quarta-feira, 14 de maio de 2025

Franco Berardi: O rastro do nazismo termina em Tel Aviv

Na Alemanha, país derrotado, o ódio transforma em determinação genocida. Mas não se deve acreditar que apenas a Alemanha seja responsável pelo extermínio. Poloneses, franceses, austríacos, húngaros, romenos, ucranianos, italianos são cúmplices, em diferentes gradações, da deportação e do extermínio dos judeus da Europa.

De que eram culpados os judeus da Europa? De serem inspiradores do internacionalismo, enquanto os europeus se apaixonavam pelas mitologias idiotas da pátria.

Com a vitória de Hitler, o extermínio dos judeus se aproxima. Depois de derrotar os operários comunistas, chegou a vez deles. A pertença étnica tomou o lugar da universalidade, como está acontecendo novamente hoje na Europa do século XXI.

Mas a história não termina aí. Após 1945, coloca-se o problema de o que fazer com os judeus que Hitler não conseguiu matar, porque as tropas da União Soviética chegaram e os libertaram dos campos onde estavam morrendo de fome (como hoje se morre de fome em Gaza).

O que fazer com esses judeus sobreviventes?

Os europeus decidem livrar-se deles, vomitá-los para fora (como diz Amos Oz em Uma História de Amor e Trevas). “Depois de exterminá-los, tirêmo-los de nosso caminho”, dizem os ingleses “Vamos apoiá-los, armá-los e usá-los para proteger nossos interesses em uma área cheia de petróleo”.

Nacionalistas judeus como Vladimir Jabotinsky, admirador de Benito Mussolini, foram úteis para esse propósito, enquanto comunidades de judeus socialistas e anarquistas foram à Palestina para se afastar do Ocidente assassino.

Mas naquela terra chamada Palestina habita um povo árabe, que recebe os recém-chegados com desconfiança, mas também com interesse. Seria possível fazer negócios, estabelecer alianças, como fazem grupos de judeus internacionalistas.

Mas os europeus não enviaram os judeus sobreviventes do genocídio para fazer amizade com os árabes. Eles os mandaram para impor o domínio branco sobre a terra árabe. Depois de exterminar seis milhões de judeus, os europeus pretendem usar os sobreviventes como ponta de lança de seu domínio.

Por isso Israel é uma continuação do Terceiro Reich: não apenas porque herdou suas técnicas de extermínio, mas também porque prepara a segunda fase do Holocausto, aquela em que a tarefa de eliminar os judeus (que no século XX foi cumprida pelas tropas de Hitler) caberá aos árabes.

<><> Isra-Hell

Quem enviou os judeus sobreviventes para a Palestina não podia deixar de saber que Israel pode ser armado o quanto se queira pelos imperialistas ocidentais, mas seu predomínio não durará para sempre e, no final, o país pagará seus crimes com juros. Quem raciocina com base na história, na geografia e na antropologia sabe disso perfeitamente.

O fim de Israel não será apenas obra das oligarquias governantes árabes (as mais fascistas de todos, como a história mostrou, e as mais covardes, como demonstra sua atitude ambivalente em relação a Israel).

Será sobretudo obra da guerra civil que já rasteja e que está destinada a eclodir mais cedo ou mais tarde. Os prólogos da guerra civil israelense já são todos visíveis.

O Shin Bet [serviço israelense de segurança interna e vigilância] está na mira de Netanyahu porque começa a ficar claro que o principal responsável pelo pogrom de 7 de outubro chama-se Benjamin Netanyahu, como sustenta Adam Raz em seu livro recente, no qual demonstra que Netanyahu usou o Hamas para dividir os palestinos e permitiu que o pogrom prosseguisse para consolidar seu poder.

Hoje, Israel é um lugar infernal onde prevalece o ódio genocida. Mas esse ódio não pode esconder o medo daqueles que sabem estar destinados a enfrentar um ódio igualmente grande que, mais cedo ou mais tarde, se desencadeará. É um lugar onde assassinos como os ministros da Defesa, Bezalel Smotrich e da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir distribuíram cem mil fuzis aos colonos predadores.
Apenas criminosos sedentos de sangue poderão sobreviver naquele lugar depois que o “exército mais moral do mundo” repetiu os feitos das SS de Hitler.

A desintegração está na ordem do dia em todo o Ocidente, desde que o vice-presidente americano, neto de uma avó que tinha catorze armas de fogo na cozinha e no quarto, veio a Munique para dizer que, para ele, Putin é um amigo e a Europa, uma inimiga.

