Franco
Berardi: O rastro do nazismo termina em Tel Aviv
Na
Alemanha, país derrotado, o ódio transforma em determinação genocida. Mas não
se deve acreditar que apenas a Alemanha seja responsável pelo extermínio.
Poloneses, franceses, austríacos, húngaros, romenos, ucranianos, italianos são
cúmplices, em diferentes gradações, da deportação e do extermínio dos judeus da
Europa.
De que
eram culpados os judeus da Europa? De serem inspiradores do internacionalismo,
enquanto os europeus se apaixonavam pelas mitologias idiotas da pátria.
Com a
vitória de Hitler, o extermínio dos judeus se aproxima. Depois de derrotar os
operários comunistas, chegou a vez deles. A pertença étnica tomou o lugar da
universalidade, como está acontecendo novamente hoje na Europa do século XXI.
Mas a
história não termina aí. Após 1945, coloca-se o problema de o que fazer com os
judeus que Hitler não conseguiu matar, porque as tropas da União Soviética
chegaram e os libertaram dos campos onde estavam morrendo de fome (como hoje se
morre de fome em Gaza).
O que
fazer com esses judeus sobreviventes?
Os
europeus decidem livrar-se deles, vomitá-los para fora (como diz Amos Oz em Uma
História de Amor e Trevas). “Depois de exterminá-los, tirêmo-los de nosso
caminho”, dizem os ingleses “Vamos apoiá-los, armá-los e usá-los para proteger
nossos interesses em uma área cheia de petróleo”.
Nacionalistas
judeus como Vladimir Jabotinsky, admirador de Benito Mussolini, foram úteis
para esse propósito, enquanto comunidades de judeus socialistas e anarquistas
foram à Palestina para se afastar do Ocidente assassino.
Mas
naquela terra chamada Palestina habita um povo árabe, que recebe os
recém-chegados com desconfiança, mas também com interesse. Seria possível fazer
negócios, estabelecer alianças, como fazem grupos de judeus internacionalistas.
Mas os
europeus não enviaram os judeus sobreviventes do genocídio para fazer amizade
com os árabes. Eles os mandaram para impor o domínio branco sobre a terra
árabe. Depois de exterminar seis milhões de judeus, os europeus pretendem usar
os sobreviventes como ponta de lança de seu domínio.
Por
isso Israel é uma continuação do Terceiro Reich: não apenas porque herdou suas
técnicas de extermínio, mas também porque prepara a segunda fase do Holocausto,
aquela em que a tarefa de eliminar os judeus (que no século XX foi cumprida
pelas tropas de Hitler) caberá aos árabes.
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Isra-Hell
Quem
enviou os judeus sobreviventes para a Palestina não podia deixar de saber que
Israel pode ser armado o quanto se queira pelos imperialistas ocidentais, mas
seu predomínio não durará para sempre e, no final, o país pagará seus crimes
com juros. Quem raciocina com base na história, na geografia e na antropologia
sabe disso perfeitamente.
O fim
de Israel não será apenas obra das oligarquias governantes árabes (as mais
fascistas de todos, como a história mostrou, e as mais covardes, como demonstra
sua atitude ambivalente em relação a Israel).
Será
sobretudo obra da guerra civil que já rasteja e que está destinada a eclodir
mais cedo ou mais tarde. Os prólogos da guerra civil israelense já são todos
visíveis.
O Shin
Bet [serviço israelense de segurança interna e vigilância] está na mira de
Netanyahu porque começa a ficar claro que o principal responsável pelo pogrom
de 7 de outubro chama-se Benjamin Netanyahu, como sustenta Adam Raz em seu
livro recente, no qual demonstra que Netanyahu usou o Hamas para dividir os
palestinos e permitiu que o pogrom prosseguisse para consolidar seu poder.
Hoje,
Israel é um lugar infernal onde prevalece o ódio genocida. Mas esse ódio não
pode esconder o medo daqueles que sabem estar destinados a enfrentar um ódio
igualmente grande que, mais cedo ou mais tarde, se desencadeará. É um lugar
onde assassinos como os ministros da Defesa, Bezalel Smotrich e da Segurança
Nacional, Itamar Ben Gvir distribuíram cem mil fuzis aos colonos predadores.
Apenas criminosos sedentos de sangue poderão sobreviver naquele lugar depois
que o “exército mais moral do mundo” repetiu os feitos das SS de Hitler.
A
desintegração está na ordem do dia em todo o Ocidente, desde que o
vice-presidente americano, neto de uma avó que tinha catorze armas de fogo na
cozinha e no quarto, veio a Munique para dizer que, para ele, Putin é um amigo
e a Europa, uma inimiga.
