quinta-feira, 22 de maio de 2025

Fernando Castilho: Aposentados explorados pelas fraudes e pela justiça

Recentemente, o escândalo das fraudes contra aposentados do INSS causou indignação nacional. A denúncia de descontos indevidos e cobranças abusivas contra quem mal sobrevive com um salário mínimo expôs a vulnerabilidade de milhões de brasileiros diante de um sistema que deveria protegê-los. Mas esse não é o único ataque aos direitos de quem passou a vida contribuindo com a Previdência. Há mais.

A exclusão dos valores de contribuição anteriores a 1994 no cálculo das aposentadorias tem provocado revolta entre os segurados. Embora parte da imprensa ainda trate os aposentados como meros “velhinhos”, o impacto dessa regra vai muito além do estereótipo: é uma questão de justiça social e de sobrevivência para quem já vive no limite.

A chamada Revisão da Vida Toda surgiu exatamente para corrigir essa distorção. O argumento é simples e razoável: se o trabalhador contribuiu ao longo de toda a vida, por que ignorar décadas inteiras de recolhimento apenas porque ocorreram antes de 1994? Para ilustrar a situação, imagine alguém que deposita mensalmente uma quantia em uma caderneta de poupança por 20 anos e, ao tentar sacar o valor, é informado de que só poderá retirar uma porcentagem do total. Isso não é confisco? Não é apropriação indébita? É dessa forma que milhares de beneficiários vêm sendo tratados pelo INSS.

Cerca de 100 mil aposentados recorreram ao Judiciário e venceram em duas instâncias: primeiro, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), e depois no Supremo Tribunal Federal (STF), que, em dezembro de 2022, confirmou o direito à revisão por 6 votos a 5.

Contudo, a decisão foi posteriormente anulada. Amparado em duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) de 1999, o STF voltou atrás e derrubou o mérito da causa. O motivo alegado? O suposto impacto orçamentário: segundo projeção da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, o pagamento da revisão custaria R$ 480 bilhões aos cofres públicos.

Embora o impacto financeiro não devesse ter o poder de subtrair direitos e manter injustiças, ainda assim, cabe uma reflexão. Essa estimativa não resiste a uma análise simples. Se dividirmos os R$ 480 bilhões entre os 100 mil aposentados que teriam direito à revisão, o valor individual chegaria a absurdos R$ 4,8 milhões por pessoa — algo evidentemente irreal.

Um documento oficial obtido junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta que o custo real da medida seria de R$ 10 bilhões — valor expressivo, mas incomparavelmente inferior ao divulgado, e perfeitamente viável dentro do orçamento da Previdência Social.

Diante desses dados, o argumento do “rombo bilionário” se desmancha. O que resta é a evidência de uma decisão que sacrifica os direitos de quem mais precisa, sustentada por uma conta que simplesmente não fecha. E, mais uma vez, os aposentados — tratados sempre com descaso — pagam a conta de uma política pública que insiste em ignorar a dignidade de seus próprios beneficiários.

•        ‘É uma vergonha para o País, tudo era evitável’, diz procurador sobre fraudes no INSS

Responsável pelo “inquérito-mãe” da Operação Sem Desconto, que mira a ligação de servidores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) com um esquema bilionário de fraudes contra aposentados, o procurador da República Hebert Mesquita considera remota a perspectiva de usar recursos bloqueados de associações e dirigentes da autarquia vinculada ao Ministério da Previdência Social para ressarcir as vítimas dos descontos indevidos.

“É uma vergonha para o País. Tudo isso era evitável, tudo isso foi avisado, tudo isso foi mostrado. É possível que muitos credores não vejam esse dinheiro, se depender do ressarcimento dos criminosos”, afirmou em entrevista ao Estadão. Segundo ele, os recursos desviados dos aposentados dificilmente vão ser alcançados pelo inquérito, uma vez que, assim que entrava nas contas, o dinheiro desviado era sacado e pulverizado, o que dificulta o sequestro de ativos. “Os cofres dessas pessoas estão todos esvaziados.”

LEIA A ENTREVISTA:

•        Nesta semana, houve desdobramento da Operação Sem Desconto, mirando um operador financeiro. É um personagem importante do esquema?

