quinta-feira, 15 de maio de 2025

Luís Felipe Pondé: Hoje, na República Brasil, já sentimos até saudades do oportunista honesto

“Piece of the action” era uma expressão comum no mundo dos gângsteres americanos. Significava uma parte no ganho final da ação criminosa. Exemplo: gângsteres do INSS roubam aposentados e dividem o ganho. Essa patifaria vai dar em pizza, aliás. A expressão “piece of the action” é o lema da imensa maioria dos delinquentes que exercem sua autoridade abusiva nos três Poderes da República brasileira.

Por inspiração de um colega do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da PUC-SP, o historiador Fernando Amed, num de seus recentes artigos para sua coluna “Behaviour”, ou comportamento, no portal “Offlattes”, do citado laboratório acima, volto ao vaticínio de Platão.

EM NOME DO POVO

Platão já temia que a democracia fosse um regime propício a gerar oportunistas, todos buscando “a piece of the action” em nome do povo. Ainda segundo nosso grande ancestral na filosofia, a democracia seria o regime que antecederia a tirania, sendo esta gerada por aquela.

Não se trata de dizer que todas as democracias modernas seguiram a maldição enunciada por Platão, ainda que a história de nenhuma delas tenha acabado —aliás, nenhuma história acabou.

No caso de Atenas, a democracia era bem precária em todos os sentidos, principalmente quando avaliada pelo ponto de vista das democracias liberais de hoje. Mulheres nunca participariam da assembleia. E a existência da escravidão já é, em si, um absurdo aos nossos olhos.

PLATÃO À BRASILEIRA

Penso noutras precariedades. Penso em fraudes, conspirações, mentiras, corrupção, líderes populistas, perseguições a adversários políticos. Nesse sentido, a democracia brasileira é bem parecida com a ateniense e, portanto, se Platão vivesse no Brasil, provavelmente repetiria sua maldição, com grande chance de acerto.

O personagem oportunista em si povoa grande parte do elenco da vida política nacional. Em todos os níveis da República. Na verdade, na imensa maioria dos casos, a carreira já é pensada de partida sob a categoria do oportunismo atuado como chance de enriquecimento ilícito.

Que fique claro que, assim como Platão, estou pensando para além da oposição entre esquerda e direita. Ele, porque ainda não existia. Eu, porque para mim já não existe mais —o que não significa que não haja diferenças entre as duas gangues, na questão do que cada uma delas usa como justificativa para o exercício do oportunismo.

ACORDOS E SEDUÇÕES

Uma das principais condições para que a democracia seja um regime que gera espaço para oportunistas é, justamente, o fato de ela operar por convencimento. Votos, maiorias, acordos, seduções. E o ser humano sempre foi fácil de convencer quando há promessas de enriquecimento e poder. Quando o povo é soberano —leia-se, elege quem manda—, o que está em jogo é mentir melhor para convencer. Nada disso quer dizer que conheçamos um regime melhor do que a democracia, justamente por sua capacidade de dificultar uma unidade no poder.

Porém, quando este poder converge para si mesmo, a democracia perde seu grande valor e pode ser tão autoritária quanto qualquer outro regime político.

EM NOME DA DEMOCRACIA

Mais recentemente, no Brasil, os oportunistas se aproveitam para exercer o seu abuso dizendo que o fazem em nome da defesa da democracia. Assim foi com as tramoias golpistas bolsonaristas, assim foi com o discurso lulista de que representava a defesa da democracia quando, na verdade, queria apenas o poder de volta para os seus e sangrar o Estado como quase todos o fazem.

Assim está sendo com o Judiciário e o Supremo Tribunal Federal, extrapolando seus poderes, tudo em nome da defesa da democracia —como apontou recentemente um artigo da prestigiosa revista britânica The Economist. Não dá, no entanto, para censurar a revista britânica.

O teor do citado artigo é apontar para uma terceira perda de credibilidade dos poderes republicanos brasileiros. O Executivo e o Legislativo já contam com a perda da credibilidade em grande medida devido às trapaças que praticam em todos os níveis.

SEM CREDIBILIDADE

A terceira seria a perda da credibilidade do Judiciário e do STF especificamente por causa dos abusos evidentes que têm cometido, enfim, do clássico pecado de quem se sente munido de poder absoluto.

Vejam a largueza com a qual usam as prerrogativas deste mesmo poder, seja não levando em conta possíveis conflitos de interesses devido ao cargo que ocupam, seja traindo evidente simpatia ideológica pelo governo atual, seja anulando qualquer punição aos políticos e empresários condenados por corrupção —condenar Fernando Collor, abandonado pelos comparsas, é chutar bêbado na ladeira—, seja perseguindo seus prováveis críticos.

Na república do Brasil, já temos saudade do oportunista honesto.

