Como o ‘Centrão’ da Igreja deve influenciar o
conclave na escolha do papa
O conclave, marcado para começar nesta
quarta-feira (7), reúne 133 cardeais, de 70 países diferentes, para eleger o
sucessor do papa Francisco, morto em 21 de abril. Especialistas ouvidos pelo g1
afirmam que, a partir da análise dos perfis de todos os votantes, é possível
traçar comparações com a política brasileira:
• O
“Centrão" (cardeais "em cima do muro") é que terá mais força na
escolha do novo papa.
• Mas,
ao contrário de uma eleição para presidente da Câmara dos Deputados, os
"grupos" devem ser formados ao longo da assembleia, porque a maioria
dos religiosos ainda não se conhece.
E, diferentemente do que se possa imaginar, a
votação:
• não
será um “Fla x Flu” entre progressistas e conservadores — o processo
dificilmente será pautado por posicionamentos a respeito de aborto ou apoio à
população LGBTQIA+, por exemplo;
• a
disputa não será um campeonato entre nações (outros critérios além da
nacionalidade provavelmente falarão mais alto)
“Os cardeais são pessoas muito independentes:
cada um é como um ‘senhor feudal’ dentro da sua diocese”, afirma Francisco
Borba Ribeiro Neto, sociólogo especialista em religião e ex-coordenador do
departamento de fé e cultura da PUC-SP.
Entenda abaixo o que deve ser levado em conta
pelos votantes durante o conclave.
🕊️Por que a votação não é um 'Fla x Flu' de conservadores e
progressistas?
No noticiário de política, estamos
acostumados a analisar um grupo de votantes sob a ótica de seus posicionamentos
ideológicos. No entanto, no caso do conclave atual, dificilmente será esse o
critério que pautará a decisão de cada cardeal.
“Existe uma polarização: um grupo vai querer
radicalizar e acelerar as propostas de Francisco, enquanto outro desejará um
retrocesso do que foi decidido pelo último papa. Mas esses extremos não têm
força para decidir o resultado. São grupos minoritários”, afirma Ribeiro Neto.
Abaixo, veja o que é polêmico e avançou ou
permaneceu com Francisco (os 5 primeiros pontos são mais progressistas, e os 2
últimos, mais conservadores):
• a
acolhida aos casais em situações consideradas irregulares (divorciados em
segunda união, convivendo sem estarem formalmente casados) e à comunidade
LGBTQI+;
• o
acolhimento dos mais pobres não por assistencialismo, mas como compromisso com
a transformação social;
• a
maior presença das mulheres nas instâncias decisórias da Igreja;
• a
busca pela sinodalidade em todos os níveis da instituição (maior participação
de toda a comunidade na tomada de decisões);
• a
permissão da missa em latim apenas com anuência do bispo (para evitar o
nascimento de “seitas” no interior da Igreja);
• a
condenação à “ideologia de gênero” (vista como uma propaganda ostensiva para
que as pessoas se assumissem como homossexuais);
• a
manutenção do sacerdócio católico romano nos termos atuais (celibatário e
restrito aos homens).
>>> Os mais conservadores querem:
• a
condenação explícita às situações “irregulares" (a acolhida só deve ser
permitida após uma “conversão dos costumes”);
• o
cuidado com os pobres apenas como uma política assistencialista, desvinculada
da transformação social.
• a
menor participação da comunidade na tomada de decisões, retomando uma Igreja
mais hierárquica;
• a
volta ao rito tridentino (pré-concílio, normalmente celebrado em latim) como
liturgia preferencial da Igreja;
• um
menor reconhecimento das religiões não católicas —permaneceria o diálogo, mas
considerando explicitamente que são crenças não verdadeiras (atualmente são
vistas como manifestações imperfeitas da verdade).
Só que, como explicado por Ribeiro Neto, os
"extremos" são parcelas minoritárias. Quem realmente deverá pautar o
resultado é o “Centrão” (usando uma analogia com a política brasileira):
cardeais moderados, com diferentes posicionamentos políticos.
“Alguns vão ter um compromisso maior com as
relações homoafetivas, enquanto outros terão medo desse tema. Mas, no conjunto,
eles estão unidos pelo mesmo objetivo: promover avanços cuidadosos, mantendo a
unidade da Igreja”, diz o docente.
Essa mentalidade tem total relação com o
contexto global. No conclave que elegeu o papa Francisco, a crise era maior e
esperava-se alguém que desse um caminho para a instituição. “Agora, ninguém vai
querer inventar a roda nem promover mudanças radicais. Por isso, as diferenças
entre progressistas e conservadores pouco importarão.”
⛪O que realmente vai pautar as escolhas dos cardeais,
então?
