Empresário
diz à polícia que dono de associação relatava propina por fraudes no INSS
Um
empresário afirmou em depoimento à Polícia Civil do Distrito Federal, em junho
de 2021, que ouviu do presidente de uma entidade suspeita de fraudar
aposentadorias que esse dirigente tinha "domínio sobre diretores do
INSS", aos quais pagaria propina.
O
empresário Bruno Deitos contou que sua empresa, Premier, havia sido
subcontratada por outra, a Target, que tinha contrato com a Confederação
Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais do
Brasil (Conafer) para atualizar cadastros de associados.
Esses
cadastros seriam fraudados para justificar descontos em pagamentos do INSS sem
autorização dos aposentados e pensionistas (veja detalhes abaixo).
"O
presidente da Conafer, Carlos [Roberto Lopes], comentou em uma reunião da qual
o declarante [Deitos] participou [...] que tinha domínio sobre os diretores do
INSS, mas não especificou quais diretores seriam. Que o domínio que o
presidente da Conafer mencionou seria repasse de vantagens financeiras para
tais diretores, a fim de alterar dados do sistema do INSS, bem como fornecer
informações relativas a aposentados e pensionistas", afirmou o empresário.
A
Conafer foi a entidade que mais aumentou o volume de descontos de aposentados e
pensionistas entre 2019 e 2024, em números absolutos.
Passou
de R$ 400 mil por ano, em 2019, para R$ 57 milhões, em 2020, e chegou a R$ 202
milhões em 2023, segundo dados da Controladoria-Geral da União (CGU).
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Fraudes em assinaturas
O
empresário denunciante prestou dois depoimentos à Polícia Civil do DF, em 10 e
11 de junho de 2021.
Na
primeira ocasião, Deitos contou como seria a adulteração das fichas com
assinaturas dos aposentados, para justificar os pagamentos supostamente
indevidos.
"A
Conafer enviaria para a Premier a base de dados dos associados das regiões: DF,
GO, BA, MG, MT, MS; de posse dessa listagem a Premier deveria recrutar
promotores de pesquisa que iriam pessoalmente nos endereços fornecidos pela
Conafer para colherem assinaturas dos associados em formulários de exclusão do
desconto de mensalidade, associação, e relatório de ausência ou mudança de
endereço", disse.
"O
próprio RANDEL [dono da empresa Target], certa vez, em uma das reuniões
realizadas entre ele e o declarante, após prestar os serviços, falou que o que
interessava era simplesmente o quadro de assinaturas, pois ele contrataria uma
empresa especializada em alteração de documentos em PDF que transformaria os
referidos formulários em formulários de adesão."
O
empresário disse no depoimento que coletou assinaturas de 28.700 associados, e
que foi à polícia porque não recebeu todo o valor combinado pelo serviço — R$
742,5 mil. Quando procurou a Conafer para reclamar, afirmou ter sofrido
ameaças.
As
informações obtidas pela Polícia Civil do DF foram repassadas à Polícia Federal
em 2021, quando a Justiça decidiu que o caso era de competência da PF.
No
último dia 23 de abril, a PF deflagrou a Operação Sem Desconto para apurar
fraudes supostamente cometidas por várias entidades associativas e que podem
ter chegado a R$ 6,3 bilhões em todo o país.
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O que dizem os envolvidos
A
Conafer informou em nota que "se colocou à disposição das autoridades para
colaborar com as apurações e esclarecerá todos os fatos no ambiente do
inquérito policial e dos demais trâmites das investigações".
O g1
não conseguiu localizar o empresário denunciante nem o dono da empresa Target.
• Testemunha-chave diz que Conafer
adulterava documentos para retirar dinheiro de aposentados
O
Jornal Nacional teve acesso com exclusividade a detalhes da investigação sobre
a Conafer - entidade que mais aumentou o volume de descontos em benefícios do
INSS de 2019 até 2024. Uma testemunha-chave afirma que essa organização
adulterou documentos para retirar dinheiro de aposentados.
O
depoimento foi na Delegacia de Repressão aos Crimes Contra o Consumidor no dia
10 de junho de 2021. O empresário de Brasília Bruno Deitos afirmou que a
empresa dele, Premier Recursos Humanos, "foi contratada de forma
terceirizada pela empresa Target Pesquisas de Mercado, que havia sido
contratada pela Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e
Empreendedores Familiares Rurais do Brasil – Conafer - para fazer um serviço de
atualização de cadastro de associados”.
