INSS:
é cada vez menos provável que o governo consiga barrar a CPMI para investigar a
fraude
O
Brasil acompanha com indignação, mas sem esboçar a menor surpresa diante deles,
os desdobramentos do maior escândalo de corrupção da história de um país em que
os escândalos de corrupção se tornaram corriqueiros. Isso mesmo. A corrupção se
tornou tão normal no ambiente político brasileiro que qualquer denúncia que
surge é recebida como se já estivesse sendo esperada. Desta vez, porém, tudo
indica que o limite da paciência foi ultrapassado. A sociedade espera que,
desta vez, o caso seja apurado com seriedade. E que os responsáveis, do mais
reles ao mais graúdo, paguem pelo crime.
Isso é
o que a sociedade deseja. Sendo assim, chega a causar espanto a atitude do
governo, que não tem medido esforços para varrer a sujeira para debaixo do
tapete e fazer de conta que nada aconteceu. Isso mesmo! Sob a batuta dos
presidentes da Câmara, Hugo Motta (Rep/PB), e do Senado, Davi Alcolumbre
(União/AP), a ala governista no Congresso, na semana passada, resistiu com
todas as forças à instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
(CPMI) para investigar o esquema que afanou, no mínimo, R$ 6,3 bilhões dos
aposentados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
O golpe
causa indignação não só pela soma vultosa que movimentou, mas, sobretudo, pela
origem covarde do dinheiro. A bolada foi surrupiada por quadrilhas travestidas
de sindicatos ou de associações, que se entranharam na máquina estatal e, uma
vez lá dentro, agiram sem ser incomodadas. Desviaram dinheiro com tanta
desenvoltura que é preciso ser ingênuo em dose dupla para acreditar que não
tenham contado com a proteção — ou, no mínimo, com a conivência — de gente
graúda na hierarquia do INSS e do Ministério da Previdência Social. Ou, talvez,
até de órgãos acima desses dois.
VOTO DE
SILÊNCIO
A
fortuna foi surrupiada, até onde se sabe, por um total de 41 sindicatos e
associações que obtiveram do INSS uma espécie de salvo conduto para tirar
dinheiro diretamente das contas de pessoas pobres e vulneráveis. A maior parte
dos aposentados lesados são trabalhadores rurais das regiões mais remotas do
país ou profissionais que ganham um salário-mínimo por mês. Ou seja, a base da
pirâmide.
Só por
ter lesado a quem lesou, todos os que se lambuzaram com o dinheiro sujo dessa
farra devem ser investigados nos mínimos detalhes, até que não restem dúvidas
sobre as responsabilidades de cada um dos autores do assalto. Mas, não. Pelo
lado do governo, e a despeito da gravidade da situação, a impressão é a de que
o Planalto, por razões que não estão bem esclarecidas, pretende impor um voto
de silêncio em torno da situação.
Tudo
bem! Que os funcionários dos órgãos do Poder Executivo recebam ordens para se
calar ou, então, para falar apenas o que for conveniente, é até compreensível —
sobretudo para um governo que, em razão do passado de muitos de seus
integrantes, não tinha o direito de errar no quesito corrupção. Falar em
corrupção na Esplanada e nos arredores é, para usar a expressão surrada, como
falar de corda em casa de enforcado...
O
silêncio do Executivo em torno do assunto é, portanto, explicável. O estranho é
que líderes importantes da instituição que tem (ou que pelo menos deveria ter)
a atribuição de defender os interesses da sociedade — ou seja, o Congresso
Nacional — também aceitem a mordaça.
Dias
atrás, o líder do governo no Senado, Jacques Wagner (PT/BA), por exemplo,
defendeu que o parlamento não se envolva com essa história. Talvez reproduzindo
ordens do Planalto, Wagner disse que é melhor deixar a Polícia Federal e a
Controladoria Geral da República cuidaram do assunto. Ele também disse para
confiar nas investigações conduzidas pelas mesmas instituições que permitiram
que o tumor crescesse em suas entranhas sem nada fazer para extirpá-lo. Ou
seja, a pasta da Previdência e o INSS.
