Luís
Felipe Pondé: Hoje, na República Brasil, já sentimos até saudades do
oportunista honesto
“Piece
of the action” era uma expressão comum no mundo dos gângsteres americanos.
Significava uma parte no ganho final da ação criminosa. Exemplo: gângsteres do
INSS roubam aposentados e dividem o ganho. Essa patifaria vai dar em pizza,
aliás. A expressão “piece of the action” é o lema da imensa maioria dos
delinquentes que exercem sua autoridade abusiva nos três Poderes da República
brasileira.
Por
inspiração de um colega do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da
PUC-SP, o historiador Fernando Amed, num de seus recentes artigos para sua
coluna “Behaviour”, ou comportamento, no portal “Offlattes”, do citado
laboratório acima, volto ao vaticínio de Platão.
EM NOME
DO POVO
Platão
já temia que a democracia fosse um regime propício a gerar oportunistas, todos
buscando “a piece of the action” em nome do povo. Ainda segundo nosso grande
ancestral na filosofia, a democracia seria o regime que antecederia a tirania,
sendo esta gerada por aquela.
Não se
trata de dizer que todas as democracias modernas seguiram a maldição enunciada
por Platão, ainda que a história de nenhuma delas tenha acabado —aliás, nenhuma
história acabou.
No caso
de Atenas, a democracia era bem precária em todos os sentidos, principalmente
quando avaliada pelo ponto de vista das democracias liberais de hoje. Mulheres
nunca participariam da assembleia. E a existência da escravidão já é, em si, um
absurdo aos nossos olhos.
PLATÃO
À BRASILEIRA
Penso
noutras precariedades. Penso em fraudes, conspirações, mentiras, corrupção,
líderes populistas, perseguições a adversários políticos. Nesse sentido, a
democracia brasileira é bem parecida com a ateniense e, portanto, se Platão
vivesse no Brasil, provavelmente repetiria sua maldição, com grande chance de
acerto.
O
personagem oportunista em si povoa grande parte do elenco da vida política
nacional. Em todos os níveis da República. Na verdade, na imensa maioria dos
casos, a carreira já é pensada de partida sob a categoria do oportunismo atuado
como chance de enriquecimento ilícito.
Que
fique claro que, assim como Platão, estou pensando para além da oposição entre
esquerda e direita. Ele, porque ainda não existia. Eu, porque para mim já não
existe mais —o que não significa que não haja diferenças entre as duas gangues,
na questão do que cada uma delas usa como justificativa para o exercício do
oportunismo.
ACORDOS
E SEDUÇÕES
Uma das
principais condições para que a democracia seja um regime que gera espaço para
oportunistas é, justamente, o fato de ela operar por convencimento. Votos,
maiorias, acordos, seduções. E o ser humano sempre foi fácil de convencer
quando há promessas de enriquecimento e poder. Quando o povo é soberano
—leia-se, elege quem manda—, o que está em jogo é mentir melhor para convencer.
Nada disso quer dizer que conheçamos um regime melhor do que a democracia,
justamente por sua capacidade de dificultar uma unidade no poder.
Porém,
quando este poder converge para si mesmo, a democracia perde seu grande valor e
pode ser tão autoritária quanto qualquer outro regime político.
EM NOME
DA DEMOCRACIA
Mais
recentemente, no Brasil, os oportunistas se aproveitam para exercer o seu abuso
dizendo que o fazem em nome da defesa da democracia. Assim foi com as tramoias
golpistas bolsonaristas, assim foi com o discurso lulista de que representava a
defesa da democracia quando, na verdade, queria apenas o poder de volta para os
seus e sangrar o Estado como quase todos o fazem.
Assim
está sendo com o Judiciário e o Supremo Tribunal Federal, extrapolando seus
poderes, tudo em nome da defesa da democracia —como apontou recentemente um
artigo da prestigiosa revista britânica The Economist. Não dá, no entanto, para
censurar a revista britânica.