Bruno
disse que a empresa dele tinha sido contratada para atuar no Distrito Federal,
Goiás, Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul; e que, de posse
da listagem dos associados, a Premier deveria recrutar promotores de pesquisa
que iriam pessoalmente aos endereços fornecidos pela Conafer para colherem
assinaturas dos associados em formulários de exclusão do desconto de
mensalidade, associação, e relatório de ausência ou mudança de endereço. E que
Randel, dono da Target, teria dito em uma reunião que o que interessava era
simplesmente o quadro de assinaturas, pois ele contrataria uma empresa
especializada em alteração de documentos em PDF, que transformaria os referidos
formulários em formulários de adesão.
Bruno
contou à polícia que, depois de executado o serviço, não recebeu o pagamento
total e que, ao reclamar, foi ameaçado pelo irmão do presidente da Conafer.
Tiago Ferreira Lopes aparece em uma foto ao lado de Carlos Roberto Ferreira
Lopes, presidente da Conafer. Tiago já havia sido condenado em uma ação por
improbidade administrativa, com enriquecimento ilícito e dano ao patrimônio
público.
Em um
segundo depoimento, no dia 11 de junho de 2021, Bruno voltou a relatar ameaças
e disse à polícia que "o presidente da Conafer comentou em uma reunião que
tinha domínio sobre os diretores do INSS, mas não especificou quais diretores
seriam; que o domínio que o presidente da Conafer mencionou seria repasse de
vantagens financeiras para tais diretores, a fim de alterar dados do sistema do
INSS, bem como fornecer informações relativas a aposentados e
pensionistas". Bruno ainda disse à polícia que tinha, em arquivo digital,
28,7 mil fichas de assinaturas coletadas.
Na
quarta-feira (14), o Jornal Nacional mostrou que a Conafer foi a entidade que
mais aumentou o volume de descontos de aposentados e pensionistas entre 2019 e
2023. Em números absolutos, passou de R$ 400 mil por ano em 2019, para R$ 57
milhões em 2020 e R$ 202 milhões em 2023, segundo dados da Controladoria-Geral
da União (CGU).
A
Polícia Civil do Distrito Federal enviou todas essas informações para a Polícia
Federal em 2021. Os documentos fazem parte do inquérito que investiga as
fraudes. A operação para desarticular o esquema só ocorreu agora, em abril de
2025, e acabou levando à queda do ministro da Previdência e do presidente do
INSS.
A Conafer
declarou que está à disposição das autoridades para colaborar com as
investigações e que esclarecerá os fatos no inquérito.
O
Jornal Nacional não conseguiu contato com o autor das denúncias, Bruno Deitos,
com Randel Machado de Faria e com a empresa dele, a Target Pesquisas de
Mercado.
• Defesa de ministro e senador por CPI do
INSS desagrada o governo
A
articulação política do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
ficou incomodada com as falas do ministro da Previdência, Wolney Queiroz, e do
líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (PT-SE), que, durante audiência na
Comissão de Fiscalização e Controle do Senado, defenderam a criação da CPMI do
INSS.
🔎Só que, segundo fontes do Palácio do
Planalto, isso não foi acordado com o governo.
Wolney
Queiroz disse que “pessoalmente é a favor da instalação” da CPMI. Já Carvalho
afirmou que ia defender que o partido participasse da comissão. "Acho que,
na condição de líder do PT, nós vamos defender que o partido participe dessa
CPI”, afirmou.
As
falas repercutiram mal do outro lado da Praça dos Três Poderes. O governo
considera "fajuto" o argumento de que é preciso abrir uma CPI para
provar que não tem medo de investigação. Afinal, o caso foi revelado a partir
do trabalho da própria Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Federal.
Além
disso, a avaliação é que uma CPMI poderá ter como resultado o pedido de uma
investigação que já existe. Além de, no meio do caminho, ter acesso a provas
consideradas sigilosas e acabar atrapalhando o trabalho da PF.
O
regimento comum do Congresso Nacional prevê que havendo as assinaturas
suficientes de um terço dos deputados e um terço dos senadores a Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito já está automaticamente instituída.
No
entanto, o presidente do Senado – e do Congresso – Davi Alcolumbre (União-AP)
tem dado sinais de que pode “não ler” o requerimento. Ou ainda adiar a sessão
conjunta do Congresso Nacional, prevista para ocorrer no dia 27 de maio, o que
evitaria a instalação.
• MP mira esquema de fraudes em
aposentadorias com participação de advogados e servidor público, na PB
O Grupo
de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público da
Paraíba, realiza no início desta sexta-feira (16) uma nova etapa da Operação
Retomada, que investiga irregularidades em aposentadorias no estado. Mandados
de busca estão sendo cumpridos em diversos municípios paraibanos.
A
operação investiga o envolvimento de associações suspeitas de aplicar descontos
indevidos em benefícios previdenciários, sem autorização das vítimas. Segundo o
Gaeco, as investigações indicam a participação de um servidor do Poder
Judiciário da Paraíba e de advogados na captação de nomes para figurarem como
associados de entidades constituídas de forma fraudulenta.