Serão três pontos fundamentais:
• Abertura
ou resistência a riscos: cardeais mais prudentes, que promovam uma continuidade
ao que estava sendo feito por Francisco, devem levar vantagem.
• Espiritualidade:
tem maior chance aquele candidato que demonstra ser mais espiritualizado e
menos “mundano”.
• Transparência:
provavelmente, aqui há um consenso, e todos devem defender decisões mais claras
e abertas dentro da instituição.
➡️É importante lembrar que a maioria dos cardeais votantes
não se conhece — com exceção dos que já têm algum cargo no Vaticano, o restante
não faz ideia do trabalho feito pelo seu colega em outro país. Por isso, o
momento do conclave em que os membros podem se pronunciar é tão decisivo: será
a oportunidade de cada um mostrar que tem a capacidade de responder aos
desafios atuais da Igreja.
“É isso o que define o voto de um cardeal.
Todos estão procurando alguém que faça com que a igreja universal seja mais
tranquila. Se os votantes virem que um cardeal identifica os mesmos problemas
que eles próprios veem na instituição, essa pessoa terá mais chances de ser
eleita. Não é uma questão de votação ideológica ou doutrinal. É de percepção”,
diz Ribeiro Neto, sociólogo especialista em religião.
“Alguém precisaria terminar o trabalho de
Francisco. Ou seja, estão procurando um avanço seguro neste momento. Mesmo quem
fazia oposição ao papa sabe que reforçar as diferenças seria algo danoso para a
instituição que busca ser ‘Una Santa Católica’. A unidade é importante”,
complementa.
Para o historiador Gian Luca Potestà,
professor da Universidade Católica de Sacro Cuore, em Milão, o desafio do
próximo conclave será justamente encontrar este equilíbrio.
"Não acho que será eleito alguém que
continue integralmente a linha de Francisco, mas também não acredito que
veremos alguém completamente contrário a ele, como foi, em certos aspectos, o
cardeal Müller, da Alemanha", analisa.
A tendência, diz o historiador italiano, é
por um nome que "mitigue algumas das aberturas feitas, mas sem reverter
totalmente a direção do pontificado atual".
"Na história da Igreja, já houve
movimentos de avanço e retrocesso. Mas, hoje, acho difícil um retorno ao
passado, principalmente pelo estilo que Francisco imprimiu à imagem da Igreja
no mundo."
• Quantos
países estão representados?
Em 2013, no conclave que elegeu o papa
Francisco, os cardeais haviam nascido em 48 países diferentes. Desta vez, são
70 nações representadas (Mongólia, Laos, Papua-Nova Guiné e Mali, por exemplo,
“estrearão” na assembleia).
“Francisco aumentou muito a proporção de
cardeais que não são europeus nem norte-americanos. E, nesses outros países, a
Igreja Católica está mais enfraquecida e minoritária. A tendência é que esses
cardeais de fora da Europa e dos EUA busquem uma opção de papa mais firme”, diz
Ribeiro Neto, especialista em religião.
“Os africanos, por exemplo, provavelmente
levarão mais em conta o sentido mítico: qual opção dá mais confiança para a
vida extremamente difícil que a população leva? É um olhar diferente do
europeu", afirmou.
O historiador Gian Luca Potestà afirma que a
assembleia mais "global" reflete não só a mudança no perfil dos fiéis
ao redor do mundo, mas também o desejo do Papa Francisco de valorizar igrejas
locais engajadas com causas sociais e políticas.
E atenção: como dito no início da reportagem,
o conclave não deve ser interpretado como uma disputa entre países.
"Não se trata de um campeonato de
futebol entre nações", explica Potestà. "Mas é claro que a afinidade
linguística e cultural entre cardeais de uma mesma região pode influenciar nas
articulações internas."
• Quantos
foram indicados por cada papa?
Entre os 133 votantes, a maioria (108) foi
nomeada pelo papa Francisco. Outros 21 assumiram o cargo por escolha de Bento
XVI, e quatro, por decisão de João Paulo II.
➡️Mas, atenção: um cardeal indicado por Francisco, por
exemplo, não necessariamente votará em um candidato com a mesma linha de
atuação.
“Nenhum membro deste conclave fez a carreira
inteira só na gestão do último papa, simplesmente porque ninguém vai de padre a
cardeal em apenas 12 anos. Tirando casos extremos, a maioria [dos votantes] tem
sua história construída pelos dois lados: de Francisco e de Bento”, explica o
sociólogo Ribeiro Neto.
Exemplo: O brasileiro Odilo Scherer, que
participará do conclave, foi nomeado bispo em 2001 por João Paulo II e só se
tornou cardeal em 2007, já durante o pontificado de Bento XVI.
• Qual
é a faixa etária dos votantes?