¨      Índia e Israel repetem a mesma brutalidade aos povos. Por Heba Ayyad

Conflitos ocorreram entre os vizinhos Índia e Paquistão, ambos detentores de armas nucleares, nos últimos dias. Esses confrontos não são os primeiros desse tipo, nem serão os últimos, enquanto a ferida sangrenta da Caxemira — que inflama há mais de 76 anos — não for curada. A ausência de conflito não significa seu desaparecimento. Foi isso que Netanyahu pensou ao erguer um mapa da entidade sionista no Salão da Assembleia Geral, em 22 de setembro de 2023, obscurecendo completamente a Palestina, como se ela não existisse. Foi o mesmo que pensou o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, ao discursar pessoalmente na Assembleia Geral em 2019, sem mencionar a Caxemira.

A Índia estabeleceu relações diplomáticas com a entidade sionista em 1992, após ter sido uma firme apoiadora dos palestinos e de sua causa justa. Foi um dos treze países que votaram contra a resolução de partilha em 1947.

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Não é coincidência que as questões da Palestina e da Caxemira tenham entrado simultaneamente na agenda da ONU e enfrentado destinos semelhantes. A Índia passou a controlar 57% da Caxemira, enquanto Israel usurpou 78% da Palestina. As Nações Unidas criaram a Organização das Nações Unidas para a Supervisão da Trégua (UNTSO) na Palestina, em maio de 1948, e a Missão de Observação das Nações Unidas entre a Índia e o Paquistão (UNGOMIP), em janeiro de 1949. Ambas as questões foram deixadas de lado após 1951.

Entretanto, a Palestina voltou a ganhar destaque após a Guerra de Outubro de 1973, ao passo que a questão da Caxemira raramente é mencionada no Conselho de Segurança ou na Assembleia Geral — exceto em momentos de tensão ou confronto entre a Índia e o Paquistão, quando volta à tona brevemente. É necessário esclarecer alguns fatos, para que o leitor compreenda as raízes da crise entre os dois países vizinhos, que já travaram três grandes guerras, além das escaramuças que nunca cessaram.

<><> As raízes do problema

A Caxemira, assim como a Palestina, é um pedaço do paraíso na Terra. Sua área é de 86 mil milhas quadradas — três vezes maior que a soma dos territórios da Holanda, Bélgica e Luxemburgo. Sua população é de aproximadamente 20 milhões de pessoas, distribuídas entre as regiões controladas pela Índia e pelo Paquistão, além da diáspora espalhada por outros países. Deus a abençoou com todos os elementos propícios à riqueza: beleza natural, recursos abundantes e uma localização estratégica aos pés do Himalaia, próxima a três potências nucleares — China, Paquistão e Índia.

A história do governante indiano, o marajá, que teria solicitado a permanência da Caxemira na Índia em 1946, foi inventada. Ele teria concordado com o líder local, Sheikh Abdullah, em unir-se à Índia em vez de optar pela independência, e convenceu as autoridades indianas de que a maioria da população desejava permanecer sob controle indiano. No entanto, os habitantes da região iniciaram uma onda de protestos e manifestações, resistindo à anexação forçada. A Índia então enviou forças aéreas para reprimir o movimento, o que provocou a intervenção de forças tribais e paquistanesas em apoio aos caxemires. Foi nesse momento que o conflito se iniciou, levando à divisão da região entre Índia e Paquistão.

Desde então, o conflito tem oscilado entre escaladas e períodos de aparente calma, apenas para ressurgir repetidamente — como ocorreu em 22 de março. Após a eleição de Narendra Modi como primeiro-ministro da Índia em 2014, sua popularidade cresceu com base em uma campanha de viés racista, promovendo o nacionalismo hindu e a discriminação contra os muçulmanos. Ele foi acusado de envolvimento em atos de terrorismo e chegou a integrar a lista de exclusão aérea dos Estados Unidos devido à sua ligação com o incêndio da histórica Mesquita Babri, em 1992 — confronto que resultou na morte de mais de 700 muçulmanos. Em 2024, Modi inaugurou um templo hindu no local da antiga mesquita.

As relações de Modi com Israel passaram a se fortalecer, culminando na assinatura de um acordo de cooperação estratégica em 2017. O comércio entre os dois países saltou de US$ 200 milhões em 1992 para US$ 10 bilhões em 2023. Durante uma visita de trabalho a Déli, em 2018, para participar de um seminário sobre segurança no Sudoeste Asiático, publiquei um artigo sobre o papel das Nações Unidas na questão palestina. Fiquei surpresa com o grande número de defensores de Israel. O país conseguiu formar grupos de lobby indianos que apoiam sua posição, e o Ministério das Relações Exteriores de Israel convida jovens indianos de ministérios estratégicos para visitar o país, com o objetivo de doutriná-los com narrativas sionistas e submetê-los a um processo de lavagem cerebral.

<><> Replicação de leis racistas

Observa-se uma impressionante semelhança entre os dois líderes em relação ao racismo, à auto importância e ao histórico de violência. Também testemunhamos a Índia adotar práticas semelhantes às utilizadas por Israel nos territórios palestinos ocupados, aplicando-as na região ocupada de Jammu e Caxemira.

