovasculares, atrasos no desenvolvimento e dificuldades de aprendizagem.
Por exemplo, muitos indivíduos afetados têm um QI abaixo da média.
• O que se sabe sobre a síndrome
Na
última década, os cientistas aprenderam mais sobre essa doença. Isso também
ajudou a entender como algumas das características que nos tornam humanos —
como gentileza, confiança e simpatia — evoluíram.
Vamos
começar por alguns fatos. Os humanos têm 46 cromossomos, organizados em 23
pares. Durante o desenvolvimento do espermatozoide ou do óvulo, ocorre um
processo chamado recombinação, no qual o material genético é trocado entre
pares de cromossomos idênticos.
Entretanto,
em uma pessoa com SW, acontece um problema no processo e uma seção inteira de
DNA é acidentalmente excluída de uma cópia do cromossomo sete. Como resultado,
pessoas com essa síndrome não têm uma cópia de 25 a 27 genes.
Esses
genes desempenham várias funções. Por exemplo, um deles, chamado ELN, codifica
uma proteína chamada elastina, que fornece flexibilidade e elasticidade aos
tecidos de todo o corpo.
A falta
de elastina causa rigidez nas paredes arteriais, levando a problemas
cardiovasculares ao longo da vida em pessoas com síndrome de Williams.
Outro
gene, o BAZ1B, afeta o crescimento das chamadas células da crista neural. Essas
são células-tronco que eventualmente formam a base de muitos tecidos, incluindo
os ossos e a cartilagem do rosto.
Pessoas
com síndrome de Williams têm características faciais distintas, como nariz
pequeno e arrebitado, boca larga e queixo pequeno.
No
entanto, identificar o gene ou genes responsáveis pela maior simpatia das
pessoas com síndrome de Williams tem se mostrado mais difícil.
Uma
teoria é que o gene BAZ1B também pode desempenhar um papel nesse caso. Algumas
células da crista neural formam as glândulas suprarrenais, que, ao liberar
adrenalina, são responsáveis pela resposta de lutar ou fugir.
Pessoas
com células da crista neural em menor quantidade ou danificadas podem produzir
menos adrenalina. Isso, por sua vez, pode torná-las pessoas que têm menos medo
de estranhos.
• Gene social
Outros
cientistas acreditam que um gene chamado GTF2I pode ser o responsável pela
simpatia. Por exemplo, pesquisas mostraram que animais sem GTF2I tendem a ser
mais sociáveis do que outros membros de sua espécie.
Outra
pesquisa não publicada sugere que moscas-das-frutas que não possuem o gene
gostam de comer juntas. Camundongos sem GTF2I têm maior probabilidade de se
aproximar de um segundo camundongo "estranho".
Os cães
também contêm uma variante do gene GTF2I que os torna menos eficientes, o que
pode explicar sua aparente sociabilidade e simpatia em comparação aos lobos.
Por
outro lado, pessoas que têm uma duplicação do gene tendem a desenvolver uma
forma de autismo caracterizada por fobia social.
O
mecanismo exato pelo qual GTF2I controla a sociabilidade ainda é desconhecido.
A proteína que o gene GTF2I codifica é um fator de transcrição, o que significa
que ajuda a regular a expressão de muitos outros genes.
Uma
teoria afirma que o perfil de personalidade de indivíduos com SW pode estar
relacionado à deterioração da mielina, a camada isolante ou "bainha"
que envolve os nervos, especialmente os do cérebro e da medula espinhal.
"Assim
como o fio elétrico da sua casa, que é coberto por uma camada isolante de
plástico, a mielina é crucial para a transmissão adequada de sinais elétricos
de um neurônio para outro", diz Boaz Barak, professor associado da
Universidade de Tel Aviv, em Israel.
Barak e
seus colegas mostraram recentemente que camundongos criados sem GTF2I não eram
apenas mais sociáveis, mas seus neurônios continham menos mielina. Ao receber
um medicamento que aumenta a mielinização, seu comportamento se tornou mais
parecido com o de outros camundongos.
• Células 'preguiçosas'
Como a
mielina acelera drasticamente a velocidade com que os sinais elétricos viajam,
uma explicação é que a perda de mielina pode resultar em células nervosas mais
lentas e "preguiçosas".
Isso
poderia explicar algumas das dificuldades cognitivas enfrentadas por pessoas
com síndrome de Williams, bem como as habilidades motoras deficientes
associadas à condição.
No
entanto, Barak acredita que esse problema também pode interromper a comunicação
entre a amígdala — a pequena região do cérebro em formato de noz que processa o
medo e as emoções — e o córtex frontal — a região responsável pela tomada de
decisões, personalidade e emoções. Isso poderia explicar por que pessoas com SW
não temem ou desconfiam de estranhos.
"O
que descobrimos é que, quando há falta de GTF2I, o processo de mielinização é
prejudicado, resultando em comunicação fraca entre as regiões do cérebro
responsáveis pelo medo e aquelas responsáveis pela tomada de decisões
sociais", explica Barak.