Apenas os cardeais de até 80 anos podem
votar. Na lista dos que vão fazer parte do conclave, a idade média é de 69
anos. O representante mais jovem é o ucraniano Mykola Bychok, de 45 anos, que
atua na Austrália. E o mais velho é Jean-Pierre Kutwa, de 79 anos, da Costa do
Marfim.
• Sandra
Cohen: Duração do conclave vai determinar o quanto a Igreja está dividida
Tudo pronto para os 133 cardeais eleitores
ingressarem na Capela Sistina e só saírem de lá depois que o novo chefe da
Igreja Católica for escolhido. O que faz esse conclave parecer atípico, antes
do confinamento, é a falta de consenso sobre o sucessor do Papa Francisco
dentro das duas alas predominantes — a reformista e a tradicionalista — além do
fato de 80% dos eleitores serem novatos no processo, oriundos de dioceses
distantes.
Nesse panorama, a duração desta congregação
de cardeais será determinante para denotar o quanto a Igreja sai unida ou
dividida para o próximo Pontificado. Quanto mais o conclave se arrastar, maior
será a impressão de que a Igreja está fragmentada: a demora sinalizará ao
rebanho de 1,4 bilhão de fiéis que a polarização entre as correntes no Vaticano
é também um reflexo do que ocorre na geopolítica mundial.
Como definiu o veterano vaticanista Marco
Politi, este é o conclave mais espetacular dos últimos 50 anos. “Há um forte
sentimento de fratura na Igreja. Esse será o seu principal desafio”, atesta.
A primeira votação, a única desta
quarta-feira, dificilmente resultará na escolha final do Papa, mas serve como
teste aos eleitores e aos candidatos. A partir do segundo dia, serão realizadas
duas votações de manhã e duas à tarde. A expectativa de especialistas é de que
se não houver um eleito no terceiro dia — ou seja, não for alcançada a maioria
de dois terços dos votos — ficará clara a divisão.
Os dois últimos conclaves, em 2005 e 2013,
duraram dois dias. Bento XVI foi eleito no quarto escrutínio e Francisco, no
quinto. Muitos cardeais reunidos agora em Roma expressaram cautela sobre um
desfecho rápido. Se no sábado não houver consenso, a reunião será interrompida
por um dia para uma pausa de oração e fica comprovada a fragmentação do colégio
eleitoral. A partir daí, poderão surgir surpresas.
De acordo com o que emergiu das reuniões
informais entre cardeais nos dias que antecederam o conclave, nomes como o do
italiano Pietro Parolin, segundo no comando do Vaticano, do filipino Luis
Antonio Tagle, do francês Jean-Marc Aveline, arcebispo de Marselha, o italiano
Pierbattista Pizzaballa, patriarca de Jerusalém, são citados como fortes, mas
ainda sem reunir o número necessário de 89 votos.
Por isso mesmo, para combater o favoritismo,
houve uma espécie de fritura aos que se destacaram na lista de papáveis.
Circulou o boato de que Parolin teve um pico de pressão e desmaiou, desmentido
pelo Vaticano. Um vídeo de 2019 mostrando o cardeal Tagle num karaokê cantando
“Imagine”, de John Lennon, viralizou e causou polêmica, com destaque para os
versos “Imagine um mundo sem religiões” e “imagine que não exista paraíso,
nenhum inferno sobre nós, acima apenas o céu”.
Se os dois candidatos favoritos não
conseguirem aglutinar mais votos durante as votações, o processo estanca e os
eleitores migram na direção de novos nomes. Nos últimos dias, as especulações
deram protagonismo ao italiano Matteo Zuppi, arcebispo de Bolonha, ao maltês
Mario Grech, que liderou o Sínodo, e ao americano Robert Prevost, prefeito do
Dicastério dos Bispos — todos ligados a Francisco.
A frente conservadora é mais dispersa, com
várias lideranças respeitadas, mas sem consenso em torno de um candidato. Nela
figuram o húngaro Péter Erdo, o sueco Anders Arborelius e o congolês Fridolin
Ambongo.
A dispersão geográfica —os eleitores vêm de
70 países e sete continentes — faz com que a maioria dos cardeais se reconheça
apenas pelos crachás de identificação. Francisco imprimiu a sua marca neste
conclave, que começa num clima globalizado e um tanto confuso, sob rigorosas
normas de sigilo e confinamento, mas de muita negociação.
• Por
que mulheres ainda não podem escolher um papa ou ter cargos de liderança na
Igreja Católica
As atenções do mundo estarão voltadas a
partir desta quarta-feira (6) para 133 homens que elegerão o novo líder, também
um homem, de uma religião na qual mais da metade dos fiéis são mulheres.