O teor
do citado artigo é apontar para uma terceira perda de credibilidade dos poderes
republicanos brasileiros. O Executivo e o Legislativo já contam com a perda da
credibilidade em grande medida devido às trapaças que praticam em todos os
níveis.
SEM
CREDIBILIDADE
A
terceira seria a perda da credibilidade do Judiciário e do STF especificamente
por causa dos abusos evidentes que têm cometido, enfim, do clássico pecado de
quem se sente munido de poder absoluto.
Vejam a
largueza com a qual usam as prerrogativas deste mesmo poder, seja não levando
em conta possíveis conflitos de interesses devido ao cargo que ocupam, seja
traindo evidente simpatia ideológica pelo governo atual, seja anulando qualquer
punição aos políticos e empresários condenados por corrupção —condenar Fernando
Collor, abandonado pelos comparsas, é chutar bêbado na ladeira—, seja
perseguindo seus prováveis críticos.
Na
república do Brasil, já temos saudade do oportunista honesto.
• Corrupção no Brasil passou a ser uma
prática generalizada e, quase sempre, impune. Por Marcos André Melo
A
Constituição de 1946 determinou que, pela primeira vez, 10% do Imposto de Renda
fosse distribuído aos municípios, exceto os das capitais. Foi a primeira versão
do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
O pai
da proposta, o deputado pernambucano Barros Carvalho, criticou aqueles que
afirmavam que “os prefeitos iriam enfiar aquela verba no próprio bolso”.
Argumentou: “É possível que alguns bandidos e aventureiros se apossem também do
dinheiro da quota federal. Será um mal, mas um mal menor do que o abandono em
que União deixa o interior do país. (…) Se roubarem hoje a quota federal, ainda
assim o dinheiro vai fazer uma redistribuição regional da renda, vai ficar na
região, o prefeito ladrão acaba sempre montando uma descaroçadeira de algodão
ou uma olaria, e construindo uma estrada ou um açude para sua fazenda”.
AÇÃO
COLETIVA
Barros
Carvalho, ao mesmo tempo que parecia apontar o “rouba, mas faz” e o chamado
“trickle down” (respingamento do desenvolvimento), também se referia a um
dilema de ação coletiva: se as outras regiões estavam se beneficiando da
corrupção, melhor que todos também o fizessem.
Ele era
otimista e há alguma evidência de que seu argumento tenha um grão de verdade;
conjeturava que a melhoria local engendraria os controles democráticos: “vai
melhorar a qualidade de vida do lugar e das pessoas, que um dia saberão
fiscalizar os políticos ladrões”. O dilema é universal como reconciliar
equidade territorial com controle e eficiência.
As
transferências passaram a 15%, em 1961, e ampliaram-se os impostos
transferidos; em 1966 e 1993 chegaram a 23%.
ENFIM,
AS EMENDAS
As
transferências discricionárias multiplicaram-se e hoje se concentram nas
emendas orçamentárias que respondem por mais de 1/3 do gasto discricionário.
Mas ao
lado da corrupção local, municipalizada, existe a “federal”. Antônio Callado,
em “Os industriais da seca e os galileus de Pernambuco” (1960),
livro-reportagem que virou best-seller, observou que em todo o Nordeste
“federal” é sinônimo de coisa grande, fabulosa. E completou: “A algum
dicionarista interessado em apurar a origem dessa gíria, sugiro que a fonte são
os feitos do DNOCS, são os colossais açudes, as estradas e os escândalos”.
O
grande escândalo, mesmo territorialmente delimitado, é “federal”. Utilizo
federal aqui, no entanto, também em outro sentido, complementar devido à
escala, para aquele em que os protagonistas estão no Executivo federal como o
Petrolão e agora o Descontão do INSS, no qual as cifras podem chegar a R$ 90
bilhões.
CORRUPÇÃO
GENERALIZADA
Disseminou-se
a ideia — que não é desinteressada — de que a corrupção se manifesta sobretudo
em transferências a localidades interioranas do Brasil arcaico, onde os
controles são débeis. Nada mais longe da verdade. Essa é apenas uma das suas
manifestações.