Vou explicar rapidamente o funcionamento da operação. A investigação-mãe está comigo na 15.ª Vara Federal do Distrito Federal. Ela diz respeito ao núcleo administrativo, os servidores do INSS. O foco é corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes envolvendo agentes públicos. Além dessa investigação principal, várias outras foram instauradas Brasil afora, com foco nas entidades. A gente não chegou, nesse começo da investigação, à prova de que todas as entidades pagaram propina ao núcleo administrativo. O que a gente percebeu é que alguns personagens, ligados a uma ou algumas entidades, provavelmente pagaram propina. Isso fez com que a operação fosse fatiada. Foi instaurado um inquérito para cada entidade, tudo a depender de onde está sediada essa entidade. Essa operação (de quarta-feira) foi sobre a Conafer, que é sediada em Brasília. Essa investigação está fora da minha atribuição. O que esse inquérito-mãe vai fazer é fornecer subsídios para o conhecimento de cada um desses casos, de como era o contexto amplo dos descontos do INSS.

•        No âmbito da apuração do sr., ela contempla o papel do ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto e do ex-ministro da Previdência Social Carlos Lupi?

Há duas investigações comigo. Essa mãe e uma outra investigação que é sobre a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares). A investigação-mãe partiu do seguinte. Essas denúncias começaram a se multiplicar em 2024. Isso passou a ter repercussão na mídia e, até então, as provocações do Ministério Público ao INSS, com viés não criminal, mas de tutela coletiva, não surtiram efeito. O INSS vinha chancelando que aqueles acordos estavam válidos e era um sistema lícito. Aí veio aquele trabalho técnico da Controladoria-Geral da União, que foi a prova de que os descontos estavam sendo indevidos. E aí, no ano passado, começou a investigação desses casos. Os RIFs (Relatórios de Inteligência Financeira) solicitados ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) foram o ponto de partida. O Coaf começou a mostrar movimentações financeiras de pessoas ligadas a representantes dessas entidades, e empresas ligadas a parentes de servidores do INSS. O então ministro Lupi não apareceu nessa relação.

•        E sobre Stefanutto?

Precisamos fazer uma divisão sobre os elementos em relação a Stefanutto. Os elementos até a deflagração da operação e o que vier a aparecer de indícios a partir da análise dessas buscas. Até aquela busca, os elementos convenceram o juiz a autorizar as buscas e outras medidas. Feitas as buscas, vem o trabalho de analisar o material apreendido. Celular, computador, vem a quebra de sigilo bancário. Toda essa parte deve vir ou não a partir da análise dessas buscas que vêm sendo feitas pela Polícia Federal.

•        O MP trabalha com qual capitulação penal?

Estamos trabalhando no inquérito-mãe com as hipóteses de lavagem de dinheiro, organização criminosa, corrupção. E, nos inquéritos desdobrados, com as hipóteses do artigo 313-A (peculato eletrônico), sem prejuízo de organização criminosa específica naquela entidade e lavagem de dinheiro.

•        O MPF defende o ressarcimento dos aposentados com recursos de entidades e servidores envolvidos?

O problema é que, como em boa parte dessas entidades investigadas havia pessoas com pensamento e atitude criminosos, esses recursos dificilmente vão ser alcançados pelo sequestro de bens que foi definido pela grande maioria dos juízes. O dinheiro que entrava era sacado e começava a ser pulverizado. O que o Ministério Público quer é que haja ressarcimento, mas com cuidado. Em Direito, tem uma máxima que fala que quem paga mal paga duas vezes. Não é chegar e sair largando dinheiro. A pressa em ressarcir traz seu risco. E outra, o ressarcimento em uma ação penal é a fase final, confirmada em definitivo a condenação. Essas pessoas vão ficar esperando quantos anos? Nós desejaríamos pegar todos os bens das pessoas, mas os cofres estão esvaziados porque o dinheiro entrava e saía. É uma pena muito grande isso estar acontecendo. É uma vergonha para o País. Tudo isso era evitável, tudo isso foi avisado, foi mostrado. É possível que muitos credores não vejam esse dinheiro se depender do ressarcimento dos criminosos.

•        Veja períodos em que número de associados mais cresceu nas entidades investigadas na fraude do INSS

Dados divulgados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) mostram os períodos em que houve maior explosão no número de novos associados com descontos de benefícios nas entidades investigadas.

Investigação deflagrada pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União no mês passado revelou que, pelo menos desde 2019, associações vinculadas ao INSS descontavam parte dos benefícios de aposentados e pensionistas — a título de oferecer algum serviço —, mas sem ter a autorização da pessoa.

O esquema pode ter desviado R$ 6 bilhões, de acordo com a PF.

