sábado, 24 de maio de 2025

Luís Nassif: O que significaria Tarcísio presidente

Dia sim, dia não, aparecem cenas da Polícia Militar paulista espancando pessoas, entrando em casas e assassinando jovens. E, para cada denúncia, há uma resposta padrão: “A Polícia Militar informa que não aceita esse tipo de comportamento”. E nada mais diz. É quase certo que os assassinos não serão punidos, que mais comandantes legalistas serão afastados, e mais oficiais da Rota assumirão cargos de comando.

Nesse momento, o Supremo Tribunal Federal julga os golpistas de 8 de janeiro, especialmente os militares que participariam da Operação Punhal Verde, para eliminação física do presidente da República, do vice-presidente e de Ministros do STF.

O golpe não frutificou por dois motivos. De um lado, pela resistência de dois comandantes militares, especialmente o Ministro do Exército. Agora se compreende porque, menos de 20 dias após a reunião em que foi ameaçado de prisão, se incorresse em ilegalidade, Bolsonaro se mandou para Miami.

Outro fato foi a articulação de Procuradores estaduais, junto com o Procurador Geral da República (PGR) Augusto Aras, de decretar estado de emergência nos estados, obrigando as PMs a ficarem acampadas nos quartéis.

Se o golpe fosse vitorioso em 8 de janeiro, o país teria sido chacoalhado por um mar de sangue. Os Kids Pretos já tinham arrebentado a hierarquia das FFAAs e as milícias abrigadas nos CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) estavam e estão fortemente armadas, a partir de medidas adotadas por Bolsonaro.

Os episódios de dezembro, com incêndio de ônibus, ameaça de bomba no aeroporto de Brasília e na sede da Polícia Federal, as tentativas de implodir torres de energia, e a própria violência nos prédios públicos, dá uma ideia do que teria acontecido. Seria uma reedição da Noite dos Longos Punhais que marcou o início do governo de Hitler.

Como seria um eventual governo Tarcísio de Freitas?

Seria a mesma coisa que o segundo governo Donald Trump, aprendendo em cima dos erros estratégicos do primeiro.

Primeiro, avançaria no processo de milicialização das PMs, como tem feito em São Paulo. Depois, a partir do primeiro dia de governo, passaria a mudar os comandos das Forças Armadas, afastando oficiais legalistas e colocando Kid Pretos nos comandos. E inundaria o serviço público com militares da reserva, consolidando o apoio da corporação.

Não se trata de elucubração, de teoria conspiratória, mas de uma conclusão óbvia.

O apoio dos veículos de mídia deve-se apenas à possibilidade de, Tarcísio, eleito, privatizar Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica, destruir todas as políticas sociais e proporcionar negócios muito maiores do que o da escandalosa privatização da Sabesp.

Mas valerá o risco político? O que ocorrerá com a imprensa, quando Tarcísio consolidar seu poder político, fundado em milícias armadas? O que ocorrerá com a Justiça, quando se dispuser a afrontar os princípios jurídicos e se aliar à ala mais conservadora do Judiciário? Valerá a pena destruir o sistema de ciência e tecnologia – como ele está fazendo em São Paulo -, desmontar os amortecedores sociais e deixar a sociedade nas mãos dos Derrites e seus assassinos.

A falta de visão de parte da elite brasileira é histórica. Mas nunca a selvageria esteve tão ameaçadora quanto agora.

•        Tarcísio dá banana a Bolsonaro e diz em ato do Centrão que "esse grupo tem projeto para o Brasil"

Cortejado pela Terceira Via e o Movimento Brasil, de Michel Temer (MDB), como o "anti Lula" para 2026, o governador Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) deu uma banana para Jair Bolsonaro (PL) e fez discurso de presidenciável em ato que reuniu os caciques do Centrão na noite desta quinta-feira (22) em São Paulo.

"Uma coisa que é importante, que não pode passar despercebida, é o simbolismo desta reunião aqui. É a quantidade de lideranças que nós temos aqui, do Brasil inteiro. Para quem duvida que esse grupo vai estar unido no ano que vem, eu digo para vocês: esse grupo estará unido", afirmou o governador.