O
controle imaginado por Barros Carvalho, que viria com o desenvolvimento
econômico, nunca foi efetivo aqui. Houve avanço, sim, mas sofreu enorme
retrocesso nos últimos anos. A estrutura de incentivos passou a ser “liberou
geral”.
E não
podia ser diferente após a anulação generalizada de evidências da Lava Jato, e
o foco deslocado para as questões da democracia. Paradoxalmente, a defesa desta
tem perversamente cumprido o papel de enfraquecer o controle da corrupção.
• Risco de Lula é eleitor trocar “defesa
da democracia” pela “anticorrupção”. Por Eliane Catanhêde
O maior
risco do presidente Lula, talvez do País, é a troca da bandeira decisiva de
2022, democracia, para uma outra, demolidora, em 2026, corrupção. Lula
conquistou o terceiro mandato e impediu o segundo de Jair Bolsonaro na onda da
defesa democrática e precisa ser mais ágil e convincente para não chegar à
próxima eleição afogado pela narrativa da corrupção, fantasma que o acompanha
desde mensalão e Lava Jato.
Enquanto
Lula, seu governo e seus aliados empacaram na era analógica, seus opositores,
que foram capazes de articular um golpe de Estado, prevendo inclusive seu
assassinato, estão lá adiante no planeta digital, com muito dinheiro,
articulados, organizados e estratégicos, conquistando milhões de corações e
almas.
GOLPE
NO FÍGADO
Melhor
exemplo é o INSS. O governo Lula tem culpas e defesas, mas o vídeo do
deputado/ator Nikolas Ferreira tem impressionante esmero técnico e político,
potencializando culpas, escondendo defesas e entregando um produto de grande
eficácia para massificar a palavrinha maldita, “corrupção”, e atingir Lula no
fígado.
Nikolas
teve mais de 130 milhões de visualizações. Ao reagir, a ministra Gleisi
Hoffmann e o deputado Lindbergh Farias não chegaram a um milhão, enquanto o
governo produzia cartilhas (não lidas) e justificava que, de 12 entidades, nove
foram criadas no governo Bolsonaro, quatro destas no segundo semestre de 2022,
em plena eleição, e começaram a “colher frutos” e a multiplicar a roubalheira
em 2023, no atual governo. A oposição avança celeremente e Lula anda a passos
de tartaruga.
O uso
da FAB para resgatar a ex-primeira dama do Peru, condenada por corrupção
envolvendo justamente a Odebrecht do petrolão, foi um erro.
ERROS
SUCESSIVOS
A
espera de mais de dois anos para afastar Juscelino Filho do Ministério das
Comunicações foi outro erro, diretamente de Lula. A demora para se livrar de
Carlos Lupi, nem se fala. E o que dizer sobre a troca de Lupi por seu
braço-direito na Previdência?
Além
dos erros, vieram as versões e o recuo sobre o Pix, numa jogada suja e
bem-sucedida da oposição, e as más lembranças do petrolão e do mensalão, com a
prisão e depois a tornozeleira de Fernando Collor, que se livrou da Justiça nos
desvios do seu governo, mas foi condenado por corrupção na BR Distribuidora,
subsidiária da Petrobras, exatamente nos primeiros mandatos de Lula.
“Agora,
explode o caso INSS e pode não ficar nisso, depois de uma trava no “Vale +”,
programa do, ora, ora, INSS, operacionalizado pelo PicPay, um aplicativo
bancário da holding de Joesley e Wesley Batista, da J&F, que, vira e mexe,
aparecem embolados com Lula e o PT. Por que o governo suspendeu o “Vale+”?
• Venda de sentenças no STJ tem esquema
muito sofisticado, revela a PF ao Supremo
A
Polícia Federal pediu ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano
Zanin, para prorrogar por mais 60 dias as investigações de corrupção nos
bastidores do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para a PF, o esquema de venda
de sentenças judiciais tem se revelado “consideravelmente mais sofisticado e
complexo” do que imaginavam os próprios investigadores.