•        Corrupção no Brasil passou a ser uma prática generalizada e, quase sempre, impune. Por Marcos André Melo

A Constituição de 1946 determinou que, pela primeira vez, 10% do Imposto de Renda fosse distribuído aos municípios, exceto os das capitais. Foi a primeira versão do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

O pai da proposta, o deputado pernambucano Barros Carvalho, criticou aqueles que afirmavam que “os prefeitos iriam enfiar aquela verba no próprio bolso”. Argumentou: “É possível que alguns bandidos e aventureiros se apossem também do dinheiro da quota federal. Será um mal, mas um mal menor do que o abandono em que União deixa o interior do país. (…) Se roubarem hoje a quota federal, ainda assim o dinheiro vai fazer uma redistribuição regional da renda, vai ficar na região, o prefeito ladrão acaba sempre montando uma descaroçadeira de algodão ou uma olaria, e construindo uma estrada ou um açude para sua fazenda”.

AÇÃO COLETIVA

Barros Carvalho, ao mesmo tempo que parecia apontar o “rouba, mas faz” e o chamado “trickle down” (respingamento do desenvolvimento), também se referia a um dilema de ação coletiva: se as outras regiões estavam se beneficiando da corrupção, melhor que todos também o fizessem.

Ele era otimista e há alguma evidência de que seu argumento tenha um grão de verdade; conjeturava que a melhoria local engendraria os controles democráticos: “vai melhorar a qualidade de vida do lugar e das pessoas, que um dia saberão fiscalizar os políticos ladrões”. O dilema é universal como reconciliar equidade territorial com controle e eficiência.

As transferências passaram a 15%, em 1961, e ampliaram-se os impostos transferidos; em 1966 e 1993 chegaram a 23%.

ENFIM, AS EMENDAS

As transferências discricionárias multiplicaram-se e hoje se concentram nas emendas orçamentárias que respondem por mais de 1/3 do gasto discricionário.

Mas ao lado da corrupção local, municipalizada, existe a “federal”. Antônio Callado, em “Os industriais da seca e os galileus de Pernambuco” (1960), livro-reportagem que virou best-seller, observou que em todo o Nordeste “federal” é sinônimo de coisa grande, fabulosa. E completou: “A algum dicionarista interessado em apurar a origem dessa gíria, sugiro que a fonte são os feitos do DNOCS, são os colossais açudes, as estradas e os escândalos”.

O grande escândalo, mesmo territorialmente delimitado, é “federal”. Utilizo federal aqui, no entanto, também em outro sentido, complementar devido à escala, para aquele em que os protagonistas estão no Executivo federal como o Petrolão e agora o Descontão do INSS, no qual as cifras podem chegar a R$ 90 bilhões.

CORRUPÇÃO GENERALIZADA

Disseminou-se a ideia — que não é desinteressada — de que a corrupção se manifesta sobretudo em transferências a localidades interioranas do Brasil arcaico, onde os controles são débeis. Nada mais longe da verdade. Essa é apenas uma das suas manifestações.

O controle imaginado por Barros Carvalho, que viria com o desenvolvimento econômico, nunca foi efetivo aqui. Houve avanço, sim, mas sofreu enorme retrocesso nos últimos anos. A estrutura de incentivos passou a ser “liberou geral”.

E não podia ser diferente após a anulação generalizada de evidências da Lava Jato, e o foco deslocado para as questões da democracia. Paradoxalmente, a defesa desta tem perversamente cumprido o papel de enfraquecer o controle da corrupção.

•        Risco de Lula é eleitor trocar “defesa da democracia” pela “anticorrupção”. Por Eliane Catanhêde

O maior risco do presidente Lula, talvez do País, é a troca da bandeira decisiva de 2022, democracia, para uma outra, demolidora, em 2026, corrupção. Lula conquistou o terceiro mandato e impediu o segundo de Jair Bolsonaro na onda da defesa democrática e precisa ser mais ágil e convincente para não chegar à próxima eleição afogado pela narrativa da corrupção, fantasma que o acompanha desde mensalão e Lava Jato.

Enquanto Lula, seu governo e seus aliados empacaram na era analógica, seus opositores, que foram capazes de articular um golpe de Estado, prevendo inclusive seu assassinato, estão lá adiante no planeta digital, com muito dinheiro, articulados, organizados e estratégicos, conquistando milhões de corações e almas.

GOLPE NO FÍGADO

Melhor exemplo é o INSS. O governo Lula tem culpas e defesas, mas o vídeo do deputado/ator Nikolas Ferreira tem impressionante esmero técnico e político, potencializando culpas, escondendo defesas e entregando um produto de grande eficácia para massificar a palavrinha maldita, “corrupção”, e atingir Lula no fígado.

Nikolas teve mais de 130 milhões de visualizações. Ao reagir, a ministra Gleisi Hoffmann e o deputado Lindbergh Farias não chegaram a um milhão, enquanto o governo produzia cartilhas (não lidas) e justificava que, de 12 entidades, nove foram criadas no governo Bolsonaro, quatro destas no segundo semestre de 2022, em plena eleição, e começaram a “colher frutos” e a multiplicar a roubalheira em 2023, no atual governo. A oposição avança celeremente e Lula anda a passos de tartaruga.

O uso da FAB para resgatar a ex-primeira dama do Peru, condenada por corrupção envolvendo justamente a Odebrecht do petrolão, foi um erro.