• Como se trata a síndrome?
Curiosamente,
um medicamento aprovado pela Food and Drug Administration (o FDA, que é o órgão
do governo dos Estados Unidos que controla e aprova remédios) chamado
clemastina — comumente usado para tratar alergias — é conhecido por melhorar a
mielinização.
Amostras
de cérebro doadas por pessoas com síndrome de Williams também mostraram sinais
de alterações na mielinização. Barak e sua equipe planejam usar a clemastina
como um possível tratamento para a doença.
Eles
estão atualmente avaliando sua segurança e eficácia em um ensaio clínico de
Fase 1 — o primeiro estágio dos testes em humanos — cuja conclusão está
prevista para dezembro de 2025.
"Pessoas
com síndrome de Williams têm características surpreendentes que pessoas
neurotípicas podem aprender, então seu comportamento não é necessariamente algo
que precisamos corrigir", diz Barak.
"Conhecemos
muitas famílias, e é comum ouvir um pai dizer: 'Eu nunca trocaria o amor que
ela [a filha com a síndrome] dá ao mundo', ou 'eu amo o quão gentil e atenciosa
ela é.'" No entanto, o que estamos tentando fazer é desenvolver
tratamentos baseados em medicamentos existentes para aqueles que querem
usá-los", diz ele.
O
laboratório de Barak descobriu que camundongos criados sem o gene GTF2I também
apresentam mitocôndrias disfuncionais em seus neurônios. As mitocôndrias são as
usinas de energia presentes em todas as células que produzem energia para o
corpo.
Amostras
de cérebro de indivíduos com síndrome de Williams também mostram que suas
mitocôndrias não se desenvolvem ou funcionam adequadamente.
"Os
neurônios precisam de energia para fazer seu trabalho, e o que descobrimos é
que, sem GTF2I, a rede mitocondrial não se forma adequadamente", diz
Barak. "Como resultado, os neurônios têm dificuldade para suprir suas
necessidades energéticas: eles sofrem um apagão."
Como
resultado, substâncias tóxicas se acumulam dentro dos neurônios, o que pode
impedi-los de funcionar corretamente, de acordo com Barak.
• 'Hormônio do amor'
Enquanto
isso, outros sugeriram que a perda do gene GTF2I poderia aumentar os níveis de
ocitocina, o chamado "hormônio do amor", no cérebro.
Pesquisas
mostram que pessoas com SW produzem mais ocitocina e têm mais receptores de
ocitocina — proteínas que reconhecem e se ligam à ocitocina.
Muotri,
por sua vez, acredita que o maior senso de amizade que caracteriza pessoas com
essa síndrome pode ser explicado pelo número de sinapses — ou conexões — em
seus cérebros.
Em
2016, sua equipe extraiu células-tronco de dentes de leite descartados de
crianças com a síndrome. As células foram reprogramadas para formar neurônios
capazes de fazer conexões, como aqueles observados em cérebros em
desenvolvimento. Após um exame mais detalhado, os neurônios nesses minicérebros
desenvolvidos em laboratório eram diferentes.
"Havia
mais sinapses do que o normal, então os neurônios se ramificaram mais e fizeram
mais conexões", explica Muotri.
No
estudo de 2016, a equipe também examinou amostras post-mortem retiradas de
pessoas com SW que doaram seus cérebros para a ciência. Os mesmos padrões foram
observados: os neurônios em pessoas com SW eram mais ramificados e formavam
mais conexões com outros neurônios.
Embora
Muotri e sua equipe ainda não tenham desvendado todos os circuitos envolvidos,
ele sugere que a SW provavelmente forma mais conexões com partes do cérebro
relacionadas à recompensa: "Quando você se lembra de alguém ou vê alguém
de quem gosta, seu cérebro libera dopamina, o que cria uma sensação boa",
diz ele.
"Acredito
que pessoas com síndrome de Williams podem ter uma desregulação desse
neurotransmissor. Então, quando veem um rosto novo, imediatamente liberam
dopamina e se sentem bem."
O outro
lado da moeda mostrou que minicérebros cultivados com células-tronco de
crianças com autismo têm menos conexões neurais. "Mostramos que se você
reduzir a expressão do gene [GTF2I], mais conexões são criadas, e se você
aumentar a expressão do gene, menos conexões são criadas, o que é
incrível", diz Muotri.
Como
características como confiança, gentileza e amabilidade são tão importantes
para a sobrevivência humana, Muotri acredita que a evolução deve manter um
controle rígido sobre a expressão do gene GTF2I. Os humanos são uma espécie
social e nossa sobrevivência depende da colaboração mútua. Precisamos ser
capazes de confiar nos outros até certo ponto.
"O
equilíbrio específico [do GTF2I] é provavelmente muito importante, já que ser
muito amigável não é bom, mas não ser amigável o suficiente também não é
bom", ela acredita.
"Então,
o que a evolução fez foi ajustar a expressão desse gene: ela encontrou a
quantidade exata de socialização que todos nós podemos tolerar."
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Fonte:
BBC Future

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