<><> Os períodos de maior adesão

O INSS passou os dados por meio de um pedido formulado na Lei de Acesso à Informação.

Na resposta o órgão justificou que possui dados com a quantidade de descontos realizados apenas a partir de março de 2020 e não do período completo em que os descontos eram realizados, pelo menos, desde 2014.

Os números do INSS se referem à variação, em cada mês, do número de novos associados menos a quantidade daqueles que saíram.

O ano de 2023 representa a maior alta no saldo de associados. Mas houve picos significativos em meses dos anos anteriores, como novembro de 2021 e julho de 2022.

As investigações ainda não apontam exatamente que fatores são determinantes para uma explosão na quantidade de associados com desconto.

Além disso, há uma queda de adesões em 2024 que coincide com a adoção da biometria para autorizações (veja mais abaixo).

Nesta segunda (19), o INSS anunciou que a biometria passa a ser obrigatória para toda autorização de descontos.

<><> Análise por meses

No primeiro mês com variação disponível, abril de 2020, a quantidade total de descontos aumentou em 58 mil, puxado pelo registro de 60 mil novos descontos pela Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares do Brasil (Conafer).

Por outro lado, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) teve uma redução de 4,6 mil associados. Assim, o mês de abril teve um aumento de 2,89% em relação a quantidade registrada em março de 2020, 2.011.459.

Nos quatro meses seguintes, a quantidade de descontos continuou aumentando a uma média de 20.406 novos associados. E a Conafer continuou como a principal associação em adições.

Um inquérito da Polícia Civil do DF, de 2020, obtido de forma exclusiva pela g1, aponta que a entidade aproveitou de uma brecha propiciada pela pandemia da Covid-19 para adicionar uma quantidade "inacreditável" de descontos.

O documento da Polícia apontava uma inclusão de 73.108 novos cadastrados entre abril e julho de 2020. Entretanto, a base do INSS mostra que o número é ainda maior e no período, pelo menos 133.598 novos beneficiários na base.

Entretanto, a partir de setembro de 2020 a quantidade sofre uma queda abrupta e a média se manteve em 2.724 até dezembro.

O ano de 2021 começou com mais saídas de novos associados do que entradas, também puxada pela Conafer, que em fevereiro registrou uma redução de 35.987 em sua base de associados.

Coincidentemente, à época o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) apontou para o INSS movimentações estranhas por parte das associadas, devido o aumento significativo de cadastros em 2020. Mas a apuração de irregularidades não foi para frente.

Assim, a situação se manteve negativa até junho daquele ano. No mês seguinte, a base de associados voltou a aumentar em 17.909. Os meses de agosto e setembro registraram aumento menor de 10 mil e em outubro houve um novo pico, de 25 mil novas inscrições, movida pela entrada da União Brasileira de Aposentados da Previdência (Unibap), que registrou 22 mil novos inscritos.

A partir de então, novas associações começaram a fazer acordos de cooperação técnica com o INSS e passaram a fazer descontos em aposentadorias.

Em novembro de 2021 a Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (AAPB) adicionou 50 mil descontos de uma só vez. No mês seguinte, sua base de descontos reduziu em 49 mil. E em janeiro de 2022, a quantidade voltou a aumentar em 48 mil.

<><> Quebra dos 100 mil

O ano de 2022 começou com média de aumento de 32.946 descontos por mês. Movido, principalmente, por adições da AAPB e Conafer, que mensalmente sempre registrou uma grande quantidade de novos contratos.

Em março, a Associação de Aposentados Mutualista para Benefícios Coletivos (Ambec), que já estava habilitada a cobrar descontos de R$ 45 desde setembro de 2021, começou a adicionar aposentados a sua base. Foram 27 mil em um único mês.

Até que em julho, boa parte das demais entidades já se movimentava com grandes adições ao ponto do mês registrar pela primeira vez mais de 100 mil novos associados descontados em relação ao mês anterior, foram 111.459, entre 16 entidades.

Neste mês, a Conafer viu sua base de afiliados aumentar em 46,8 mil. Além disso, duas entidades começaram a cobrar descontos de seus associados, União Nacional de Auxílio aos Servidores Públicos (Unaspub), com 32 mil adesões e a Associação dos Aposentados e Pensionistas dos Regimes Geral da Previdência Social (AAPPS), com outros 4 mil.

Essa quebra da barreira de 100 mil associados se torna um marco importante na análise, já que a partir de julho de 2022, essa quantidade seria superada constantemente.