"Esse grupo vai ser forte, esse grupo tem um projeto para o Brasil. Esse grupo vai fazer a diferença. Esse grupo sabe o caminho. No momento em que há dúvida, no momento em que tem muita gente lá em Brasília perdida, que não sabe o caminho, e em que as decisões são tomadas de forma casuística, às vezes até de forma irresponsável, tem o grupo aqui, que está unido, que sabe o caminho, que quer fazer a diferença", emendou Tarcísio, em um discurso focado no Planalto, com afagos a Valdemar da Costa Neto, presidente do PL.

O ato marcou a troca partidária do Secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite. Responsável pelo aumento da violência policial no Estado, Derrite deixou o PL, de Costa Neto, e se filiou ao PP, de Ciro Nogueira, que flertou com Tarcísio no palanque.

"Os governadores de São Paulo sempre erram ao serem eleitos: querem logo disputar a Presidência e se colocam como candidatos. E é por isso que talvez o Brasil vá chamar o governador Tarcísio de presidente muito em breve. Ou agora ou em 2030. E quem vai decidir isso é o povo de São Paulo e o povo do Brasil. Mas pode ter toda a certeza: se houver essa decisão, governador, tanto o União Brasil quanto o Progressistas estarão ao seu lado", disse o presidente do Progressistas, que falou que Derrite será a "grande estrela" do partido no Estado.

Embora o grupo tenha ventilado que Derrite se filiou ao PP para ser candidato ao Senado, o próprio Nogueira revelou os planos para o responsável pela violência policial em São Paulo em conversa com jornalistas nos bastidores.

“Vamos defender legitimamente o nome do Derrite”, disse Ciro Nogueira sobre lançar Derrite ao governo do Estado.

•        Direita sem Bolsonaro

O ato, que aconteceu na Vila JK, um espaço de luxo na Vila Olímpia - uma das regiões mais caras da capital -, foi o primeiro encontro do movimento da "direita sem Bolsonaro", pregado pelo ex-presidente golpista Michel Temer, para fazer frente à reeleição de Lula em 2026.

No palanque, entre Tarcísio, Derrite e Nogueira, acotovelavam-se os presidentes do PSD, Gilberto Kassab; do União Brasil, Antônio Rueda; e do Podemos, Renata Abreu.

Além dos caciques, marcaram presença evento nomes como o ex-ministro da Saúde de Temer, Ricardo Barros (PP-PR); Kim Kataguiri (União-SP); Antônio Carlos Rodrigues, representando o MDB paulista; além de outras figuras que atuam nos bastidores da aliança, como Maurício Neves (PP-SP), presidente estadual dos progressistas.

Horas antes de ser cortejado como presidenciável em 2026, Tarcísio publicou uma foto ao lado de Bolsonaro nas redes sociais. O ex-presidente, no entanto, não compareceu ao ato.

•        Sara Goes: Michelle é o futuro do bolsonarismo (com ou sem Bolsonaro)

A recente demissão de Fábio Wajngarten do PL, após o vazamento de mensagens em que ele e Mauro Cid ironizavam uma possível candidatura de Michelle Bolsonaro, marca uma reconfiguração significativa no núcleo duro do bolsonarismo. Wajngarten, ex-chefe da Secom e um dos poucos aliados leais e úteis de Jair Bolsonaro, era peça-chave na tentativa de manter o ex-presidente apresentável diante do mercado e da opinião pública, um operador da “normalização”. Sua saída não é apenas o fim de uma aliança pessoal, mas um sintoma de algo maior, o fortalecimento simbólico de Michelle e o colapso de uma linha interna do bolsonarismo que tentava modular sua radicalidade com alguma racionalidade comunicacional.

Embora a demissão tenha sido interpretada como um gesto em defesa de Michelle, e provavelmente tenha sido mesmo, não é necessário que tenha partido diretamente dela. O gesto em si, feito por Valdemar Costa Neto, já diz o bastante, Michelle se tornou uma figura de autoridade no partido. Mesmo que não concentre ainda todo o comando, já é capaz de causar exonerações com seu nome.