Seja
como for, e ainda que Wagner fale apenas por seu partido, o certo é que o
Congresso e, mais especificamente, os parlamentares governistas, parecem não
ter acordado para a gravidade e para a repugnância que a fraude vem gerando na
sociedade. Em meio a essa confusão, Motta e Alcolumbre, entre uma viagem
internacional e outra, se limitam a fazer aquilo que o Planalto ordena que
façam e agem como se fosse possível resolver o problema apenas fazendo de conta
que ele não existe.
WATERGATE
TROPICAL
Os dois
se comportam como se a pressão pela CPI não viesse das ruas, mas que não
passasse de um punhado de roupa suja que deve ser lavada dentro de casa. Ou que
tudo não passasse de obra dos parlamentares mais barulhentos da oposição — que,
por razões óbvias, querem se valer do episódio para constranger o governo.
Nesse ambiente, eles parecem querer usar todo o poder dos cargos que ocupam
para evitar que a sujeira levantada pelo escândalo respingue e manche ainda
mais a reputação do Planalto. E que isso, no final das contas, empurre ainda
mais para baixo a declinante popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva.
A
intenção do governo em impedir as investigações desse ou de qualquer outro fato
incômodo também é compreensível. A questão é que, quanto maior for a
resistência diante do assunto, maior ele tende a se tornar. E isso vale não só
para a fraude da Previdência, mas para qualquer fato espinhoso para o governo,
em qualquer país do mundo.
Em
1972, apenas para recordar um caso para lá de conhecido, o governo do
republicano Richard Nixon, nos Estados Unidos, tratou com desdém e tentou
evitar os primeiros rumores em torno do escândalo de Watergate. Dois anos
depois, Nixon se deu conta da impossibilidade de abafar o caso. Mas, então, já
era tarde.
O
presidente fez tudo o que podia para negar o problema criado pela bisbilhotagem
de seus correligionários na sede do Partido Democrata, em Washington. Por mais
que jurasse nada ter a ver com o assunto e jamais admitisse que seu partido
queria levar vantagem com o esquema, Nixon foi incapaz de evitar as pressões. E
elas cresceram a ponto de obrigá-lo a renunciar para não sofrer impeachment.
É
improvável que, no Brasil, o roubo aos velhinhos evolua e se transforme numa
espécie de Watergate tropical. Mas isso não significa que a tentativa de abafar
o escândalo não possa gerar consequências desagradáveis, sobretudo na véspera
de um ano eleitoral. Tentar negar as aparências, disfarçar as evidências e
dizer que tudo não passa de intriga da oposição; ou, ainda, tentar jogar a
culpa por tudo nas costas da administração anterior, como os governistas vêm
fazendo, não é a melhor maneira de lidar com uma questão tão delicada. Manobras
assim podem até surtir efeito por algum tempo. Mas o cipó de aroeira sempre
acaba se voltando contra o lombo de quem mandou dar a primeira surra.
PREVARICAÇÃO
Alheios
não só a esse risco, mas também à importância das instituições que presidem, e
incapazes de enxergar um centímetro além dos próprios interesses, Motta e
Alcolumbre parecem não se dar conta do tamanho do problema que sua omissão pode
causar para o governo que tanto se esforçam para servir. Se continuarem agindo
assim, como provavelmente continuarão — até porque não parecem ter a grandeza
necessária para fazer diferente —, estarão jogando fora uma oportunidade de
ouro de atacar a corrupção, uma praga que corrói não apenas um governo ou
outro, mas que está entranhada no Estado brasileiro. Não aproveitar o momento
favorável e deixar de tomar providências rigorosas e capazes de coibir a
corrupção significa ser conivente com ela. Mas parece que a dupla não liga para
isso.
As
atitudes de Alcolumbre e Motta, a começar pela forma com que conquistaram seus
cargos — ou seja, prometendo aos parlamentares, ao invés de moralidade, acesso
facilitado aos recursos federais — não permitem que a sociedade alimente
qualquer esperança de que os dois se tornem, de uma hora para outra, defensores
de seus interesses. Para começar, nenhum dos dois para quieto em Brasília.
Mesmo com o país pegando fogo, não perdem uma oportunidade de viajar sem se dar
ao trabalho de explicar o que de tão importante têm a fazer fora do Brasil.