Antes,
a PF via o caso como “atos isolados de compartilhamento de minutas de decisões”
envolvendo advogados, lobistas, operadores financeiros, empresários do
agronegócio e agentes do Poder Judiciário.
ALTA
GRAVIDADE
“Os
trabalhos investigativos de análise financeira, ainda em andamento, revelaram
indícios de fatos com potencial de alterar a profundidade das hipóteses
criminais e, por consequência, com probabilidade de chancelar a competência do
Supremo Tribunal Federal para a supervisão do Inquérito Policial”, informou a
PF ao STF, ao pedir a prorrogação da apuração por mais 60 dias.
As
investigações miram uma rede de lobistas, desembargadores do Mato Grosso e
ex-servidores de quatro gabinetes do STJ. O caso tramita sob sigilo no Supremo,
sob a relatoria de Zanin, porque há menções a pelo menos um ministro da Corte
superior: Paulo Moura Ribeiro.
Os
outros gabinetes sob investigação são os dos ministros Isabel Gallotti, Og
Fernandes e Nancy Andrighi, o que já provocou constrangimentos e pânico entre
integrantes do STJ.
PRORROGAÇÃO
Em
março deste ano, Zanin já havia atendido a um pedido da PF para esticar a
investigação por mais 45 dias. À época, a corporação pediu o esticamento do
prazo de investigação para concluir o trabalho de análise do material recolhido
nas operações de busca e apreensão, além dos relatórios de inteligência
financeira que apontaram movimentações bancárias suspeitas de uma série de
alvos da investigação.
Conforme
informou o blog, os investigadores já descobriram que o motorista João Batista
Silva recebeu entre 2019 e 2023 um total de R$ 2,625 milhões de uma empresa de
propriedade do lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, pivô do escândalo que
abalou o STJ.
As
cifras na conta do motorista chamam a atenção não só pelos valores depositados
ao longo de cinco anos, mas também pelo fato de Batista ter sido beneficiário
do auxílio emergencial federal criado na época da pandemia do coronavírus para
ajudar pessoas de baixa renda.
CASAL
PRESO
Andreson
e a mulher dele, a advogada Mirian Ribeiro Rodrigues, estão no centro da
investigação. Ele está preso na penitenciária federal de Brasília; ela, em
prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica.
Uma das
hipóteses cogitadas pela Polícia Federal é a de que Andreson promovia lavagem
de dinheiro por meio de transferências para “contas de passagem” de pessoas
físicas e jurídicas interpostas, além de saques e entrega de dinheiro em
espécie.
Agora,
o delegado de polícia federal Marco Bontempo sustenta que, “diante da gravidade
dos fatos criminosos já postos e os que estão com potencial de serem postos”, a
Polícia Federal também solicita a prorrogação das medidas cautelares impostas
por Zanin contra os investigados.
PLENÁRIO
VIRTUAL
No caso
de Andreson, o plenário virtual do Supremo derruba nesta segunda-feira o
recurso da defesa do lobista para que ele deixe a penitenciária federal e vá
para a prisão domiciliar. Até a publicação deste texto, três dos cinco
ministros da Primeira Turma do STF já haviam votado contra o recurso.
“Há nos
autos consideráveis elementos apontando no sentido de que Andreson de Oliveira
Gonçalves tinha função decisiva de comando e ingerência no contexto de suposto
esquema de venda de decisões judiciais e de informações processuais
privilegiadas, que envolveria, em tese, intermediadores, advogados e servidores
públicos”, escreveu Zanin em seu voto. “Sua atuação é demonstrada de forma
veemente nos autos, revelando-se bastante indiciária sua função central no
suposto comércio de decisões judiciais no Superior Tribunal de Justiça.”
Fonte:
FolhaPress/Agencia Estado

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