Israel: após plano para expansão do
genocídio, ministros defendem limpeza étnica dos palestinos
Um dia
após Israel aprovar um plano para a
expansão da operação militar e ocupação da Faixa de Gaza, o ministro das
Finanças do premiê Benjamin Netanyahu, Bezalel Smotrich, declarou, nesta
terça-feira (06/05), que o enclave será “totalmente destruído” e a população
palestina “partirá em grande número para outros países”.
Anteriormente
o político de extrema direita disse que as Forças de Defesa Israelenses (IDF,
na sigla em inglês) não se retirarão de Gaza. “Estamos ocupando
Gaza para ficar. Deixaremos de ter medo da palavra ‘ocupação'”, disse Smotrich
ao Canal 13 de Israel.
Já o
ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, reafirmou sua
insistência em usar a fome como arma de guerra contra os palestinos em Gaza. De acordo com
o Canal 14 de Israel, Ben-Gvir disse que “a única ajuda que
deve entrar em Gaza é para fins de migração voluntária”, em apoio ao
deslocamento forçado dos palestinos.
“Enquanto
[os prisioneiros israelenses] estiverem presos nos túneis, nenhuma ajuda deverá
entrar lá, nem do exército israelense, nem de organizações humanitárias”,
acrescentou.
As
falas dos ministros vão ao encontro da medida aprovada pelo gabinete de
segurança de Israel, que prevê a
ocupação do enclave e a manutenção territorial, o deslocamento da população
palestina para o sul, além de negar ao Hamas a distribuição de suprimentos
humanitários.
O plano
também permite ataques violentos contra militantes árabes locais, o que segundo
o governo do país, ajudará a garantir sua vitória na região.
A
declaração de Smotrich e o plano aprovado pelo governo de Tel Aviv ocorrem após
o presidente dos Estados Unidos e aliado de Israel, Donald Trump, já ter defendido,
ao lado de Netanyahu, o deslocamento forçado dos palestinos.
“A Faixa de Gaza é uma incrível
e importante propriedade imobiliária. Se você mover os palestino para
diferentes países, você realmente tem uma ‘zona de liberdade’”, disse na
ocasião.
Enquanto Israel insiste na
prolongação do conflito, o Hamas declarou, após a aprovação feita pelo gabinete
de segurança na última segunda-feira (05/05), que não estava mais interessado
em negociações com Tel Aviv para alcançar uma trégua.
De
acordo com a emissora Al Jazeera, Basem Naim, alto funcionário do
Hamas, afirmou, também nesta terça-feira, que “não faz sentido iniciar
negociações ou considerar novas propostas de cessar-fogo” enquanto Israel
manter os bombardeios e o bloqueio contra ajuda humanitária, que está em vigor
há mais de dois meses.
¨
Deportados da Europa,
assassinados por Israel. Por Zoe Holman
Quando
um míssil israelense matou os irmãos Haytham, de 29 anos, e Bashar, de 21, em
uma tenda em frente à sua casa em Al-Mawasi, no sul de Gaza — designada como
uma “zona segura” na época — em dezembro do ano passado, eles já haviam passado
a maior parte de suas vidas adultas na Europa. Entre 2018 e 2023, a dupla
passou por mais de cinco países da União Europeia, antes que suas jornadas
finalmente os levassem de volta ao ponto de partida, alguns meses antes do
início do genocídio em 2023. Eles retornaram a um lugar que já havia passado
por quatro guerras ao longo de suas vidas, mas que os administradores e
formuladores de políticas europeus consideraram como “seguro” para o retorno.
Os
pedidos de asilo de palestinos (não existem dados específicos para os
habitantes de Gaza) na UE têm aumentado constantemente nesta década, atingindo
o pico de quase 11.600 em 2023. A
grande maioria desses pedidos foi feita na Grécia — que também é o principal
ponto de chegada — e na Bélgica, com uma fração dos pedidos feitos para outros
países europeus. Embora a UE tenha adotado um pacto comum sobre migração
com o objetivo de garantir a consistência nos resultados, as decisões de asilo
ficam, em última análise, a critério dos Estados-membros. Há, no entanto, um
objetivo comum quando se trata da fronteira da UE — a saber, a dissuasão. Embora
as experiências dos irmãos Haytham e Bashar sejam extremas, elas não são de
forma alguma excepcionais. Em vez disso, a busca fracassada deles por segurança
reflete o destino de inúmeros habitantes de Gaza a quem a Europa negou
proteção.