Mesmo com avanços históricos de gênero
promovidos pelo papa Francisco, ainda não há nenhuma participação feminina no
comando e em postos de decisão da Igreja Católica onde, segundo o próprio
Vaticano, mais da metade dos mais de 1,3 bilhão de fiéis são justamente
mulheres.
Com exceção dos cargos da hierarquia
eclesiástica, as mulheres também são maioria entre pessoas que trabalham na
Igreja Católica no mundo: de acordo com dados do anuário da Santa Sé, em 2022
havia quase 600 mil funcionárias mulheres, contra menos de 50 mil homens.
Apesar disso, as católicas não têm poder de
voto para escolher o novo papa. Isto porque a Igreja Católica proíbe até hoje
mulheres em cargos da hierarquia, composta por diáconos, padres, bispos,
arcebispos, cardeais e o papa.
Desde o início de seu papado, o papa
Francisco indicou que uma maior participação das mulheres em cargos de comando
na Igreja Católica seria uma de suas bandeiras. O pontífice nomeou sete
mulheres para cargos de média ou alta importância dentro do Vaticano e criou
duas comissões para analisar se mulheres poderiam ser ordenadas a postos de
diaconisas, um cargo similar ao do padre —mas sem o poder de celebrar missas.
Mas Francisco também expressou apoio à
proibição de mulheres no sacerdócio, imposta pelo papa João Paulo II em 1994.
"O legado do papa Francisco sobre o
lugar das mulheres na Igreja... é complexo", afirmou a professora da
Universidade de Durham, no Reino Unido Anna Rowlands à agência de notícias
Reuters.
"Ele fez mais do que qualquer outro
pontífice para garantir que as mulheres fossem incluídas em maior número e em
posições de maior autoridade. No entanto, a maior parte dessa mudança ocorreu
precisamente dentro dos parâmetros existentes, flexibilizando o sistema um
pouco", disse Rowlands, também colaboradora eventual do Vaticano.
Seja por não querer choques com cardeais
conservadores —com os quais Francisco travou embates ideológicos ao longo de
seus 12 anos de papado— ou por não conseguir de fato ultrapassar as
resistências das alas mais tradicionais, a avaliação é que os avanços foram
insuficientes e pouco representativos.
"Francisco foi o primeiro papa a ter
plena consciência de que a Igreja sofre de um desequilíbrio flagrante e
profundamente injusto. Mas sua maneira de responder a essa injustiça foi fazer
nomeações individuais e estabelecer comissões que se estendiam indefinidamente
e não levavam a nada", disse a católica italiana Paola Lazzarini,
integrante do movimento de mulheres católicas que defendem reformas, algumas
promovidas por elas próprias.
Pelo mundo, há pelo menos 200 católicas que
foram "ordenadas" padres por outras mulheres e rezam missas,
desafiando a Igreja Católica e arriscando processos de excomunhão.
Entre os favoritos a suceder Francisco, há
três cardeais favoráveis à ordenação de mulheres: Joseph William Tobin, dos
Estados Unidos, Juan José Omella Omella, da Espanha, e Mario Grech, de Malta.
<><> Mulheres nomeadas
Ao longo de seus 12 anos, Francisco nomeou
sete mulheres para cargos de média ou alta importância dentro do Vaticano,
incluindo uma brasileira. Todos os cargos, no entanto, foram de gestão, e, em
apenas um caso, com algum poder de voto:
• A
irmã Raffaella Petrini foi nomeada presidente do Governatorato do Estado da
Cidade do Vaticano. Ela é a mulher com o cargo mais alto no Vaticano e se
tornou a primeira a ocupar a função, que possui poderes de gestão da Santa Sé
abaixo apenas do próprio papa.
• A
religiosa francesa Nathalie Becquart foi nomeada em fevereiro de 2021 ao posto
de Subsecretária do Sínodo dos Bispos, o que a fez a primeira mulher com
direito a voto em uma assembleia sinodal.
• Também
a mando de Francisco, Francesca Di Giovanni assumiu a função de subsecretária
do Setor Multilateral da Seção para as Relações com os Estados e se tornou a
primeira mulher a ocupar um cargo de responsabilidade na diplomacia do
Vaticano.
• A
irmã Alessandra Smerilli foi nomeada secretária do Dicastério do Vaticano para
o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, um papel fundamental nas questões
sociais e econômicas globais dentro do Vaticano.
• Barbara
Jatta se tornou diretora dos Museus do Vaticano também sob Francisco.
• A
brasileira Cristiane Murray foi nomeada pelo papa Francisco vice-diretora da
Sala de Imprensa do Vaticano.
• E
a freira Simona Brambilla foi nomeada este ano prefeita do Dicastério para a
Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, uma organização da Santa Sé.
Fonte: g1

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