¨
Índia e Israel repetem a mesma brutalidade aos povos. Por
Heba Ayyad
Conflitos
ocorreram entre os vizinhos Índia e Paquistão, ambos detentores de armas
nucleares, nos últimos dias. Esses confrontos não são os primeiros desse tipo,
nem serão os últimos, enquanto a ferida sangrenta da Caxemira — que inflama há
mais de 76 anos — não for curada. A ausência de conflito não significa seu
desaparecimento. Foi isso que Netanyahu pensou ao erguer um mapa da entidade
sionista no Salão da Assembleia Geral, em 22 de setembro de 2023, obscurecendo
completamente a Palestina, como se ela não existisse. Foi o mesmo que pensou o
primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, ao discursar pessoalmente na
Assembleia Geral em 2019, sem mencionar a Caxemira.
A Índia
estabeleceu relações diplomáticas com a entidade sionista em 1992, após ter
sido uma firme apoiadora dos palestinos e de sua causa justa. Foi um dos treze
países que votaram contra a resolução de partilha em 1947.
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Não é
coincidência que as questões da Palestina e da Caxemira tenham entrado
simultaneamente na agenda da ONU e enfrentado destinos semelhantes. A Índia
passou a controlar 57% da Caxemira, enquanto Israel usurpou 78% da Palestina.
As Nações Unidas criaram a Organização das Nações Unidas para a Supervisão da
Trégua (UNTSO) na Palestina, em maio de 1948, e a Missão de Observação das
Nações Unidas entre a Índia e o Paquistão (UNGOMIP), em janeiro de 1949. Ambas
as questões foram deixadas de lado após 1951.
Entretanto,
a Palestina voltou a ganhar destaque após a Guerra de Outubro de 1973, ao passo
que a questão da Caxemira raramente é mencionada no Conselho de Segurança ou na
Assembleia Geral — exceto em momentos de tensão ou confronto entre a Índia e o
Paquistão, quando volta à tona brevemente. É necessário esclarecer alguns
fatos, para que o leitor compreenda as raízes da crise entre os dois países
vizinhos, que já travaram três grandes guerras, além das escaramuças que nunca
cessaram.
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As raízes do problema
A
Caxemira, assim como a Palestina, é um pedaço do paraíso na Terra. Sua área é
de 86 mil milhas quadradas — três vezes maior que a soma dos territórios da
Holanda, Bélgica e Luxemburgo. Sua população é de aproximadamente 20 milhões de
pessoas, distribuídas entre as regiões controladas pela Índia e pelo Paquistão,
além da diáspora espalhada por outros países. Deus a abençoou com todos os
elementos propícios à riqueza: beleza natural, recursos abundantes e uma
localização estratégica aos pés do Himalaia, próxima a três potências nucleares
— China, Paquistão e Índia.
A
história do governante indiano, o marajá, que teria solicitado a permanência da
Caxemira na Índia em 1946, foi inventada. Ele teria concordado com o líder
local, Sheikh Abdullah, em unir-se à Índia em vez de optar pela independência,
e convenceu as autoridades indianas de que a maioria da população desejava
permanecer sob controle indiano. No entanto, os habitantes da região iniciaram
uma onda de protestos e manifestações, resistindo à anexação forçada. A Índia
então enviou forças aéreas para reprimir o movimento, o que provocou a
intervenção de forças tribais e paquistanesas em apoio aos caxemires. Foi nesse
momento que o conflito se iniciou, levando à divisão da região entre Índia e
Paquistão.
Desde
então, o conflito tem oscilado entre escaladas e períodos de aparente calma,
apenas para ressurgir repetidamente — como ocorreu em 22 de março. Após a
eleição de Narendra Modi como primeiro-ministro da Índia em 2014, sua
popularidade cresceu com base em uma campanha de viés racista, promovendo o
nacionalismo hindu e a discriminação contra os muçulmanos. Ele foi acusado de
envolvimento em atos de terrorismo e chegou a integrar a lista de exclusão
aérea dos Estados Unidos devido à sua ligação com o incêndio da histórica
Mesquita Babri, em 1992 — confronto que resultou na morte de mais de 700
muçulmanos. Em 2024, Modi inaugurou um templo hindu no local da antiga
mesquita.
As
relações de Modi com Israel passaram a se fortalecer, culminando na assinatura
de um acordo de cooperação estratégica em 2017. O comércio entre os dois países
saltou de US$ 200 milhões em 1992 para US$ 10 bilhões em 2023. Durante uma
visita de trabalho a Déli, em 2018, para participar de um seminário sobre
segurança no Sudoeste Asiático, publiquei um artigo sobre o papel das Nações
Unidas na questão palestina. Fiquei surpresa com o grande número de defensores
de Israel. O país conseguiu formar grupos de lobby indianos que apoiam sua
posição, e o Ministério das Relações Exteriores de Israel convida jovens
indianos de ministérios estratégicos para visitar o país, com o objetivo de
doutriná-los com narrativas sionistas e submetê-los a um processo de lavagem
cerebral.
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Replicação de leis racistas
Observa-se
uma impressionante semelhança entre os dois líderes em relação ao racismo, à
auto importância e ao histórico de violência. Também testemunhamos a Índia
adotar práticas semelhantes às utilizadas por Israel nos territórios palestinos
ocupados, aplicando-as na região ocupada de Jammu e Caxemira.