Aceitam
todos os convites que recebem para engrossar caravanas em viagens a Tóquio,
Hanoi, Roma, Moscou e Beijing ou Nova York. Talvez sirva como prêmio de
consolação, para aqueles que ainda esperam alguma atitude séria do Legislativo,
saber que os nomes dos presidentes das duas casas não se destacam na extensa
cadeia de responsabilidades que gira em torno desse escândalo. No caso dos
dois, a culpa é por omissão. Mas há outros envolvidos que, pela maneira como
agem, parecem ter ido muito além disso.
Na
quinta-feira passada, o ainda ministro da Previdência Social, Wolney Queiroz,
foi chamado para se explicar à Comissão de Fiscalização e Controle do Senado.
Diante do depoimento que ele deu, o cidadão brasileiro ficou com a sensação de
que a chave da caixa forte do Tio Patinhas foi entregue aos Irmãos Metralha...
Queiroz,
como o país inteiro já sabe, era o braço direito do reincidente Carlos Lupi —
um caso raríssimo de funcionário público que chegou por duas vezes ao primeiro
escalão do governo e, nessas duas vezes, foi ejetado da equipe ministerial pelo
mesmíssimo motivo. Ou seja, não conseguiu convencer a ninguém, nem ao governo
que o nomeou, de que nada tinha a ver com os esquemas de corrupção que brotavam
sob seu nariz.
Em
qualquer outro lugar do mundo, uma única demissão por esse motivo teria sido
suficiente para afastá-lo para sempre dos cargos públicos e, a depender da
apuração dos fatos, até mandá-lo para a cadeia. No Brasil, não. As primeiras
acusações contra Lupi, no governo de Dilma Rousseff, desapareceram sem que
ninguém seja capaz de explicar o destino que tiveram.
Lupi
voltou triunfante à Esplanada e teve toda liberdade para dar continuidade a sua
obra... De quebra, levou com ele Wolney Queiroz, velho correligionário do PDT,
que havia ficado sem emprego depois de ser derrotado nas eleições para deputado
federal por Pernambuco, em 2022. Nomeado para a Secretaria Executiva, o segundo
cargo em importância no ministério de Lupi, ele foi informado das denúncias de
desvio do dinheiro dos aposentados. E nada fez para impedir que a farra
prosperasse.
O
artigo 319 do Código Penal, que trata do crime de prevaricação, prevê, além do
afastamento imediato das funções, pena de até um ano de cadeia e pagamento de
multa pelo funcionário público que se omite diante de um fato sob sua
responsabilidade. Mas Queiroz não apenas manteve o emprego como, depois da
demissão de Lupi, ainda recebeu das mãos de Lula a caneta de ministro, mesmo
tendo fechado os olhos para a roubalheira que acontecia sob seu nariz.
FILAS
DE APOSENTADOS
O
depoimento de Queiroz aos senadores foi patético, superficial, ofensivo ou a
soma de tudo isso. Em seu ponto mais revelador, ele chegou se dizer favorável à
implantação de uma CPMI para investigar a fraude — mas desaconselha a
providência por temer que as apurações prejudiquem o ressarcimento dos lesados.
Este é
o ponto! Queiroz não explicou a relação que existe entre o andamento das
apurações e a devolução aos aposentados do dinheiro afanado. Ele apenas deixou
no ar a ameaça de que os aposentados nunca terão seu dinheiro de volta caso o
Congresso insista em ajudar a elucidar o roubo. E se esquivou de responder à
pergunta do senador Rogério Marinho (PL/RN), que queria saber o motivo da
ausência do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da lista
de investigados pela fraude.
Conhecida
pela sigla Sindinapi, a entidade tem em sua diretoria o sindicalista José
Ferreira da Silva, conhecido como Frei Chico. Ele é irmão do presidente Lula e,
no passado, se destacou no mundo sindical como militante de carteirinha do
velho Partido Comunista Brasileiro, o Partidão, e crítico ferrenho do PT. Hoje,
pelo visto, se dá muito bem com os companheiros do irmão.