<><> Quebra dos 300 mil

Exatamente um ano depois, em um momento em que 25 entidades praticavam o desconto de associado, um novo grande pico surge, 380 mil novos aposentados passaram a ter um percentual descontado em seus contracheques.

O aumento foi puxado pela Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura (CBPA), criada em 2020 e habilitada a fazer descontos desde 2022, que aumentou sua base de contribuintes em 190.193 descontos.

A Conafer e a Ambec, que já vinham com grandes adições em meses anteriores, também contribuíram para que a marca fosse ultrapassada. Juntos, apenas neste mês, eles aumentaram o número de associados em 89 mil aposentados.

Da mesma forma que aconteceu no ano anterior, onde a transposição da barreira dos 100 mil provocou uma aceleração de novas adesões nos meses seguintes, em 2023, após passar os 300 mil associados em um único mês, nos meses seguintes as associações aceleraram ainda mias a inscrição de novos descontos.

Em outubro do mesmo ano foram 384 mil, em novembro 328 mil e dezembro registrou 317 mil.

<><> Chegada da biometria

O então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, demitido após Operação Sem Desconto, assinou uma instrução normativa obrigando que todos os cadastros de desconto, a partir de 2021, contivessem assinatura digital e biometria facial dos participantes. O documento foi publicado em março de 2024.

O mês de janeiro de 2024 quase que dobrou a quantidade de novos associados em relação a dezembro de 2023. Saltando de 317 mil registros para 630 mil.

Com isso, a base de associados disparou e ultrapassou a marca de 6 milhões.

Em março um novo recorde: 796.600 novos associados com desconto. 7,2 milhões ao todo. Naquele mês, foi publicada a regra da biometria, com efeitos práticos a partir de abril.

Em abril, as associações tiveram ligeira redução de novos associados, 659 mil. E chegaram a 7,.9 milhões idosos e pensionistas com descontos em folha. A maior quantidade da série histórica.

A partir dai, as associações acumularam seguidas diminuições da base, com oito meses gerando mais saídas do que novas adesões.

No período, apenas o mês de julho de 2024 registrou variação positiva, movida, possivelmente, pela decisão de Stefanutto em criar uma regra temporária que habilitou 785.309 novas inclusões sem que os critérios fossem cumpridos.

•        Pedidos de reembolso por desconto indevido passam de 1,3 milhão

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) informou nesta sexta-feira (16) que, até às 17 horas, 1.345.817 beneficiários disseram não reconhecer descontos realizados por associações e sindicatos em seus benefícios e solicitaram reembolso. O número de notificantes aumentou em 294.579 nas últimas 24 horas.

Este é o terceiro dia de consulta dos descontos de entidades na folha de aposentados e pensionistas. O número de associações que não foram reconhecidas se manteve em 41, conforme os dois primeiros boletins.

Caso a entidade responsável não devolva os valores no prazo de 15 dias úteis, o governo avaliará o prejuízo causado, os recursos apreendidos e decidirá se será necessário recorrer ao Tesouro Nacional para garantir o ressarcimento aos beneficiários.

Segundo o INSS, 1.370.635 beneficiários fizeram a consulta dos descontos de entidades associativas. Destes, 1.345.817 (98,19%) afirmaram não reconhecer o vínculo com a associação responsável e solicitaram reembolso, enquanto 24.818 (1,81%) autorizaram o desconto.

<><> Notificação

No total, 9,4 milhões de pessoas foram notificadas pelo INSS sobre a ocorrência de descontos associativos em seus benefícios. O órgão disponibilizou, desde ontem, dois canais de atendimento – o aplicativo e site Meu INSS, além da central telefônica 135 – para que os beneficiários pudessem consultar qual associação realizou o desconto e o valor correspondente.

A partir dessa notificação, o beneficiário pôde manifestar se concorda ou não com o desconto associativo registrado. Em caso de discordância, ele deveria informar que não autorizou o referido desconto.

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Com essa negativa, o sistema gerará automaticamente uma cobrança à associação responsável. A entidade terá o prazo de 15 dias úteis para comprovar o vínculo com o beneficiário, anexando ao sistema documentos, por exemplo, que atestem sua filiação, a autorização para o desconto e a identidade do segurado. Se ficar confirmado que não houve autorização formal, o beneficiário receberá o reembolso.

 

Fonte: Jornal GGN/g1/Infomoney

 

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