Esse fortalecimento da ex-primeira-dama ocorre num momento delicado para o PL. Há dentro da legenda um clamor crescente por “desbolsonarização”, uma tentativa de preservar o capital eleitoral do bolsonarismo sem carregar o ônus jurídico e reputacional de Jair Bolsonaro. Essa ala, que Valdemar tenta articular nos bastidores, tem enfrentado resistência direta do entorno do ex-presidente e de sua base mais fiel, que não admite qualquer flexibilização.

O caso do deputado Júnior Mano é exemplar. Expulso do PL por apoiar publicamente a candidatura do petista Evandro Leitão à prefeitura de Fortaleza, Mano denunciou que sua expulsão foi uma exigência pessoal de Jair Bolsonaro. Valdemar, segundo ele, foi pressionado. A crítica implícita escancara a posição desconfortável de Valdemar, que tenta arbitrar o partido mas é frequentemente atropelado pelas exigências do clã. A diferença, nesse caso, é que Júnior Mano não saiu calado: lavou a roupa suja em praça pública, apontou o dedo para Bolsonaro e deu nome aos bastidores. Talvez essa disposição em criar ruído tenha chamado atenção de Cid Gomes (PSB), que já o trata como novo projeto político no Ceará. Mas a deliciosa análise dos imbróglios da política cearense merecem um artigo a parte.

Nesse cenário, Michelle surge como a solução possível para manter o bolsonarismo vivo, adaptado, sim, mas ainda eficaz. Em sua mais recente movimentação, segundo análise da colunista Bela Megale em O Globo, Michelle tem moderado o discurso religioso, suavizado os traços mais agressivos do bolsonarismo e evitado contrariar publicamente o marido, que, diante da iminente possibilidade de prisão, sinaliza com cada vez mais clareza que pretende lançá-la à Presidência em 2026.Essa operação de imagem já vinha sendo analisada no artigo “(Des)construindo Michelle: de esposa-troféu a santa profissional”, publicado no Brasil 247. No texto, mostro como Michelle deixa de ser mero apêndice e passa a operar como projeto político por si mesma, transformando fé, estética, maternidade e gênero em ferramentas de legitimação e controle. Não se trata mais de uma figura decorativa. Michelle é, hoje, o novo invólucro de um bolsonarismo reembalado e, como vimos no caso Wajngarten, quem ousa desestabilizar essa narrativa, cai.A transição simbólica também revela alo profundo: o ex-presidente já não é mais um agente político ativo, mas uma presença espectral, um “malassombro” que precisa ser substituído por alguém de carne e osso, que carregue seu legado sem o desgaste. Apesar da extrema direita global conviver com lideranças femininas, o bolsonarismo raiz tem dificuldade em aceitar uma mulher no topo. Mesmo assim, Michelle pode ser, a contragosto de Bolsonaro, sua única chance de sobrevivência simbólica, pois ela é a substituta ideal: conserva  imaginário, ressignifica o discurso, fala com quem não escutava o troglodita e permite que o projeto siga em frente mesmo sem o defunto. Uma viúva profissional cercada de carpideiras bem pagas pelo PL.

E os números já refletem essa disputa simbólica. Uma pesquisa recente sobre o cenário presidencial em São Paulo apontou que Michelle Bolsonaro aparece empatada com Janja em intenção de voto. O dado é expressivo não só por trazer duas primeiras-damas no centro da disputa, mas por evidenciar que a disputa de 2026 já está sendo travada no plano simbólico, estético e afetivo, e que o bolsonarismo tenta mais uma vez se ancorar no imaginário feminino e religioso como forma de sobrevivência eleitoral.

A desbolsonarização do PL, portanto, não será um processo simples. Está longe de ser um corte limpo. Será, como mostra esse episódio, uma guerra de trincheiras, onde cada gesto simbólico, cada foto, cada postagem, cada exoneração, conta como um passo na disputa pelo espólio de um bolsonarismo que, mesmo fora do Planalto, ainda decide quem entra e quem sai. Por enquanto. Já que diante de tudo isso, a pergunta que se impõe é até que ponto Bolsonaro ainda tem controle real sobre a candidatura de Michelle, e até que ponto ela já não o ultrapassou?

 

Fonte: Jornal GGN/Fórum/Brasil 247

 

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