Luís
Nassif: O que significaria Tarcísio presidente
Dia
sim, dia não, aparecem cenas da Polícia Militar paulista espancando pessoas,
entrando em casas e assassinando jovens. E, para cada denúncia, há uma resposta
padrão: “A Polícia Militar informa que não aceita esse tipo de comportamento”.
E nada mais diz. É quase certo que os assassinos não serão punidos, que mais
comandantes legalistas serão afastados, e mais oficiais da Rota assumirão
cargos de comando.
Nesse
momento, o Supremo Tribunal Federal julga os golpistas de 8 de janeiro,
especialmente os militares que participariam da Operação Punhal Verde, para
eliminação física do presidente da República, do vice-presidente e de Ministros
do STF.
O golpe
não frutificou por dois motivos. De um lado, pela resistência de dois
comandantes militares, especialmente o Ministro do Exército. Agora se
compreende porque, menos de 20 dias após a reunião em que foi ameaçado de
prisão, se incorresse em ilegalidade, Bolsonaro se mandou para Miami.
Outro
fato foi a articulação de Procuradores estaduais, junto com o Procurador Geral
da República (PGR) Augusto Aras, de decretar estado de emergência nos estados,
obrigando as PMs a ficarem acampadas nos quartéis.
Se o
golpe fosse vitorioso em 8 de janeiro, o país teria sido chacoalhado por um mar
de sangue. Os Kids Pretos já tinham arrebentado a hierarquia das FFAAs e as
milícias abrigadas nos CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) estavam e
estão fortemente armadas, a partir de medidas adotadas por Bolsonaro.
Os
episódios de dezembro, com incêndio de ônibus, ameaça de bomba no aeroporto de
Brasília e na sede da Polícia Federal, as tentativas de implodir torres de
energia, e a própria violência nos prédios públicos, dá uma ideia do que teria
acontecido. Seria uma reedição da Noite dos Longos Punhais que marcou o início
do governo de Hitler.
Como
seria um eventual governo Tarcísio de Freitas?
Seria a
mesma coisa que o segundo governo Donald Trump, aprendendo em cima dos erros
estratégicos do primeiro.
Primeiro,
avançaria no processo de milicialização das PMs, como tem feito em São Paulo.
Depois, a partir do primeiro dia de governo, passaria a mudar os comandos das
Forças Armadas, afastando oficiais legalistas e colocando Kid Pretos nos
comandos. E inundaria o serviço público com militares da reserva, consolidando
o apoio da corporação.
Não se
trata de elucubração, de teoria conspiratória, mas de uma conclusão óbvia.
O apoio
dos veículos de mídia deve-se apenas à possibilidade de, Tarcísio, eleito,
privatizar Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica, destruir todas as
políticas sociais e proporcionar negócios muito maiores do que o da escandalosa
privatização da Sabesp.
Mas
valerá o risco político? O que ocorrerá com a imprensa, quando Tarcísio
consolidar seu poder político, fundado em milícias armadas? O que ocorrerá com
a Justiça, quando se dispuser a afrontar os princípios jurídicos e se aliar à
ala mais conservadora do Judiciário? Valerá a pena destruir o sistema de
ciência e tecnologia – como ele está fazendo em São Paulo -, desmontar os
amortecedores sociais e deixar a sociedade nas mãos dos Derrites e seus
assassinos.
A falta
de visão de parte da elite brasileira é histórica. Mas nunca a selvageria
esteve tão ameaçadora quanto agora.
• Tarcísio dá banana a Bolsonaro e diz em
ato do Centrão que "esse grupo tem projeto para o Brasil"
Cortejado
pela Terceira Via e o Movimento Brasil, de Michel Temer (MDB), como o
"anti Lula" para 2026, o governador Tarcísio Gomes de Freitas
(Republicanos) deu uma banana para Jair Bolsonaro (PL) e fez discurso de
presidenciável em ato que reuniu os caciques do Centrão na noite desta
quinta-feira (22) em São Paulo.
"Uma
coisa que é importante, que não pode passar despercebida, é o simbolismo desta
reunião aqui. É a quantidade de lideranças que nós temos aqui, do Brasil
inteiro. Para quem duvida que esse grupo vai estar unido no ano que vem, eu
digo para vocês: esse grupo estará unido", afirmou o governador.