Após o
Knesset israelense aprovar, em 2018, uma definição da identidade do Estado que
estipula que o direito à autodeterminação pertence exclusivamente aos judeus
entre o rio e o mar, essa medida representou, na prática, a anexação de todos
os territórios ocupados, a abolição da identidade nacional palestina e a
consideração dos palestinos como indivíduos sem direitos civis ou políticos.
De
forma paralela, em 5 de agosto de 2019, Modi revogou o Artigo 370 da
Constituição indiana, que concedia autonomia à região de maioria muçulmana da
Caxemira — um status que vigorava há 70 anos. Essa decisão controversa
constitui uma violação flagrante do direito internacional, infringindo diversas
resoluções das Nações Unidas, especialmente as Resoluções 47 (1948) e 91 (1951)
do Conselho de Segurança, que reconhecem o direito do povo da Caxemira à
autodeterminação, a ser exercido por meio de um referendo livre, justo e
imparcial. Ambas as resoluções previam arbitragem pela Corte Internacional de
Justiça, o que foi rejeitado pela Índia.
Ao
mesmo tempo, a entidade sionista expandiu suas atividades de assentamento. O
número de colonos dobrou desde os Acordos de Oslo, passando de 150 mil para
aproximadamente 750 mil em 2023. O Knesset passou a considerar os assentamentos
como um valor judaico que o Estado deve proteger. A Cisjordânia — chamada de
“Judeia e Samaria” — e Jerusalém foram definidas como a capital unificada da
entidade.
A
região foi a causa de três guerras entre os dois países vizinhos, e espera-se
que as escaramuças atuais não sejam o prenúncio de uma quarta guerra — uma que
possa sair do controle e se transformar em confrontos ferozes entre duas
potências nucleares, cujos desdobramentos são imprevisíveis.
Modi
apoiou a colonização da Caxemira, concedendo quase quatro milhões de
autorizações de construção a hindus e declarando que a Caxemira é integralmente
território indiano.
Enquanto
isso, a entidade sionista intensificou suas operações militares na Cisjordânia
e na Faixa de Gaza. As forças israelenses realizaram quatro guerras em Gaza
antes da Operação Flood. Cidades e campos da Cisjordânia também foram
submetidos à maior onda de assassinatos, ataques e demolições desde 2005, sendo
os anos de 2022 e 2023 os mais sangrentos até então, anteriores à Grande
Inundação.
Na
Índia, após a decisão de anexação, Modi enviou mais de 10 mil soldados
fortemente armados para a Caxemira, elevando o contingente total para quase
meio milhão. Esses soldados iniciaram de imediato a repressão a protestos com
munição real, detendo manifestantes, demolindo residências e prendendo
ativistas. Todas as linhas de comunicação e redes de internet foram cortadas na
Caxemira, isolando completamente a região do restante da Índia e do mundo.
Israel
classifica como terrorista qualquer pessoa que resista — seja com armas,
manifestações, arremesso de pedras, hasteamento de bandeiras ou simples
reportagens em vídeo —, determinando que deve ser imediatamente eliminada. Além
disso, responsabiliza todas as partes: facções, autoridades e até o Irã. É como
se uma criança que atira uma pedra contra um tanque estivesse, de alguma forma,
cumprindo ordens de Ali Khamenei. A Índia segue literalmente o mesmo padrão.
Qualquer pessoa que resista à ocupação indiana é sumariamente eliminada, sua
casa demolida, e sua família encarcerada. A culpa recai automaticamente sobre o
Paquistão. É como se o caxemirense — cuja família foi assassinada, cuja casa
foi destruída e cujos amigos foram presos — estivesse apenas aguardando ordens
do primeiro-ministro indiano para resistir à ocupação.
Ambos
os Estados bombardeiam áreas civis e, posteriormente, alegam terem atingido
"alvos terroristas".
A
Anistia Internacional afirmou o seguinte sobre a situação atual em Jammu e
Caxemira:
“O
governo indiano está restringindo as liberdades ao impedir que os cidadãos se
comuniquem entre si e com o resto do mundo, impondo toques de recolher que
impedem as pessoas de sair de casa, enquanto surgem relatos de invasões,
prisões, confrontos e detenções. Esse toque de recolher abrangente não apenas
deixou as pessoas isoladas e vulneráveis ao pânico e a tentativas de rebelião,
mas também impactou a capacidade de médicos e trabalhadores humanitários de
realizar seu trabalho com eficácia.”
É como
se estivéssemos lendo um relato sobre o que ocorre atualmente em Gaza.
A
região já provocou três guerras entre os dois países vizinhos, e há o temor de
que as escaramuças recentes sinalizem o início de uma quarta guerra —
potencialmente brutal, descontrolada e travada entre duas nações com capacidade
nuclear, cujo desfecho é impossível de prever.
Fonte:
Outras Palavras/Brasil 247

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