Após o Knesset israelense aprovar, em 2018, uma definição da identidade do Estado que estipula que o direito à autodeterminação pertence exclusivamente aos judeus entre o rio e o mar, essa medida representou, na prática, a anexação de todos os territórios ocupados, a abolição da identidade nacional palestina e a consideração dos palestinos como indivíduos sem direitos civis ou políticos.

De forma paralela, em 5 de agosto de 2019, Modi revogou o Artigo 370 da Constituição indiana, que concedia autonomia à região de maioria muçulmana da Caxemira — um status que vigorava há 70 anos. Essa decisão controversa constitui uma violação flagrante do direito internacional, infringindo diversas resoluções das Nações Unidas, especialmente as Resoluções 47 (1948) e 91 (1951) do Conselho de Segurança, que reconhecem o direito do povo da Caxemira à autodeterminação, a ser exercido por meio de um referendo livre, justo e imparcial. Ambas as resoluções previam arbitragem pela Corte Internacional de Justiça, o que foi rejeitado pela Índia.

Ao mesmo tempo, a entidade sionista expandiu suas atividades de assentamento. O número de colonos dobrou desde os Acordos de Oslo, passando de 150 mil para aproximadamente 750 mil em 2023. O Knesset passou a considerar os assentamentos como um valor judaico que o Estado deve proteger. A Cisjordânia — chamada de “Judeia e Samaria” — e Jerusalém foram definidas como a capital unificada da entidade.

A região foi a causa de três guerras entre os dois países vizinhos, e espera-se que as escaramuças atuais não sejam o prenúncio de uma quarta guerra — uma que possa sair do controle e se transformar em confrontos ferozes entre duas potências nucleares, cujos desdobramentos são imprevisíveis.

Modi apoiou a colonização da Caxemira, concedendo quase quatro milhões de autorizações de construção a hindus e declarando que a Caxemira é integralmente território indiano.

Enquanto isso, a entidade sionista intensificou suas operações militares na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. As forças israelenses realizaram quatro guerras em Gaza antes da Operação Flood. Cidades e campos da Cisjordânia também foram submetidos à maior onda de assassinatos, ataques e demolições desde 2005, sendo os anos de 2022 e 2023 os mais sangrentos até então, anteriores à Grande Inundação.

Na Índia, após a decisão de anexação, Modi enviou mais de 10 mil soldados fortemente armados para a Caxemira, elevando o contingente total para quase meio milhão. Esses soldados iniciaram de imediato a repressão a protestos com munição real, detendo manifestantes, demolindo residências e prendendo ativistas. Todas as linhas de comunicação e redes de internet foram cortadas na Caxemira, isolando completamente a região do restante da Índia e do mundo.

Israel classifica como terrorista qualquer pessoa que resista — seja com armas, manifestações, arremesso de pedras, hasteamento de bandeiras ou simples reportagens em vídeo —, determinando que deve ser imediatamente eliminada. Além disso, responsabiliza todas as partes: facções, autoridades e até o Irã. É como se uma criança que atira uma pedra contra um tanque estivesse, de alguma forma, cumprindo ordens de Ali Khamenei. A Índia segue literalmente o mesmo padrão. Qualquer pessoa que resista à ocupação indiana é sumariamente eliminada, sua casa demolida, e sua família encarcerada. A culpa recai automaticamente sobre o Paquistão. É como se o caxemirense — cuja família foi assassinada, cuja casa foi destruída e cujos amigos foram presos — estivesse apenas aguardando ordens do primeiro-ministro indiano para resistir à ocupação.

Ambos os Estados bombardeiam áreas civis e, posteriormente, alegam terem atingido "alvos terroristas".

A Anistia Internacional afirmou o seguinte sobre a situação atual em Jammu e Caxemira:

“O governo indiano está restringindo as liberdades ao impedir que os cidadãos se comuniquem entre si e com o resto do mundo, impondo toques de recolher que impedem as pessoas de sair de casa, enquanto surgem relatos de invasões, prisões, confrontos e detenções. Esse toque de recolher abrangente não apenas deixou as pessoas isoladas e vulneráveis ao pânico e a tentativas de rebelião, mas também impactou a capacidade de médicos e trabalhadores humanitários de realizar seu trabalho com eficácia.”

É como se estivéssemos lendo um relato sobre o que ocorre atualmente em Gaza.

A região já provocou três guerras entre os dois países vizinhos, e há o temor de que as escaramuças recentes sinalizem o início de uma quarta guerra — potencialmente brutal, descontrolada e travada entre duas nações com capacidade nuclear, cujo desfecho é impossível de prever.

 

Fonte: Outras Palavras/Brasil 247

 

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