"Esse
grupo vai ser forte, esse grupo tem um projeto para o Brasil. Esse grupo vai
fazer a diferença. Esse grupo sabe o caminho. No momento em que há dúvida, no
momento em que tem muita gente lá em Brasília perdida, que não sabe o caminho,
e em que as decisões são tomadas de forma casuística, às vezes até de forma
irresponsável, tem o grupo aqui, que está unido, que sabe o caminho, que quer
fazer a diferença", emendou Tarcísio, em um discurso focado no Planalto,
com afagos a Valdemar da Costa Neto, presidente do PL.
O ato
marcou a troca partidária do Secretário de Segurança Pública de São Paulo,
Guilherme Derrite. Responsável pelo aumento da violência policial no Estado,
Derrite deixou o PL, de Costa Neto, e se filiou ao PP, de Ciro Nogueira, que
flertou com Tarcísio no palanque.
"Os
governadores de São Paulo sempre erram ao serem eleitos: querem logo disputar a
Presidência e se colocam como candidatos. E é por isso que talvez o Brasil vá
chamar o governador Tarcísio de presidente muito em breve. Ou agora ou em 2030.
E quem vai decidir isso é o povo de São Paulo e o povo do Brasil. Mas pode ter
toda a certeza: se houver essa decisão, governador, tanto o União Brasil quanto
o Progressistas estarão ao seu lado", disse o presidente do Progressistas,
que falou que Derrite será a "grande estrela" do partido no Estado.
Embora
o grupo tenha ventilado que Derrite se filiou ao PP para ser candidato ao
Senado, o próprio Nogueira revelou os planos para o responsável pela violência
policial em São Paulo em conversa com jornalistas nos bastidores.
“Vamos
defender legitimamente o nome do Derrite”, disse Ciro Nogueira sobre lançar
Derrite ao governo do Estado.
• Direita sem Bolsonaro
O ato,
que aconteceu na Vila JK, um espaço de luxo na Vila Olímpia - uma das regiões
mais caras da capital -, foi o primeiro encontro do movimento da "direita
sem Bolsonaro", pregado pelo ex-presidente golpista Michel Temer, para
fazer frente à reeleição de Lula em 2026.
No
palanque, entre Tarcísio, Derrite e Nogueira, acotovelavam-se os presidentes do
PSD, Gilberto Kassab; do União Brasil, Antônio Rueda; e do Podemos, Renata
Abreu.
Além
dos caciques, marcaram presença evento nomes como o ex-ministro da Saúde de
Temer, Ricardo Barros (PP-PR); Kim Kataguiri (União-SP); Antônio Carlos
Rodrigues, representando o MDB paulista; além de outras figuras que atuam nos
bastidores da aliança, como Maurício Neves (PP-SP), presidente estadual dos
progressistas.
Horas
antes de ser cortejado como presidenciável em 2026, Tarcísio publicou uma foto
ao lado de Bolsonaro nas redes sociais. O ex-presidente, no entanto, não
compareceu ao ato.
• Sara Goes: Michelle é o futuro do
bolsonarismo (com ou sem Bolsonaro)
A
recente demissão de Fábio Wajngarten do PL, após o vazamento de mensagens em
que ele e Mauro Cid ironizavam uma possível candidatura de Michelle Bolsonaro,
marca uma reconfiguração significativa no núcleo duro do bolsonarismo.
Wajngarten, ex-chefe da Secom e um dos poucos aliados leais e úteis de Jair
Bolsonaro, era peça-chave na tentativa de manter o ex-presidente apresentável
diante do mercado e da opinião pública, um operador da “normalização”. Sua
saída não é apenas o fim de uma aliança pessoal, mas um sintoma de algo maior,
o fortalecimento simbólico de Michelle e o colapso de uma linha interna do
bolsonarismo que tentava modular sua radicalidade com alguma racionalidade
comunicacional.
Embora
a demissão tenha sido interpretada como um gesto em defesa de Michelle, e
provavelmente tenha sido mesmo, não é necessário que tenha partido diretamente
dela. O gesto em si, feito por Valdemar Costa Neto, já diz o bastante, Michelle
se tornou uma figura de autoridade no partido. Mesmo que não concentre ainda
todo o comando, já é capaz de causar exonerações com seu nome.