·
Uma
negação tortuosa
Bashar
tinha dezesseis anos quando viajou de Gaza para a Grécia em 2019, acompanhado
apenas por seu primo, de idade semelhante. Como centenas de milhares de
requerentes de asilo de vários países, ele cruzou a Grécia de barco, vindo da
Turquia, para onde havia voado do Egito — o único ponto de saída para a maioria
dos moradores da Faixa de Gaza. Ele planejava viajar para a Suécia e se juntar
ao seu irmão Haytham, que havia chegado ao país em 2014, após pegar um barco de
Alexandria para a Itália. O próprio Haytham passou dez dias no mar, durante os
quais vários de seus companheiros de viagem morreram, antes de chegar a solo
europeu e entrar por terra na Suécia. Dadas as regras do Regulamento de
Dublin em
vigor na Suécia na época, segundo as quais o pedido de proteção de um
requerente de asilo deve ser feito no primeiro país europeu de chegada, Bashar
evitou o registro oficial na Grécia. Em vez disso, ele morou em uma ocupação
comunitária em Exarchia, no centro de Atenas, uma das muitas iniciativas de
moradia solidária da época, enquanto solicitava reunificação familiar com base
em sua condição de menor de idade. Durante o período de aproximadamente um ano
em que passou esperando, ele se envolveu nas diversas lutas políticas e sociais
do bairro. Sentia-se em casa em Atenas, mas a Grécia não era um lugar que
pudesse oferecer segurança material ou oportunidades a um jovem palestino em
busca de asilo.
Quando
seu pedido foi finalmente atendido, a embaixada sueca forneceu-lhe os
documentos necessários para viajar legalmente. “Ficamos muito felizes quando
ele foi aceito — porque ele deixaria a Grécia em segurança, sem passadores, e
porque não haveria mais espera lá”, diz seu amigo e conterrâneo de Gaza, Tamer,
que estava na Grécia na época e organizou a viagem de Bashar. No entanto, sua
chegada à Suécia coincidiu com uma reviravolta hostil contra os cerca de três
mil requerentes de asilo palestinos que estavam no país. Grupos de auxílio
descreveram o que equivalia a “uma campanha organizada”,
instigada por forças políticas de direita, que deixou os requerentes de asilo
palestinos arbitrariamente impedidos de obter novas autorizações de residência
ou renovar as existentes, e com os benefícios associados a trabalho e moradia negados.
Bashar não foi autorizado a morar com seu irmão e, em vez disso, foi enviado
para um campo. De refugiados. Pouco depois de seu aniversário de dezoito anos,
seu pedido de asilo foi rejeitado. “Por que você aceitaria alguém e o traria em
segurança para o país se simplesmente fosse rejeitá-lo depois?”, pergunta
Tamer. “Você está apenas brincando com ele.”
O
próprio Tamer tentou, sem sucesso, obter refúgio na Noruega, onde cinco
familiares tinham asilo, embora seu pedido tenha sido rejeitado. Ele passou
quatro anos no limbo da detenção de imigrantes antes de retornar a Gaza sob
ameaça de deportação em 2012. Depois de viver na Grécia por três anos — sua
terceira incursão em busca de asilo na Europa em um período de dez anos —, ele
finalmente obteve proteção na Bélgica por motivos médicos em 2023. “Eu era um
ser humano sem documento de identidade durante todo esse tempo na Noruega”, diz
ele, explicando que essa incerteza prolongada frequentemente coage os
requerentes de asilo a retornarem voluntariamente. “Depois disso, mesmo que
outra guerra tivesse começado em Gaza, eu pensaria que seria melhor voltar. É
muito difícil viver como uma não-pessoa.”
Na
mesma época da rejeição de Bashar, a autorização de residência de cinco anos de
Haytham foi cancelada e substituída por uma de um ano. Apesar dos protestos
organizados e das greves de fome de requerentes de asilo palestinos no país, as
autoridades suecas persistiram na restrição às autorizações. “Você passa anos
morando no país, tem sua identidade, vai trabalhar ou estudar, tudo, e aí
quando vai renová-la, eles recusam seu processo”, explica o irmão mais velho
dos meninos, Nayef, que agora mora na Bélgica, mas passou dois anos na Suécia
antes de ser deportado para Gaza em 2020. “Foi assim para todos, totalmente sem
motivo.”
Haytham
e Bashar logo foram igualmente condenados à deportação — um processo cansativo
para os moradores de Gaza, pois depende da aceitação dos deportados pelas
autoridades egípcias, em conformidade com a abertura irregular da fronteira em
Rafah. Sem passaporte palestino, Bashar ficou ainda mais em um limbo, já que as
autoridades egípcias se recusam a aceitar moradores de Gaza sem documentos. Ele
foi forçado a permanecer detido até que recebesse um passaporte palestino para
que a Suécia pudesse então deportá-lo.