Essa é
apenas uma das questões que reforçam a importância de se ampliar a investigação
e tirá-la da influência exclusiva do poder Executivo. Outro ponto a ser
observado é a atitude do INSS, que, ao invés de reconhecer a falha, empurrou
para os lesados a obrigação de provar que não autorizaram os descontos
indevidos em suas contas. Na semana passada, os escritórios da autarquia em
vários pontos do Brasil receberam filas e filas de idosos que, depois de
roubados, passaram horas esperando ser atendidos pelos burocratas da
autarquia. A intenção do órgão parece ser a de fazer o escândalo parecer menor
criando dificuldades para que os lesados o denunciem.
Atitudes
como essas apenas fazem crescer a pressão pela CPMI e dificultam o trabalho de
gente como Alcolumbre e Motta, a dupla de políticos que defende os interesses
do governo junto ao parlamento. O próprio governo já se mostra convencido da
impossibilidade de conter a avalanche e até já escalou seus parlamentares mais
estridentes, como o senador Randolfe Rodrigues (AP) e o deputado Lindbergh
Farias (RJ), para tentar virar na CPMI que certamente será instalada uma
partida que já registra o placar de 7 a 1 a favor da oposição.
Na
semana passada, a Mesa Diretora do Congresso recebeu e protocolou o pedido para
abertura dessa CPMI para investigar o escândalo. Para ser acolhido, o projeto
necessitava das assinaturas de 27 senadores e 171 deputados. No final, 36
senadores e 223 deputados — ou seja, uma quantidade muito maior do que a
necessária — assinaram o pedido. Na lista inicial de signatários não havia um
único parlamentar filiado ao PT, ao PSOL, à Rede, ao PcdoB ou a qualquer outra
legenda de esquerda ou de extrema-esquerda. Depois do pedido entregue, o
senador Fábio Cantarato (PT/ES) surgiu como uma espécie de exceção que confirma
regra e também endossou o pedido.
Para
que a CPMI seja instalada, é necessário que o pedido seja lido pelo presidente
do Congresso, Davi Alcolumbre em sessão conjunta da Câmara e do Senado. Em
tempo: há uma sessão conjunta, que, por sinal, será a primeira de 2025, marcada
para o próximo dia 27 de maio — terça-feira da próxima semana.
Se o
encontro será aproveitado para a leitura do documento depende, mais do que da
boa vontade de Alcolumbre, da capacidade que ele terá para resistir à pressão
dos que querem a apuração dos fatos.
Tomara
que a CPMI seja instalada. Nem que seja apenas para melhorar a imagem do
Senado, que na semana passada protagonizou um vexame que se somou às dezenas de
cenas lamentáveis que vêm se tornando banais na política brasileira. Na
terça-feira, a influenciadora digital Virginia Fonseca transformou o Senado
numa espécie de circo. Não por culpa dela; mas dos senadores que a convocaram
para testemunhar na CPI que supostamente investiga as casas de apostas
eletrônicas — as chamadas Bets.
Virginia
foi e, como se diz na gíria, "causou" no plenário. Protegida por uma
liminar que a autorizava responder apenas o que quisesse, ela deu um show de
simpatia. Em tom de voz simpático e inocente, a influencer chegou a dar lições
de moral a Suas Excelências. Em determinado momento, dirigiu-se à plateia de
autoridades e, referindo-se às apostas eletrônicas, professou: "Se
realmente faz tão mal, proíbe tudo, acaba com tudo. (...) Se for decidido por
vocês que tem de acabar, eu concordo que tem de acabar".
Não foi
o único fato constrangedor da sessão. Em determinada altura, o senador
Cleitinho Azevedo (Rep/MG) pediu que a influenciadora gravasse um vídeo para
ele mandar para sua mulher e sua filha... Se houvesse uma chance mínima de
levar a pantomima a sério, ela morreu naquele instante. No dia seguinte, o
também influenciador Rico Melquíades compareceu à CPI e ensinou às senhoras
senadoras e aos senhores senadores os fundamentos técnicos do chamado Jogo do
Tigrinho — um caça-níqueis eletrônico disponível na internet para quem quiser
jogar. São cenas lamentáveis que, nem que seja apenas para tentar salvar a
reputação da casa, deveriam estimular os senadores a apoiar em peso a
investigação do escândalo dos aposentados.
Fonte:
Por Nuno Vasconcellos, em O Dia

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