Esse
fortalecimento da ex-primeira-dama ocorre num momento delicado para o PL. Há
dentro da legenda um clamor crescente por “desbolsonarização”, uma tentativa de
preservar o capital eleitoral do bolsonarismo sem carregar o ônus jurídico e
reputacional de Jair Bolsonaro. Essa ala, que Valdemar tenta articular nos
bastidores, tem enfrentado resistência direta do entorno do ex-presidente e de
sua base mais fiel, que não admite qualquer flexibilização.
O caso
do deputado Júnior Mano é exemplar. Expulso do PL por apoiar publicamente a
candidatura do petista Evandro Leitão à prefeitura de Fortaleza, Mano denunciou
que sua expulsão foi uma exigência pessoal de Jair Bolsonaro. Valdemar, segundo
ele, foi pressionado. A crítica implícita escancara a posição desconfortável de
Valdemar, que tenta arbitrar o partido mas é frequentemente atropelado pelas
exigências do clã. A diferença, nesse caso, é que Júnior Mano não saiu calado:
lavou a roupa suja em praça pública, apontou o dedo para Bolsonaro e deu nome
aos bastidores. Talvez essa disposição em criar ruído tenha chamado atenção de
Cid Gomes (PSB), que já o trata como novo projeto político no Ceará. Mas a
deliciosa análise dos imbróglios da política cearense merecem um artigo a
parte.
Nesse
cenário, Michelle surge como a solução possível para manter o bolsonarismo
vivo, adaptado, sim, mas ainda eficaz. Em sua mais recente movimentação,
segundo análise da colunista Bela Megale em O Globo, Michelle tem moderado o
discurso religioso, suavizado os traços mais agressivos do bolsonarismo e
evitado contrariar publicamente o marido, que, diante da iminente possibilidade
de prisão, sinaliza com cada vez mais clareza que pretende lançá-la à
Presidência em 2026.Essa operação de imagem já vinha sendo analisada no artigo
“(Des)construindo Michelle: de esposa-troféu a santa profissional”, publicado
no Brasil 247. No texto, mostro como Michelle deixa de ser mero apêndice e
passa a operar como projeto político por si mesma, transformando fé, estética, maternidade
e gênero em ferramentas de legitimação e controle. Não se trata mais de uma
figura decorativa. Michelle é, hoje, o novo invólucro de um bolsonarismo
reembalado e, como vimos no caso Wajngarten, quem ousa desestabilizar essa
narrativa, cai.A transição simbólica também revela alo profundo: o
ex-presidente já não é mais um agente político ativo, mas uma presença
espectral, um “malassombro” que precisa ser substituído por alguém de carne e
osso, que carregue seu legado sem o desgaste. Apesar da extrema direita global
conviver com lideranças femininas, o bolsonarismo raiz tem dificuldade em
aceitar uma mulher no topo. Mesmo assim, Michelle pode ser, a contragosto de
Bolsonaro, sua única chance de sobrevivência simbólica, pois ela é a substituta
ideal: conserva imaginário, ressignifica
o discurso, fala com quem não escutava o troglodita e permite que o projeto
siga em frente mesmo sem o defunto. Uma viúva profissional cercada de
carpideiras bem pagas pelo PL.
E os
números já refletem essa disputa simbólica. Uma pesquisa recente sobre o
cenário presidencial em São Paulo apontou que Michelle Bolsonaro aparece
empatada com Janja em intenção de voto. O dado é expressivo não só por trazer
duas primeiras-damas no centro da disputa, mas por evidenciar que a disputa de
2026 já está sendo travada no plano simbólico, estético e afetivo, e que o
bolsonarismo tenta mais uma vez se ancorar no imaginário feminino e religioso
como forma de sobrevivência eleitoral.
A
desbolsonarização do PL, portanto, não será um processo simples. Está longe de
ser um corte limpo. Será, como mostra esse episódio, uma guerra de trincheiras,
onde cada gesto simbólico, cada foto, cada postagem, cada exoneração, conta
como um passo na disputa pelo espólio de um bolsonarismo que, mesmo fora do
Planalto, ainda decide quem entra e quem sai. Por enquanto. Já que diante de
tudo isso, a pergunta que se impõe é até que ponto Bolsonaro ainda tem controle
real sobre a candidatura de Michelle, e até que ponto ela já não o ultrapassou?
Fonte:
Jornal GGN/Fórum/Brasil 247

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