Respondendo
a perguntas da Jacobin sobre a política da Suécia em relação
aos requerentes de asilo de Gaza naquela época, um representante da Agência
Sueca de Migração declarou que ela “fez avaliações variadas em diferentes
ocasiões sobre a situação em Gaza” e que suas decisões foram baseadas em uma
“avaliação prospectiva” da situação prevalecente na Faixa de Gaza. Observou
ainda que a agência adotou uma nova posição legal em 2021 que permitiu que
todos os menores de Gaza permanecessem no país por motivos humanitários. As
avaliações “prospectivas”, no entanto, não pareciam levar em conta os riscos
representados a adultos como Haytham e Bashar pelas guerras regulares travadas
em Gaza. Os irmãos foram devolvidos ao Egito e depois a Gaza em maio e julho de
2023, respectivamente. A explosão que os matou lançou corpos a centenas de
metros do local. A primeira filha de Haytham nasceu dois dias após sua morte.
·
O
portal dourado
As
paredes dos centros de detenção sob o aeroporto do Cairo estão cobertas de
inscrições — os nomes e a duração das estadias dos presos, além de conselhos
sobre como evitar extorsões e roubos por agentes de segurança egípcios. É uma
instalação onde os moradores de Gaza frequentemente acabam detidos em suas
tentativas de chegar à Europa, por uma série de razões arbitrárias. Como única
rota viável para sair da Faixa de Gaza, o Egito essencialmente vê os moradores
de Gaza como galinhas de ovos de ouro, capitalizando sua situação. O preço de
uma autorização para sair de Gaza via Rafah, paga a autoridades egípcias, pode
variar de US$ 500 a US$ 5.000, dependendo da demanda. “Eles negociam com nossas
lágrimas, sangue e sofrimento”, diz Yahiya, que deixou Gaza em 2021 e agora
mora na Grécia. Como ele explica, os moradores de Gaza são transportados em um
ônibus fechado diretamente para o aeroporto do Cairo, de onde a maioria pode
obter um visto para voar para a Turquia. O que deveria ser uma viagem de seis
horas por terra levou dois dias. “Eles nos deixaram dormir na areia no meio do
deserto — somos civis vindos de Gaza, mas eles realmente nos desumanizam. O
Egito é um pesadelo para nós.”
Há
relatos de moradores de Gaza detidos por meses no Aeroporto Internacional do
Cairo — inclusive sendo considerados mortos no mar por suas famílias — em
tentativas de chegar à Europa. O Egito tem sido repetidamente criticado
por grupos
internacionais de direitos humanos pela detenção e o tratamento
arbitrários de requerentes de asilo em trânsito pelo país. No entanto, o país
continua sendo um aliado fundamental na campanha da UE contra a “migração
irregular” e um local para onde os Estados-membros estão devolvendo requerentes
de asilo vindos de Gaza, apesar de estes terem direito à proteção na Europa.
De
acordo com a Convenção de Chicago, que rege os
procedimentos de deportação, os requerentes de asilo rejeitados devem ser
devolvidos pela mesma companhia aérea ao seu ponto de partida ou,
alternativamente, a qualquer país que os aceite. Em reconhecimento às
circunstâncias inseguras para os requerentes de asilo na Grécia, é comum que os
países da UE concedam o estatuto de refugiado àqueles que já receberam proteção
no seu ponto de entrada grego. Da mesma forma, outros encontraram-se de volta à
Grécia depois de os seus pedidos de asilo num segundo país europeu terem sido
rejeitados. No entanto, surgiram recentemente relatos de requerentes de asilo
de Gaza com proteção na Grécia que foram deportados para países terceiros,
incluindo o Egito, a Jordânia e a Albânia. O Serviço Jesuíta para os Refugiados
(JRS) na Bélgica estima que tenha havido dezenas de casos semelhantes de
deportação da Bélgica, devolvendo os habitantes de Gaza a condições inseguras e
destinos incertos. “Poucos refugiados querem ficar na Grécia porque não há
acolhimento real e eles dormem ao relento, então pegam um voo de fora da UE na
esperança de obter proteção na Bélgica devido à enorme rede de palestinos
aqui”, explica Ruben Bruynooghe, especialista em detenção do JRS Bélgica. “Mas
os sistemas de migração no Egito e na Jordânia apresentam um enorme risco de
detenção por tempo indeterminado e as salvaguardas sobre tratamento humano são
frouxas — eles tentarão acabar com seu ânimo até que você encontre uma solução
para sair por conta própria.”