Estão
sendo cumpridos seis mandados judiciais nas cidades de João Pessoa, Cabedelo,
Sapé e no estado de São Paulo. A Controladoria Geral da União (CGU) e a Polícia
Civil também participam da ação.
Na fase
anterior da operação, o juiz Glauco Coutinho, da comarca de Gurinhém, foi
afastado do cargo. Além dele, três advogados foram alvos das investigações.
Segundo
a Controladoria-Geral da União (CGU), até o momento, a Operação Retomada não
tem relação com a Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal, que
também apura descontos indevidos em aposentadorias. O órgão esclarece que as
fraudes investigadas na Paraíba ocorreram em contextos distintos, envolvendo a
manipulação prévia de decisões judiciais.
Uma das
entidades sob suspeita, a Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil
(AAPB), também é alvo de apuração da Polícia Federal no âmbito da Operação Sem
Desconto.
• Como funcionava o esquema?
De
acordo com o Gaeco, os suspeitos ajuizavam ações coletivas em juízos
previamente escolhidos, mesmo sem qualquer vínculo com as partes envolvidas, e
elaboravam decisões judiciais favoráveis aos integrantes do esquema.
Com
isso, os investigados conseguiam autorizações para realizar descontos indevidos
nos benefícios previdenciários de aposentados e pensionistas de diversos órgãos
públicos, incluindo o INSS.
Os
suspeitos também realizavam a prática sistemática de fraudes envolvendo
empréstimos ofertados a idosos, por meio de "associações fictícias".
Segundo o Gaeco, essas associações, controladas por advogados, operavam como
instituições financeiras informais, à margem da regulação do Banco Central e
das normas de proteção ao consumidor.
As
investigações também apontam que os advogados aliciavam aposentados e
pensionistas — especialmente os mais vulneráveis — e induzia as vítimas a
assinar termos de adesão que, na prática, encobriam contratos de mútuo com
juros abusivos, disfarçados de mensalidades para serviços inexistentes.
O Gaeco
também afirma que o esquema concedia liminares para excluir registros de
inadimplência (como os do SPC e da Serasa) sem que as dívidas tivessem sido
realmente pagas e também suspendiam descontos de empréstimos consignados em
contracheques de servidores, aposentados e pensionistas, liberando
artificialmente a margem consignável para novos empréstimos, sem o pagamento
das operações anteriores.
Além
disso, os investigados são suspeitos de reativar créditos vencidos ou mudar
regras de programas de fidelidade de companhias aéreas, garantindo o uso de
milhas expiradas ou benefícios não previstos em contrato, em favor dos
integrantes do esquema.
• Comarcas eram dominadas pela organização
criminosa, afirma Gaeco
Segundo
o Gaeco, as ações judiciais apresentadas pelos suspeitos eram protocoladas em
comarcas controladas pela organização criminosa. Nelas, eram feitos pedidos de
validação de “adesões” fora do processo comum, sem ouvir o contraditório e sem
participação do Ministério Público.
O Gaeco
também afirma que as decisões eram emitidas em tempo recorde e se baseavam em
documentos falsificados, o que dava aparência de legalidade aos descontos
feitos de forma indevida. Em muitos casos, as vítimas nem sabiam da existência
das ações e só descobriam quando percebiam quando seus benefícios eram
atingidos.
Além
disso, os processos corriam em segredo de Justiça, o que impedia a atuação de
órgãos de controle e o direito de defesa das vítimas — em sua maioria, pessoas
em situação de maior vulnerabilidade.
• A primeira fase da Operação Retomada
A
primeira fase da Operação Retomada ocorreu no dia 11 de dezembro de 2024, a
partir de elementos que indicaram a participação de um juiz da Justiça da
Paraíba e de advogados no esquema.
Segundo
o Gaeco, o objetivo dos suspeitos era direcionar indevidamente processos
judiciais e obter ganhos ilícitos. Na ocasião, foram cumpridos mandados de
busca, resultando na apreensão de documentos, dispositivos eletrônicos e outras
provas que permitiram o avanço das investigações.
De
acordo com as investigações, associações fraudulentas como a Interativa
Associação Brasileira de Defesa do Consumidor e a Associação de Assistência aos
Aposentados e Pensionistas ajuizaram ações coletivas na Comarca de Gurinhém em
nome de pessoas idosas que não possuíam qualquer vínculo com as entidades.
A
análise do material recolhido naquela etapa possibilitou a identificação de
novas frentes investigativas, o que culminou na deflagração da segunda fase da
operação.
Ainda
de acordo com o Gaeco, com as medidas judiciais implementadas na primeira fase,
já foi possível o bloqueio de valores em contas bancárias das associações, que
somam mais de 10 milhões de reais.
Fonte:
g1

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