ERROS SUCESSIVOS

A espera de mais de dois anos para afastar Juscelino Filho do Ministério das Comunicações foi outro erro, diretamente de Lula. A demora para se livrar de Carlos Lupi, nem se fala. E o que dizer sobre a troca de Lupi por seu braço-direito na Previdência?

Além dos erros, vieram as versões e o recuo sobre o Pix, numa jogada suja e bem-sucedida da oposição, e as más lembranças do petrolão e do mensalão, com a prisão e depois a tornozeleira de Fernando Collor, que se livrou da Justiça nos desvios do seu governo, mas foi condenado por corrupção na BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras, exatamente nos primeiros mandatos de Lula.

“Agora, explode o caso INSS e pode não ficar nisso, depois de uma trava no “Vale +”, programa do, ora, ora, INSS, operacionalizado pelo PicPay, um aplicativo bancário da holding de Joesley e Wesley Batista, da J&F, que, vira e mexe, aparecem embolados com Lula e o PT. Por que o governo suspendeu o “Vale+”?

•        Venda de sentenças no STJ tem esquema muito sofisticado, revela a PF ao Supremo

A Polícia Federal pediu ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin, para prorrogar por mais 60 dias as investigações de corrupção nos bastidores do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para a PF, o esquema de venda de sentenças judiciais tem se revelado “consideravelmente mais sofisticado e complexo” do que imaginavam os próprios investigadores.

Antes, a PF via o caso como “atos isolados de compartilhamento de minutas de decisões” envolvendo advogados, lobistas, operadores financeiros, empresários do agronegócio e agentes do Poder Judiciário.

ALTA GRAVIDADE

“Os trabalhos investigativos de análise financeira, ainda em andamento, revelaram indícios de fatos com potencial de alterar a profundidade das hipóteses criminais e, por consequência, com probabilidade de chancelar a competência do Supremo Tribunal Federal para a supervisão do Inquérito Policial”, informou a PF ao STF, ao pedir a prorrogação da apuração por mais 60 dias.

As investigações miram uma rede de lobistas, desembargadores do Mato Grosso e ex-servidores de quatro gabinetes do STJ. O caso tramita sob sigilo no Supremo, sob a relatoria de Zanin, porque há menções a pelo menos um ministro da Corte superior: Paulo Moura Ribeiro.

Os outros gabinetes sob investigação são os dos ministros Isabel Gallotti, Og Fernandes e Nancy Andrighi, o que já provocou constrangimentos e pânico entre integrantes do STJ.

PRORROGAÇÃO

Em março deste ano, Zanin já havia atendido a um pedido da PF para esticar a investigação por mais 45 dias. À época, a corporação pediu o esticamento do prazo de investigação para concluir o trabalho de análise do material recolhido nas operações de busca e apreensão, além dos relatórios de inteligência financeira que apontaram movimentações bancárias suspeitas de uma série de alvos da investigação.

Conforme informou o blog, os investigadores já descobriram que o motorista João Batista Silva recebeu entre 2019 e 2023 um total de R$ 2,625 milhões de uma empresa de propriedade do lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, pivô do escândalo que abalou o STJ.

As cifras na conta do motorista chamam a atenção não só pelos valores depositados ao longo de cinco anos, mas também pelo fato de Batista ter sido beneficiário do auxílio emergencial federal criado na época da pandemia do coronavírus para ajudar pessoas de baixa renda.

CASAL PRESO

Andreson e a mulher dele, a advogada Mirian Ribeiro Rodrigues, estão no centro da investigação. Ele está preso na penitenciária federal de Brasília; ela, em prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica.

Uma das hipóteses cogitadas pela Polícia Federal é a de que Andreson promovia lavagem de dinheiro por meio de transferências para “contas de passagem” de pessoas físicas e jurídicas interpostas, além de saques e entrega de dinheiro em espécie.

Agora, o delegado de polícia federal Marco Bontempo sustenta que, “diante da gravidade dos fatos criminosos já postos e os que estão com potencial de serem postos”, a Polícia Federal também solicita a prorrogação das medidas cautelares impostas por Zanin contra os investigados.

PLENÁRIO VIRTUAL

No caso de Andreson, o plenário virtual do Supremo derruba nesta segunda-feira o recurso da defesa do lobista para que ele deixe a penitenciária federal e vá para a prisão domiciliar. Até a publicação deste texto, três dos cinco ministros da Primeira Turma do STF já haviam votado contra o recurso.

“Há nos autos consideráveis elementos apontando no sentido de que Andreson de Oliveira Gonçalves tinha função decisiva de comando e ingerência no contexto de suposto esquema de venda de decisões judiciais e de informações processuais privilegiadas, que envolveria, em tese, intermediadores, advogados e servidores públicos”, escreveu Zanin em seu voto. “Sua atuação é demonstrada de forma veemente nos autos, revelando-se bastante indiciária sua função central no suposto comércio de decisões judiciais no Superior Tribunal de Justiça.”

 

Fonte: FolhaPress/Agencia Estado

 

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