No
verão passado, o JRS documentou os casos de vários requerentes de
asilo de Gaza que viajaram do Cairo para a Bélgica, mas cujos pedidos foram
rejeitados com base na proteção prévia na Grécia. Em vez de serem legalmente
devolvidos a Atenas, a Bélgica deportou os homens para o Egito. Um deles passou
meses detido no Cairo, enquanto outro permanece indetectável. “Enquanto ele
permanecer no Egito, não esperamos receber nenhuma confirmação de ninguém sobre
ele”, diz Bruynooghe.
·
Dissuasão
a todo custo
Em
março de 2024, quase seis meses após o genocídio em Gaza, a presidente da
Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, viajou ao Cairo juntamente com vários
líderes governamentais da UE, incluindo os da Grécia e da Bélgica, para
elaborar um novo Memorando de
Entendimento sobre
migração. Foi acordado que o Egito receberia exorbitantes 7,4 bilhões de euros
por seus esforços para interromper as partidas para a Europa, com um porta-voz
da comissão citando o país como uma “vizinhança difícil na fronteira com a
Líbia, o Sudão e a Faixa de Gaza”. Embora seja a maior quantia até o momento,
não é a primeira vez que o Egito é recompensado e elogiado por seu papel no
policiamento da migração através do Mediterrâneo, e o acordo reflete uma
política de longa data da UE de cooperação com países
terceiros para impedir que requerentes de asilo cheguem ao continente.
A
estratégia europeia também inclui uma série de mecanismos formais e informais
de dissuasão em vigor nos Estados-membros. O principal deles é a tática generalizada
de usar deportações sumárias nas fronteiras terrestres e marítimas — uma
prática ilegal e, por vezes, fatal, mas sistemática, que reduziu drasticamente o número de
chegadas à Grécia vindas da Turquia nesta década. No caso das fronteiras
marítimas, isso normalmente envolve requerentes de asilo sendo interceptados
por guardas de fronteira mascarados pouco antes ou depois do desembarque e
jogados à deriva em embarcações sem motor em águas turcas, frequentemente
espancados e despojados de seus pertences. Quando Yayiha chegou à ilha grega de
Samos em 2021, foi somente com a proteção de uma ONG local, que o localizou na
floresta logo após o desembarque, que ele e alguns outros membros de seu grupo
escaparam desse destino, enquanto outros quinze foram capturados, colocados em
um barco e rebocados de volta para o mar. Mas quando seu grupo foi levado para
a unidade de quarentena fechada no campo de refugiados na mesma noite, as
autoridades adotaram outros meios de dissuasão.
“Dormimos
imediatamente porque estávamos muito cansados”, explica ele, “mas então, no
meio da noite, cinco policiais entraram e começaram a gritar e a bater nas
pessoas — quero dizer, a bater de verdade na gente”. Foi somente graças ao seu
bom inglês que Yahiya conseguiu entender que eles estavam sendo agredidos para
formarem uma fila e serem contados às 22h todas as noites. Yahiya passou o que
ele descreve como três meses e meio muito difíceis no campo antes de receber
asilo. Embora os requerentes de asilo de Gaza na Grécia sejam geralmente
processados mais rapidamente do
que os de outras nacionalidades e normalmente tenham seus pedidos aceitos, não
há garantia de segurança futura no país,
que é rotineiramente
criticado pelas
condições enfrentadas pelos requerentes de asilo lá.
O
genocídio na Faixa de Gaza deu aos palestinos, e aos habitantes de Gaza em
particular, novos motivos para solicitar
asilo na Europa, já que os Estados-membros não podem mais rejeitar pedidos sob
o pretexto de que “Gaza é segura”. Esses acontecimentos servem como um
reconhecimento tardio, mas tácito, das circunstâncias mortais — muito
anteriores a 7 de outubro de 2023 — criadas por uma campanha israelense que a
UE, no entanto, continua a apoiar tanto política quanto militarmente. A
hipocrisia dessa posição não passa despercebida aos palestinos. “Quando você
não tem outra chance de viver como ser humano, então precisa lutar e tomar
direitos das pessoas que pressionam pela ocupação em seu país”, diz Nayef. No
entanto, requerentes de asilo de Gaza como ele também estão mais do que cientes
de que uma jornada perigosa para um continente que busca rejeitá-los é sua
única tábua de salvação previsível. “Eles falam sobre direitos humanos, mas
tornam isso impossível para nós”, diz ele. “Quando deixamos Gaza, não estamos
partindo por razões econômicas ou apenas para tentar encontrar uma vida melhor.
Estamos partindo para sobreviver.”
Fonte: Ansa/Tradução Pedro Silva, em Jacobin
Brasil

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